1 ARTRITE REUMATOIDE A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória crônica autoimune que acomete cerca de 1 % da população mundial. Presença de artrite nas mais diferentes articulações sinoviais. É uma doença crônica, com fenômenos inflamatórios persistentes, duração maior do que 6 semanas, debilitante, com caráter sistêmico envolvendo sinais e sintomas gerais como febre, mal-estar, emagrecimento, adinamia, além do comprometimento de outros órgãos ou sistemas. AR afeta sobretudo as pequenas articulações periféricas de forma simétrica e aditiva, podendo evoluir para incapacidade física e significativo prejuízo da qualidade de vida. América Latina tenham demonstrado uma frequência de 1 homem para cada 6 a 7 mulheres. Pode afetar indivíduos de todas as idades, embora ocorra com mais frequência em torno dos 30 a 50 anos de idade. ETIOLOGIA É caracterizada por uma resposta autoimune sistêmica estimulada por um ou mais antígenos. A predisposição genética é responsável por aproximadamente 60% do risco de desenvolver a doença, enquanto fatores ambientais também desempenham um papel importante. A associação com o complexo maior de histocompatibilidade (CMH) pertencente ao antígeno leucocitário humano (HLA) lócus DRB1 (HLA-DRB1) foi a primeira associação genética descrita em relação ao risco de AR. Estudos de associação genômica identificaram mais de 30 locos genéticos adicionais associados com AR, incluindo a proteína tirosina fosfatase N22 (PTPN22), proteína 3 induzida por fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa-IP3), fator 1 associado ao receptor do TNF (TRAF1), ativador de transcrição e transdutor de sinal do tipo 4 (STAT4), receptor 6 de quimioquina (CCR6) e PXK. EPIDEMIOLOGIA A AR é a artropatia inflamatória crônica mais comum. A prevalência oscila entre 0,4 a 1,9%. No Brasil, apesar dos poucos estudos realizados, a prevalência seria cm torno de 0,46%. É mais comum em mulheres na proporção de 3:1, embora dados mais recentes do Brasil e da A importância do componente hormonal é indicada pela maior incidência da doença em mulheres, no período da pré-menopausa ou pósparto, além da melhora dos sintomas observada durante a gestação. Considera-se como fator protetor o uso de pílulas anticoncepcionais, sugerindo-se que as oscilações hormonais das mulheres têm implicação na doença. Em relação aos fatores ambientais, o tabagismo e algumas infecções, particularmente aquelas causadas por EBV (Epstein-Barr), parvovírus B-19 e três bactérias (M. tuberculosis, E. coli e Proteus
2 mirabilis), têm sido implicados como agentes desencadeadores da doença. Fatores como o estresse e a dieta também já foram estudados e parecem contribuir para a gravidade da doença. FISIOPATOLOGIA A interação do sistema imune inato (células apresentadoras de antígeno) e o sistema imune adaptativo (linfócitos T CD4+ e linfócitos B) é central na patogênese da doença. O desequilíbrio entre as citocinas próinflamatórias e as citocinas anti-inflamatórias desempenha um papel importante na doença. Esse desequilíbrio promove a indução da autoimunidade, inflamação e destruição articular. O alvo primário da inflamação na AR é a membrana sinovial, que sofre intensa transformação. A membrana sinovial é constituída de tecido conjuntivo frouxo e, normalmente uma a duas camadas de células que revestem sua superfície mais interna. Na AR, a membrana sinovial torna-se mais espessa às custas do aumento no número de células constituintes (sinoviócitos do tipo A, semelhantes a macrófagos; e tipo B semelhantes a fibroblastos, responsáveis pela síntese do líquido sinovial), e pela invasão maciça de diversas células do sistema linfo-hematopoiético. A membrana sinovial reumatoide é caracterizada por hiperplasia e proliferação vascular, neoangiogênese e um infiltrado inflamatório intenso. Nas camadas mais profundas da membrana sinovial, observa-se acúmulo de vasos neoformados e, com frequência, aglomerados linfoides muito semelhantes aos folículos e aos vasos/vênulas de um linfonodo. Na região da membrana sinovial em íntima relação com a cartilagem articular e com o osso adjacente, observa-se um tecido granulomatoso com células gigantes, fibroblastos e macrófagos, que recebe o nome de pannus. + Esse tecido inflamatório tem o potencial de invadir e induzir degradação do tecido conjuntivo por enzimas proteolíticas (metaloproteinases), perda de condrócitos e erosões ósseas, por meio da estimulação da sobrevida e da atividade de osteoclastos sobre a matriz óssea. Os folículos linfoides observados na sinóvia da AR são ricos em células T CD4+. Macrófagos são encontrados tanto nos folículos como ao seu redor. As células T CD8+, assim como outras células plasmáticas, são mais frequentes entre os neovasos. Linfócitos B são mais raros nas camadas profundas da sinóvia. A maioria destas células está em sua forma ativada, isto é, expressam, na membrana, moléculas ou antígenos do CMH tipo II, receptores de TNF-alfa, entre outros. Além disso, produzem citocinas pró-inflamatórias. As citocinas, especialmente o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa) e as interleucinas IL-1 - beta e IL-6, são as principais responsáveis pelo processo inflamatório crônico. No entanto, outras citocinas, como IL-23, IL-17 A e o interferon gama (IFN-gama), também desempenham papéis cruciais na patogêncse da AR. IL-4 e IL-10, por outro lado têm sido identificadas como citocinas anti-inflamatórias. O liquido sinovial também está alterado na AR, com aumento de volume e celularidade (polimorfonucleares, células T, macrófagos, células dendríticas e células B).
3 QUADRO CLÍNICO O quadro articular característico da doença frequentemente é precedido por sintomas sistêmicos como fadiga, febre baixa e mialgia difusa. A artrite reumatoide ocorre habitualmente, na faixa etária de 20 a 60 anos, com a maior incidência entre 35 e 45 anos. MANIFESTAÇÕES ARTICULARES O quadro clinico, caracterizado por dor e edema das articulações, é frequentemente poliarticular, envolvendo sobretudo as pequenas articulações de mãos e pés. Em geral, o acometimento articular é simétrico e aditivo. A rigidez articular (enrijecimento ou sensação de inchaço) é observada principalmente pela manhã, após o período de inatividade noturna (rigidez matinal) e melhora com a movimentação. As articulações mais acometidas nos membros superiores são as dos punhos, metacarpofalângicas e interfalângicas proximais. Mão Reumatoide punho alargado pela sinovite, atrofia dos músculos interósseos das mãos e aumento de volume das metacarpofalângicas e/ou interfalângicas proximais. Deformidades - Desvio ulnar dos dedos, dedo em pescoço de cisne (hiperextensão da articulação interfalângica proximal e flexão da interfalângica distal) e boutonniere (flexão da interfalângica proximal e hiperextensão da interfalângica distal). Podem ocorrer compressões neurológicas periféricas, tanto pelo processo inflamatório ativo como por deformidades crônicas na doença de longa evolução. Observa-se artrite nos tornozelos, metatarsofalângicas e interfalângicas dos artelhos. Quanto ao envolvimento do joelho, caracteriza-se pela formação de grandes derrames e cistos sinoviais - particularmente o chamado cisto de Baker, que pode se estender para a fossa poplítea, panturrilha e face posterior da coxa. A AR também acomete o esqueleto axial, particularmente a articulação atlantoaxial. Quadros de compressão medular e mesmo morte súbita são observados como consequência principalmente da subluxação atlantoaxial. O envolvimento da coluna lombar e sacroillaca é muito raro. A articulação temporomandibular é comprometida em mais de 50% dos pacientes, tornando difícil a mastigação, e pode ser causa de dor referida no ouvido médio e na garganta. Artrite da articulação cricoaritenóidea pode levar à rouquidão e raramente à obstrução grave das vias aéreas superiores. A artrite esternoclavicular ocorre em até 30% dos pacientes. MANIFESTAÇÕES EXTRA- ARTICULARES As manifestações extra-articulares podem ocorrer em até 40%
4 Sintomas gerais de febre e emagrecimento também podem ser identificados, assim como a associação de uma anemia de doença crónica. São fatores de risco para estas manifestações: FR positivo, HLA-DRB 10401, doença articular grave com incapacidade precoce e tabagismo. Olhos: Ceratoconjuntivite sicca, Episclerite, Esclerite e nódulos coroides e retinianos. Pulmão: Doença Pleural, nodulose pulmonar, fibrose intersticial e bronquiolite obliterante. Pele e subcutâneo: nódulos subcutâneos são observados em 30% dos pacientes. Vasculites cutâneas, incluindo lesões periungueais, úlceras cutâneas, pioderma gangrenoso e eritema palmar, assim como quadros mais graves com isquemia, necrose e perda tecidual. Anemia: achado comum e com múltiplas causas, desde sangramentos por uso crónico de AJNH e depleção de ferro até anemia de doença crônica. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da AR é clínico. Exames laboratoriais e radiografias complementam uma história clinica bem feita e o exame físico articular. O diagnóstico de AR deve ser considerado quando 4 dos 7 critérios Coração e pericárdio: pode ocorrer derrame pericárdico subclínico, raramente causando tamponamento. Miocardite, nódulos no sistema de condução e vasculite coronariana. Aumento da incidência de doenças cardiovasculares. Sistema nervoso: neuropatias periféricas por compressão, compressão medular por subluxação C1-C2, mononeurites múltiplas por vasculite do vasa nervorum e, raramente, vasculite de sistema nervoso central. Baço e Fígado: sindrome de Felty - esplenomegalia, febre, neutropenia e úlcera de membros inferiores. Vias aéreas superiores: rouquidão por acometimento das cricoaritenóideas, nódulos reumatoides. Os critérios baseiam-se em um sistema de pontuação de alterações clínicas e laboratoriais, conforme especificado na Tabela, cuja soma igual ou superior a 6 pontos direciona para o diagnóstico de AR. + Os critérios devem ser aplicados somente em pacientes que apresentem artrite cm pelo menos uma articulação, não explicada por outras causas.
5 MÉTODOS DE IMAGEM Radiografia - As alterações radiográficas na AR incluem aumento das partes moles periarticulares, osteopenia periarticular, redução dos espaços articulares, erosões marginais, subluxações e anquilose óssea, com distribuição simétrica. + Na doença inicial, recomenda-se uma avaliação basal no momento do diagnóstico e outra depois de 6 meses, para avaliar o aparecimento de erosões ou perda do espaço articular, que indicariam necessidade de medicaçãomais agressiva. A partir deste momento, recomendam-se exames anuais. AUTOANTICORPOS Fator reumatoide - é um autoanticorpo encontrado em cerca de 70 a 80% dos pacientes com AR, geralmente uma imunoglobulina lgm (podendo ser também das classes lga, IgG e lge) dirigida contra a fração constante (Fc) de outro anticorpo da classe IgG. + Pode ser positivo, frequentemente de forma transitória e em títulos baixos, em indivíduos normais, sobretudo em idosos e mulheres. Anticorpos antipeptídeos (anti-ccp) - constituem um grupo de autoanticorpos que reconhecem, como antígenos peptídios, proteínas ricas em citrulina. + Quando FR e anti- CCP estão presentes, acredita- se que a especificidade para o diagnóstico de AR seja de cerca de 99,5%. Quanto ao valor prognóstico, a maioria dos estudos aponta o anticorpo como fator de risco para doença com pior prognóstico. A coluna cervical deve ser avaliada periodicamente. Ultrassonografia e Ressonância magnética - Estas duas técnicas começam a ser utilizadas na tentativa de identificar, o mais precocemente possível, erosões e sinovites. TRATAMENTO As metas do tratamento da AR são o controle da dor, a redução da inflamação, a proteção e a preservação das estruturas articulares, evitando deformidades e controle de envolvimento sistêmico. ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO HORMONAIS Em fases ativas da doença, os pacientes com AR geralmente precisam de doses plenas de AINH por tempo relativamente longo. O uso concomitante de terapia inibidora de bomba de prótons é recomendado.
6 CORTICOSTEROIDES Devem ser utilizados em doses baixas a moderadas (<10 mg/dia) no controle da dor e do processo inflamatório articular. O uso em doses maiores (pulsoterapia intravenosa ou doses orais de 0,5 a 1 mg/kg/dia) pode ser requerido em caso de manifestações sistêmicas graves, como vasculite reumatoide. Em caso de uso prolongado, recomenda-se prevenção de osteoporose, com o emprego de cálcio, vitamina D e bisfosfonatos. AGENTES MODIFICADORES DO CURSO DA DOENÇA São as medicações de base que interferem nos mecanismos da doença Eles auxiliam o controle da doença no longo prazo, melhorando a evolução. Tem resposta sustentada, efeito poupador de corticosteroide, bloqueia a progressão das lesões radiográficas e é considerado padrão para o tratamento da AR. A estratégia recomendada é de iniciar com 15 mg/semana via oral (VO), com escalonamento rápido (5 mg/mês) até 25 a 30 mg/semana, pois há melhor resposta (eficácia) e maior taxa de retenção se usado em doses mais altas (25 mg/semana) e com rápido escalonamento (5 mg/mês). Uso de ácido fólico (1 a 2 mg/dia) ou folínico (2,5 a 5 mg/semana) ajuda a prevenir efeitos colaterais de mucosa e gastrointestinal, assim como a toxicidade hepática sem alterar eficácia. Os efeitos colaterais mais frequentes são intolerância gastrointestinal (náuseas, mucosite, úlceras orais), hepatotoxicidade, miclotoxicidade, suscetibilidade a infecções e toxicidade pulmonar (pneumonite). As contraindicaçõessão hipersensibilidade ao MTX, insuficiência renal (CICr < 50 ml/minuto ou diálise), insuficiência hepática ou doença hepática crônica ativa, etilismo, gravidez, lactação, citopenias e infecção ativa. METOTREXATO É um agente que age na síntese de novo das purinas e pirimidinas, com ação antiproliferação de linfócitos e efeitos anti-inflamatórios. REFERÊNCIA Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças osteometahólicas, doenças reumatológicas. 2 ed. Barueri, SP: Manole, 2016.