Análise da associação entre variáveis meteorológicas e a incidência de dengue na região noroeste do Rio Grande do Sul: estudo de caso da cidade de Giruá Resumo Shawana S. Mayer 1, Anderson S. Nedel 2, Silvia M. Saito 2, Tania M. Sausen 2 (1) Universidade Federal de Santa Maria, Aluna do Curso de Meteorologia, Bolsista de Iniciação Científica PIBIC CNPq, Santa Maria-RS, Brasil - Núcleo GEODESASTRES SUL /INPE/CRS. (2) Núcleo de Pesquisa e Aplicação de Geotecnologias em Desastres Naturais e Eventos Extremos GEODESASTRES SUL / INPE/CRS Avenida Roraima nº1000, Camobi - CEP 97105-970 - Santa Maria RS, Brasil. ¹shawana_mayer@hotmail.com; ²{anderson.nedel, silvia.saito, tania.sausen}@crs.inpe.br A dengue no Brasil incide tipicamente nos meses mais quentes do ano (novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março), sem diferenças qualitativas para as regiões brasileiras, porém, com distinções quantitativas importantes, no número de notificações de casos. O objetivo deste artigo foi analisar o comportamento de alguns elementos climáticos frente à incidência de dengue, no município de Giruá, região noroeste do estado Rio Grande do Sul (RS), Brasil. Para o presente trabalho utilizaram-se dados disponibilizados pelo Centro de Estadual de Vigilância em Saúde do RS (CEVS), no relatório da Situação Epidemiológica de dengue no RS em agosto de 2007. Analisou-se a variável temperatura do ar (máxima, média, mínima) e precipitação em nível de superfície, para verificar a contribuição das condições de tempo no período de ocorrência e anterior aos casos de dengue. Houve registros de 211 casos autóctones de dengue em Giruá, no ano de 2007, cidade esta que apresentou a maior incidência da doença no Estado (18,9%). Tais casos foram estudados e confirmados com dados laboratoriais. Os resultados mostraram, através da comparação entre o número de casos de dengue e fatores climatológicos, que Giruá apresentava no primeiro trimestre do ano (janeiro, fevereiro e março) precipitações constantes e temperaturas entre 24 e 30ºC. Dessa forma, havia condições propícias à proliferação do mosquito responsável pela transmissão da Dengue e desenvolvimento da doença na população do município. Palavras chaves: Dengue, temperatura, precipitação, Giruá. Abstract Dengue in Brazil increases typically in the hottest months of the year (November, December, January, February and March), not showing qualitative differences for the Brazilians regions, however with quantitative important distinctions in the number of case reports. The aim of this article was to analyze the behavior of some components of climate related to Dengue incidence, in the city of Giruá, Norwest region of Rio Grande do Sul state (RS) in Brazil. For the present study data available by the Health Surveillance Center of RS State (CEVS) from the report of Dengue Epidemiologic Status in the RS state in August 2007 were used. The variables in temperature (highest, average, and lowest) and precipitation were analyzed to verify the contribution of weather conditions before and during dengue outbreaks. Two hundred eleven autochthonous Dengue cases were reported in Giruá in 2007. This city had the highest incidence of the disease reported in the RS state (18.9%). Such cases were studied and verified by laboratorial analysis. The results from the comparison between the number of Dengue cases and climatic factors showed that Giruá displayed in the first trimester of the
year (January, February and March) constant precipitation and temperatures between 24 and 30ºC. These factors propitiate favorable conditions for the proliferation of the mosquito responsible for Dengue transmission and the development of the disease in the population of Giruá city. Keywords: Dengue, temperature, precipitation, Giruá. 1. Introdução Esta pesquisa foi desenvolvida no âmbito da Biometeorologia, área que estuda a interação entre fatores meteorológicos e epidemiológicos. Neste campo de estudos o foco central da análise é investigar a influência direta e indireta da atmosfera nos seres humanos e outros organismos vivos. Segundo HOOP & FOLEY (2001), o mosquito Aedes aegypti, o principal vetor da dengue, é considerado o mais importante transmissor de doença virótica transmitida por artrópodes do mundo, sendo particularmente susceptível às variabilidades e mudanças climáticas. Esta enfermidade que afeta 50-100 milhões de pessoas todos os anos, é transmitida predominantemente por esta espécie de mosquito, que possui hábito domiciliar. A transmissão se dá pela picada do mosquito fêmea infectado, geralmente ocorrendo durante o dia. O período de incubação da dengue, ou seja, o tempo desde a picada do mosquito até as primeiras manifestações dos sintomas da doença varia de 3 (três) a 15 (quinze) dias, mas a grande maioria das pessoas apresenta os sintomas aos 5 (cinco) ou 6 (seis) dias a pós a infecção, sendo este relacionado diretamente com a cepa e carga viral (FUNASA, 2001). O período necessário para o desenvolvimento do mosquito desde a forma larval até a forma adulta é em torno de 10 (dez) dias. Sua convivência com o homem é favorecida pelos reservatórios, que servem de criadouros, os quais são divididos em naturais e artificiais. Os naturais são as bromélias, troncos de árvores e os artificiais são aqueles produzidos pelo homem, como pneus, latas, prédios abandonados, caixas d água destampadas, vasos de plantas, garrafas, lixo, ou seja, tudo aquilo em que se pode armazenar água, preferencialmente limpa, o que torna esta espécie predominantemente urbana. Para o estudo da dengue é imprescindível considerar o clima, pois a proliferação do mosquito vetor da doença é diretamente influenciada pelas condições climáticas, como o aumento da temperatura, pluviosidade e umidade do ar, condições que favorecem o aumento do número de criadouros disponíveis e também o desenvolvimento do vetor. A transmissão da dengue no estado do Rio Grande do Sul (RS) teve início em 1995 no município de Caxias do Sul e desde então vem apresentando tendência de crescimento. Em 2007 foram confirmados 59 municípios afetados configurando-se como a maior incidência da dengue já observada, segundo o Centro Estadual em Vigilância e Saúde (CEVS, 2008). Nesse mesmo ano, o município de Giruá apresentou o maior número de ocorrências em todo o Estado. Assim, tornou-se necessária a análise mais detalhada da temperatura, precipitação e umidade já que estes elementos do clima repercutem diretamente na proliferação do mosquito e como consequência, na ocorrência da doença. 1.1 Objetivo Este estudo teve como objetivo identificar a relação entre variáveis meteorológicas e a incidência de dengue no município de Giruá, localizado no noroeste do estado do Rio Grande do Sul, Brasil (Figura 1).
Figura 1 Localização da área de estudo. No detalhe, imagem CBERS 2B/CCD, bandas 342, 22/11/2008, INPE. 2. Materiais e Métodos Este estudo foi realizado de acordo com as seguintes etapas: 1. Levantamento bibliográfico; 2. Definição dos parâmetros meteorológicos a serem considerados e do recorte temporal, onde foram definidos os meses de janeiro a junho do ano de 2007; 3. Coleta e levantamento de dados (temperatura, precipitação e umidade relativa do ar) junto ao Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e dados de registro de dengue da CEVS da cidade Santa Rosa. Para determinar o número de casos de dengue foi analisado o total de casos positivos confirmados com dados de laboratório e registrados no Sistema de Vigilância Epidemiológica do RS (SINAN Sistema de Informação de Agravos de Notificação) para o ano de 2007. 3. Resultados e Discussões Segundo a CEVS, em 2007 foram registradas 1.111 notificações de casos suspeitos de dengue, em 154 municípios. As ondas epidêmicas registradas no Rio Grande do Sul concentraram-se de maio a agosto com a redução destes valores nos meses subsequentes, até o desaparecimento total dos casos positivos no último trimestre do ano 2007. Para caracterizar os períodos dos picos e remissões das epidemias no período anual foram utilizadas as médias acumuladas das notificações da CEVS. Na Figura 2, apresenta-se a distribuição da temperatura média, precipitação e número de casos de dengue nos meses de janeiro a junho de 2007, pode-se observar que o mês com maior ocorrência de casos de dengue, no ano de 2007, foi o mês de maio (139 casos). A partir do dia 21 de maio nota-se uma queda no número de casos, que provavelmente ocorreu pelo fato da temperatura ter começado a diminuir, desde o final do mês de abril, fator que é desfavorável à reprodução e desenvolvimento do mosquito Aedes aegypti.
Figura 2 Temperatura (ºC) média diária, precipitação (mm) e número de casos no período de janeiro a junho de 2007 para o município de Giruá. Fonte: DVE/CEVS/SES; INMET/RS, 2007. A distribuição da temperatura nos meses de janeiro a junho de 2007 variou pouco nos meses que antecederam os primeiros registros de dengue, desde o início de abril, até quando a epidemia se alastrou, e a explosão de casos, na metade de maio. As temperaturas (máximas e mínimas) oscilaram em torno dos 25 C a 35,3 C, condições favoráveis ao desenvolvimento do mosquito. Da mesma forma para os meses de janeiro, fevereiro e março, quando as temperaturas médias mínimas ficaram em torno dos 20 C e as máximas próximas de 35 C variando entre 25 C e 30 C. Ao observar as precipitações podem-se notar valores (em pêntadas) bastantes variáveis, principalmente nos dias/meses que antecederam os casos de dengue. No mês de abril foram observados picos de até 150 mm o que superou a média climatológica 1961-1990. Nota-se também na Figura 2 que nos meses de janeiro, fevereiro e março a cidade de Giruá enfrentava um período de constantes chuvas, com consideráveis volumes precipitados. Situação semelhante foi observada no mês de maio (até a metade do mês) quando houve uma coincidência entre dias de chuva e o aparecimento de focos positivos de dengue. Assim, essas condições apresentavam-se propícias e favoráveis à reprodução do mosquito causador da dengue. A Figura 3 mostra a distribuição de casos na área urbana de Giruá, de acordo com o local provável de infecção, ocorreu de maneira diferenciada nos vários bairros de Giruá e todos os casos ocorreram nas proximidades da área central da cidade. Foi justamente no raio de ação do mosquito que surgiram os 2 (dois) primeiros casos autóctones. A fêmea do mosquito (a transmissora do vírus) pode voar até 3 km em busca de local adequado para oviposição, e considerando o raio de ação no mapa de Giruá pode-se constatar o local de registro dos casos autóctones. Tais ocorrências da doença foram coincidentes com áreas residenciais. Das 15 localidades com transmissão somente os bairros centrais (Centro, Hortêncio e Santa Fé) se destacaram em relação aos demais, apresentando 105 casos positivos (49%), reforçando o aspecto urbano da doença, pois esses bairros concentram a maior parte da população do município. Figura 3 - Mapa da área de estudo. Localização dos focos do Aedes aegypti de ocorrência dos casos autóctones de dengue em Giruá (abril a junho de 2007). Fonte: CEVS, 2007. 4. Conclusão Os resultados encontrados mostraram a existência de associação entre número de casos de dengue e variáveis meteorológicas (precipitação e temperaturas altas) fornecendo indícios de que a chuva e a temperatura possam ter contribuído para a geração de casos de dengue. A maioria das notificações concentrou-se em períodos anteriores ao mês de maio
(mês de pico da dengue), começando em meados de abril, o que sugere que a região de Giruá passava por um período úmido com precipitações bastante frequentes e temperaturas amenas, que provavelmente contribuiu para a proliferação do vetor. A maioria dos casos de dengue (18,9%) no estado do Rio Grande do Sul foi registrada no município de Giruá. Através da associação entre o número de casos de dengue e fatores abióticos pôde ser observado o intervalo de tempo (janeiro a março) em que as chuvas e as temperaturas contribuíram na geração de novos casos. Estes fatores propiciaram condições diretas para ocorrência da doença e podem ter contribuído para a dispersão do mosquito e disseminação do vírus que causou a doença. O número de casos ocorridos foi mais evidente em áreas com infra-estrutura deficiente. Esses aspectos devem ser considerados para elaboração de estratégias de controle e mitigação, especialmente em cidades com características semelhantes. Apesar dos fatores climáticos serem favoráveis à proliferação do mosquito (índice pluviométrico e a temperaturas médias elevadas), eles por si só não justificam um grande número de casos da dengue. Para que haja um elevado surto como o do ano de 2007, além dos fatores climáticos serem determinantes para proliferação do mosquito, outros aspectos como a urbanização sem a devida estrutura de saneamento, a falta de limpeza e de medidas preventivas, possivelmente também podem ter influenciado na densidade do número de mosquitos e na incidência da dengue. Este trabalho não teve como objetivo diagnosticar as causas de uma maior ou menor incidência de casos de dengue em diferentes locais da cidade de Giruá, e sim mostrar a contribuição das condições meteorológicas (variáveis meteorológicas) nos períodos atuais e nos que antecederam os episódios de dengue. Sugere-se, assim, a continuidade de outras pesquisas com o intuito de verificar a razão da maior concentração de casos em determinadas áreas da cidade. Referências Bibliográficas: CENTRO ESTADUAL DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (CEVS). Situação epidemiológica de dengue no RS, agosto de 2007. Disponível em: http://www.saude.rs.gov.br/dados. Acesso: 01 de jul. 2009. FUNASA, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Dengue: instruções para pessoal de combate ao vetor: manual de normas técnicas. 3ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. HOOP, M. J. & FOLEY, J. A. Global Relationships Between Climate and the Dengue Fever Vector, Aedes Aegypti. Climatic Change. v. 48: 441-463, 2001. INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). Disponível em http://www.inmet.gov.br. Acesso: 01 jul. 2009. KÖPPEN, W. Climatologia Tradicional. Traduzido para o Espanhol por Pedro Henchiehs. Pérez, 1948. PONTES, R. J. S.; RUFFINO-NETTO, A. Dengue em localidade urbana da região sudeste do Brasil: aspectos epidemiológicos. Revista de saúde Pública, São Paulo, v. 28 n.3, 1994.