ESTUDO DA DEGRADAÇÃO DE BETALAÍNAS NO SUCO DE BETERRABA VIA AQUECIMENTOS ÔHMICO E CONVENCIONAL

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Transcrição:

ESTUDO DA DEGRADAÇÃO DE BETALAÍNAS NO SUCO DE BETERRABA VIA AQUECIMENTOS ÔHMICO E CONVENCIONAL J. N. Longaray 1, L. D. F. Marczak 1, N. P. Rodrigues 1, 1-Departamento de Engenharia Química Universidade Federal do Rio Grande do Sul CEP: 90040-040 Porto Alegre RS Brasil. Telefone: 55 (51) 33085155 Fax: 55 (51) 33083277 e-mail: (nairapoernersa@gmail.com) RESUMO A betalaína é o principal pigmento presente no suco de beterraba e pode ser classificada em betacianinas (vermelhas) e betaxantinas (amarelas). O processamento térmico do suco de beterraba aplicado para inativar enzimas e destruir microrganismos deteriorantes também pode afetar a estabilidade das betalaínas. O objetivo desse trabalho foi avaliar o efeito do tratamento térmico via aquecimentos ôhmico (AO) e convencional (AC) a 75 C e 85 C na cinética de degradação das betacianinas e betaxantinas do suco de beterraba. No tratamento térmico do suco de beterraba a 85 C com o AO a velocidade de degradação das betacianinas e das betaxantinas foram respectivamente 31 e 100% maiores do que com o AC. Na aplicação de AO a 75 C, somente as betaxantinas apresentaram maior velocidade de degradação, cerca de 60% superior a do AC. Durante o tratamento térmico com o AO podem ter ocorrido reações eletroquímicas, como a corrosão de eletrodos, a eletrólise da água e a formação de espécies reativas de oxigênio, que auxiliaram na degradação das betalaínas. ABSTRACT Betalain is the main pigment present in beetroot juice and can be classified into betacyanins (red) and betaxanthins (yellow). The thermal processing of the beetroot juice is applied to inactivate enzymes and to destroy spoilage microorganisms; this treatment can also affect the betalain stability. The aim of this study was to evaluate the effect of ohmic heating (OH) and conventional heating (CH) on betacyanins and betaxanthines degradation kinetics of beetroot juice treated at 75 C and 85 C. The beetroot juice treated by OH at 85 C presented the degradation rate of the betacyanins and betaxanthines 31 and 100% higher than treated by CH. In the use of OH at 75 C, only the betaxanthines showed degradation rate higher (about 60%) than the CH. During the heat treatment with the OH could have occurred electrochemical reactions such as electrode corrosion, water electrolysis and the formation of reactive oxygen species, which led to the betalain degradation. PALAVRAS-CHAVE: pigmento; beterraba; degradação térmica; tratamento térmico; aquecimento ôhmico. KEYWORDS: pigment; beetroot; thermal degradation; thermal treatment; ohmic heating. 1. INTRODUÇÃO A popular beterraba de mesa (Beta vulgaris L.) é uma raiz tuberosa de cor vermelhoarroxeada e também uma das principais hortaliças cultivadas no Brasil. As betalaínas, pigmento responsável pela cor da raiz da beterraba, são corantes naturais que contém nitrogênio em uma estrutura cíclica, são hidrossolúveis e apresentam poder de pigmentação capaz de competir com o dos corantes artificiais. As betalaínas são classificadas em betacianinas (vermelhas) e betaxantinas (amarelas). As betacianinas são quantitativamente as mais abundantes na beterraba vermelha e são elas que conferem a coloração vermelho-púrpura às raízes, enquanto que as betaxantinas aparecem em

segunda maior quantidade (Hamerski et al., 2013; Stintzing e Carle, 2008). Além disso, o poder antioxidante da beterraba é atribuído à presença de betalaínas, sendo estas associadas à prevenção de algumas doenças relacionadas ao estresse oxidativo em humanos, como alguns tipos de câncer. A pasteurização e a esterilização por calor são processos comumente utilizados na indústria alimentícia com o objetivo de eliminar microrganismos deteriorantes e patogênicos e inativar enzimas aumentando, assim, a vida útil do produto. Na indústria de alimentos são utilizados processos de aquecimento que dependem de mecanismos indiretos de transferência de calor para o alimento, como o emprego de trocadores de calor. Esses mecanismos apresentam algumas limitações, pois reduzem a eficiência de transferência de calor e, consequentemente, o tempo necessário para transportar calor para o centro do alimento a fim de alcançar o efeito letal desejado. Por outro lado, a utilização de altas temperaturas pode ocasionar a degradação de vitaminas, pigmentos, compostos voláteis de aroma e acelerar o processo oxidativo, reduzindo a qualidade nutricional e sensorial do alimento processado termicamente (Sarkis, 2011). Nesse contexto, pode-se destacar a tecnologia do aquecimento ôhmico como uma alternativa ao processamento térmico de alimentos. O aquecimento ôhmico consiste na passagem de corrente elétrica alternada através de um alimento, que exerce resistência elétrica. Há, então, transformação de energia elétrica em térmica, elevando a temperatura do meio. A principal vantagem desse processo é o aquecimento rápido e uniforme, sem zonas de sobre-aquecimento, o que minimiza perdas organolépticas e nutricionais principalmente em alimentos viscosos e contendo particulados, já que a transferência de calor independe dos coeficientes de troca térmica. Além disso, sabe-se que não há risco que incrustação devido à queima (demanda menor frequência de limpeza), há grande eficiência na conversão de energia elétrica em térmica (maior que 90%) e é aplicável em processos contínuos. Além da ação do calor na inativação de enzimas e na destruição da flora patogênica, sabe-se que há efeitos não-térmicos, tal como a eletroporação, isto é, a formação irreversível de poros na membrana celular de micro-organismos através do acúmulo de cargas oriundas da corrente passante, colapsandoos (Ramaswamy et al., 2014). Considerando o exposto, o objetivo desse trabalho foi avaliar o efeito dos aquecimentos ôhmico (AO) e convencional (AC) a 75 C e 85 C na cinética de degradação das betacianinas e das betaxantinas do suco de beterraba. 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Preparo do suco de beterraba Os maços de beterraba (Beta vulgaris L.) foram obtidos no comércio local de Porto Alegre. O bulbo da beterraba foi separado do talo, lavado, sanitizado com hipoclorito de sódio com 2% de cloro ativo, enxaguado para remoção do cloro residual e posteriormente seco, estando assim, pronto para o processamento. A extração do suco foi efetuada em uma centrífuga de alimentos (Juicer Philips Walita Avance RI1870). Depois de recolhido, todo o suco foi homogeneizado com bastão de vidro e cerca de 350 ml do suco foi transferido para 19 embalagens de polietileno, seguido de imersão em nitrogênio líquido por cerca de 5 min, até total congelamento do conteúdo. Em seguida, as embalagens foram lacradas em uma seladora (SM 300 Light, Sulpack) com o mínimo de ar e armazenadas em ultrafreezer a -40 C, protegidas da luz, por um prazo máximo de estocagem de 52 dias. Logo após o preparo do suco de beterraba foram avaliados alguns parâmetros físicoquímicos. O teor de umidade foi determinado pelo método de secagem em estufa a 105ºC até peso constante, a análise de ph foi realizada diretamente no suco utilizando phmetro (Digimed, modelo DM-22, Brasil) calibrado com tampões de ph 4,0 e 7,0 e o teor de sólidos totais foi determinado em refratômetro com correção da temperatura para 20 C.

Cerca de uma hora antes de cada experimento de tratamento térmico, o suco de beterraba foi descongelado utilizando banho de água, homogeneizado e filtrado a vácuo até completar 250 ml em uma proveta. Então, o ph do suco foi ajustado para 4,5 através da adição de aproximadamente 1,9 ml de solução aquosa de ácido cítrico 25% (v/v). 2.2 Processamento térmico via aquecimento ôhmico e convencional O sistema de aquecimento ôhmico (AO) é constituído por: gerador de função (modelo AFG3251, Tektronix Inc.), amplificador de potência (modelo 500A, Industrial Test Equipment), sistema de aquisição de dados (modelo 34972A, Agilent Technologies Inc.), computador, eletrodos e célula ôhmica. A célula ôhmica tem formato de béquer encamisado e possui uma tampa com entrada para os dois termopares constituídos de aço inoxidável tipo T e para os dois eletrodos de titânio com formato circular (com distância máxima e mínima entre os eletrodos de 6,5 e 4,9 cm, respectivamente) e uma abertura central para coleta de amostras. Na aplicação AO foi utilizado o tipo de onda senoidal com 60 Hz de frequência e tensão elétrica de 25 V (3,8 V/cm). A célula ôhmica foi colocada sobre um agitador magnético (modelo C-MAG HS10, IKA) e conectada a um banho termostático (Polystat, Cole Parmer). O suco de beterraba (250 ml), ph 4,5, com temperatura entre 18 e 19,5 C foi transferido para a célula ôhmica e esta foi envolvida em saco plástico escuro para minimizar o contato com a luz. A coleta da primeira amostra do suco foi realizada em 9 min depois do acionamento do banho, momento em que a temperatura do experimento foi alcançada, com uma tolerância máxima de ±1 C. Neste instante foi determinado como o tempo mínimo pra o atingimento da temperatura de trabalho (tempo zero). Alguns ensaios prévios foram realizados para acertar a temperatura do banho de forma que o perfil de temperatura do suco aquecido por AO fosse semelhante ao do AC, possibilitando a avaliação dos efeitos não-térmicos. Foram avaliadas duas temperaturas, 75 C e 85 C para cada tipo de aquecimento, convencional e ôhmico. Alíquotas da amostra foram coletadas a cada 20 min, totalizando um monitoramento de 120 min. Em cada tempo, alíquotas de 8 ml de suco foram coletadas, transferidas para tubos tipo Falcon e imediatamente mergulhadas em nitrogênio líquido por cerca de 20 s para alcançarem a temperatura de 15 C, com o objetivo de estagnar a degradação residual de betalaínas em função do calor remanescente. Após o resfriamento, uma parte do suco (1,5 ml) foi centrifugado e seu sobrenadante usado na quantificação das betacianinas e betaxantinas. A outra parte foi empregada na determinação dos parâmetros de cor. Os experimentos com aquecimento convencional a 75 e 85 C foram conduzidos no mesmo equipamento, porém sem a inserção dos eletrodos. 2.3 Determinação do teor de betacianinas e de betaxantinas O suco centrifugado (100 L) foi diluído em água destilada (9900 L), homogeneizado em vórtex, transferido para cubetas de polietileno e imediatamente analisado em espectrofotômetro UV- Visível (modelo T80 UV/VIS, PG Instruments). As absorbâncias analisadas foram nos comprimentos de onda de 480 nm para quantificar a vulgoxantina I (principal betaxantina), 536 nm para quantificar a betanina (principal betacianina) e 600 nm para descontar possíveis interferentes. A quantificação das betacianinas e das betaxantinas foi realizada de acordo com método descrito por Moßhammer et al. (2005) utilizando a Equação 1: Teor de betacianinas ou betaxantinas (mg/100 ml) = (A MM FD 10²)/(ε l) (1) onde A representa a absorbância do suco a 480 nm ou 536 nm descontado da absorbância de interferentes a 600 nm, MM representa a massa molar (339 g/mol para a vulgoxantina I e 550 g/mol para a betanina), FD representa o fator de diluição (100), ε representa a absortividade molar (48000 L.mol -1 cm -1 para a vulgoxantina I e 60000 L.mol -1 cm -1 para a betanina), l é o comprimento do caminho óptico (1cm) e 10² é um fator de correção para que as unidades do produto sejam expressas em mg de betacianina ou de betaxantina por 100 ml do suco de beterraba.

2.4 Determinação dos parâmetros cinéticos A modelagem matemática do perfil de degradação das betacianinas e das betaxantinas foi realizada utilizando uma reação de primeira ordem de acordo com a Equação 2. O tempo de redução decimal (valor-d) e o tempo de meia-vida (t 1/2 ) foram calculados de acordo com as Equações 3 e 4, respectivamente: ln (C/C 0 ) = k x t (2) D = ln (10)/k (3) t 1/2 = ln (2)/k (4) sendo C a concentração de betalaínas a cada instante de tempo (t), C 0 a concentração na primeira coleta (tempo zero) e k a constante cinética de degradação. Os critérios estatísticos utilizados para validar o modelo foram o coeficiente de determinação (R²) e o erro médio (E). 2.5 Análise estatística O tratamento térmico do suco de beterraba foi realizado em duplicata e as determinações do teor de betalaínas e de parâmetros físico-químicos foram realizados em triplicata. Os resultados foram avaliados estatisticamente através do teste t de Student entre dois grupos considerando um nível de 90% de significância. Os parâmetros cinéticos e estatísticos foram obtidos utilizando o software Statistica 7.0. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES O suco de beterraba in natura apresenta ph de 6,18, teor de umidade de 91% e conteúdo de sólidos totais de 8,5 Brix. Quanto ao conteúdo betalaínas, o suco de beterraba in natura apresentou conteúdo médio de betacianinas e de betaxantinas de 88 ± 4 mg/100 ml e 45 ± 2 mg/100 ml, respectivamente. As Figuras 1 e 2 apresentam, respectivamente, o perfil de degradação das betacianinas e das betaxantinas do suco de beterraba quando submetido ao tratamento térmico via aquecimentos ôhmico (AO) e convencional (AC) a 75 e 85 C. Quando o suco de beterraba foi aquecido à temperatura de 75 C por 120 minutos, a degradação das betacianinas foi em média de 42% no AC e de 43% no AO, enquanto que à temperatura de 85 C a degradação desse pigmento alcançou 52% no AC e 58% no AO. Durante o mesmo período, as betaxantinas degradaram entre 26% no AC e 36% no AO à temperatura de 75 C enquanto que à temperatura de 85 C a degradação foi em média de 30% no AC e de 48% no AO. Esses dados indicam que houve maior degradação das betalaínas, tanto betacianinas quanto betaxantinas, com o incremento da temperatura em ambos os métodos de aquecimento. Figura 1 Degradação de betacianinas a 75 C (a) e a 85 C (b) via aquecimentos convencional (AC) e ôhmico (AO) (médias das repetições e desvio-padrão).

Figura 2 Degradação de betaxantinas a 75 C (a) e a 85 C (b) via aquecimentos convencional (AC) e ôhmico (AO) (médias das repetições e desvio-padrão). Os parâmetros cinéticos de degradação das betacianinas e das betaxantinas no suco de beterraba foram calculados através do ajuste dos dados experimentais para um modelo cinético de primeira ordem e estão apresentados nas Tabelas 1 e 2. Os parâmetros estatísticos utilizados para a análise da adequação do modelo de primeira ordem à cinética real de degradação desses pigmentos apresentaram um bom ajuste com valores de R 2 maiores do que 0,96 e erros médios inferiores a 4,7%. Tabela 1 - Parâmetros cinéticos de degradação das betacianinas do suco de beterraba aquecido por 120 minutos a 75 e 85 C via aquecimentos convencional (AC) e ôhmico (AO). Processo T ( C) k (min -1 ) D (min -1 ) t 1/2 (min -1 ) AC 75 0,0044 ± 0,0017 a 568 ± 216 a 171 ± 65 a AO 75 0,0044 ± 0,0008 a 535 ± 97 a 161 ± 29 a AC 85 0,0051 ± 0,0007 B 457 ± 62 B 138 ± 19 B AO 85 0,0067 ± 0,0002 A 342 ± 10 A 103 ± 3 A Médias com letras diferentes na mesma coluna, letras minúsculas considera temperatura a 75 C e maiúsculas a temperatura de 85 C, indicam valores significativamente diferentes pelo teste t de Student (p<0,10). Tabela 2 - Parâmetros cinéticos de degradação das betaxantinas do suco de beterraba aquecido por 120 minutos a 75 e 85 C via aquecimentos convencional (AC) e ôhmico (AO). Processo T ( C) k (min -1 ) D (min -1 ) t 1/2 (min -1 ) AC 75 0,0027 ± 0,0005 b 856 ± 143 b 258 ± 43 b AO 75 0,0043 ± 0,0006 a 541 ± 69 a 163 ± 21 a AC 85 0,0032 ± 0,0003 B 729 ± 75 B 220 ± 23 B AO 85 0,0062 ± 0,0004 A 370 ± 24 A 111 ± 7 A Médias com letras diferentes na mesma coluna, letras minúsculas considera temperatura a 75 C e maiúsculas a temperatura de 85 C, indicam valores significativamente diferentes pelo teste t de Student (p<0,10). No tratamento térmico do suco de beterraba a 85 C com o AO os valores da constante cinética de degradação (k) das betacianinas e das betaxantinas foram respectivamente 31 e 100% maiores do que com o AC, enquanto que na aplicação de AO a 75 C, somente as betaxantinas apresentaram maior velocidade de degradação, cerca de 60% superior a do AC. A maior velocidade de degradação das betalaínas durante o tratamento térmico com o AO pode ser devido às reações eletroquímicas. Estas reações podem ocorrer devido ao processo de corrosão dos eletrodos liberando metais capazes de reduzir a estabilidade das betalaínas, devido à eletrólise da água que libera oxigênio no meio auxiliando na degradação oxidativa do pigmento e, em paralelo, pode ocorrer na interface do

eletrodo/suco a formação de espécies reativas de oxigênio que apresentam alta reatividade com biomoléculas podendo degradar as betalaínas do suco (Herbach et al., 2006; Ramaswamy et al., 2014). O presente trabalho é pioneiro na proposição de parâmetros cinéticos para a degradação de betalaínas no suco de beterraba tratado eletricamente. Todavia, tem-se conhecimento através da literatura científica que as antocianinas, compostos detentores de propriedades corantes similares às das betalaínas, se degradam seguindo o mesmo modelo proposto, além de apresentarem constantes de degradação na mesma ordem de grandeza para a temperatura de 75 C - 0,0061min -1 no AO e 0,059min -1 em AC - na polpa da acerola (Mercali et al., 2013). As tabelas 1 e 2 também apresentam os tempos de redução decimal (valor-d) que variaram entre 342 e 856 min -1 e os tempos de meia-vida (t 1/2 ) que variaram entre 103 e 158 min -1 para a degradação das betalaínas considerando todos os tratamentos estudados. Em estudo semelhante, Mercali et al. (2013) encontrou valor-d entre 179 e 395 min -1 e t 1/2 entre 54 e 119 min -1 para a degradação das antocianinas da polpa de acerola utilizando o tratamento térmico via AC e AO nas temperaturas de 75 e 85 C. Isto indica uma proximidade nos parâmetros cinéticos da degradação das betalaínas e das antocianinas, nas matrizes vegetais avaliadas. 4. CONCLUSÕES Independente do tratamento térmico utilizado, elétrico ou convencional, observou-se maior degradação tanto das betacianinas quanto das betaxantinas com o incremento da temperatura. O suco de beterraba aquecido com AO apresentou uma velocidade de degradação maior das betalaínas, provavelmente devido ao complexo número de reações eletroquímicas que podem ocorrer no suco devido à passagem da corrente elétrica. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Hamerski, L., Rezende, M. J. C., Silva, B. V. (2013). Using colors of nature to satisfy consumer desires: Natural substances as colorants in the food industry. Revista Virtual de Química, 5, 394-420. Herbach, K. M., Stintzing, F. C., Carle, R. (2006). Betalain stability and degradation - Structural and chromatic aspects. Journal of Food Science, 71, R41-R50. Mercali, G. D., Jaeschke, D. P., Tessaro, I. C., Marczak, L. D. F. (2013). Degradation kinetics of anthocyanins in acerola pulp: Comparison between ohmic and conventional heat treatment. Food Chemistry,136, 853-857. Moßhammer, M. R., Stintzing, F. C., Carle, R. (2005). Development of a process for the production of a betalain-based colouring foodstuff from cactus pear. Innovative Food Science and Emerging Technologies, 6, 221-231. Stintzing, F. C., Carle, R. (2008). Betalains in Food: Occurrence, Stability, and Postharvest Modifications Food Colorants: Chemical and Functional Properties: Taylor & Francis Group, LLC. Ramaswamy, H. S., Marcotte, M., Sastry, S., Abdelrahim, K. (2014). Ohmic Heating in Food Processing: Taylor & Francis Group, LLC. Sarkis, J. R. (2011). Construção de um Sistema de Aquecimento Ôhmico e sua Aplicação no Tratamento Térmico da Polpa de Mirtilo. Dissertação de Mestrado, DEQUI-UFRGS.