16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental

Documentos relacionados
Boletim Gaúcho de Geografia

APLICAÇÃO DE METODOLOGIA DE ESTAQUEAMENTO PARA ESTUDO DO PROCESSO DE VOÇOROCAMENTO NO MUNICÍPIO DE RANCHARIA-SP.

Técnicas de baixo custo para o controle de ravinas e voçorocas: experiências no Oeste Paulista

16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental. 3º Simpósio de Recursos Hídricos

Estudo da Dinâmica do Processo de Voçorocamento Através de Pesquisas de Campo no Município de Rancharia, SP, Brasil

CARTA DE RISCO DE EROSÃO LINEAR DE ÁREA DEGRADADA POR VOÇOROCA, MUNICÍPIO DE RANCHARIA, SÃO PAULO, BRASIL.

USO DAS TERMINOLOGIAS DE PROCESSOS EROSIVOS LINEARES DOS TIPOS RAVINA E VOÇOROCA

REGISTROS HISTÓRICOS DAS BOÇOROCAS URBANAS EM RANCHARIA (SP)

IV Seminário de Iniciação Científica

COMUNICAÇÃO TÉCNICA Nº Erosão e assoreamento; duas faces da mesma moeda. Filipe Antonio Marques.

Caracterização dos processos evolutivos e da dinâmica erosiva em Rondon do Pará, com ênfase na prevenção de desastres.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO. MÓDULO 1: GEOMORFOLOGIA PROCESSUAL Introdução à Geomorfologia: Processos e Formas Domínio Tropical Úmido: Formas e Processos

DEGRADAÇÃO DOS SOLOS

ANÁLISE DA DINÂMICA ESPAÇO-TEMPORAL DO PROCESSO DE VOÇOROCAMENTO ATRAVÉS DE PESQUISAS DE CAMPO NO MUNICÍPIO DE RANCHARIA-SP.

USO DO SOLO E MAPEAMENTO DE ÁREAS DE EROSÃO ACELERADA

A VARIABILIDADE DAS PRECIPITAÇÕES E OS IMPACTOS DOS PROCESSOS EROSIVOS NA ÁREA URBANA DE RANCHARIA (SP)

DEFINIÇÕES, CLASSIFICAÇÕES E FORMAS DE VOÇOROCAS. Antonio Fábio Guimarães Vieira, Depto de Geografia/UFAM.

DIAGNÓSTICOS DE PROCESSOS EROSIVOS NO MUNICÍPIO DE NOVA ANDRADINA MS

EROSÕES NO BAIRRO POLOCENTRO EM ANÁPOLIS (GO): CADASTRAMENTO E RELAÇÕES COM AS FORMAS DE RELEVO E USO DA TERRA.

A EROSÃO DE SOLOS NO EXTREMO OESTE PAULISTA E SEUS IMPACTOS NO CAMPO E NA CIDADE 1

PHD Água em Ambientes Urbanos

Geomorfologia Aplicada

MAPEAMENTO DAS INCISÕES EROSIVAS DO TIPO VOÇOROCA NA RODOVIA AM-010 MANAUS/ITACOATIARA MAPEAMENTO DAS INCISÕES EROSIVAS DO TIPO VOÇOROCA NA

EROSÃO EM ÁREAS URBANAS

RISCOS GEOMORFOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NA MICROBACIA DO CÓRREGO DOS CESÁRIOS EM ANÁPOLIS (GO)

USO DA TERRA, EROSÃO ACELERADA E ASSOREAMENTO NA MICROBACIA DO CÓRREGO DOS GÓIS, ANÁPOLIS (GO) Karine Vicência Souto 1 ; Homero Lacerda 2

Figura 07: Arenito Fluvial na baixa vertente formando lajeado Fonte: Corrêa, L. da S. L. trabalho de campo dia

FEIÇÕES EROSIVAS IDENTIFICADAS NOS SOLOS DA SERRA DO TEPEQUÉM- RR. FEIÇÕES EROSIVAS IDENTIFICADAS NOS SOLOS DA SERRA DO

O ZONEAMENTO AMBIENTAL URBANO E A GEOMORFOLOGIA

ÁREAS DE RISCO AO USO/OCUPAÇÃO DO SOLO NA SUB-BACIA DO CÓRREGO DO SEMINÁRIO, MUNICÍPIO DE MARIANA MG. COSTA, R. F. 1 PAULO J. R. 2

Revista Brasileira de Geografia Física

CARACTERIZAÇÃO DE MECANISMOS QUE ATUAM NO PROCESSO DE EROSÃO EM TÚNEIS (PIPING EROSION) NO MUNICIPIO DE CANDÓI - PR

16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental PROCESSOS EROSIVOS HÍDRICOS LINEARES DOS TIPOS RAVINA E BOÇOROCA

Recursos Hídricos e Manejo de Bacias Hidrográficas Profa. Cristiana C. Miranda RECORDANDO NOSSA AULA DE INFILTRAÇÃO..

ACIDENTES GEOMORFOLÓGICOS E USO DA TERRA NA MICROBACIA DO ALTO CURSO DO RIO DAS ANTAS, ANÁPOLIS (GO).

3.2. Programa de Monitoramento de Focos Erosivos. Revisão 00 NOV/2013. PCH Jacaré Plano de Controle Ambiental - PCA PROGRAMAS AMBIENTAIS

Kátia Canil IPT /

Processos denudacionais

ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS VOÇOROCAS DA SERRA DA FORTALEZA EM CAMPOS GERAIS, SUL DE MINAS GERAIS

ESTUDO DA MORFODINÂMICA DA MICROBACIA DO CÓRREGO DO CHAFARIZ NA ÁREA URBANA DE ALFENAS- MG: PROPOSTA DE RECUPERAÇÃO

Laser na Identificação de Ravinas

ALGUMAS TÉCNICAS MITIGADORAS PARA A RECUPERAÇÃO DE VOÇOROCAS: O CASO DA VOÇOROCA DO CÓRREGO CABRAL, DISTRITO DE GASPAR LOPES MUNICÍPIO DE ALFENAS- MG

Neste capítulo serão apresentados os resultados da análise quantitativa e

Morfologia Fluvial. Josué Souza de Gois

3.2. Programa de Monitoramento de Focos Erosivos. Revisão 00 NOV/2013. PCH Dores de Guanhães Plano de Controle Ambiental - PCA PROGRAMAS AMBIENTAIS

Aplicação da Metodologia ZERMOS no Diagnóstico das Zonas de Risco de Movimento de Solo na bacia do Córrego Gurupá Floraí PR

Hidrologia Bacias hidrográficas

3.2. Programa de Monitoramento de Focos Erosivos. Revisão 00 NOV/2013. PCH Senhora do Porto Plano de Controle Ambiental - PCA PROGRAMAS AMBIENTAIS

CICLO HIDROLÓGICO FENÔMENO GLOBAL DE CIRCULAÇÃO DE ÁGUA ENTRE A SUPERFÍCIE TERRESTRE E A ATMOSFERA, IMPULSIONADO PELA ENERGIA SOLAR.

PROCESSOS EROSIVOS DO SOLO NA REGIÃO NOROESTE DO PARANÁ: UM ESTUDO DE CASO

LINHA DE PESQUISA: DINÂMICAS DA NATUREZA

verificar a progressão da voçoroca. Nessa ocasião percebe-se um avanço de 30 centímetros da

(capaz de gerar escoamento)

HIDROGRÁFICA DO MAUAZINHO, MANAUS-AM.

Orogênese (formação de montanhas): o choque entre placas tectônicas forma as cordilheiras.

EROSÃO ACELERADA EM UMA CANAL URBANO ASSOCIADA À OCUPAÇÃO URBANA PERIFÉRICA NO MUNICÍPIO DE GOIÂNIA> RESULTADOS PRELIMINARES.

AVALIAÇÃO DA DISSECAÇÃO DO RELEVO DA ALTA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIBEIRÃO DO AREIA DOURADA, MARABÁ PAULISTA SP.

3.2. Programa de Monitoramento de Focos Erosivos. Revisão 00 NOV/2013. PCH Fortuna II Plano de Controle Ambiental - PCA PROGRAMAS AMBIENTAIS

ELABORAÇÃO DE MAPA GEOMORFOLÓGICO DO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE SP.

COMPARTIMENTAÇÃO MORFOLÓGICA DA BACIA DO RIO SÃO THOMÉ, MUNICÍPIOS DE ALFENAS, SERRANIA E MACHADO (MG)

A seção 4 está localizada a uma altitude de 560 metros. coordenadas 19º29'10'' de latitude sul e 49º12'48'' de longitude oeste, sendo representadas

ESTUDO GEOMORFOLÓGICO PARA O PLANEJAMENTO AMBIENTAL: O CASO DAS EROSÕES LINEARES NA CIDADE DE FRUTAL/MG

IMPACTOS AMBIENTAIS* DO USO DAS TERRAS

Sistema de Esgotamento Sanitário

Análise da Susceptibilidade a Processos Erosivos, de Inundação e Assoreamento em Itajobi-SP a Partir do Mapeamento Geológico- Geotécnico

ANÁLISE DAS MODIFICAÇÕES ANTRÓPICAS NO SÍTIO URBANO DE TERESINA-PIAUÍ. Teresa Cristina Ferreira da Silva

SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL CPRM DIRETORIA DE HIDROLOGIA E GESTÃO TERRITORIAL DHT

ANÁLISE DOS PROCESSOS EROSIVOS PLUVIAIS EM ARGISSOLOS ATRAVÉS DE PARCELAS EXPERIMENTAIS PARA O MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE - SP.

Revista Brasileira de Geografia Física

GEOMORFOLOGIA ANTRÓPICA E RISCOS GEOMORFOLÓGICOS NA MICROBACIA DO CÓRREGO ÁGUA FRIA, ANÁPOLIS (GO) Andrelisa Santos de Jesus 1 ; Homero Lacerda 2

VOÇOROCAS: PROCESSOS DE FORMAÇÃO, PREVENÇÃO E MEDIDAS CORRETIVAS. Gullies: Process of formation, prevention and corrective measures

Erosão e assoreamento em áreas urbanas Paula Flumian Soubhia Uriel Cardoso Bianchini

FONSECA, A.P. (1) (1) CEFET-RJ, COELHO NETTO, A.L. (2) (2) IGEO/UFRJ,

FORMAÇÃO DE DEPÓSITOS TECNOGÊNICOS: AÇÃO GEOMORFOLÓGICA DA SOCIEDADE NAS PLANÍCIES FLUVIAIS DA CIDADE DE PRESIDENTE PRUDENTE

Pirenópolis Goiás Brasil

PROJETOS DE PESQUISA VINCULADOS AO MESTRADO PROFISSIONAL EM GEOGRAFIA

RISCO GEOMORFOLÓGICO: UMA POSSÍVEL ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Retrospectiva sobre regimes hidrológicos e importância do planejamento urbano na prevenção quanto a eventos extremos

USO DO SOLO NAS ENCOSTAS AFETADAS POR EROSÃO EM TÚNEIS NO MUNICÍPIO DE CANDÓI - PR.

MAPEAMENTO GEOMORFOLÓGICO NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE SP, BRASIL.

FORMAS DO RELEVO NA PORÇÃO NOROESTE DE ANÁPOLIS-GO. Lidiane Ribeiro dos Santos 1 ; Homero Lacerda 2

MAPA DE EROSÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Uso do capim vetiver (sistema vetiver) na estabilização de taludes de rodovias, proteção de drenagens e de áreas marginais

PROCESSOS DO MEIO FÍSICO. Prof. Dr. Fernando Ximenes T. Salomão. UFMT Cuiabá 2010

MONITORAMENTO DOS PROCESSOS EROSIVOS POR VOÇOROCAMENTO NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DE RIBAMAR, ILHA DO MARANHÃO (MA)

OUTRAS MEDIDAS DE IMPORTÂNCIA SANITÁRIA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS DA TERRA DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA GEOMORFOLOGIA BÁSICA E ESTRUTURAL - GB 128 TEMA 1

Capítulo IX - Conclusões. IX - Conclusões

AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO DOS PROCESSOS EROSIVOS NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DE ÁGUA DE GATO CONCELHO DE SÃO DOMINGOS, CABO VERDE

Agentes Externos ou Exógenos

7 CONCLUSÕES E SUGESTÕES

O TRABALHO DE CAMPO E A APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO: UM ESTUDO DO CASO EM VOÇOROCAS NA ÁREA URBANA DE TEÓFILO OTONI, MINAS GERAIS.

Tecnologia de solos: dimensionamento e recomendação de terraceamento. gerd sparovek (lso/esalq) segundo semestre de 2017

ASSOREAMENTO DA REPRESA DO SILVESTRE, ANAPOLIS (GO) Patrícia Martins de Oliveira 1 ; Homero Lacerda 2

ANÁLISE DO TRANSPORTE DE SEDIMENTOS COM DIFERENTES TIPOS DE USO DO SOLO EM CALHAS DE GERLACH (1966) NA FAZENDA EXPERIMENTAL DO GLÓRIA, UBERLÂNDIA MG.

Relevo da Bacia do Rio das Antas (GO): Revisão Bibliográfica

USO E OCUPAÇÃO DO SOLO NA MICROBACIA DOS RIBEIRÕES LAPA/CANTAGALO IPEÚNA (SP)

ALYSON BUENO FRANCISCO O PROCESSO DE VOÇOROCAMENTO NO PERÍMETRO URBANO DE RANCHARIA-SP: SUA DINÂMICA E AS PROPOSTAS DE RECUPERAÇÃO

GEOMORFOLOGIA FLUVIAL: PROCESSOS E FORMAS

ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA LUIZ DE QUEIROZ ESALQ/USP LEB 1440 HIDROLOGIA E DRENAGEM. Prof. Fernando Campos Mendonça. Aula 11 Drenagem Subterrânea

Transcrição:

16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 11º Simpósio Nacional de Controle de Erosão 4º Simpósio de Educação e Ensino em Geologia BOÇOROCA OU VOÇOROCA: OS CONCEITOS PARA UMA FORMA EROSIVA Alyson Bueno Francisco 1 Resumo Neste artigo são apresentadas as considerações sobre o conceito de boçoroca e os diferentes conceitos utilizados para se referir à uma única forma erosiva presente em inúmeras regiões do Brasil. Até a década de 1990, os pesquisadores brasileiros do campo das Geociências utilizavam a expressão boçoroca de origem do tupi-guarani, que significa rasgão da terra. Entretanto, a partir do final da década de 1990, muitos pesquisadores passaram a utilizar a expressão voçoroca, mas não argumentaram cientificamente da necessidade dessa mudança conceitual. Neste sentido, este artigo visa apresentar a fundamentação do conceito de boçoroca através dos autores Ab Saber (1968), Furlani (1969), Vieira (1978), Oliveira (1994) e Salomão (1994). A filosofia da linguagem nos auxilia na compreensão do hábito utilizado pelos pesquisadores na apresentação de novos conceitos que permanecem apenas no campo teórico. Para contribuir na recuperação das áreas degradadas são necessários estudos empíricos próximos da realidade de cada localidade que vivencia o problema durante décadas. Palavras-Chave erosão; linguagem; Francis Bacon Abstract In this article are presented the considerations about the gully s concept and the different concepts used to refer to a single form erosive present in numerous regions of Brazil. Until the late 1990s, the Brazilian researchers in the field of Geosciences used the expression boçoroca of Tupi-Guarani origin, meaning tear of the soil. However, from the end of 1990s, many researchers have come to use the term gully, but not argued scientifically that need conceptual change. In this sense, this article aims to introduce the concept of gully through the authors Ab'Saber (1968), Furlani (1969), Vieira (1978), Oliveira (1994) and Salomão (1994). The philosophy of language helped in understanding the habit used by researchers in the presentation of new concepts that remain only in the theoretical. To contribute to the recovery of degraded areas are necessary empirical studies close to the reality of each locale that is experiencing the problem for decades. Key-words erosion; language; Francis Bacon. 1 Geóg., PhD, Universidade Estadual Paulista (UNESP), alysonbueno@gmail.com 16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 1

1. INTRODUÇÃO As perdas de solo em ritmo acelerado nas áreas degradadas do Planalto Ocidental Paulista representam danos ambientais e econômicos. Estas perdas aceleradas de solo tornaram-se um fenômeno presente em inúmeras localidades no Estado de São Paulo com a formação de formas erosivas lineares (ravinas e boçorocas). De acordo com Almeida Filho et al. (2015) foram cadastrados 41.262 processos erosivos lineares em todo o Estado de São Paulo, sendo 30.953 boçorocas cadastradas. As boçorocas são formas erosivas de grande porte que se desenvolvem geralmente em áreas de cabeceiras de drenagem com a ação das águas subsuperficiais (freático) por erosão interna (piping), possuindo um fundo chato e paredes íngremes. No boçorocamento ocorre uma ação conjugada das águas superficiais e subsuperficiais, cuja erosão produzida por águas subterrâneas pode ocasionar desmoronamentos que induzem a formação de uma morfologia de anfiteatros nas cabeceiras das drenagens (SALOMÃO, 1994). Esta forma erosiva possui inúmeras denominações no Brasil e demais países. A origem do conceito de boçoroca está relacionada à expressão do tupi-guarani yby soroc que significa rasgão da terra (VIEIRA, 1978). No Estado do Rio Grande do Sul existe uma cidade chamada Bossoroca, mas não se utiliza essa expressão com ss para se referir à feição erosiva de grande porte. Internacionalmente, a feição geomorfológica denominada boçoroca recebe inúmeras denominações em vários países, como: cárcava nos países hispânicos, barroca em países lusófonos, donga na África do Sul; gully nos Estados Unidos da América e lavaka em Madagascar (VIEIRA, 1978; DÍAZ, 2001). No campo científico, os artigos apresentados por Ab Sáber (1968) e Furlani (1969), respectivamente sobre as áreas degradadas em Franca-SP e Casa Branca-SP, mencionam o conceito de boçoroca, sendo ambos pesquisadores reconhecidos no campo das Geociências. Ab Sáber (1968), sendo geógrafo, considera a boçoroca como forma de lesões grotescas da paisagem. Estas lesões presentes na paisagem são consideradas por Ab Sáber (1968) como resultado de um processo inicialmente provocado pela dinâmica da percolação linear as águas subsuperficiais. A morfologia dos buracões observada na paisagem é considerada por Ab Sáber (1968) como o resultado de um processo que remonta décadas da dinâmica da fisiologia da paisagem. A partir de meados da década de 1990, alguns pesquisadores passaram a utilizar o conceito de voçoroca, e estes autores não apresentaram argumento científico para esta mudança conceitual. O conceito de voçoroca passou a ser amplamente utilizado no campo das Geociências nas últimas décadas. A filosofia da linguagem apresenta discussões a respeito da chamada força do hábito. Os filósofos empiristas Francis Bacon (1561-1626) e David Hume (1711-1776) apresentaram suas 16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 2

críticas aos vícios de linguagem e à causalidade. Hume (2009) considerava que para ocorrer o avanço de descobertas na ciência é necessário o ceticismo metodológico pelo emprego de métodos empíricos para buscar a compreensão dos fenômenos e evitar confiar apenas na causalidade e nas sucessões habituais. Bacon (1979) apresenta a teoria dos ídolos, sendo estes as formas que impedem o cientista de produzir novos conhecimentos, cujo ídolo do foro, em analogia ao Foro Romano como local de comércio na Roma Antiga, é representado pelo costume e hábito da linguagem do cientista em depender de conceitos de sua época. Neste sentido, a busca pela origem do conhecimento torna-se necessária ao cientista na utilização adequada dos conceitos e evitar a apresentação de novos conceitos, pois a ciência é um conhecimento que depende de comprovação e discussão diante dos fatos. No artigo, serão apresentados os conceitos consolidados na Geomorfologia a respeito das formas erosivas lineares, com destaque para a boçoroca. 2. AS FORMAS EROSIVAS LINEARES E SUAS DENOMINAÇÕES A erosão do tipo linear ocorre a partir da formação de incisões no solo, decorrentes da ação do escoamento superficial concentrado em linhas preferenciais. Inicialmente, a erosão do tipo linear ocorre pela formação de canais incisivos denominados sulcos que possuem entre 10 a 30 cm de largura e entre 05 a 15 cm de profundidade, sendo passíveis de correção pelo nivelamento do terreno por máquinas agrícolas (OLIVEIRA, 1994). Os sulcos erosivos paralelos formam uma rede de drenagem no qual os sulcos mais profundos rompem os interfluxos dos sulcos menores favorecendo a formação de canais mais largos e profundos (DÍAZ, 2001). Oliveira (1994) diferencia os canais rasos em sulcos e calhas. Este autor salienta: A erosão em sulco responde ao escoamento superficial concentrado que comanda o desprendimento das partículas do solo, e o transporte das partículas desprendidas, segundo as condições hidráulicas desse escoamento. O mesmo modelo de escoamento intervém na calha que, embora de maior porte, ainda possui, lateralmente e a montante, bordas que se ajustem, sem ruptura, à superfície do terreno, ou seja, suficientemente suaves para apresentarem apenas mecanismos de erosão partícula a partícula (OLIVEIRA, 1994, p. 15). A formação do escoamento concentrado em fluxo turbulento nas vertentes, decorrentes de períodos chuvosos, ocasiona a geração de feições erosivas lineares denominadas de ravinas. As ravinas geralmente possuem profundidade superior a 0,5 m, formato em V de fundo estreito e cabeceiras definidas por rupturas de declive, apenas se desenvolvem pela ação do escoamento superficial, descartando a atuação da erosão interna e do escoamento subsuperficial (PRANDINI, 1975; OLIVEIRA, 1994; SALOMÃO, 1994). Oliveira (1994, p. 15) considera em relação às ravinas: 16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 3

[...] devem ainda ser considerados mecanismos de erosão que envolvem movimentos de massa, representados pelos pequenos deslizamentos que provocam o alargamento da feição erosiva e também seu avanço remontante. Por isso, suas bordas, ao contrário das calhas, são abruptas em relação à superfície original do terreno, configurando-se uma nítida ruptura instável. Em certos casos, as ravinas se desenvolvem em divisores de águas ou em trechos de altas e médias vertentes, cujo aprofundamento da incisão linear não atinge o nível do freático, e assim o ravinamento não evolui para o boçorocamento, como ocorreu com a ravina da Lucant em Rancharia (OLIVEIRA, 1994). Neste contexto de evolução dos processos erosivos lineares, Vieira (1978, p. 08) considera: Enquanto o ravinamento se processa em função apenas da erosão superficial, com a linha de água apresentando grandes declives, canal profundo, estreito e longo, as boçorocas formam-se tanto devido à erosão superficial como à erosão subterrânea, com tendência tanto para alargar-se como para aprofundar-se, até atingir o seu equilíbrio dinâmico. Vieira (1978, p. 07) conceitua boçoroca: [...] são depressões profundas circundadas por vertentes quase verticais que se alargam nas proximidades das cabeceiras devido à intensa atividade erosiva regressiva e se afunilam junto à foz do curso d água que a percorre, cortando sedimentos arenosos de fraca coesão, sem apresentar forte declive longitudinal. A conceituação sobre o processo de erosão remontante (ou regressiva) no desenvolvimento das boçorocas foi descrita por Rossato et al. (2008, p. 77): [...] trabalho de escavação do canal realizado a partir de processos de escoamento superficial concentrado feito a partir da foz em direção às cabeceiras. Assim nota-se que, a boçoroca se caracteriza por sua complexidade exigindo estudos detalhados na escala espacial e temporal. Neste contexto de vários processos relacionados à boçoroca e dos mecanismos de perda acelerada do solo, é de suma importância uma análise dos métodos experimentais e das estimativas de perda de solo para se quantificar a dimensão deste problema. 3. O CASO DA BOÇOROCA DO CÓRREGO DO GRITO EM RANCHARIA-SP A boçoroca do Córrego do Grito, localizada na periferia da cidade de Rancharia, é uma boçoroca de drenagem presente em fotos aéreas de 1962. Atualmente, conforme análise geográfica apresentada por Francisco (2017), a boçoroca possui aproximadamente 17.500 m² de área, 350 metros de comprimento e largura média de 30 metros. Em 1997 ocorreu um evento de El Niño de forte intensidade, cujas precipitações pluviais e concentradas induziram o desenvolvimento de erosão remontante ameaçando a avenida de principal acesso ao centro da cidade de Rancharia. Em 2000 foram executadas as obras de 16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 4

controle da erosão urbana com recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO) para implantação do sistema de macrodrenagem urbana. No primeiro semestre de 2015 ocorreu outro efeito de chuvas concentradas devido fenômeno ENOS (Oscilação Sul), cuja erosão remontante destruiu o sistema de macrodrenagem no bairro Jardim Universitário e a boçoroca se desenvolveu até o leito da avenida Dom Pedro II. Em agosto de 2015 foram executadas as obras de controle da erosão urbana com recursos na ordem de 600 mil reais (FRANCISCO, 2017). As cidades de pequeno porte com populações maiores que 20 mil habitantes possuem a obrigatoriedade do Plano Diretor conforme o Estatuto da Cidade. Entretanto, a maioria não possui Plano Diretor de Drenagem Urbana para garantir o zoneamento urbano e as políticas públicas necessárias para evitar os riscos causados pelas erosões urbanas. 4. CONCLUSÕES O uso dos conceitos em Geociências precisa considerar a construção teórico-metodológica baseada em comprovações científicas e nos resultados de trabalhos de campo. O cientista precisa utilizar os conceitos de acordo com os resultados de sua própria pesquisa e fundamentar suas comprovações empíricas através de conceitos fundamentados e evitar a criação de novos conceitos sem justificativa científica dos fatos ou das comprovações realizadas após muitos anos de pesquisa. O uso do conceito de voçoroca ocorreu no campo das Geociências nos últimos anos, mas não ocorreu devida justificativa para o seu emprego, pois já existia o conceito original de boçoroca pelos pesquisadores brasileiros em décadas passadas. No entanto, considera-se que os problemas gerados pelas boçorocas ativas em várias regiões do país são maiores do que os problemas teóricos, pois, os riscos reais apresentados pelos exemplos neste texto demonstram a necessidade de uma política voltada para o planejamento ambiental a fim de evitar futuros problemas e a elaboração de projetos com conhecimento geológico e geográfico adequado à realidade investigada no local das boçorocas urbanas e rurais. O estudo empírico das boçorocas urbanas pode contribuir no retorno ao método científico baseado na compreensão da diversidade da natureza de cada lugar, pois cada área degradada apresenta suas particularidades. A compreensão destas particularidades é necessária na elaboração dos projetos de recuperação das áreas degradadas e fortalecimento da atuação municipal no planejamento ambiental. 16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 5

REFERÊNCIAS AB SÁBER, A. N. (1968) As boçorocas de Franca. Revista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Franca, p. 05-27. ALMEIDA FILHO, G. S.; COSTA, S. B.; HELLMEISTER JÚNIOR, Z.; GOMES, C. L. R.; FROTA, A. S. (2015) Processos erosivos lineares no Estado de São Paulo. Congresso Brasileiro de Ciência do Solo, Natal, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo. BACON, F. (1979) Novum Organum: ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. São Paulo, Abril Cultural, tradução de José Aluysio Reis de Andrade. DÍAZ, J. S. (2001) Control de erosión en zonas tropicales. Bucaramanga, Universidad Industrial del Santander. FRANCISCO, A. B. (2017) A erosão periurbana em Rancharia-SP: a análise espaço-temporal e as propostas de recuperação da boçoroca do Córrego do Grito. Tese de doutoramento, Universidade Estadual Paulista, 201f. FURLANI, G. M. (1969) As boçorocas de Casa Branca e seu significado geomorfológico. Geomorfologia, Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo, p. 12-15. HUME, D. (2009) Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais. 2.ed. São Paulo, Editora da UNESP, tradução de Débora Danowski. OLIVEIRA, A. M. S. (1994) Depósitos tecnogênicos e assoreamento de reservatórios: exemplo do Reservatório de Capivara, Rio Paranapanema, SP/PR. Tese (Doutorado em Geografia Física), Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 211f. PRANDINI, F. L. (1975) Occurrence of boçorocas in Southern Brazil: Geological conditioning of environmental degradation. São Paulo, Instituto de Pesquisas Tecnológicas, Publicação n. 1038. ROSSATO, M. S.; BELLANCA, E. T.; FACHINELLO, A.; CÂNDIDO, L. A.; SUERTEGARAY, D. M. A. (2008) Terra: feições ilustradas. 3.ed. Porto Alegre, Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. SALOMÃO, F. X. T. (1994) Processos erosivos lineares em Bauru (SP): regionalização cartográfica aplicada ao controle preventivo urbano e rural. Tese de doutoramento, Universidade de São Paulo, 220 f. VIEIRA, N. M. (1978) Estudo geomorfológico das boçorocas de Franca, SP. Franca, Instituto de História e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista. 16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 6