Folha Dirigida - Os diretores dizem que não têm como se responsabilizar pela vida dos estudantes, em caso de ameaças.



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Transcrição:

MICHEL MISSE. Novo desafio para as escolas. Folha Dirigida, 23/07/2003. Entrevista concedida a Elaine Lemgruber. Telefonemas anônimos ordenam que as portas sejam fechadas. O que parecia fazer parte de filmes de ação tornou-se realidade em algumas escolas do Rio de Janeiro, que este ano foram vítimas de ligações exigindo que as aulas fossem interrompidas. Podem ser trotes. Mas também podem não ser. Na dúvida, as escolas fecham. Em situações novas e, principalmente, de risco parece não haver regras gerais, certo ou errado. Opta-se pelo bom senso, pelo menos arriscado. E os diretores dos colégios preferem deixar de funcionar naquele dia a contrariar supostas ameaças. Mas será esta a decisão mais acertada? Há quem diga que não. "O caminho mais fácil é fechar a escola. Fechar a escola, no entanto, reproduz ampliadamente a violência porque os traficantes se sentem mais fortes do que efetivamente são", diz o professor Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ. Em entrevista à Folha Dirigida, o sociólogo explicou que uma série de fatores devem ser levados em consideração para que se compreenda de que maneira a violência afeta a sociedade e, por conseqüência, as escolas. Leia a entrevista: Folha Dirigida - Recentemente as escolas do Rio foram vítimas de telefonemas ordenando que fechassem suas portas. Na dúvida, sem saber se receberam um trote ou uma verdadeira ameaça, a maioria delas tem optado por não funcionar. Esse posicionamento é correto? Como as escolas devem proceder? Michel Misse - Eu acho que não é correto. Telefonema qualquer um pode dar. Geralmente, as diretoras de escola conhecem os traficantes da área. E eles não precisam se esconder porque são conhecidos. Eles passam lá e avisam. Então, quando eles não passam e não avisam, alguém telefona, é porque a diretora não conhece o tráfico local. Se ela não conhece, por que ela vai fechar a escola? Até que exista alguma coisa concreta que lhe permita definir se aquilo foi trote ou não, ela não tem que fechar escola nenhuma. Senão daqui a pouco qualquer garoto da escola, que não vai querer ir à aula, vai ficar ligando pra lá. Folha Dirigida - Os diretores dizem que não têm como se responsabilizar pela vida dos estudantes, em caso de ameaças. Michel Misse - Eles têm que comunicar imediatamente à polícia. Mas não podem agir como o comerciante que fecha a porta do comércio porque ouviu falar que os traficantes mandaram fechar. Assim não dá. Não há polícia no mundo que possa agir desse jeito. Folha Dirigida - As pessoas estão com medo. Algumas escolas fecham e liberam seus alunos porque os pais ligam para o colégio pedindo, porque ouviram boatos. Michel Misse - Fica todo mundo fazendo isso, fecha a escola, fecha a porta, fecha o bar. Na sociedade todo mundo tem a sua parte. O que as pessoas estão esperando? Que haja um policial em cada porta? Não adianta um só? Uma escola vai ter que ser cercada por

15, 20 policiais? São duas mil escolas. O que as pessoas estão esperando? O que elas querem? O que a imprensa quer? Como você quer enfrentar a violência sem a população? Só com a polícia? A população tem que participar, tem que denunciar, tem que ser solidária. Isso inclusive vai mudar muito o comportamento da polícia, que se sente muito maltratada pela população. A população tem medo da polícia, com toda razão. Como a população não confia, acha que é melhor fechar a escola do que chamar a polícia. Aí já está tudo errado. Não há como enfrentar uma situação dessa sozinho e a diretora da escola não pode ficar sozinha. Ela tem que comunicar o comandante do batalhão da área, comunicar o delegado titular da delegacia da área, comunicar a secretaria de educação. É isso que ela tem que fazer. Tomar as providências, como autoridade pública que ela é. O caminho mais fácil é fechar a escola. Fechar a escola, no entanto, reproduz ampliadamente a violência. Folha Dirigida - Por que isso ocorre? Michel Misse - Porque os traficantes se sentem mais fortes do que efetivamente são. Aquele dia em que fecharam o comércio no Rio de Janeiro, houve uma boataria, e começou a fechar tudo. A imprensa dizia "Copacabana está fechada". Eu moro em Copacabana e não estava fechada. Desta forma, há uma ampliação do fato. O comerciante de um bairro em que não existe tráfico, fecha também porque ele já está desesperado. É uma bola de neve. Se não barrarmos isso, a sociedade vai ficar completamente desprotegida. Mas vai ficar desprotegida não só porque não pode confiar na polícia, mas porque não está confiando nem nela mesma. Folha Dirigida - Qual é o significado disso? Qual seria o interesse em determinar que escolas deixem de funcionar? Fechar uma instituição de ensino tem um peso diferente de mandar fechar o comércio, por exemplo? Michel Misse - Tanto num caso, quanto no outro, eles estão manifestando-se simbolicamente em relação a algo. Eles estão querendo ou que haja um sinal de luto porque algum traficante foi morto, em geral é isso ou então, manifestando o seu protesto diante de alguma coisa. Tanto que, nestes casos de protesto, a preocupação deles sempre foi a de não machucar ninguém. Atiraram nos prédios públicos de madrugada, quando não tinha ninguém, por exemplo. É evidente que eles não estão querendo atingir ninguém, mas mandar o recado. Cumpre às autoridades, agir com determinação. Para eles estarem usando esse meio, é porque acham que não são ouvidos, e esta é uma maneira deles se fazerem escutar. Uma maneira violenta, através de terror. Mas também não podemos encarar isso apenas como uma coisa racional. Tem uma parte que é pensada, calculada, mas tem outra que é totalmente irracional. A escola é uma das áreas de venda de drogas. Se eles fecham a escola, o comércio deles cai. Então, não vão fechar a escola à toa, mas quando quiserem protestar. Daí ser muito provável que se há telefonemas insistentes para a escola fechar toda hora, que se trate de trote. Tudo isso tem que ser considerado. Folha Dirigida - As escolas localizadas nas chamadas "áreas de risco" sempre sofreram reflexos da violência. Esta questão está tendo maior notoriedade agora porque a situação realmente se agravou ou porque chegou às escolas da zona sul e particulares? Michel Misse - Acho que é por esta última razão. Já há décadas que isso ocorre nas escolas de subúrbio, principalmente nas escolas e creches localizadas nas favelas. Mas

nunca tiveram a petulância de fazer isso com escolas da burguesia, da classe média alta. À medida em que atinge escolas de filhos da elite, é evidente que isso agrava a visibilidade da violência. A imprensa dá maior cobertura, o alarde é maior, afinal de contas são os formadores de opinião da cidade que estão sendo indiretamente atingidos. Folha Dirigida - O Retrato da Escola 2 - pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) - teve como tema "Drogas e violência nas escolas". Como violência foram consideradas agressões físicas e verbais contra alunos, funcionários e professores, furto, depredação e até mesmo a pichação nos banheiros, muros e paredes. Há realmente uma relação direta entre as drogas e a violência dentro das escolas? Michel Misse - A principal questão é o que faz uma pessoa buscar drogas. A droga é objeto de um processo de deterioração dos modelos de conduta. Não é que os meninos nos anos 50 não fossem moleques arruaceiros, só que havia um controle maior tanto das famílias, quanto da escola. E o acesso às drogas era muito limitado, quando não inexistente. O que o garoto daquela época podia ter de drogas? Bebida, cigarro, até o lança-perfume, mas não passava disso. Ele não tinha acesso à maconha, muito menos à cocaína. O que houve de lá para cá foi uma mudança na família. A família se deteriorou. Você vai verificar que para muitos desses meninos, o pai é uma figura ausente, quando não inexistente. E a ausência da figura paterna, não no sentido físico, no sentido simbólico cria nas famílias uma certa despreocupação com relação a controles e regras. A mãe não consegue sozinha controlar completamente. Além disso, os grupos de referência contaminados pelo consumo de drogas fazem ampliar a integração a partir da droga. Para ser aceito no grupo, a pessoa acaba consumindo droga, quando na verdade não queria consumir. Finalmente, se você já é uma pessoa agressiva, que tem muita raiva guardada, a droga vai funcionar como liberador destas tendências. A droga em si não cria a violência. Ela libera o seu estado. A droga sozinha não significa nada. Ela é um modificador de estado de consciência e libera os seus impulsos. A função da droga é muito mais de desinibir do que propriamente de causar. A causa está dentro da pessoa, não na droga. É preciso compreender que esta associação da droga com a violência já está dada antes. Ela já está dada na mudança dos modelos de conduta dos jovens que acompanha as tranformações nos valores nos últimos 20, 30 anos. Folha Dirigida - Que transformações são essas? Michel Misse - Houve uma transformação nos valores: a revolução sexual, a liberação do consumo de substâncias alucinógenas até certo ponto, as roupas femininas, a despreocupação com a virgindade. Um conjunto de valores que seguravam muitos comportamentos até os anos 50 entra em debate nos anos 60, 70. Isso se soma a uma revolução nos costumes de compras. A chegada ao Brasil da sociedade de consumo, shopping centers, a mania de você ter que comprar roupas da última marca. Na minha geração as roupas eram feitas em casa, pela mãe, pela tia. Hoje as pessoas querem uma roupa de grife. Isso, que já faz parte da sociedade de consumo, faz com que muitos jovens, que antes não se distinguiam muito dos outros pela roupa, passem a se distinguir. Isto é, começam a perceber que eles não têm como comprar um tênis Nike, uma camisa Redley. Ele vai ficar muito mais vulnerável à atração do tráfico, que oferece um pagamento maior. São muitos os fatores interligados. Não fosse a sociedade de consumo, não fossem as mudanças de comportamento que ocorreram nos últimos 30 anos, a droga não seria muito buscada. Por exemplo, na Colômbia o consumo de drogas

é muito menor que no Brasil, o que não impede que haja mais violência lá que aqui. Então, há uma relação entre drogas e violência, mas esta relação não é direta. Ela é uma relação que depende dos modelos de conduta. Folha Dirigida - A mesma pesquisa apontou que tanto o consumo quanto o tráfico são maiores na rede pública (municipal e estadual) do que na particular. Por que isso ocorre? Michel Misse - É preciso saber qual foi a metodologia utilizada nesta pesquisa. Precisaria analisá-la, saber se houve uma ponderação, porque você tem um número muito maior de escolas públicas que de escolas particulares. Então, é preciso que se tenha uma mostra representativa, que haja uma ponderação comparativa entre as duas. É possível que a pesquisa retrate uma maior vulnerabilidade do jovem das famílias de baixa renda do que dos jovens de classe média. Isso é apenas possível, eu não posso afirmar que seja isso. Folha Dirigida - A violência deve ser tratada dentro de sala de aula? Como os profissionais de educação - professores e diretores - devem se portar diante da violência? Michel Misse - Deve ser tratado em sala de aula, mas sem histeria, sem exagero. Tem que ser tratado e é tratado. Muitas professoras pedem que os alunos escrevam redações sobre o assunto, que depois é debatido em sala de aula. A escola completa o trabalho de socialização da família, de integração da criança na sociedade. Então é preciso que nesse tratamento da questão da violência, se valorize para a criança a importância, o valor da vida. Quando você valoriza a materialidade do corpo e da vida, a tendência é que as pessoas recorram menos à sua destruição. O que está acontecendo em muitas das grandes cidades brasileiras, é uma enorme desvalorização da vida, da própria e da dos outros. Então, por causa de um assalto, mata-se um assaltante. O que ele roubou é pequeno perto da vida dele. A vida é mais importante. No entanto, acha-se que é um a menos. Parece que você está combatendo a violência com essa idéia de que "é um a menos", quando na verdade você está aumentando a violência. É preciso saber a proporção de cada coisa. O que é o tráfico de drogas comparado com um assassinato? É pouca coisa. São uns moleques vendendo drogas. É proibido, é ilegal, tem que ser combatido, mas isso não é tão grave quanto matar um desses meninos. E a polícia, às vezes, mata esse menino para reprimir o tráfico. Isso é que é perigoso, isso cria a violência. A polícia deve agir com inteligência e não com brutalidade. Não há como deter a violência com a violência. Tem que deter a violência com a aplicação da lei. Infelizmente a nossa justiça é muito ruim. As pessoas não acreditam na justiça, então querem a solução aparentemente mais fácil, que é matar. Ao fazerem isso, elas estão alimentando a própria violência que querem combater. Folha Dirigida - Educadores apontam "manter os alunos ocupados" como uma forma de afastá-los da violência, através de atividades esportivas, de lazer, cultura e treinamento profissional. Qual sua opinião? Michel Misse - Perfeito. Isso é verdade. Não se compreende por que ainda não há horário integral nas escolas públicas, que era o projeto do Ciep. As crianças entram de manhã, ficam na escola, almoçam, jantam, vão para casa já alimentadas e já esgotadas, porque estudaram o dia inteiro, brincaram, jogaram futebol. Quando chegam em casa à

noite, vão tomar o seu banho, ver um pouco de televisão e dormir. Não se entende por que motivo ainda não se implantou a escola de tempo integral na rede pública. Qual é o motivo? As professoras têm razão. As crianças ocupadas pensam menos besteira. Folha Dirigida - Casos de agressões entre alunos, por exemplo, são casos de polícia ou devem ser encarados no contexto pedagógico? Michel Misse - Chegou a um ponto em que deve ser encarado como caso de polícia. A violência chegou a um grau que os próprios professores não conseguem mais controlar. Infelizmente. Não deveria ser uma caso de polícia, deveria ser um caso de disciplina interna da escola. Eu acho que ainda há uma parte dos casos que podem ser tratados como questão disciplinar, mas na medida em que envolva uma violência que ultrapasse a capacidade da direção da escola de dar tratamento disciplinar, então realmente é caso de se chamar a polícia. Folha Dirigida - É comum associar a educação como uma forma de, a longo prazo, solucionar questões ligadas à violência e demais problemas sociais. Qual sua visão sobre o fato? O que pode ser feito, não a longo prazo, e sim de imediato? Michel Misse - Houve todo um processo de democratização da escola pública no Brasil nos últimos 20, 30 anos. Hoje, com poucas exceções, quem quiser estudar, estuda. O que nós precisamos agora é melhorar a qualidade do ensino, já que o nosso problema hoje não é mais vaga. Pelo contrário, são os estudantes que abandonam a escola porque ficam reprovados seguidas vezes ou porque vão buscar um emprego dadas as condições precárias de vida. É preciso que o Estado ofereça bolsas a estes estudantes para eles continuarem na escola, que haja escola de tempo integral, e que se articule cada vez mais o currículo das escolas com o mercado de trabalho, para que eles possam sair da escola, terminado o seu segundo grau, e entrarem no mercado de trabalho. Esse é o grande desafio dos próximos anos no Brasil. Não é mais uma questão de construir mais escolas apenas, mas de satisfazer a essas questões que são qualitativas. Melhorar a qualidade das escolas e sua adequação à realidade.