22º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 14 a 19 de Setembro 2003 - Joinville - Santa Catarina II-189 - USO DE ESGOTOS TRATADOS EM LAGOAS DE ESTABILIZAÇÃO PARA FERTIRRIGAÇÃO NAS CULTURAS DO MILHO E GIRASSOL Fernando Campos Mendonça(1) Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ/USP). Mestre e Doutor em Agronomia, área de concentração Irrigação e Drenagem, pela ESALQ/USP. Pós-doutor em Saneamento Básico pela Faculdade de Saúde Pública (FSP/USP). Professor da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE). Roque Passos Piveli(2) Engenheiro Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, mestre em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, Doutor em Engenharia Hidráulica e Sanitária pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Professor Doutor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Endereço: (1): Rua Riachuelo, 477, Ap. 43 - Centro - Piracicaba - SP - CEP: 13400-510 - Brasil - Tel: (19) 3422-5358 - e-mail: fcmendon@ig.com.br (2): Escola Politécnica (POLI/USP) - São Paulo - SP - Brasil - Tel: (11) 3091-5582 e-mail: rppiveli@usp.br RESUMO Os cultivos irrigados em áreas circunvizinhas às cidades geralmente é feito com águas de superfície, muitas vezes contaminadas por esgotos. Sem manejo adequado aumentam os
riscos de contaminação de alimentos e de saúde pública devido a doenças infectocontagiosas. A maioria dos casos mundiais de diarréia infantil deve-se a microorganismos presentes na água e nos alimentos. O tratamento e a utilização de efluentes tratados têm grande potencial de redução do impacto ambiental pelo lançamento em cursos de água. Uma alternativa é o uso de efluentes na agricultura irrigada. Nesse contexto desenvolveu-se um trabalho sobre reúso de efluentes em fertirrigação com esgotos tratados no município de Lins-SP, com o objetivo de avaliar a resposta das culturas do milho e girassol à fertirrigação com efluente de lagoas de estabilização (anaeróbia + facultativa), desinfetado ou não. Neste trabalho são apresentados os resultados de experimentos de fertirrigação nas culturas de milho e girassol. O milho cultivado sob fertirrigação com efluente apresentou aumento de produtividade de grãos e massa seca da parte aérea. Os maiores valores de razão Produtividade x Naplicado foram encontrados nos tratamentos irrigados, comprovando o aumento da eficiência de aproveitamento de N. Nos tratamentos com adubação convencional completa e fertirrigação com efluente houve redução da razão Produtividade x Naplicado, com menor eficiência de aproveitamento de N. A cultura do girassol não apresentou efeito significativo dos tratamentos de fe rtirrigação, porém apresentou maior produção de massa seca da parte aérea que a cultura do milho, sendo interessante para a produção de silagem. PALAVRAS-CHAVE: Águas residuárias, lagoas de estabilização, fertirrigação, milho, girassol. INTRODUÇÃO Em muitas propriedades rurais próximas às cidades utiliza-se água de superficie na irrigação, geralmente contaminada por esgotos. Sem controle ou manejo adequados, aumentam os riscos de contaminação de alimentos e gastos de saúde pública devido ao aumento de doenças. Cerca de 70% dos 1.400 milhões de casos mundiais de diarréia infantil devem-se a microorganismos presentes na água e alimentos (Blum & Feachen, 1983). O tratamento e a utilização de efluentes tratados têm grande potencial de redução do impacto ambiental pelo lançamento em cursos de água superficial. Uma alternativa é o reúso de efluentes na agricultura irrigada, em cultivos agroindustriais ou reflorestamento (Bartone & Arlosoroff, 1987; Bartone, 1990; Leon Suematsu & Moscoso Cavallini, 1999). Nesse contexto desenvolveu-se um trabalho sobre reúso de efluentes em fertirriga-ção com esgotos tratados no município de Lins-SP. Neste trabalho são apresentados os resultados de dois experimentos de fertirrigação, o primeiro com cultivo de milho e o se-gundo com o cultivo de girassol.
MATERIAIS E MÉTODOS A Área Experimental de Reúso localiza-se na cidade de Lins e situa-se junto à ETE da cidade, que atende a uma população de 67.000 habitantes. A estação é composta de três sistemas paralelos de lagoas de estabilização (anaeróbia + facultativa) (Vide Figura 1). Um sistema de irrigação por gotejamento foi utilizado para aplicar o efluente das lagoas em dois experimentos, um com milho e outro com girassol. Nos dois experimentos foi feita a correção e adubação do solo, atendendo as necessidades das plantas cultivadas. Os experimentos tiveram o mesmo delineamento experimental (faixas), com nove tratamentos e cinco repetições. Os tratamentos referiram-se à irrigação, desinfecção do efluente e adubação nitrogenada convencional. Os tratamentos são descritos no Quadro 1. Figura 1 - Vista aérea da estação de tratamento de Lins-SP Quadro 1 - Esquema de tratamentos dos experimentos Tratamento Descrição T1 - SI S/N* Sem irrigação + adubação sem N T2 - SI C/N Sem irrigação + adubação completa T3 - ÁGUA C/N Irrigação com água potável + adubação completa T4 - CLORO S/N* Irrigação c/ efluente clorado + adubação sem N T5 - CLORO C/N Irrigação c/ efluente clorado + adubação completa T6 - UV S/N*
Irrig. c/ efluente desinfetado c/ rad. ultravioleta + adub. s/ N T7 - UV C/N Irrig. c/ efl. desinf. c/ rad. ultravioleta + adub. completa T8 - END S/N* Irrigação c/ efluente clorado + adubação sem N T9 - END C/N Irrigação c/ efluente clorado + adubação comp leta * Nitrogênio suprido apenas pelo efluente As variáveis de comparar dos tratamentos foram massa seca da parte aérea (MS-PA), índice de área foliar (IAF), e produtividade de grãos. Os resultados foram submetidos à análise de variância e ao teste de Tukey para verificar diferenças significativas, comparar médias e detectar os melhores resultados. RESULTADOS OBTIDOS A análise de variância do Experimento 1 acusou diferenças significativas entre tratamentos para MSPA e produtividade de grãos. Na Tabela 1 está a comparação de médias. Tabela 1 - Massa seca de parte aérea para a cultura do Experimento 1 (Milho) Tratamento IAF MSPA (m2 folhas/m2 solo) (kg/ha) T1 - SI S/N 2,62 a
4498,7 a T2 - SI C/N 2,44 a 5064,8 ab T6 - UV S/N 2,83 a 6129,1 abc T3 - ÁGUA C/N 2,75 a 6383,3 abc T8 - END S/N 2,56 a 7145,5 bcd T4 - CLORO S/N 3,67 ab 7421,8 bcd T7 - UV C/N 2,99 ab 7569,0 cd T9 - END C/N 4,14 b 8132,0 cd T5 - CLORO C/N
3,40 ab 9199,0 d O tratamento T9 apresentou o maior IAF, superior aos tratamentos T1, T2, T3, T6 e T8. Já T5 produziu a maior MSPA, superior aos tratamentos sem irrigação (T1 e T2) e aos irrigados T3 (ÁGUA C/N) e T6 (UV S/N). Os tratamentos de fertirrigação + adubação convencional completa produziram maior MSPA. Na Tabela 2 estão a produtividade, doses e fontes de N aplicadas aos tratamentos e a razão Produtividade x N aplicado. Na fertirrigação aplicou-se uma dose de nitrogênio superior à da adubação convencional, como se vê comparando os tratamentos T2 e T4. Tabela 2 - Produtividade de grãos, N aplicado e razão Produtividade x Naplicado (Milho) Tratamento Produtividade de grãos Naplic (kg/ha) Prod. x Naplicado (kg/ha) Adub. conv. Fertirrigação Total (kg grãos/kg N) T1 - SI S/N 364,1 a 0
T2 - SI C/N 307,9 a 3,1 T7 - UV C/N 3487,1 b 229,3 15,2 T6 - UV S/N 4074,1 bc 31,5 T8 - END S/N 5468,3 cd
42,3 T9 - END C/N 5281,2 cd 229,3 23,0 T3 - ÁGUA C/N 6454,1 de 10,7 110,7 58,3 T4 - CLORO S/N 6042,3 de 46,7 T5 - CLORO C/N 7475,8 e
229,3 32,6 * Médias seguidas por letras diferentes diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade O tratamento T5 apresentou o melhor resultado, significativamente superior a quase todos os tratamentos, exceto T3 e T4. O efluente clorado superou o efluente desinfetado com radiação ultravioleta. A razão Produtividade x Naplicado foi mais favorável nos tratamentos irrigados, com aumento da eficiência de uso de N. A maior eficiência de aproveitamento de N foi a do tratamento T3, indicando menor aproveitamento do N contido no efluente em relação ao do fertilizante comercial. Nos tratamentos de irrigação com efluente, a eficiência foi maior nos que não receberam adubação nitrogenada convencional. No Experimento 2 aplicou-se 344,4 mm de água à cultura do girassol. As necessidades hídricas de oleaginosas variam de 300 a 600 mm; portanto, a irrigação supr iu as necessidades mínimas do girassol em seu ciclo produtivo (Doorenbos & Pruitt, 1997). A análise de variância mostrou que não houve diferenças significativas entre os tratamentos, para IAF e MSPA. Os valores são apresentados na Tabela 3. Os valores são mais altos que as médias obtidas com a cultura do milho (Experimento 1). Portanto, o girassol pode ser de grande interesse, caso se opte pela produção de silagem e alimentação animal. Deve-se considerar um fator importante: o ataque de aves. No milho os grãos ficam protegidos pela palha da espiga, enquanto no girassol eles estão expostos no topo da planta, facilitando o ataque e a redução do valor nutricional da silagem. No Experimento 2 houve severo ataque de aves, inviabilizando a colheita de grãos e a análise da produtividade. Tabela 4 - Índice de área foliar e massa seca de parte aérea para a cultura do girassol Tratamento IAF MSPA (m2 folhas/m2 solo) (kg/ha) T1 - SI S/N 3,54
11599,4 T2 - SI C/N 3,93 10550,8 T3 - ÁGUA C/N 3,72 12164,9 T4 - CLORO S/N 4,04 12940,0 T5 - CLORO C/N 4,26 14446,4 T6 - UV S/N 3,25 11567,4 T7 - UV C/N 3,85 12005,5 T8 - END S/N 3,54 12615,9 T9 - END C/N 4,82
14752,6 CONCLUSÕES A cultura do milho apresentou aumento de IAF, MSPA e produtividade de grãos sob fertirrigação com efluente. Entre os tratamentos com efluente desinfetado, os de eflu-ente clorado apresentaram resultados superiores aos de radiação ultravioleta. Os maiores valores de razão Produtividade x Naplicado foram encontrados nos t ratamentos irrigados, comprovando o aumento da eficiência de aproveitamento de N. Nos tratamentos com adubação convencional completa e fertirrigação com efluente houve redução da razão Produtividade x Naplicado, com menor eficiência de aproveitamento de N. A cultura do girassol não apresentou efeito significativo da fertirrigação, para o ín-dice de área foliar e a massa seca de parte aérea. A cultura apresentou maior produção de massa seca que a cultura do milho, sendo interessante para a produção de silagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARTONE, C.R. International perspective on water resources management and wastewater reuse: appropriate technologies, In: IAWPRC BIENNIAL INTERNATIONAL CONFERENCE AND WATER REUSE SEMINAR, Kyoto, Japan, 1990. BARTONE, C.R.; ARLOSOROFF, S. Irrigation reuse of pond effluents in developing countries. Water Science and Technology, 19 (12), 289-297, 1987. BLUM, D.; FEACHEN, R.G. Measuring the impacts of water supply and sanitation investment on diarrheal diseases: Proble ms of methodology. International Journal of Epidemiology, 12, 357-365, 1983 DOOREMBOS, J.; PRUITT, W.O. Necessidades hídricas das culturas. Trad. H.R. Gheyi, Campina Grande: UFPB, 1997. 204 p. (Estudos FAO: Irrigação e Drenagem, 24). LEÓN SUEMATSU, G.; MOSCOSO CAVALLINI, J. Tratamento e uso de águas residuárias. Trad. GHEYI, H.R.; KÖNIG, A.; CEVALLOS, B.S.O. e DAMASCENO, F.A.V. Campina Grande, Universidade Federal da Paraíba, 1999. 109 p. VAN GENUCHTEN, M.T. A closed form for predicting the hydraulic conductivity of unsaturated soils. Soil. Sci. Soc. of America Journal, Madison, 41, 892-898, 1980.