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Transcrição:

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA ROTEIRO DE ATIVIDADES 9º ANO 4º BIMESTRE AUTORIA MARIA GORETTI CAMPELO DO NASCIMENTO Rio de Janeiro 2012

TEXTO GERADOR I O Texto Gerador I é um texto referente ao capítulo I do romance Vidas Secas, gênero textual previsto para este bimestre. Este capítulo narra a retirada do sertão castigado pela seca, Fabiano, Sinhá Vitória, a cachorra Baleia, e os filhos do casal, o mais novo e o mais velho, que passam por diversas privações. MUDANÇA Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala. Arrastaram-se para lá devagar, sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs se a chorar, sentou-se no chão. Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo. A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos. Anda, excomungado. 2

O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário - e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde. Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés. Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinha Vitoria estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão,acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados no estômago, frio como um defunto. Ai a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a Sinhá Vitoria, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caiam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinha Vitoria aprovou esse arranjo,lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis. E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande. Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente do grupo. Arqueada, as costelas a mostra, corria ofegando, a língua fora da boca. E de quando em quando se detinha, esperando as pessoas, que se retardavam. Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado a beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto. Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal. Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas logo a recordação chegava. Tinha andado a procurar raízes, à toa: o resto da farinha acabara, não se ouvia um berro de rés perdida na catinga. Sinha Vitoria, queimando o assento no chão, as mãos cruzadas segurando 3

os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas, tudo numa confusão. Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolvera de supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que ele era mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e latia arremedando a cachorra. As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam. Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força. Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra. Sinhá Vitoria acomodou os filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com molambos. O menino mais velho, passada a vertigem que o derrubara, encolhido sobre folhas secas, a cabeça encostada a uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os olhos, distinguia vagamente um monte próximo, algumas pedras, um carro de bois. A cachorra Baleia foi enroscar-se junto dele. Estavam no pátio de uma fazenda sem vida O curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tinham fugido. Fabiano procurou em vão perceber um toque de chocalho. Avizinhou-se da casa, bateu, tentou forçar a porta. Encontrando resistência, penetrou num cercadinho cheio de plantas mortas, rodeou a tapera, alcançou o terreiro do fundo, viu um barreiro vazio, um bosque de catingueiras murchas, um pé de turco e o prolongamento da cerca do curral. 4

Trepou-se no mourão do canto, examinou a catinga, onde avultavam as ossadas e o negrume dos urubus. Desceu, empurrou a porta da cozinha. Voltou desanimado, ficou um instante no copiar, fazendo tensão de hospedar ali a família. Mas chegando aos juazeiros, encontrou os meninos adormecidos e não quis acordá-los. Foi apanhar gravetos, trouxe do chiqueiro das cabras uma braçada de madeira meio roída pelo cupim, arrancou touceiras de macambira, arrumou tudo para a fogueira. Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas, arregaçou as ventas, sentiu cheiro de preás, farejou um minuto, localizou-os no morro próximo e saiu correndo. Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se uma sombra passava por cima do monte. Tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum tempo aguentando a claridade do sol. Enxugaram as lagrimas, foram agachar-se perto dos filhos, suspirando, conservaram-se encolhidos, temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul terrível, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente. Entrava dia e saia dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente. Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de Sinha Vitoria, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram a fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem animo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava. Iam-se amodorrando e foram despertados por Baleia, que trazia nos dentes um preá. Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras, afastando pedaços de sonho. Sinhá Vitoria beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensanguentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo. Aquilo era caça bem mesquinha, mas adiaria a morte do grupo. E Fabiano queria viver. Olhou o céu com resolução. A nuvem tinha crescido, agora cobria o morro inteiro. Fabiano pisou com segurança, esquecendo as rachaduras que lhe estragavam os dedos e os calcanhares. 5

Sinha Vitoria remexeu no baú, os meninos foram quebrar uma haste de alecrim para fazer um espeto. Baleia, o ouvido atento, o traseiro em repouso e as pernas da frente erguidas, vigiava, aguardando a parte que lhe iria tocar, provavelmente os ossos do bicho e talvez o couro. Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos animais um pouco de lama. Cavou a areia com as unhas, esperou que a água marejasse e, debruçando no chão, bebeu muito. Saciado, caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que vinham nascendo. Uma, duas, três, quatro, havia muitas estrelas, havia mais de cinco estrelas no céu. O poente cobria-se de cirros - e uma alegria doida enchia o coração de Fabiano. Pensou na família, sentiu fome. Caminhando, movia-se como uma coisa, para bem dizer não se diferençava muito da bolandeira de seu Tomas. Agora, deitado, apertava a barriga e batia os dentes. Que fim teria levado a bolandeira de seu Tomas? Olhou o céu de novo. Os cirros acumulavam-se, a lua surgiu, grande e branca. Certamente ia chover. Seu Tomas fugira também, com a seca, a bolandeira estava parada. E ele, Fabiano, era como a bolandeira. Não sabia porque, mas era. Uma, duas, três, havia mais de cinco estrelas no céu. A lua estava cercada de um halo cor de leite. Ia chover. Bem. A catinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de ossos animariam a solidão. Os meninos, gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, Sinha Vitoria vestiria saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde. Lembrou-se dos filhos, da mulher e da cachorra, que estavam lá em cima, debaixo de um juazeiro, com sede. Lembrou-se do preá morto. Encheu a cuia, ergueu-se, afastou-se, lento, para não derramar a água salobra. Subiu a ladeira. A aragem morna acudia os xiquexiques e os mandacarus. Uma palpitação nova. Sentiu um arrepio na catinga, uma ressurreição de garranchos e folhas secas. Chegou. Pôs a cuia no chão, escorou-a com pedras, matou a sede da família. Em seguida acocorou-se, remexeu o aió, tirou o fuzil, acendeu as raízes de macambira, soprou-as, 6

inchando as bochechas cavadas. Uma labareda tremeu, elevou-se, tingiu lhe o rosto queimado, a barba ruiva, os olhos azuis. Minutos depois o preá torcia-se e chiava no espeto de alecrim. Eram todos felizes. Sinhá Vitoria vestiria uma saia larga de ramagens. A cara murcha de sinha Vitoria remoçaria, as nádegas bambas de Sinha Vitória engrossariam, a roupa encarnada de Sinha Vitoria provocaria a inveja das outras caboclas. A lua crescia, a sombra leitosa crescia, as estrelas foram esmorecendo naquela brancura que enchia a noite. Uma, duas, três, agora havia poucas estrelas no céu. Ali perto a nuvem escurecia o morro. A fazenda renasceria - e ele, Fabiano, seria o vaqueiro, para bem dizer seria dono daquele mundo. Os troços minguados ajuntavam-se no chão: a espingarda de pederneira, o aió, a cuia de água o baú de folha pintada. A fogueira estalava. O preá chiava em cima das brasas. Uma ressurreição. As cores da saúde voltariam a cara triste de Sinha Vitória. Os meninos se espojariam na terra fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam pelos arredores. A catinga ficaria verde. Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E como não podia ocupar-se daquelas coisas, esperava com paciência a hora de mastigar os ossos. Depois iria dormir. (RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. São Paulo: Record, 1982. p. Fragmento.) 7

ATIVIDADES DE LEITURA QUESTÃO 1 No romance, a indicação do lugar onde acontece a história pode se dar pelas pistas que o cenário (lugar onde acontece a ação) mostra. No trecho abaixo, temos a indicação de um lugar em que acontece a cena. Identifique em que local se passa a caminhada da família. Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés. Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, cocou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. [...] a) No sertão nordestino. b) No deserto. c) Na floresta amazônica. d) No interior de São Paulo. Habilidade trabalhada Utilizar pistas do texto para fazer antecipações e inferências a respeito do conteúdo. Resposta comentada A resposta correta é a letra a. Para responder adequadamente sobre a questão do espaço em que ocorre a narrativa, é importante observar que no trecho destacado a palavra sertanejo dá indícios da resposta, pois refere-se à pessoa que vive no sertão, podendo ser inferido que o fragmento da história se desenvolve no sertão nordestino, uma região afastada dos centros urbanos, com pouca civilização. Os conhecimentos de geografia também contribuem bastante para analisar a questão, pois no sertão o clima é seco e quente pela escassez de chuva, contudo, é possível viver nessa região. A opção b está incorreta, pois o 8

deserto é uma região em que ocorre pouca quantidade de chuva, a umidade é muito baixa e pouca vegetação se desenvolve. Assim, a vida torna-se difícil para seres humanos e animais, por ser uma região capaz de sustentar pouca vida. A opção c está incorreta porque a floresta amazônica é a maior floresta do mundo, com a maior concentração de água doce e a maior biodiversidade do planeta, ou seja, é uma fonte de vida. E a d também está incorreta, pois São Paulo é uma metrópole e o clima é considerado subtropical. QUESTÃO 2 Podemos caracterizar as personagens de variadas formas, através de suas características físicas, pelo seu modo de pensar, pelo seu comportamento, pela sua classe social e também por sua personalidade ou estados de espírito. Observe o trecho abaixo: Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs se a chorar, sentou-se no chão. Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo. De acordo com as atitudes de Fabiano descritas no trecho acima, podemos identificálo como: a) Uma pessoa com bastante instrução. b) Uma pessoa totalmente hostil devido à situação em que vivia. c) Uma pessoa que possui características românticas, crente na bondade das pessoas. d) Uma pessoa muito segura que sabe se defender diante das dificuldades da vida. 9

Habilidade trabalhada todo. Relacionar as características físicas das personagens à sua composição como um Resposta Comentada A opção correta é a letra b, pois a vida sofrida no sertão acaba tornando-o agressivo devido às péssimas condições de vida. O item a está incorreto, pois no texto não há nenhuma característica que o apresente como um homem culto. A personagem é um homem pobre, simples, que parece ter passado por muitas dificuldades na vida. A opção c está incorreta porque o fragmento não apresenta características românticas da personagem e nem a crença na bondade das pessoas. A opção d também está incorreta, pois o fragmento não apresenta atitudes seguras da personagem, mas apresenta um homem pobre, ignorante, que deseja, desesperadamente, fugir da seca, mudar de vida. QUESTÃO 3 A personagem Fabiano tinha uma incapacidade básica de comunicação com as outras pessoas, ele quase não consegue expressar-se verbalmente. Essa dificuldade colabora para que ele se sentisse mais próximo dos animais que dos homens. Ao comunicar-se com Sinha Vitória aparece nivelado aos bichos. Que expressões do texto justificam essa afirmação? Habilidade trabalhada Utilizar pistas do texto para fazer antecipações e inferências a respeito do conteúdo. Resposta Comentada Por meio da leitura do texto, utilizando seu conhecimento do tema central do romance e da forma como se desenvolve o enredo, o aluno deverá ser capaz de inferir que a resposta correta diz respeito ao trecho [...]. Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá Vitoria estirou o beiço indicando 10

vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto., [...] lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis Para marcar a resposta certa, o aluno deverá inferir o sentido da palavra gutural. O mesmo deverá observar no primeiro trecho os gestos de Sinha Vitória na tentativa de estabelecer comunicação com Fabiano. Sinha Vitória esticou o beiço indicando vagamente uma direção. Por meio da interpretação do trecho é possível inferir o sentido da palavra gutural, som produzido pela garganta, concluindo assim, que se trata de um grunhindo, uma linguagem que se assemelha à dos animais. Assim, o aluno será capaz de inferir também o trecho seguinte, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis, como resposta correta. ATIVIDADE DE USO DA LÍNGUA QUESTÃO 4 Em textos narrativos, a reprodução fiel das palavras de personagens é feita pelo discurso direto. Em geral, esse tipo de discurso caracteriza-se pelo uso do travessão no início da fala e a indicação do verbo dicendi. Considerando essas observações, assinale a alternativa que contém trecho em que há ocorrência do discurso direto com o emprego de verbo dicendi. a) (...) Fabiano segui-a com a vista e espantou-se uma sombra passara por cima do monte. b) (...) Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos animais um pouco de lama. c) Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Anda, excomungado. Habilidade trabalhada Identificar e diferenciar os discursos direto, indireto e indireto livre. 11

Resposta Comentada O discurso direto é a reprodução de maneira fiel da fala das personagens. Os verbos dicendi (dizer, perguntar, responder, contestar, concordar, entre outros) são utilizados pelo autor de acordo com o estilo que ele queira dar ao texto, reproduzindo o estado de espírito e sentimentos da personagem. Porém, alguns autores dispensam o emprego desses verbos para que a narrativa se torne mais veloz. No capítulo lido, há apenas duas passagens em que o autor utiliza o discurso direto. Podemos ver que nessas passagens as falas da personagem são marcadas pelo travessão e em uma delas há a ausência do verbo dicendi. A opção correta é a letra C Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Anda, excomungado Esta é uma questão que não oferece dificuldade, as alternativas a e b o aluno facilmente descartaria, pois nessas sequências encontramos apenas a fala do narrador descrevendo as ações das personagens. QUESTÃO 5 Em textos narrativos, o discurso direto tem grande importância na fala das personagens, pois indica como a fala foi considerada na cena em questão. Observe o trecho e responda: Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs se a chorar, sentou-se no chão. Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. No trecho acima, o verbo dicendi foi utilizado para demonstrar que: 12

a) Fabiano estava distante do filho. b) Fabiano tinha problemas de audição. c) Fabiano estava irritado com a situação, pois estava cansado e com fome, e precisava chegar a algum lugar. d) Fabiano estava entusiasmado com a expectativa de uma nova vida. Habilidade trabalhada Identificar e diferenciar os discursos direto, indireto e indireto livre. Resposta Comentada: O item que corresponde à resposta correta é a letra c, como pode ser evidenciado no trecho acima, Fabiano grita porque o filho mais velho, exausto da caminhada sem fim, sentase no chão, incapaz de prosseguir, atrasando a viagem, o que o deixa irritado. A Opção a está incorreta, pois como podemos confirmar no texto, Fabiano grita com o filho porque ele parou a caminhada e não por estar atrás dele. A opção b é incorreta porque no texto não há nenhuma passagem que mostre que Fabiano tinha problemas de audição. A opção d também está incorreta, pois no texto não há mostras de entusiasmo, de alegria de nenhum dos membros da família. 13