FACULDADE DE ODONTOLOGIA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Fabrini Frade. Tumor Odontogênico Queratocístico Relato de um caso em maxila

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Transcrição:

FACULDADE DE ODONTOLOGIA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Fabrini Frade Tumor Odontogênico Queratocístico Relato de um caso em maxila Belo Horizonte - MG 2015

Fabrini Frade Tumor Odontogênico Queratocístico Relato de um caso em maxila Projeto apresentado à disciplina de Trabalho de Conclusão do Curso II da Faculdade de Odontologia da UFMG, como um dos requisitos para aprovação. Orientador: Prof. Dr. Wagner Henriques de Castro Coorientador: Profa. Dra. Andrea Maria Duarte Vargas Belo Horizonte MG 2015

Dedico este trabalho, A minha família, amigos e aos professores envolvidos pelo apoio.

AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer aos meus pais e irmão pelo apoio constante e indispensável. Aos meus amigos por estarem sempre ao meu lado. Aos mestres e professores com quem tive a sorte de poder ter contato e que foram fonte de intenso aprendizado pessoal e profissional. Em especial ao meu professor orientador, Dr. Wagner Henriques de Castro, pela atenção e apoio durante o curso de Odontologia e na realização deste trabalho.

Saber como pensar torna a pessoa muito mais capaz do que apenas saber o que deve pensar. Neil degrasse Tyson

RESUMO O tumor odontogênico queratocístico é uma neoplasia benigna que apresenta comportamento clínico e aspectos microscópicos específicos. Tem maior prevalência nas 2ª e 4ª décadas de vida, maior predileção de acometimento na região mandibular posterior e é mais frequente no gênero masculino. O seu tratamento pode ser realizado através da marsupialização, enucleação (ressecção) e curetagem. Algumas modalidades terapêuticas coadjuvantes são descritas como forma de minimizar a possibilidade de recidiva, como a ostectomia periférica e a cauterização química utilizando solução de Carnoy. O objetivo deste trabalho é apresentar o caso clínico de um paciente que apresentou tumor odontogênico ceratocístico na maxila e que foi tratado, sob anestesia geral, através da enucleação da lesão, ostectomia periférica e cauterização química com solução de Carnoy. Após 5 anos de acompanhamento ambulatorial pós-operatório, o paciente não apresenta sinais de recidiva do tumor. Quando for tratar tumores odontogênicos queratocísticos, o cirurgião-dentista deve ter em mente 02 aspectos fundamentais: a importância do diagnóstico correto, para o qual é indispensável o exame físico, imaginológico e histopatológico prévio ao tratamento, e a escolha da melhor forma de tratamento. Neste caso, o profissional deve sempre considerar cada caso em particular e possuir um completo domínio das técnicas cirúrgicas disponíveis. Palavras-chave: Queratocisto Odontogênico. Ceratocisto Odontogênico. Tumor Odontogênico Queratocístico. Lesões em Maxila.

ABSTRACT The keratocystic odontogenic tumor is a benign tumor that presents specifics clinical behavior and microscopic aspects. It is more prevalent in the 2nd and 4th decades of life, predilection of involvement on the posterior mandibular region and is more frequent in males. The treatment can be accomplished by Marsupialization, enucleation (resection) and curettage. Some adjuvant treatment modalities are described in order to minimize the possibility of recurrence, as peripheral ostectomies and chemical cauterization using Carnoy solution. The objective of this work is to present a case report of a patient who presented keratocystic odontogenic tumor in the jaw and was treated under general anesthesia by enucleation of the lesion, peripheral ostectomies and chemical cauterization with Carnoy solution. After 5 years of postoperative outpatient follow-up, the patient shows no signs of tumor recurrence. When treating keratocystic odontogenic tumors, the dentist must have in mind 02 fundamental aspects: the importance of a correct diagnosis, for which it s essential a physical examination, imaginologic and histopathological prior to treatment, and choosing the best form of treatment. The dentist should always consider each particular case and have a complete mastery of surgical techniques available. Key words: Keratocystic Odontogenic Tumor. Odontogenic Keratocyst. Maxilla s Lesions.

LISTA DE ABREVIAÇÕES SNBC - Síndrome do Nervo Basocelular PTCH - Gene Patched TOQ - Tumor Odontogênico Queratocístico

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 9 2 OBJETIVOS 10 3 METODOLOGIA 11 4 RELATO DE CASO 12 5 DISCUSSÃO 18 6 CONCLUSÃO 25 REFERÊNCIAS 26

9 1 INTRODUÇÃO O tumor odontogênico queratocístico (TOQ) é uma neoplasia odontogênica benigna com uma leve predileção por indivíduos do gênero masculino e pela faixa etária entre 10 e 40 anos (GONZALEZ et al., 2008; NEVILLE, 2009). Geralmente apresentam-se como lesões assintomáticas, sem causar expansão cortical e com uma marcante tendência para o acometimento do osso mandibular, especialmente as regiões de corpo posterior e ramo. (KOÇAK-BERBEROGLU et al.,2012). Apesar do seu crescimento lento, estes tumores podem atingir grandes dimensões e eventualmente estar associados à dor, aumento de volume ou drenagem (NEVILLE,2009). Pequenos TOQ frequentemente são descobertos durante exames radiográficos de rotina. Geralmente, apresentam-se como uma imagem radiolúcida, uniloculada, bem delimitada, muitas vezes associada a dentes, sem causar deslocamento, reabsorção dentária ou expansão óssea. Os TOQ tendem a crescer em uma direção ântero- posterior, dentro da cavidade medular do osso, sem causar expansão óssea óbvia. (DUTRA et al.,2013). Na maxila, a região dos caninos é a mais acometida pelo tumor. Neste osso, o TOQ apresenta o mesmo comportamento clínico da mandíbula. Esta entidade patológica pode ser facilmente confundida com lesões periapicais, com cistos radiculares ou granulomas. Ainda na maxila, principalmente as lesões maiores, também podem ser confundidas com a pneumatização do seio maxilar ou com a abertura piriforme da cavidade nasal (AMORIM et al., 2003; HABIBI et al, 2007; MOZAFFARI et al., 2007). O tratamento clássico dos TOQ é realizado através de enucleação e curetagem. A remoção completa deste tumor pode ser dificultada pela natureza delgada e friável de sua cápsula, sendo este inclusive, um dos fatores responsáveis pela alta taxa de recidiva desta lesão. Algumas técnicas coadjuvantes são preconizadas na complementação do tratamento (MORGAN et al.,2005). O presente estudo tem como objetivo apresentar um caso de TOQ na maxila e discutir, através de uma breve revisão da literatura científica, as principais características clínicas e radiográficas da lesão e suas formas de tratamento.

10 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral - Este trabalho tem como objetivo principal relatar um caso clínico de Tumor Odontogênico Queratocístico na maxila. 2.2 Objetivos Específicos - Discutir as suas características clínicas, radiográficas e o tratamento proposto de acordo com a literatura específica sobre o assunto.

11 3 METODOLOGIA A revisão da literatura será realizada baseada na pesquisa nos seguintes bancos de dados: Bireme, Scielo, Medline, Lilacs, além de livros textos, dissertações e teses. Para a pesquisa serão utilizadas as seguintes palavras-chave: - ceratocisto odontogênico ou queratocisto odontogênico - tumor odontogênico queratocístico - odontogenic keratocyst - keratocystic odontogenic tumor. Serão pesquisados artigos ou documentos a partir do ano 2000, somente nas línguas portuguesa e inglesa.

12 4 RELATO DE CASO Paciente leucoderma, 80 anos, do gênero masculino procurou a Clínica de Semiologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (FOUFMG) apresentando um aumento de volume assintomático na maxila, com história de evolução de 8 meses. No exame físico extra-bucal não foi notada nenhuma alteração importante. Intrabucalmente, observou-se a ausência de alguns dentes nas arcadas dentárias, sendo que o paciente fazia uso de uma prótese parcial removível superior. Havia também uma tumefação depressível e indolor à palpação, recoberta por uma mucosa de aspecto e coloração normais, localizada no fórnice superior, na região dos incisivos superiores, que se encontravam ausentes (Imagem 1). O paciente não apresentava outras lesões de mucosa dignas de nota. A história médica pregressa do paciente revelou um histórico de cirurgia cardíaca. O paciente relatou ainda um passado de tabagismo e etilismo. Imagem 01 Região anterior de maxila com aumento de volume na região dos incisivos superiores. Fonte: Acervo do Programa de Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais Radiografia panorâmica e tomografia computadorizada da maxila mostraram uma imagem radiolúcida, bem delimitada, unilocular, medindo aproximadamente 20mm em seu maior diâmetro, localizada no osso alveolar na região de incisivos superiores, e associada a uma destruição do osso cortical vestibular adjacente (Imagens 02, 03 e 04). As hipóteses diagnósticas para o caso foram cisto residual, tumor odontogênico ceratocístico, cisto do

13 ducto naso-palatino e ameloblastoma unicístico. Sob anestesia local, realizou-se uma punção aspirativa da lesão, que foi positiva para um conteúdo líquido de coloração amarelada, e uma biópsia incisional, que colheu um fragmento da lesão, que foi encaminhado para exame histopatológico no Laboratório de Patologia da FOUFMG. Imagem 02 Tomografia Computadorizada Cone Bean da maxila, em corte panorâmico, mostrando imagem sugestiva da lesão na região dos incisivos superiores. Fonte: Acervo do Programa de Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais

14 Imagem 03 Tomografia Computadorizada Cone Bean da maxila, em corte axial, mostrando imagem sugestiva da lesão na região dos incisivos superiores e destruição do osso cortical vestibular Fonte: Acervo do Programa de Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais

15 Imagem 04 - Tomografia Computadorizada Cone Bean da maxila em uma reconstrução tridimensional mostrando imagem sugestiva de destruição óssea da lesão na região dos incisivos superiores. Fonte: Acervo do Programa de Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais Macroscopicamente, observou-se um fragmento de tecido mole, de formato e superfície irregulares, coloração acastanhada, consistência fibrosa, medindo 35x11x02 mm. Microscopicamente, os cortes histológicos revelaram fragmento de cápsula cística parcialmente revestida por epitélio estratificado pavimentoso paraceratinizado, exibindo estrutura delgada e uniforme, camada basal hipercromática e polarização. Na cápsula observou-se tecido conjuntivo fibroso celularizado com vasos e coleções de células inflamatórias mononucleares. O resultado do exame histopatológico foi compatível com o diagnóstico de tumor odontogênico ceratocístico. Um procedimento cirúrgico foi realizado, sob anestesia geral, dentro do Programa de Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais para a extração dos remanescentes dentários superiores e para a ressecção do TOQ (Imagem 05). Durante a cirurgia, após a remoção da lesão, as paredes ósseas da loja cirúrgica receberam uma complementação terapêutica, através de uma

16 ostectomia periférica com broca de desgaste e cauterização química com solução de Carnoy por 5 minutos. Imagem 05 Fotografia trans-operatória da ressecção do tumor. Fonte: Acervo do Programa de Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais Após a cirurgia o espécime foi encaminhado ao Laboratório de Patologia da FO-UFMG para a realização de novo exame histopatológico, que confirmou o diagnóstico inicial. Após 5 anos de acompanhamento ambulatorial pós-operatório, o paciente não apresenta sinais de recidiva do tumor (Imagem 06).

17 Imagem 06 Fotografia do paciente com 5 anos de acompanhamento pós-operatório. Fonte: Acervo do Programa de Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais

18 5 DISCUSSÃO O termo queratocisto odontogênico foi introduzido por Philipsen em 1956 para descrever cistos maxilares que apresentavam revestimento queratinizado (WRIGHT, 1981). Estes cistos eram habitualmente descritos como colesteatomas, cistos dermóides ou cistos primordiais (GORLIN, 1970; HODGKINSON et. al., 1978; ZACHARIADES et. al., 1985), Até 2005, esta lesão era considerada um tipo especial de cisto odontogênico de desenvolvimento, já que ele apresenta comportamento clínico e aspectos histopatológicos específicos, diferentes da maioria dos cistos odontogênicos (NEVILLE, 2009). Contudo outras particularidades desta patologia, como a sua alta atividade proliferativa celular, o seu comportamento biológico localmente agressivo e seu alto índice de recidiva levaram a Organização Mundial de Saúde a reclassificar o queratocisto como uma neoplasia odontogênica benigna, estabelecendo o termo Tumor Odontogênico Queratocístico como o mais correto para se referir à entidade patológica (PHILIPSEN, 2005). O TOQ pode ocorrer como uma lesão única e de forma esporádica, como no caso relatado neste trabalho, ou como múltiplas lesões nos maxilares quando associadas à Síndrome do Carcinoma de Células Basais (SCNBC). É consenso na literatura que os TOQ são provenientes de remanescentes da lâmina dental. Porém, estudos evidenciam que nos casos relacionados à SCNBC, a origem destes tumores pode estar sujeito a alterações no gene supressor tumoral, PTCH (BARRETO, 2000; AGARAM et al., 2004; MADRAS, LAPOINTE, 2008). A neoplasia acomete pacientes em amplas e variadas faixas etárias, dificultando a especificação do período de maior ocorrência da lesão. Na literatura, estudos apontam a faixa etária variando entre a 2ª década e 4ª década (NEVILLE, 2009) como a mais recorrente. Porém, não é raro encontrar casos da forma esporádica em pacientes entre a 8ª década e 9ª década de vida e tumores sindrômicos em crianças (WALDRON et al., 1998; AMORIM et al., 2003; SILVEIRA et al., 2005; VENCIO et al., 2006). A maioria dos autores afirmam que pacientes do gênero masculino são ligeiramente mais afetados que o gênero feminino, numa proporção de 1,44:1 (GONZALEZ et al., 2008; NEVILLE, 2009), contudo existem autores que asseguram não haver predileção quanto ao gênero do paciente (AMORIM et al, 2003; HABIBI et al, 2007; MOZAFFARI et al., 2007). A mandíbula é o osso maxilar mais afetado pelo tumor, sendo acometida em 60% a 80% dos casos, com uma marcante tendência para o envolvimento da região posterior, incluindo corpo, ângulo e ramo, estando comumente associado ao terceiro molar inferior. El-

19 Hajj et al. (1996) observaram que, com o avanço da idade, o número de TOQ na região sinfisária aumenta em detrimento do ângulo da mandíbula (WALDRON, 2008; NEVILLE, 2009; KOÇAK-BERBEROGLU et al.,2012). Ali e Baughman (2003) procuraram determinar a localização mais comum do tumor, quando a lesão ocorre na maxila. Eles avaliaram um total 132 casos e a região de canino, com 54 casos, mostrou-se a mais acometida pela lesão na maxila. Oda et al. (2000) e Myoung et. al. (2001) apresentaram resultados que coincidem com os achados de Ali e Baughman (2003). Eles também apontaram a região anterior da maxila como a mais acometida, sendo a terceira com a maior prevalência TOQ nos maxilares. Woolgar et al.(1987) verificaram que o TOQ ocorre com maior frequência na maxila, a partir dos 50 anos. Esta afirmação mostrou-se verdadeira ao considerarmos o caso apresentado. Contudo a localização deste tumor deu-se na região de incisivos. Mais comumente, o tumor apresenta-se clinicamente como uma alteração de crescimento lento, assintomático, tendendo a crescer em uma direção ântero-posterior, dentro do espaço medular do osso, não insuflando o osso cortical, mesmo quando alcança grandes dimensões (DUTRA et al.,2013). Contudo, algumas dessas lesões maiores podem vir acompanhadas de dor local, aumento de volume e drenagem de conteúdo líquido (NEVILLE,2009). Os casos que não se manifestam com expansão cortical, muitas vezes são descobertos somente através de exames radiográficos de rotina (BOYNE et al., 2005). Radiograficamente, geralmente a lesão caracteriza-se como uma imagem radiolúcida, uniloculada, bem delimitada por um halo radiopaco, muitas vezes associada a dentes sem causar deslocamento, reabsorção dentária ou expansão cortical. (NEVILLE, 2009). Entretanto, em alguns casos, particularmente nas grandes lesões, no corpo e ramo da mandíbula, o tumor pode produzir uma imagem multiloculada, abaulamento e perfuração cortical (HABIBI et al, 2007; MOZAFFARI et al., 2007). Em 25% a 40% dos casos de TOQ observa-se pelo menos um dente incluso associado à lesão (AMORIM et al., 2003). O cirurgião-dentista, durante o exame radiográfico do seu paciente, deve estar atento ao fazer o diagnóstico do TOQ na maxila, pois a entidade patológica pode ser facilmente confundida com lesões periapicais, com cistos radiculares ou granulomas. Ainda na maxila, principalmente as lesões maiores, também podem ser confundidas com a pneumatização do seio maxilar ou com a abertura piriforme da cavidade nasal. A tomografia computadorizada pode tornar-se uma importante ferramenta auxiliar no diagnóstico e na elaboração do plano de tratamento dos TOQ, especialmente nestes casos.

20 O exame tomográfico do nosso paciente revelou uma destruição da cortical óssea da maxila pelo tumor, permitindo que o mesmo se expandisse de forma a causar um marcante aumento de volume, observado no exame físico. Considerando-se o exame físico e imaginológico do nosso paciente, o diagnóstico diferencial do TOQ incluiu diversas patologias neoplásicas, císticas ou reacionais que frequentemente acometem os ossos maxilares. Lesões uniloculares podem ser compatíveis com o diagnóstico de cistos odontogênicos (cisto dentígero quando associado a dentes inclusos), ameloblastomas unicísticos, lesões centrais de células gigantes, tumores odontogênicos adenomatóides, dentre outras patologias (AMORIM et al., 2003). Lesões com padrão imaginológico multilocular devem ser diferenciadas de lesões como os ameloblastomas multicísticos, mixomas odontogênicos e fibromas ossificantes centrais (REGEZI, 2008). A característica peculiar dos TOQ de poderem apresentar um grande crescimento ântero-posterior sem uma expansão cortical significativa pode ser útil para o diagnóstico clínico e radiográfico desta alteração, pois outros tumores e cistos extensos dos maxilares estão invariavelmente associados a uma marcante expansão óssea vestíbulo-lingual (DUTRA et al., 2013). A punção aspirativa se constitui em uma importante manobra semiotécnica, uma vez que, diferentemente de outras lesões, no lúmen dos TOQ geralmente há a presença de conteúdo líquido de cor branco-amarelada, rico em ceratina. O exame histopatológico do TOQ através da avaliação de fragmentos da lesão, colhidos através de uma biópsia incisional ou através do exame da peça cirúrgica decorrente da ressecção do tumor é fundamental para o estabelecimento do diagnostico definitivo. Tipicamente, o TOQ apresenta uma cápsula delgada, friável (NEVILLE, 2009). Microscopicamente, é possível observar um revestimento epitelial escamoso estratificado, uniformemente fino, variando de 6 a 10 camadas celulares de espessura, com uma camada epitelial basal composta de células coloidais ou colunares, em paliçada que,frequentemente, são hipercromáticas. O epitélio e a interface com o tecido conjuntivo geralmente são planos, e a formação de cristas epiteliais é discreta (REGEZI, 2008). O lúmen cístico pode conter um líquido claro, semelhante a transudato seroso ou pode estar preenchido por um material caseoso que consiste de restos em ceratinócitos (NEVILLE, 2009). Pequenos cordões ou ilhas satélites de epitélio odontogênico podem ser observados na cápsula fibrosa. Tais estruturas estavam presentes em 7% a 26% dos casos apresentados pela literatura (MENINGAUD, 2006; DUTRA et al., 2013). A delgada parede fibrosa é desprovida de infiltrado inflamatório, todavia, na presença de alterações inflamatórias, as características típicas do TOQ podem exibir alterações. A superfície luminal paraceratinizada pode desaparecer e o epitélio pode

21 proliferar formando projeções epiteliais com perda da característica de sua disposição em paliçada da camada basal hipercromática (REGEZI, 2008). A SCNBC é uma desordem onde o indivíduo pode apresentar diversas anomalias, sendo as principais, a presença de múltiplos TOQ nos maxilares, carcinomas basocelulares que se iniciam em idade precoce, hipertelorismo, alterações cutâneas como nevus pigmentados e pits palmares ou plantares, alterações esqueléticas como prognatismo mandibular, bossa frontal, costela bífida, metacarpos encurtados, alterações neurológicas como distúrbio mental, calcificações na foice cerebral, além de manifestações oftalmológicas, endócrinas e genitais. (KULKARNI et al., 2014). O caso TOQ esporádico relatado neste trabalho apresentou algumas características incomuns quando comparado à maioria dos casos clínicos desta neoplasia relatados na literatura. Dentre elas podemos destacar a idade do paciente, a localização da lesão na maxila na região dos incisivos superiores e a expansão do osso cortical vestibular. O aspecto radiotransparente, unilocular e os limites muito bem definidos da lesão, bem como os achados histopatológicos do caso apresentado, foram semelhantes aos casos descritos por outros autores. A forma clássica de tratamento preconizada para os TOQ é a cirurgia, através da marsupialização, enucleação (ressecção) ou curetagem da lesão. A marsupialização consiste em criar-se cirurgicamente uma comunicação entre o lúmen da lesão e o meio externo. Esta abertura pode variar quanto a sua dimensão, sendo a sua perviedade assegurada pela manutenção de obturadores de acrílico ou cânulas de polietileno junto à comunicação. Apesar da técnica operatória ser semelhante àquela descrita para abordagem dos cistos odontogênicos, a sua finalidade terapêutica pode ser diferente (NEVILLE, 2009). Nos cistos a marsupialização visa à descompressão cística, eliminando a pressão hidrostática intralesional e consequentemente provocando a redução ou desparecimento da lesão. Já nos TOQ a marsupialização objetiva induzir a metaplasia do epitélio que reveste a cápsula do tumor, podendo também levar ao desparecimento da lesão ou à redução do seu tamanho. Outro importante efeito da marsupialização sobre os TOQ é a sua capacidade de produzir o espessamento da cápsula tumoral, tipicamente delgada e friável, o que irá favorecer a enucleação da lesão, fato que minimiza as chances de recidiva (POGREL & JORDAN, 2004; TELLES et al, 2013). A enucleação ou ressecção do tumor implica a remoção da lesão na sua totalidade e em peça única. A curetagem também tem como propósito a remoção completa da lesão, todavia, propositalmente ou inadvertidamente, durante o procedimento, ocorre a fragmentação da lesão, resultando na sua remoção em pedaços. Modalidades terapêuticas

22 mais radicais, como ressecção em bloco do TOQ, também são relatadas (ZHAO Y et al., 2002). Todavia esta abordagem nos parece uma forma de sobretratamento absolutamente inadequado para os TOQ, considerando o baixo grau de agressividade local destes tumores. A despeito das ressecções em bloco, quando realizadas com uma margem de segurança adequada, eliminarem as chances de recidiva do tumor, elas invariavelmente impõem ao paciente, limitações funcionais e estéticas pós-operatórias de menor ou maior impacto, muitas vezes com a necessidade de cirurgias reconstrutivas de alta complexidade e grande morbidade trans e pós-operatória. Nos casos dos TOQ, algumas modalidades terapêuticas coadjuvantes são descritas como forma de minimizar a possibilidade de recidiva. Elas consistem basicamente em estratégias complementares aplicadas às paredes ósseas da loja cirúrgica, após a enucleação ou curetagem da lesão, para remoção ou destruição de possíveis remanescentes tumorais. A ostectomia periférica consiste em um desgaste de 2 a 3mm das superfícies ósseas que tiveram contato com o tumor, utilizando uma broca de desgaste adaptada a um instrumento rotatório. Esta manobra irá eliminar as células neoplásicas localizadas nesta restrita faixa de osso (SACHS, 2006). A cauterização química da loja cirúrgica geralmente utiliza uma substância que funciona como um fixador biológico, conhecida como solução de Carnoy. Ela é composta por álcool absoluto (6ml), ácido acético glacial (1ml), clorofórmio (3ml) e cloreto férrico (1g). A sua aplicação é efetuada através de gazes umidificadas na solução e que deverão permanecer sobre as paredes ósseas durante 3 a 5 minutos, sem contato com tecidos moles ou estruturas nobres adjacentes, permitindo que a solução penetre cerca de 2mm no osso, fixando remanescentes do TOQ (STOELINGA, 2005). A solução de Carnoy também pode ser aplicada à cápsula tumoral, antes da sua remoção, tornando-a mais rígida e consistente, facilitando a sua retirada sem fragmentação. Entretanto, a utilização desta substância fixadora é vista com restrição por alguns autores, pela possibilidade de causar danos aos tecidos normais adjacentes ao seu campo de aplicação. (SCHMIDT, 2001; POGREL & JORDAN, 2004). A possibilidade de causar transtornos neurológicos e o potencial oncogênico do clorofórmio, presente em sua composição, têm sido citados como fatores desencorajantes para a utilização da solução de Carnoy (FRERICH et. al., 2004; SCHMIDT, 2001; POGREL & JORDAN, 2004). Por outro lado, parece incontestável o seu papel na redução da taxa de recidiva dos TOQ (STOELINGA, 2005). O risco de injúria aos tecidos normais pode ser praticamente afastado, se o cirurgião, além de proteger adequadamente estes tecidos do contato com a solução, irrigar copiosamente a loja cirúrgica com soro fisiológico após o

23 processo de aplicação. O potencial oncogênico do clorofórmio é controverso, e torna-se questionável, quando consideramos que a exposição máxima dos tecidos a esse elemento será de 5 minutos. Stoelinga (2005) afirma, em seu estudo, que quando um protocolo apropriado é seguido para o tratamento utilizando a solução Carnoy, esta pode ser utilizada sem prejuízo funcional permanente. A crioterapia é um método onde nitrogênio líquido, borrifado na loja cirúrgica, irá penetrar de cerca de 1mm (0,82mm) no osso e congelar a água existente na espaço citoplamástico das células tumorais remanescentes, causando a morte das mesmas. Apesar de oferecer baixo risco a nervos e dentes, a correta utilização da técnica exige a proteção dos tecidos normais adjacentes contra a ação do nitrogênio. O protocolo clássico consiste em 2 aplicações de 1 minuto, com intervalo de 5 minutos (SCHMIDT et. al., 2001). No caso por nós apresentado, o tratamento de escolha foi a enucleação do TOQ, seguida da ostectomia periférica das paredes ósseas da loja cirúrgica e cauterização química com solução de Carnoy por 5 minutos. Neste caso, a cápsula do tumor possuía uma espessura que nos permitiu a ressecção da lesão sem fragmentação da mesma. O procedimento transcorreu sem complicações. Entretanto, Pogrel e Jordan (2004) advertem para a maior possibilidade de perfurações na cápsula do TOQ, localizados na região anterior da maxila, devido à menor espessura da cortical óssea. A proximidade de estruturas como as mucosas nasal e sinusal da área de abrangência da cirurgia, pode gerar uma dor trans-operatória importante, o que poderá limitar realização destes procedimentos, sob anestesia local. Por isso, como no nosso caso, a utilização de anestesia geral pode conferir maior conforto e segurança aos pacientes durante o ato operatório e permitir ao cirurgião as condições adequadas para a execução precisa da técnica cirúrgica. Para a maioria dos casos de TOQ o prognóstico é considerado bom. Recorrências, que podem chegar a 30% dos casos tratados, parecem estar relacionadas a vários aspectos relativos à natureza da lesão e à forma de tratamento. Alguns dos principais fatores determinantes da recidiva parecem ser a formação de uma cápsula fina e friável, que dificulta a remoção completa do tumor sem a sua fragmentação; a ocorrência de tumores multiloculados, cujos septos intralesionais dificultam a enucleação ou curetagem, a presença de perfurações na cortical óssea que delimita a lesão e a possibilidade da existência de lesões satélites; a localização do tumor em sítios anatômicos que ofereçam um acesso cirúrgico limitado, e finalmente, o desejo do cirurgião em preservar estruturas nobres como dentes e nervos. A maioria das recidivas é clinicamente evidente após 5 anos da cirurgia, contudo podem se manifestar tardiamente após 10 anos ou mais do tratamento, sendo assim, é de

24 extrema importância o acompanhamento dos pacientes por um longo período de tempo (BRONDON & JENSEN, 1991). O nosso, paciente após 5 anos de acompanhamento ambulatorial pós-operatório, não apresenta sinais de recidiva. Acreditamos que o fato de tratar-se de um tumor unilocular e relativamente pequeno, com uma cápsula espessa, que permitiu a sua remoção completa, em peça única, além do correto emprego de terapias coadjuvantes e a indicação da anestesia geral para o caso, contribuíram para o sucesso do seu tratamento.

25 6 CONCLUSÃO Baseado nos aspectos físicos, imaginólogicos e histopatológico da lesão, o correto diagnóstico é um aspecto que deve ser cuidadosamente observado pelo cirurgião-dentista quando do tratamento dos tumores odontogênicos queratocísticos. Além disso, serão primordiais para o sucesso do tratamento, a elaboração de um criterioso plano terapêutico que considere as especificidades da lesão e do paciente, um acompanhamento pós-operatório em longo prazo e a execução correta da técnica cirúrgica escolhida.

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