NARRATIVAS SOBRE O ENVELHECER: MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DE IDOSAS Wanderléia da Consolação Paiva(1); Dr. Marcos Vieira Silva(2) Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) São João Del-Rei Minas Gerais - Brasil RESUMO O presente texto apresenta os conceitos de velhice, identidade e memória nos estudos de alguns autores clássicos e contemporâneos que favorecem a compreensão do sentido do envelhecer. Trata-se de apresentar um breve esboço da revisão de literatura da pesquisa proposta em um programa de mestrado em psicologia. Palavras-chave: envelhecimento; memória; identidade. Segundo Maia; Londero; Henz (2008), a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o período de 1975 a 2025 a Era do Envelhecimento. No Brasil, segundo dados do IBGE, na década de 1970, cerca de 4,95% da população brasileira era de idosos, percentual que subiu para 8,47% na década de 1990, havendo a expectativa de alcançar 9,2 em 2010. De acordo com Cançado (1996), o aumento do número de idosos também tem sido acompanhado por um acréscimo significativo nos anos de vida da população brasileira. A expectativa de vida, que era em torno de 33,7 anos em 1950/1955, passou para 50,99 em 1990, chegou até 66,25 em 1995 e deverá alcançar 77,08 em 2020/2025. Dadas as estatísticas, os profissionais das áreas da saúde e da educação têm buscado novos conhecimentos, técnicas e modos de lidar com esta parcela emergente da população uma vez que a mesma possui demandas específicas para obtenção de adequadas condições de vida. Tais demandas fizeram da velhice tema privilegiado de investigação nas distintas áreas de conhecimento, elevando substancialmente o volume de obras publicadas nos últimos tempos.
Nesta perspectiva, estamos propondo uma pesquisa que visa investigar qual é o sentido dado por idosas freqüentadoras de dois grupos de terceira idade de Barbacena (M.G.) para o seu processo de envelhecimento. Nossa pesquisa articula-se a proposta de pesquisa-intervenção adotada no LAPIP Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), associado ao programa de mestrado desta instituição. A partir dos discursos produzidos nos grupos, queremos compreender de que forma a relação identidade, memória e história de vida se relacionam com o sentido atribuído por estas idosas ao seu envelhecimento. Neste primeiro momento, ainda não iniciamos a pesquisa de campo mas estamos investigando o que outros estudiosos tem para dizer sobre o envelhecer para num segundo momento relacioná-los com dados tratados na pesquisa de campo. Na tentativa de pesquisar sobre o tema, encontramos a condição da multidisciplinaridade para a compreensão e enriquecimento do mesmo. A busca por autores contemporâneos que estudam sobre a velhice também nos remete a uma formação diversificada. Daí a necessidade do surgimento de uma nova ciência, a gerontologia, para tentar dar conta desta complexidade a partir de vários olhares. A velhice é considerada uma condição complexa (MERCADANTE, 2005) e total (BEAUVOIR, 1990), que envolve não apenas questões biológicas mas também sociais. A própria definição dos termos velho, velhote, idoso e terceira idade conforme demonstrou Peixoto (2007) a partir dos seus estudos comparativos entre a França e o Brasil demonstram essa abertura para o aspecto social. Em seu estudo sobre obras que discutem o envelhecimento, Siqueira, Botelho; Coelho (2002) analisam quatro perspectivas de análise para pensar a forma como a velhice é tratada nos textos escritos. Para o nosso estudo,
interessa-nos a vertente denominada transdisciplinar que tem as obras de Beauvoir (1990) e Bosi (1983) como marcos principais. Nessa perspectiva, a velhice é percebida como fenômeno natural e social que se desenrola sobre o ser humano, único, indivisível, que, na sua totalidade existencial, defronta-se com problemas e limitações de ordem biológica, econômica e sociocultural que singularizam seu processo de envelhecimento. Tanto Beauvoir (1990) quanto Bosi (1983) concluíram em suas obras que, em relação à velhice, a sociedade formula uma série de clichês baseados no fato de que, quando se considera o homem idoso um objeto da ciência, da história e da sociedade, procede-se a sua descrição em exterioridade, isto é, o idoso é descrito pelo outro e não por ele próprio. Entretanto, advertiu Beauvoir (1990), ele é (...) um indivíduo que interioriza a própria situação e a ela reage. Esse fato encerra a velhice em uma pluralidade de experiências individuais que impossibilita retê-la em um conceito ou noção ao investigá-la, deixando ao alcance do pesquisador somente a possibilidade de confrontar as diferentes experiências de envelhecimento umas com as outras, e a tentativa de identificar as constantes e determinar as razões de suas diferenças. Além desses apontamentos, produzir pesquisa sobre o envelhecimento implica em não cair em algumas armadilhas conforme frisou Debert (2007): considerar a velhice como socialmente construída; entender as categorias de idade como construções históricas e sociais; o cuidado com a busca de afirmações universais; a diferença de termos idade cronológica, geracional e níveis de maturidade; a cronologização da vida na modernidade; a modernidade e o conceito de gerações; as definições e fases de um problema social; a ciência considerando a análise cultural. Mas como compreender as origens dos discursos dos idosos sobre si mesmos? Esta pergunta nos remete aos conceitos de identidade e memória.
Para Barros (2007, p. 130), pensar a velhice em termos de identidade social possibilita perceber que a velhice é uma classificação, uma vez que há uma atribuição por parte da sociedade e uma auto-atribuição concomitantemente da identidade etária, separando e arrumando os indivíduos em um parâmetro de idade. Mas a transposição do esquema teórico de identidade étnica para o de identidade etária não é imediata. A identidade social sofre, ela própria, valorizações por parte de grupos e/ou indivíduos em interação social, e as características a ela atribuídas são também bem ou mal valorizadas. Mercadante (2005, p. 33) aponta para a existência de uma identidade construída, com base em um modelo estigmatizador de velho e a verificação da fuga desse modelo pelos próprios idosos, que como indivíduos, como seres singulares, não se sentem incluídos nele, apontam para o mesmo fundamento, próprio da construção de uma identidade social paradoxal: velho não sou eu, mas é o outro. Mesmo com tantas possibilidades de compreender sobre os diferentes ângulos na constituição da identidade do idoso, concordamos que a identidade é metamorfose. (CIAMPA, 1993). Sendo assim, o grupo é um dos espaços onde as reflexões podem produzir mudanças no estar velho. Para compreender o estar velho no presente, recorremos às narrativas que falam de um tempo passado, de lembranças, reminiscências, memórias. Maurice Halbwachs, na sua obra A Memória Coletiva, defende que quando resgatamos as narrativas dos sujeitos, trabalhamos com a lembrança única, a experiência de um sujeito único mas que faz parte de uma comunidade afetiva. Para ele, a lembrança se liga a um contexto social mais amplo. Para Ferreira (2005, p. 208) A memória, enquanto recorte analítico, é tratada como um nexo entre o indivíduo e seu mundo, sempre acionada no presente, disposta na interface entre o indivíduo e o social. A idéia de um indivíduo desmemoriado vem sempre associada com a idéia de seu descolamento do mundo dos significados sociais, de sua fragmentação como sujeito em decorrência da perda da sua história pessoal, de sua trajetória social, de referências de pertencimento. (grifos meus)
Portanto, ainda para a autora, discutir o papel da memória no processo de envelhecimento significa abordar o locus privilegiado de construção de identidade do ser velho e as estratégias de afirmação nos espaços sociais. Refletindo todo um universo de representações e significados, a memória, atualizada pela categoria lembrança, constitui, ela própria, uma representação que os sujeitos fazem de sua própria vida. A condição de pensar a memória como um método de trabalho é explorada também por Brandão (2007) na sua vasta experiência com oficinas autobiográfica. A autora afirma que o processo de reconstrução e ressignificação, por meio das memórias, mostra a identidade como categoria dinâmica, construída, múltipla, passível de ser atualizada e, ainda, a maneira como ela acompanha a construção de um sentido para a trajetória narrada como uma história. A memória estabelece a nossa individualidade e a nossa identidade. O trabalho da memória é indissociável da organização social da vida e por ele se dá a construção de coerência e de continuidade da própria história da pessoa; nas palavras do autor, "a reconstrução a posteriori da história da vida ordena acontecimentos que balizaram uma existência" e, "através desse trabalho de reconstrução de si mesmo, o indivíduo tende a definir seu lugar social e suas relações com os outros" (Polak apud Fernandes, 2002). REFERÊNCIAS BARROS, M.M.L. de. (2007) Testemunho de vida: um estudo antropológico de mulheres na velhice. In: BARROS, M.M.L. de. Velhice ou Terceira Idade? 4. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2007. Cap.6. p. 113-168 BEAUVOIR, S. (1990) A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. BOSI, E. (1987) Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T.A. Queiroz: Editora da USP.
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