Morfoanatomia da plântula e do tirodendro de Arrabidaea mutabilis Bureau & K. Schum. (Bignoniaceae)

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Transcrição:

Morfoanatomia da plântula e do tirodendro de Arrabidaea mutabilis Bureau & K. Schum. (Bignoniaceae) Luiz Antonio de Souza *, Willian Adriano Lira Lopes e Odair José Garcia de Almeida Departamento de Biologia, Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringá, Paraná, Brasil. *Autor para correspondência. E-mail: lasouza@uem.br RESUMO. Em remanescentes florestais da região noroeste do Paraná (Brasil), ocorrem várias espécies de lianas, que podem afetar o desenvolvimento de espécies arbóreas e arbustivas. Dentre essas lianas, destaca-se Arrabidaea mutabilis Bur. & K. Schum., pelo rápido crescimento e número elevado de sementes aladas. A análise morfológica e anatômica do desenvolvimento da plântula e do tirodendro desta espécie é objeto do presente trabalho. O material botânico foi secionado à mão livre e em micrótomo de rotação, mediante técnicas anatômicas usuais. A plântula é fanerocotiledonar e epigéia, com cotilédones foliáceos e eofilos simples e opostos; o epicótilo tem estrutura caulinar. No tirodendro, há vários eofilos simples e compostos, formando-se o primeiro metafilo composto somente no décimo quarto nó. A raiz primária é triarca/pentarca, e o hipocótilo apresenta estrutura de zona de transição raiz/caule. Os cotilédones, eofilos e metafilo são folhas dorsiventrais. A plântula é do tipo Macaranga. Palavras-chave: raiz, hipocótilo, cotilédone, epicótilo, eofilo, metafilo. ABSTRACT. Morphology and anatomy of Arrabidaea mutabilis Bureau & K. Schum. seedling and tirodendro. In forest remnants of the Northwest region of Paraná (Brazil) several lianas that can affect the development of arboreal and shrubby species are found. Among the lianas Arrabidaea mutabilis Bur. & K. Schum. stands out for its fast growth and high number of alate seeds. The morphologic and anatomical analysis of the seedling and tirodendro Arrabidaea mutabilis development is the object of the present study. The botanical material was sectioned by freehand and rotation microtome, using conventione anatomical techniques. Seedling is phanerocotylar and epigeal, with foliaceous cotyledons and simple and opposite eophylls; the epicotyl has stem structure. There are several simple and compound eophylls in the tirodendro, the first compound metaphyll is formed only in the fourteenth node. The primary root is triarch/pentarch and the hypocotyl presents rootshoot transition structure. Cotyledons, eophylls and metaphyll are dorsiventral leaves. Seedling is of the Macaranga type. Key words: root, hypocotyl, cotyledon, epicotyl, eophyll, metaphyll. Introdução As lianas podem afetar o desenvolvimento de espécies de matas, provocando constrição no caule dessas plantas, interferindo no processo de condução dos tecidos vasculares, ou se ramificando excessivamente na copa das árvores, interferindo no crescimento normal das plantas (Daubenmire, 1974). Contudo, é indubitável seu valor ecológico e algumas espécies têm importância medicinal. Os caules de lianas exibem freqüentemente duas peculiaridades anatômicas: o cilindro lenhoso ocorre como cordões separados por tecido parenquimático, e os elementos traqueais são longos e amplos (Daubenmire, 1974). Muitos caules de lianas têm crescimento secundário nãousual, incomum ou anômalo (Eames e MacDaniels, 1953; Sajo e Castro, 2006) e têm sido objeto de investigação estrutural. Por outro lado, o estudo do desenvolvimento das plântulas dessas espécies é muito escasso. A morfologia de plântulas tem papel relevante no estudo de uma vegetação, seja para compreender o ciclo de vida e processos de germinação e crescimento de suas espécies, seja para obtenção de mudas ou mesmo para classificar plântulas com finalidade taxonômica (Compton, 1912; Duke, 1965; Ng, 1973 e 1978). A investigação morfológica de plântulas, todavia, geralmente não inclui a análise estrutural de seus órgãos, o que dificulta a compreensão do processo de estabelecimento de plântulas em um determinado ambiente. As Bignoniaceae, com aproximadamente 120

132 Souza et al. gêneros e 700 espécies, muitas das quais lianas, ocorrem na sua maior parte na América tropical, mas também na América temperada, África, Madagascar, Ásia, Polinésia e Austrália. Arrabidaea DC., um dos gêneros de lianas dessa família, abriga Arrabidaea mutabilis Bur. & K. Schum., conhecida vulgarmente como cipó-camarão, espécie ciófita até de luz difusa, e ocorre no interior e na orla de matas, em matas ripárias, capoeira, capoeirões, e ao longo das estradas que atravessam as matas (Sandwith e Hunt, 1974). Arrabidaea mutabilis ocorre como espécie infestante no Horto Florestal de Maringá, sobre as copas das árvores e arvoretas. Suas cápsulas, que se abrem por fendas longitudinais, produzem número elevado de sementes aladas, que facilitam a propagação pela mata. A morfoanatomia do desenvolvimento de sua plântula e tirodendro é objeto do presente estudo. Material e métodos As sementes da espécie foram coletadas em exemplares ocorrentes no Horto Florestal Dr. Luiz Teixeira Mendes, localizado no Município de Maringá, Estado do Paraná, Brasil. Foram confeccionadas exsicatas das plantas coletadas e depositadas no Herbário da Universidade Estadual de Maringá, sob registro: Arrabidaea mutabilis Bur. and K. Schum.: BRASIL: Paraná: Maringá, Horto Florestal de Maringá, (fl, fr), L. A. de Souza 10581 HUEM. As sementes foram colocadas para germinar em placas de Petri com papel de filtro umedecido, em câmara de germinação TE-400, regulada para temperatura de 30ºC e fotoperíodo de 12 horas. As sementes germinadas, caracterizadas pela protrusão da radícula, foram transferidas para solo contido em sacos plásticos. As plântulas e tirodendros se desenvolveram em casa de vegetação. A terminologia adotada para descrever as fases de plântula e tirodendro baseou-se em Souza (2003). De acordo com este autor, a plântula deve ser considerada como a fase que abrange o vegetal, desde a germinação consumada da semente até a formação da primeira folha ou eofilo; a fase seguinte é denominada tirodendro, que se estende até o momento em que aparecem os primeiros metafilos. A análise morfológica das plântulas e tirodendros foi baseada em Rizzini (1977) e Souza (2003). As plântulas e tirodendros foram documentados mediantes desenhos feitos ao microscópio estereoscópico, equipado com câmara clara. O estudo anatômico foi realizado em material fresco e fixado em FAA 50, mediante seções transversais da raiz, hipocótilo, epicótilo, cotilédones, eofilos e metafilos, executadas à mão livre ou em micrótomo de rotação, coradas com safranina e azul de astra (Gerlach, 1969) e azul de toluidina (Kraus e Arduin, 1997). As seções microtômicas foram obtidas de material botânico incluído em parafina (Johansen, 1940) ou em historresina (Gerrits, 1991). Todos os órgãos foram secionados em três regiões: base, meio e ápice. Os cotilédones, eofilos e metafilos também foram analisados em seções paradérmicas. A documentação anatômica foi feita com desenhos elaborados ao microscópio fotônico com câmara clara. As fotomicrografias foram obtidas por captura de imagem pelo programa Image Pro-Plus, versão 4.0 (Media Cybertecnics). As escalas referentes às ilustrações foram obtidas utilizando-se lâmina, com escala micrometrada, nas mesmas condições ópticas utilizadas para cada caso. Foram realizados testes microquímicos para detectar amido, com Lugol, e para substâncias lipídicas, com Sudam IV (Johansen, 1940). Resultados Morfologia da plântula e tirodendro A plântula é fanerocotiledonar e epigéia, embora os cotilédones possam permanecer por cerca de dez dias envolvidos pelo tegumento seminal. Após a liberação dos cotilédones, o tegumento pode, ainda, manter-se aderido ao hipocótilo (Figura 1C). O início do desenvolvimento da plântula inicia-se pela protrusão da raiz primária e crescimento posterior do hipocótilo (Figuras 1A e 1B). Figura 1. Plântula em desenvolvimento de Arrabidaea mutabilis. Figuras A, B, C e D Plântulas com dois, nove, doze e vinte e quatro dias, respectivamente. (CO cotilédone; EO eofilo; EP epicótilo; HI hipocótilo). Barra = 1,5 cm.

Plântula e tirodendro de Arrabidaea mutabilis 133 A raiz é axial, e o hipocótilo é longo, verde e delgado. Os cotilédones são foliáceos, planos, longamente peciolados, com limbo de formato cordado-orbicular, base escavada e ápice premorso (Figuras 1C e 1D). O epicótilo (Figura 1D) é pouco desenvolvido, delgado, piloso e verde. Os eofilos (Figura 1D) são opostos, simples, peciolados, com limbo lanceolado-ovado, de bordo suavemente serrado, base obtusa e ápice acuminado. Na fase de tirodendro, ocorrem vários eofilos simples, até o décimo nó. Os eofilos subseqüentes, até o décimo-terceiro nó, são folhas compostas bifolioladas ou trifolioladas. Os eofilos aumentam gradativamente em tamanho e têm a lâmina foliar ou foliolar de formato oblongo-lanceolado, com base obtusa, ápice acuminado e margem serrada a ondulada nos eofilos de nós superiores. Os cotilédones e os primeiros eofilos abscissam cedo nessa fase. Os entrenós do caule do tirodendro são curtos na base, alongando-se gradativamente em direção ao ápice. Os eofilos da plântula e do tirodendro possuem pecíolo e limbo, notando-se nos eofilos de nós superiores engrossamento na base peciolar, semelhante ao pulvino que ocorre em folhas de espécies de Fabaceae (Leguminosae). Os peciólulos dos eofilos compostos são relativamente desenvolvidos. O primeiro metafilo, observado no décimoquarto nó do tirodendro, é semelhante em formato ao eofilo trifoliolado, diferindo, entretanto, por apresentar o folíolo central modificado em gavinha. Anatomia da plântula e do tirodendro A raiz (Figura 2A) apresenta epiderme unisseriada, podendo apresentar pêlos unicelulares, conforme a região considerada. O córtex é parenquimático com exoderme uniestratificada e endoderme com estrias de Caspary. No cilindro central, ocorrem periciclo parenquimático e tecidos vasculares primários e secundários. O número de pólos protoxilemáticos varia ao longo da raiz primária, caracterizando-a como triarca junto ao ápice e pentarca na base. Na base da raiz (Figura 2B), observa-se a presença de medula, demarcando o início da zona de transição entre raiz e caule. O hipocótilo (Figura 3A) possui estrutura de transição entre raiz e caule em toda extensão. Os elementos traqueais do xilema primário se separam e dispõem-se tangencialmente na periferia da medula parenquimática. O floema primário permanece indiviso. A identificação dos elementos xilemáticos no hipocótilo é dificultada, dada a presença de células do xilema secundário que se justapõem a esses elementos de origem procambial. Figura 2. Estrutura da raiz de plântula de Arrabidaea mutabilis, em seções transversais. Figura A Ápice. Figura B Base com crescimento secundário, ramificação e medula parenquimática. (EN endoderme; EP epiderme; EX exoderme; MP medula parenquimática; PX protoxilema). A epiderme do hipocótilo é unisseriada, com tricomas tectores pluricelulares e tricomas peltados. O córtex tem pouco colênquima subepidérmico e maior quantidade de tecido parenquimático com células secretoras amplas; internamente, pode se diferenciar bainha amilífera. Em plântulas com mais de 20 dias de idade, pode ocorrer periderme, cujo felogênio tem origem cortical, no quarto ou quinto estrato celular sob a epiderme. O epicótilo (Figura 3B) possui estrutura caulinar. A epiderme é unisseriada com tricomas peltados e tectores multicelulares. O córtex também é colenquimático e parenquimático, com bainha amilífera. No cilindro central, há tecidos vasculares primários e secundários e medula parenquimática.

134 Souza et al. natureza colenquimática e parenquimática; o colênquima, que é angular, é interrompido por um parênquima esponjoso nas regiões subestomáticas. Os feixes vasculares, em maior número quando comparado com o pecíolo do metafilo, são colaterais. O cilindro de feixes é circundado por esclerênquima, formado por grupos de fibras, localizados nas faces floemáticas (Figura 4B), que são interligados por esclereídes. A estrutura da nervura central do eofilo (Figura 4D) tem semelhança estrutural com o pecíolo: com epiderme unisseriada, córtex colenquimático e parenquimático e cilindro com feixes vasculares envolvido por esclerênquima. Difere, entretanto, por apresentar somente tricomas tectores pluricelulares; parênquima clorofilado no córtex que mantém continuidade com o parênquima do mesofilo, na face adaxial; e feixe vascular no cilindro, na superfície adaxial, em que xilema e floema primários têm posição invertida, o xilema voltado para fora e o floema interno, junto à medula. O eofilo é hipostomático (Figuras 5B e 5C) e dorsiventral, com o mesofilo constituído de parênquimas paliçádico e esponjoso (Figura 6B). Figura 3. Estrutura do hipocótilo e epicótilo de plântula de Arrabidaea mutabilis, em seções transversais. (CL colênquima; TP tricoma peltado; FL floema; MX metaxilema; PX protoxilema; XI xilema; XS xilema secundário). Nos cotilédones, o pecíolo (Figura 4A) possui epiderme e córtex semelhantes ao caule; o cilindro central apresenta três feixes colaterais organizados ao redor de uma medula parenquimática. No limbo cotiledonar, as células epidérmicas são poliédricas, com paredes anticlinais que possuem sinuosidade mais pronunciada na face abaxial; os complexos estomáticos são anomocíticos e são verificados apenas na face abaxial (Figura 5A). Os tricomas peltados ocorrem em ambas as faces dos cotilédones; na adaxial, onde a cutícula é estriada, também há tricoma tector unicelular curto de base ampla e ápice afilado. O mesofilo (Figura 6A) é heterogêneo assimétrico, com um único estrato de parênquima paliçádico na face adaxial e cerca de dez estratos de parênquima esponjoso na abaxial. Os feixes vasculares imersos no mesofilo têm bainha parenquimática (endoderme) com células semelhantes às do parênquima esponjoso. O eofilo apresenta pecíolo com epiderme (Figura 4B) unisseriada, estomatífera, com tricomas peltados e células de paredes periclinais externas espessas. O córtex peciolar (Figura 4B) é de Figura 4. Diagramas de seções transversais das folhas de Arrabidaea mutabilis. A a C Pecíolos do cotilédone, eofilo e metafilo, respectivamente. D e E Nervura central do eofilo e folíolo do metafilo. F Gavinha do metafilo. (CL-colênquima; EA-epiderme da face adaxial; EB-epiderme da face abaxial; EPepiderme; FL-floema; PA-parênquima; PF-primórdios de fibras; PP-parênquima paliçádico; XI-xilema). Barras = 200 µm.

Plântula e tirodendro de Arrabidaea mutabilis 135 Figura 5. Epiderme em vista frontal de Arrabidaea mutabilis. A Face abaxial do cotilédone. B e C Faces adaxial e abaxial do eofilo. D Face abaxial do folíolo do metafilo. Barra = 50 µm. (endoderme). O limbo foliolar do metafilo, assim como eofilo, é hipostomático e dorsiventral (Figura 6C). A epiderme da face adaxial tem cutícula estriada, tricomas peltados e células epidérmicas comuns com paredes anticlinais pouco sinuosas. Na epiderme da face abaxial (Figura 5D), a cutícula é lisa, também há tricomas peltados e a sinuosidade das células epidérmicas comuns é pronunciada. Os complexos estomáticos (Figura 5D) são anomocíticos e paracíticos; estes, em menor número, estão restritos às proximidades das nervuras. A gavinha do metafilo (Figura 4F), de contorno circular, apresenta epiderme unisseriada, complexos estomáticos e tricomas peltados. O córtex é colenquimático e parenquimático e o cilindro central com feixes vasculares colaterais que circundam uma medula parenquimática. Nesses feixes há fibras na face do floema e câmbio. Discussão Figura 6. Estrutura do limbo em seções transversais de Arrabidaea mutabilis. A Cotilédone. B Eofilo. C Folíolo do metafilo. (EA epiderme da face adaxial; EB epiderme da face abaxial; PE parênquima esponjoso; PP parênquima palicádico). Barras = 100, 50 e 50 µm, respectivamente. O metafilo apresenta pecíolo (Figura 4C) com face adaxial plana ou levemente côncava, e a face abaxial é convexa ou circular. Sua estrutura é semelhante a do pecíolo do eofilo, mostra cilindro central com dez feixes vasculares colaterais, com grupo de fibras na face floemática, ao redor da medula parenquimática. A nervura central do metafilo (Figura 4E) também não difere essencialmente da nervura do eofilo; nela, as fibras da face floemática dos feixes cedem lugar a primórdios de fibras no ápice da nervura. As nervuras de pequeno porte estão imersas no mesofilo e envolvidas por bainha parenquimática Os cotilédones de Arrabidaea mutabilis podem ser considerados paracotilédones, termo utilizado por Vogel (1980), como uma folha de limbo delgado e fotossintético. Para esse autor, os cotilédones devem ser considerados como homólogos às folhas inferiores ou juvenis do caule, sem relação evolutiva com os cotilédones de reserva e haustoriais. O fenômeno da diversidade foliar, constatado em plântulas e tirodendros de Arrabidaea mutabilis, é considerado por Font-Quer (1982) como heterofilia em sentido amplo. Para Bell (1991), todas as plantas mostram, em algum estágio de seu desenvolvimento, mudança progressiva de formato foliar, sendo essa seqüência descrita como série heteroblástica, como quase inevitavelmente ocorre ao longo do eixo da plântula. A plântula de Arrabidaea mutabilis pode ser enquadrada no tipo Macaranga, de Vogel (1980), caracterizado por apresentar paracotilédones finos e foliáceos, verdes, com função fotossintética após a germinação, persistentes ou não por longo período e com hipocótilo longo. Com relação aos dois primeiros eofilos de Arrabidaea mutabilis, sua disposição oposta é considerada por Vogel (1980) como caráter excepcional nesse tipo de plântula. O número variável de pólos xilemáticos na mesma raiz, como verificado em Arrabidaea mutabilis, é registrado na literatura (Fahn, 1990). Outras espécies de Bignoniaceae, como Tabebuia avellanedae Lor. ex Griseb e T. chrysotricha (Mart. ex DC.) Standl., apresentam essa variação, sendo pentarca e heptarca na primeira espécie e tetrarca e hexarca na segunda (Souza e Oliveira, 2004).

136 Souza et al. Compton (1912), em seu extenso trabalho sobre plântulas de Leguminosae, refere-se ao hipocótilo como a transição da estrutura radicular para a estrutura caulinar que se acha localizada entre o coleto e a base dos cotilédones, na maioria das plântulas investigadas. Isso também foi constatado em Arrabidaea mutabilis e em Tabebuia avellanedae e T. chrysotricha por Souza e Oliveira (2004). Para Compton (1912), o hipocótilo deve ser considerado como uma região especializada de um eixo indiferenciado primitivo, não simplesmente uma estrutura de raiz ou um órgão composto parcialmente de raiz e caule ou ainda como um segmento da planta sui generis. A estrutura de transição do hipocótilo de Arrabidaea mutabilis contrasta com o xilema endarco e o sistema organizado de feixes vasculares colaterais do epicótilo. Esau (1959) considera o epicótilo na plântula como estrutura separada, agregada à unidade raiz-hipocótilo-cotilédone, apesar de o sistema vascular da raiz e cotilédones ser uma unidade desde as primeiras etapas da embriogenia. Os cotilédones, os eofilos e os metafilos da plântula e tirodendro de Arrabidaea mutabilis são dorsiventrais e hipostomáticos, caráter considerado comum nas espécies de Bignoniaceae (Metcalfe e Chalk, 1957). Por outro lado, as folhas das bignoniáceas Tabebuia avellanedae e T. chrysotricha, nessa etapa do desenvolvimento, mostraram maior diversidade, apresentando os cotilédones de mesofilo homogêneo na segunda espécie e eofilos dorsiventrais e metafilos isobilaterais em ambas as espécies (Souza e Oliveira, 2004). Os complexos estomáticos anomocíticos, verificados na epiderme das folhas de Arrabidaea mutabilis, são freqüentes na família Bignoniaceae, embora os metafilos da espécie em estudo também apresentem complexos paracíticos. Agradecimento Ao CNPq pelo financiamento (bolsa ao primeiro autor e auxílio financeiro) parcial do trabalho. Referências BELL, A.D. Plant form: an illustrated guide to flowering plant morphology. Oxford: Oxford University Press, 1991. COMPTON, R.H. Investigation of the seedling structure in the Leguminosae. J. Linn. Soc. (Bot.), London, v. 41, p. 1-122, 1912. DAUBENMIRE, R.F. Plants and environment: a textbook of plant autecology. New York: John Wiley and Sons, 1974. DUKE, J.A. Keys for the identification of seedlings of some prominent woody species in eight forest types in Puerto Rico. Ann. Mis. Bot. Garden., St. Louis, v. 52, n. 3, p. 314-350, 1965. EAMES, A.J.; MacDANIELS, L.H. An introduction to plant anatomy. New York: McGraw-Hill Book Company, 1953. ESAU, K. Anatomía vegetal. Barcelona: Ediciones Omega, 1959. FAHN, A. Plant anatomy. Oxford: Pergamon Press, 1990. FONT-QUER, P. Dicionario de botánica. Barcelona: Editorial Labor, 1982. GERLACH, G. Botanishe microtechnik, eine einführung. Stuttgard: George Thiem, 1969. GERRITS, P.O. The application of glycol methacrylate in histotechnology: some fundamental principles. The Netherlands: University Groningen, 1991. JOHANSEN, D.A. Plant microtechnique. Bombay: Tata McGraw-Hill Book Company, 1940. KRAUS, J.E.; ARDUIN, M. Manual básico de métodos em morfologia vegetal. Seropédica: Editora Universidade Rural, 1997. METCALFE, C.R.; CHALK, L. Anatomy of the dicotyledons (leaves, stem, and wood in relation to taxonomy with notes on economic uses). Oxford: Clarendon Press, 1957. NG, F.S.P. Germination of fresh seeds of Malaysian trees. Malaysian Forester, Kuala Lumpur, v. 36, n. 2, p. 54-65, 1973. NG, F.S.P. Strategies of establishment in Malayan forest trees. In: TOMLINSON, P.B.; ZIMMERMANN, M.H. (Ed.). Tropical trees as living systems. Cambridge: Cambridge University Press, 1978. p. 129-162. RIZZINI, C.T. Sistematização terminológica da folha. Rodriguésia, Rio de Janeiro, v. 29, n. 42, p. 103-125, 1977. SAJO, M.G.; CASTRO, N.M. Caule. In: APPEZZATO- DA-GLORIA, B.; CARMELLO-GUERREIRO, S.M. (Ed.). Anatomia vegetal. Viçosa: Editora Universidade Federal de Viçosa, 2006. cap. 11, p. 283-302. SANDWITH, N.Y.; HUNT, D.R. Bignoniáceas. In: REITZ, R. (Ed.). Flora ilustrada catarinense. Itajaí: Herbário Barbosa Rodrigues, 1974. p. 3-128. SOUZA, L.A. Morfologia e anatomia vegetal: células, tecidos, órgãos e plântula. Ponta Grossa: Editora Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2003. SOUZA, L.A.; OLIVEIRA, J.H.G. Morfologia e anatomia das plântulas de Tabebuia avellanedae Lor. ex Griseb e T. chrysotricha (Mart. ex DC.) Standl. (Bignoniaceae). Acta Sci. Biol. Sci., Maringá, v. 26, p. 217-226, 2004. VOGEL, E.F. Seedlings of dicotyledons. Wagening: Pudoc/Centre for Agricultural Publishing and Documentation, 1980. Received on January 26, 2007. Accepted on May 09, 2007.