DISCUTINDO ASPECTOS TRIDIMENSIONAIS EM LÍNGUAS DE SINAIS

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Transcrição:

Página 139 de 658 DISCUTINDO ASPECTOS TRIDIMENSIONAIS EM LÍNGUAS DE SINAIS Maria Antoniêta Pereira Tigre Almeida ** (UESB) Adriana Stella Cardoso Lessa-de-Oliveira *** (UESB) RESUMO: O presente trabalho é uma investigação sobre a natureza tridimensional das sentenças em libras, com a finalidade de contribuir com a discussão acerca da estrutura sintática, uma vez que sua sintaxe se realiza a partir da combinação de elementos que se organizam num espaço tridimensional, onde são dispostos os localizadores para orientar o discurso. Como a modalidade escrita das línguas de sinais ainda não existe, entendemos que se faz necessário amplo estudo da estrutura da gramática das línguas de sinais na modalidade falada para que se possa procurar alternativa para a modalidade escrita dessas línguas. PALAVRAS CHAVE: Língua de Sinais; Tridimensionalidade; Estrutura Argumental. INTRODUÇÃO A libras é uma língua de dimensões espaciais, apresentando a característica de tridimensionalidade desde a constituição de sua unidade significativa menor, o sinal. O objetivo deste trabalho é verificar: 1) se essa característica se estende à constituição de sentenças; 2) como se podem representar sentenças em libras de forma ** Aluna do Programa de Pós-Graduação em Linguística: Mestrado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). *** Professora Adjunta do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários da UESB.

Página 140 de 658 escrita, considerando a existência da tridimensionalidade no nível sintático na modalidade falada dessa língua; e 3) fornecer informações que contribuam com a compreensão sintática da libras, como os seus constituintes se organizam na estrutura argumental. As línguas de sinais ainda são ágrafas apesar das várias tentativas de elaboração de sistemas de escrita ou notação para pesquisa, como os que foram feitos por: Stokoe, em 1965; Sutton, em 1974; Hamnosys, em 1989; D Sign de Paul Jouison, em 1990, François Neve, em 1996; e Barros, em 1997. Tantas tentativas para tornar escritas as línguas de sinais se justificam pela importância fundamental que tem a escrita na vida moderna. A necessidade de uso da escrita no registro de línguas de sinais é gritante em depoimentos como o de Stumpf (2005), que, em sua tese de doutorado, relata como ela como surda sente a necessidade de uma escrita que represente o mundo abstrato. Neste estudo optamos por utilizar o sistema de escrita para línguas de sinais SEL, desenvolvido por Lessa-de-Oliveira, em projeto de pesquisa, financiado pelo CNPq (Processo: 483450/2009-0) e pela FAPESB (Termo de Outorga: PPP 0080/2010), realizado na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, entre 2009 e 2012. Este sistema se mostra bastante eficiente na grafia dos sinais porque consegue representar com precisão a articulação tridimensional dos sinais de forma linear. Citamos três grandes vantagens desse sistema: ele atende ao requisito da automatização do processamento, tanto na leitura quanto na escrita; é econômico na ocupação de espaço no papel; e é de fácil aquisição. MATERIAL E MÉTODOS Com base em metodologia de coleta e análise de amostras naturais de produção em libras, este estudo investiga a estrutura de sentenças nessa língua retiradas de narrativas produzidas por informantes surdos, gravadas em videoteipe. Estes informantes compõem três grupos: a) de aquisição na infância de família ouvinte (IFO); b) de aquisição natural na infância (ANI); e c) de aquisição tardia (AT). Optamos por transcrever os dados utilizando escrita dos sinais da libras. Para isso, utilizamos o sistema de escrita SEL (cf. LESSA-DE- OLIVEIRA, 2012), fazendo algumas adaptações. Tais adaptações foram feitas porque, apesar de este sistema dar conta da tridimensionalidade encontrada no sinal, ele não foi desenvolvido para representar certos aspectos tridimensionais da sentença em línguas de sinais, pois se trata de um sistema de escrita linear, por isso mais adequado ao processamento automático da leitura, conforme sua autora.

Página 141 de 658 No sistema de escrita SEL, os caracteres são formados a partir de três macrossegmentos: mão, locação e movimento, que formam unidades denominadas por Lessa-de-Oliveira como MLMov. Os itens lexicais da libras são representados pelas unidades MLMov, na escrita SEL, conforme exemplo abaixo. MLMov - MACROSSEGMENTOS MÃO LOCAÇÃO MOVIMENTO GALINHA Cada macrossegmento se forma com traços imbricados, como descrito a seguir. O macrossegmento MÃO se forma por três elementos (parâmetros): configuração de mão ( -, mão espraiada 30 ), eixo e orientação da palma ( - eixo superior, palma para dentro). O macrossegmento LOCAÇÃO representa um ponto do corpo envolvido na articulação do sinal ( - rosto). Quanto ao macrossegmento MOVIMENTO, este se divide em dois tipos: de dedo ( - fecha os dedos indicador, médio, anular e mínimo gradativamente) e de mão, que se compõe com três elementos: tipo, orientação e plano ( - tipo retilíneo, plano frontal, orientação para baixo). Transcrevemos os dados também por meio de glosas e apresentamos uma interpretação das sentenças. Nas glosas não utilizamos nenhuma marca de ausência de flexão, como é feito por alguns autores, porque isso não interfere em nossa análise. O que fazemos é marcar nas glosas, de forma subscrita, classificadores 31 ou argumentos incluídos na raiz lexical. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados a seguir mostram que a tridimensionalidade nas línguas de sinais não se restringe ao sinal. No exemplo (1), o sinalizante realiza com a mão de base, configurada em dáblio ( ), o sinal ANDAR, significando que três pessoas estão a caminhar. A mão de 30 Os nomes das configurações de mão mencionados neste trabalho seguem a tabela de Lessa-de- Oliveira (2012). 31 Conforme Veloso (2010).

Página 142 de 658 base permanece configurada em dáblio, enquanto o sinalizante explica quem é cada uma das três pessoas. Então, com a mão principal ele aponta para cada um dos dedos da outra mão, indo do indicador ao anular, fazendo o sinal de uma pessoa específica depois da apontação de cada dedo, na ordem: HOMEM, FEIA BRUXA e MULHER. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - (1) (MB) ANDAR3 PESSOAS HOMEM PRIMEIROREFERENTE HOMEM SEGUNDOREFERENTE - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - FEIA BRUXA TERCEIROREFERENTE MULHER Caminham três pessoas, a primeira é um homem, a segunda é a bruxa feia e a terceira é uma mulher. Temos nesse exemplo o verbo andar, cuja estrutura argumental (cf. CHOMSKY, 1981) é representada por um único sinal ( ). Neste, a configuração de mão classificadora representa o argumento externo com caso nominativo. A permanência da mão configurada em dáblio, para identificar os referentes é analisada por nós como um recurso anafórico. Ou seja, o termo anafórico busca seu referente num antecedente dentro do discurso. É o que ocorre com os sinais, (o primeiro dos três), (o segundo dos três) e (o terceiro dos três), que têm como antecedente o sinal (ANDAR3 PESSOAS). Especificamente, o antecedente é o que é representado pela configuração de mão classificadora as três pessoas. No exemplo (2), encontramos várias ocorrências de simultaneidade na realização dos sinais. Inicialmente, em (2a), o sinalizante realiza como um único sinal PROCURAR (com a mão principal) e LÁ-ESTENDIDO (com a mão de base). Estamos tratando como lá-estendido uma espécie de Localizador (cf. PRADO; LESSA-DE-OLIVEIRA, 2012), isto é, um sinal de apontação que indica não apenas um ponto no espaço físico, mas vários pontos, significando uma região extensa. A configuração da mão de base permanece, enquanto a mão principal realiza, conjuntamente com a de base, o sinal ENCONTRAR,

Página 143 de 658 significando que a coisa procurada será encontrada ao final desta procura, num dos locais da vasta região investigada. Em (2b), o sinal IR é estendido com o movimento retilíneo para frente repetido na direção de três pontos diferentes no espaço físico, significando que se foi a vários lugares de uma região. Houve, neste caso, a ampliação da referência do lugar a que se foi. E em (2c), o sinalizante realiza com a mão de base o sinal (LÁESTENDIDO), ao mesmo tempo em que realiza, com a mão principal, o sinal (NÃO-ENCONTRAR), repetidas vezes. A combinação desses sinais realizados ao mesmo tempo passa a ideia de que em nenhum dos lugares investigados na vasta região, encontrou-se o que se procurava. Estes dados mostram, assim, que também a sentença em libras se constitui de forma tridimensional na modalidade falada. (2) a. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - PROCURARLÁ-ESTENDIDO ENCONTRARLÁ Procure por toda parte até encontrar. b. BATERPORTA BATERPORTA NÃO-ENCONTRAR IRESTENDIDO DEPOIS - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - c. (MB) LÁESTENDIDO NÃO-ENCONTRAR NÃO-ENCONTRAR NÃO- ENCONTRAR Bateu numa porta, não encontrou nada, depois seguiu à frente e bateu em outras portas por toda parte e não encontrou nada

Página 144 de 658 CONCLUSÕES Este estudo nos leva a concluir que o aspecto tridimensional da estrutura frasal é próprio da modalidade falada de línguas de sinais. Devido a este aspecto, encontramos nos dados: estrutura argumental representada por um único sinal; ocorrências de simultaneidade na realização dos sinais; realização de dois sinais como um único; e sinais estendidos. Aspectos como estes levam à compreensão de que as línguas de sinais, como a libras, possuem uma sintaxe espacial, em que os constituintes da sentença encontram-se dispostos no espaço físico, podendo ocorrer simultaneamente. REFERÊNCIAS CHOMSKY, Noam. Lectures on government and binding. Dordrecht: Foris, 1981. LESSA-DE-OLIVEIRA, Adriana. Libras escrita: o desafio de representar uma língua tridimensional por um sistema de escrita linear, ReVEL, - Línguas de sinais: cenário de práticas e fundamentos teóricos sobre a linguagem, v. 10, n. 19, 2012 PRADO, Lizandra; LESSA-DE-OLIVEIRA, Adriana. Dêixis em elementos constitutivos da modalidade falada de línguas de sinais, ReVEL, - Línguas de sinais: cenário de práticas e fundamentos teóricos sobre a linguagem, v. 10, n. 19, 2012 STUMPF, Mariane. Aprendizagem de Escrita de Língua de Sinais pelo sistema Sign Writing: Língua de Sinais no papel e no computador. Porto Alegre: UFRGS. CINTED, PGIE, 2005. VELOSO, Brenda. Construções classificadoras e verbos de deslocamento, existência e localização na língua de sinais brasileira. In: LIMA-SALLES, Heloisa; NAVES, Rosana. Estudos gerativos de língua de sinais brasileira e de aquisição de português (L2) por surdos. Goiânia: Cânone, 2010.