Núcleo de Pesquisa e Extensão do Curso de Direito NUPEDIR VII MOSTRA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA (MIC) 25 de novembro de 2014



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Transcrição:

O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE E O DANO MORAL NO DIREITO DE FAMÍLIA Vanessa de Castro 1 Júlia Bagatini 2 SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 EVOLUÇÃO DIREITO DE FAMÍLIA. 3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 4 DANO MORAL. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. RESUMO: Analisar, no âmbito do poder familiar, a possibilidade de responsabilização por dano moral em decorrência do abandono afetivo. A finalidade do presente trabalho é trazer algumas diretrizes de pensamento acerca da afetividade no direito de família, discutindo a possibilidade de responsabilização civil por danos morais decorrente de abandono afetivo nas relações entre pais e filhos. Entretanto é fundamental também verificar se há controvérsia trazendo à esfera jurídica e psicológica, explicitando os obstáculos para uma possível condenação de natureza indenizatória. O direito não pode realizar imposições afetivas, nem exigir amor recíproco entre pai e filho. Todavia, a responsabilidade parental impõe aos pais o dever de cuidado em relação aos filhos, dever este que pode até não ser presencial, mas cuja falta, a depender do caso, pode sim, ensejar o dever de reparação. Palavras-chave: Família. Afetividade. Abandono Afetivo. Dano Moral. 1 INTRODUÇÃO O interesse por este tema partiu do pressuposto da sua grande relevância social, visto se tratar de uma questão controvertida, qual seja, o debate acerca da reparação pecuniária como forma de compensação de preenchimento do vazio causado pela ausência de afeto parental, desafiando, principalmente, a extensão da dignidade da pessoa e o desenvolvimento psicológico do ser humano, o qual influi diretamente no homem perante a sociedade e, por conseguinte, na esfera jurídica. Diante disso, o tema abordado neste artigo mostra-se de relevância social e jurídica, pois se trata de um direito fundamental, devendo ser analisado com a devida atenção, quiçá, receber tratamento específico para que não se viole um direito constitucionalmente garantido, até porque o Código de Processo Civil é falho ao tratar do tema, e não se tem em nível nacional um parâmetro claro para definir a questão do dano moral. 1 Aluna do Curso de Graduação em Direito pela FAI Faculdades. E-mail vanedecastro@gmail.com 2 Professora da FAI Faculdades. Mestre pela UNISC. Advogada. E-mail: juliabagatini@bol.com.br 1

2 EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMILIA O instituto familiar, sempre esteve presente na sociedade como uma maneira de organizar as pessoas no meio social. Porém, ao longo dos tempos, sofreu diversas modificações em virtude de novas posturas adotadas pelos seres humanos perante a sociedade. Diante disso, surge a necessidade do Estado se adequar a essa nova realidade familiar. Diante das modificações que a sociedade sofreu, com as novas relações familiares, atualmente temos outra noção de família, sendo que família é o gênero, do qual a entidade familiar é a espécie, sendo considerada uma união de pessoas 3. Dessa forma, o estudo visa abordar a família em suas diversas fases, desde a época primitiva até o novo e moderno conceito familiar da união estável. O Direito de Família pode ser conceituado como sendo o ramo do Direito Civil que tem como conteúdo o estudo dos institutos do casamento; união estável; relações de parentesco; filiação; alimentos; bem de família; tutela, curatela e guarda, bem como a investigação de novas manifestações familiares 4. No mesmo sentido, o autor Paulo Lôbo, defende: O direito de família é um conjunto de regras que disciplinam os direitos pessoais e patrimoniais das relações de família. Até ao advento da Constituição de 1988, a doutrina jurídica brasileira, condicionada em grande medida pelo Código Civil de 1916, distribuía o conteúdo do direito de família em três grandes partes: a) o direito matrimonial; b) o direito parental; c) o direito assistencial 5. Portanto, o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção, bem como compreendendo os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins 6. 3 LISBOA. Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e sucessões. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 28. 4 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Rio de Janeiro: Método, 2011, p. 984. 5 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 37. 6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 17. 2

Durante o processo civilizador da humanidade, a constituição familiar se tornou um dos processos mais importantes da sociedade. Contudo, o modelo familiar da época primitiva, muito se diferencia da família que podemos ver nos dias de hoje. O conceito de família se transformou de várias maneiras com o passar dos anos. Na contemporaneidade, há de se ressaltar que houve uma grande mudança, época em que vigia o Código Civil de 1916. A família é uma construção cultural. Dispõe de estruturação psíquica, na qual todos ocupam um espaço, possuem um papel lugar do pai, da mãe, dos filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. É essa estrutura familiar que interessa investigar e preservar como um lar no seu aspecto mais significativo: lugar de afeto e respeito 7. O direito das famílias- por estar voltado à tutela da pessoa é personalíssimo, adere indelevelmente à personalidade da pessoa em virtude de sua posição na família durante toda a vida. Em sua maioria é composto de direitos intransmissíveis, irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis 8. Com o advento da Constituição Federal 9, alterou o conceito e característica da família e passou a reconhecer a união estável, a isonomia entre os cônjuges, bem como a igualdade entre os filhos, sejam eles biológicos ou não, com base em seu artigo 227, 6º 10. 7 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 27. 8 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 35. 9 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso: 9 jun. 2014. 10 Artigo 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 3

Em consequência disso, o antigo conceito de família vai se reformulando, ganhando nova forma. Na atualidade, o afeto é o pilar da nova instituição familiar após a CF/88, isso é o que esclarece o autor Luiz Edson Fachin 11 : O novo direito de família mostra a crise da noção clássica do direito de família. A nova ratio do casamento localiza a relação conjugal, não mais uma unidade de produção e consumo, mas a affectio maritalis. O valor sócio afetivo da família, uma realidade da existência. Ela se bonifica com o transcorrrer do tempo, não é um dado, e sim um construído. Dessa forma, a evolução do direito de família é compreendida como um benefício para as pessoas, na qual são abandonados valores antigos e abraçados outros, tais como: uma nova reformulação da instituição do casamento e da família na contemporaneidade, e entendimento da afetividade como elemento fundamental da família atual. Neste sentido, o próximo capítulo do trabalho tratará, especialmente sobre os princípios do direito de família, dando ênfase ao princípio da afetividade, o qual norteará a problemática central da pesquisa, a qual buscará embasar o direito ao dano moral no âmbito familiar. 3 PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS Após a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, regulamentaramse novos padrões e novos modelos de família, centrados na dignidade da pessoa humana e na solidariedade familiar, visando à realização integral da família. Isso acabou com a prioridade dos laços sanguíneos e patrimoniais e passou-se a valorizar mais o vínculo afetivo no âmbito familiar 12. Os princípios exercem uma função de otimização do Direito, ou seja, é através deles que formamos uma base de compreensão das normas. Sua força deve pairar sobre toda a organização jurídica, inclusive preenchendo lacunas deixadas por outras normas, independentemente de serem positivados, ou não, isto 11 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 220. 12 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 79. 4

é, expressos ou não expressos 13. Além disso, eles têm, também, uma função de sistematizar o universo jurídico, por meio de formas de interpretação. De qualquer sorte, fato é que os novos valores que hoje compõem os direitos fundamentais dos cidadãos e as relações familiares são traduzidos em princípios jurídicos, previstos tanto em sede de legislação ordinária quanto e, sobretudo, em sede constitucional 14. Com o advento da CF/88, os princípios constitucionais ganharam um novo papel, plenamente aplicáveis às relações particulares. Dos princípios gerais do Direito saltamos à realidade dos princípios constitucionais, com emergência imediata. Justamente por isso é que muitos dos princípios do atual Direito de Família brasileiro encontram base constitucional 4. Para Dias, é fundamental o reconhecimento da necessidade da constitucionalização do Direito Civil, que fundamenta a aplicação dos princípios e direitos fundamentais a todas relações jurídicas, conforme explica: Grande parte do Direito Civil está na Constituição, que acabou enlaçando os temas sociais juridicamente relevantes para garantir-lhes efetividade. A intervenção do Estado nas relações de direito privado permite o revigoramento das instituições de direito civil e, diante do novo texto constitucional, forçoso ao intérprete redesenhar o tecido do Direito Civil à luz da nova Constituição 15. Em razão da importância desta fonte do Direito é que se faz necessário elencar para o Direito de Família alguns princípios que são vitais e fundamentais, e sem os quais não é possível a aplicação de um direito que esteja próximo do ideal de justiça. Esses princípios têm assento em uma hermenêutica constitucional que traduz, por sua vez, o mais cristalino espírito de uma ordem civil, ou seja, de um Direito Civil-Constitucional. Com o advento do Código Civil de 2002, vislumbrou-se uma necessidade de adaptação à evolução social e aos bons costumes, incorporando as mudanças 13 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 79. 14 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 79. 15 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 33. 5

legislativas sobrevindas nas últimas décadas do século passado. Adveio, assim, com ampla e atualizada regulamentação dos aspectos essenciais do direito de família à luz dos princípios e normas constitucionais, vários princípios que exercem função de alicerce do instituto familiar. Percebe-se que os princípios introduzidos no Direito de Família são constitucionais e dessa forma exercem função de base normativa, provocando uma mudança de interpretação das leis 16. Neste sentido é interessante ressaltar a opinião de Gonçalves. As alterações introduzidas visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social atendendo-se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges e os companheiros e aos elevados interesses da sociedade 17. Não há um número preciso de princípios que englobam o direito de família, havendo posicionamentos diferentes 18 por parte de alguns autores 19. Contudo, destaca-se aqueles que são na maioria comuns aos doutrinadores 20 da área, enfatizando-se como sendo principais o do respeito à dignidade da pessoa humana; da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros; da igualdade jurídica de todos os filhos; da paternidade responsável e planejamento familiar; da comunhão plena de vida; da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar e do maior interesse da criança e do adolescente. Segundo o autor Paulo Lôbo, o princípio da afetividade recebeu destaque e obteve reconhecimento através dos valores consagrados na Constituição de 1988 e resultou da evolução da família brasileira, nas últimas décadas do século XX. Tal 16 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 56. 17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 6. 18 Deve-se salientar que sobre alguns posicionamentos distintos, autor Flávio Tartuce cita o princípio da função social da família em menção ao artigo 226, caput, da CF/88. Ele critica dizendo, que o não reconhecimento da função social da família é o mesmo que não reconhecer a função social da própria sociedade. 19 A doutrinadora Maria Berenice Dias também trata sobre alguns deles, além de apontar outros princípios como o pluralismo das entidades familiares, da proibição do retrocesso social e o da proteção integral a crianças, adolescentes e idosos. 20 Entre os doutrinadores que adotam os princípios referidos no parágrafo estão Carlos Roberto Gonçalves, Flávio Tartuce e Paulo Lôbo. 6

fato refletiu na doutrina e na jurisprudência brasileira que passou a fundamentar o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida 21. O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade (art. 3º, I), e entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família. A evolução da família expressa a passagem do fato natural da consanguinidade para o fato cultural da afinidade 22. O Código Civil 23 reconhece o princípio da afetividade de forma geral no seu artigo 1.593 24. Assim, compreende-se que a justiça não pode apenas considerar os laços biológicos, tendo em vista que os laços de parentesco na família, sejam eles consanguíneos/biológicos ou de outra origem, têm a mesma dignidade. 4 DANO MORAL O estudo da responsabilidade civil no âmbito do Direito de Família é um tema que vem ganhando força na atualidade, principalmente no que tange à responsabilização por dano moral em face ao abandono afetivo. Conforme o art. 229 da Constituição Federal: Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. 25 Portanto, esses são os deveres inerentes ao poder familiar, a educação, a guarda e o sustento. Enquanto o filho se encontrar sob o poder familiar, a obrigação dos pais decorre de vários deveres, entre eles, dar alimento, proteção, carinho, afeto. 21 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 70. 22 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 70. 23 BRASIL. Lei 3.071 (Código Civil), de 01 de janeiro de 1916 (Revogado pela lei 10.406/202 - Código Civil). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm >. Acesso: 27 ago. 2014. 24 Artigo 1.593 - O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. 25 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. In: CURIA, Luiz Roberto; CÉSPEDES, Lívia; NICOLETTI, Juliana (Colab.). Vade mecum. 16. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. 7

Portanto, fica evidente que o princípio da afetividade é uma maneira de concretizar o direito a dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a força da afetividade é o único elo que mantém pessoas unidas nas relações familiares. Como visto durante o desenvolvimento do trabalho a Constituição Federal estabelece deveres aos pais com relação aos filhos, seja de assistência, criação e educação. Estes deveres não apresentam somente critérios de ordem material, mas também afetivos, pois não basta apenas sustentar uma criança, é preciso também dar carinho e afeto. Neste sentido é que se parte para a responsabilização dos pais, ou seja, o dever de indenizar decorrente do dano pela falta de afeto ou cuidado. Primeiramente, cabe mencionar o autor Christiano Cassettari 26, ao falar sobre a amplitude da responsabilidade dos pais, destacando o posicionamento da autora Giselda Fernandes Novaes Hironaka 27. A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajuda-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da ideia antiga e maximamente patriarcal do pátrio poder. Entretanto, cada caso é um caso e as situações, devem ser analisadas em seu contexto cabendo ao Poder Judiciário efetivar uma justa ponderação dos valores envolvidos em cada litígio, sempre no sentido de proporcionar a máxima efetividade do princípio constitucional da dignidade humana. Por fim, apesar das divergências, acredita-se que aos poucos os Tribunais reconheçam cada vez mais a possibilidade de indenização por danos morais por abandono afetivo. Dessa maneira, cabe ressaltar que o entendimento criado neste trabalho reflete sobre a possibilidade de aplicação da teoria da responsabilidade civil por danos morais, nos casos do abandono afetivo amparado no conjunto de normas do ordenamento jurídico brasileiro. 26 CASSETTARI, Christiano. Responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo de seus filhos dos deveres constitucionais. Revista IOB de direito de família. Porto Alegre, nº 50, p. 87 a 99. Out. Nov, 2008. 27 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes apud CASSETTARI, Christiano. Responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo de seus filhos dos deveres constitucionais. Revista IOB de direito de família. Porto Alegre, nº 50, p. 87 a 99. Out. Nov, 2008. 8

O direito não pode realizar imposições afetivas, nem exigir amor recíproco entre pai e filho. Todavia, a responsabilidade parental impõe aos pais o dever de cuidado em relação aos filhos, dever este que pode até não ser presencial, mas cuja falta, a depender do caso, pode sim, ensejar o dever de reparação. 5 CONCLUSÃO Diante do exposto, procurou-se demonstrar que o abando afetivo contrária à previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente, que é o desenvolvimento moral, intelectual e psíquico, direitos fundamentais assegurados. Esse abandono por parte do genitor ou da genitora poderá causar sequelas irreparáveis a criança ou adolescente, necessitando assim, de uma tutela positiva por parte do Estado em relação aos direitos de personalidade da criança e do adolescente, com destaque à dignidade da pessoa humana. Com esse artigo apresentado, posso concluir que a responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano causado, pela prática de um ato ilícito, quando uma pessoa causa a outra. Também busca definir em quais condições uma pessoa pode ser considerada culpada pelo dano sofrido pela outra pessoa. O dano pode ser considerado quanto ao da integridade física, á honra ou ate mesmo aos bens de uma pessoa, e essa reparação deve ser feita por meio da indenização. Destarte sabemos que não é possível impor ao genitor a aproximação, o amor, o carinho e a vivencia inerentes à relação entre pais e filhos. O direito não pode realizar imposições afetivas, nem exigir amor recíproco entre pai e filho. Todavia, a responsabilidade parental impõe aos pais o dever de cuidado em relação aos filhos, dever este que pode até não ser presencial, mas cuja falta, a depender do caso, pode sim, ensejar o dever de reparação. 6 REFERÊNCIAS 9

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso: 9 jun. 2014. BRASIL. Lei 3.071 (Código Civil), de 01 de janeiro de 1916 (Revogado pela lei 10.406/202 - Código Civil). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm >. Acesso: 27 ago. 2014. CASSETTARI, Christiano. Responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo de seus filhos dos deveres constitucionais. Revista IOB de direito de família. Porto Alegre, nº 50, p. 87 a 99. Out. Nov, 2008. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005.. Direito civil brasileiro: direito de família. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. LISBOA. Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e sucessões. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Rio de Janeiro: Método, 2011. 10