NÃO É TUDO PRETO NO BRANCO

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Transcrição:

NÃO É TUDO PRETO NO BRANCO Luísa Faria 1, Luísa Machado 2 1 UFMG/FALE, luisafabraga@gmail.com 2 UFMG/FALE, luisamop@gmail.com Resumo: Pretendemos analisar o vídeo I Am NOT Black, You are NOT White, do canal Prince Ea, uma performance de poesia falada sobre rótulos e diversidade na sociedade contemporânea. Com base nos estudos de Pietroforte (2007) e Barros (2008), investigaremos o poema utilizando o Plano de Conteúdo para compreender a construção de sentido, sobretudo nos níveis mais profundos do Percurso Gerativo de Sentido: Nível Fundamental e Nível Narrativo. Palavras-chave: diversidade, semiótica, plano de conteúdo, nível fundamental, nível narrativo. 1. Introdução: "São só rótulos", diz Prince Ea no seu vídeo I Am NOT Black, You are NOT White ¹, em que explora a questão de rótulos e diversidade na sociedade contemporânea. A Semiótica, que estuda a significação, pode nos ajudar a entender o que ele quis dizer. Utilizaremos o percurso gerativo do sentido, ancorado na linha Greimasiana da Semiótica, para averiguar como se dá a construção de significado no vídeo em questão. Usaremos como base o livro "Teoria Semiótica do Texto", de Barros (2008), e o livro "Semiótica Visual: os percursos do olhar", de Pietroforte (2007). Segundo Barros (2008), Greimas recorre às definições de Hjelmslev de plano de expressão e plano de conteúdo para tratar do conceito de texto, que seria a relação entre os dois. O objetivo deste trabalho é o plano de conteúdo, em que a significação é descrita pelo percurso gerativo de sentido, dividido em três níveis. O nosso foco serão os níveis mais profundos de significação, o Nível Narrativo e o Nível Fundamental do texto verbal analisado. A exploração do Nível Discursivo e do Plano de Expressão será deixada para outros estudos. 2. Nível Fundamental Esse é o nível mais profundo de significação e base das ideias do texto em que se estabelece uma oposição mínima que guia e direciona os níveis superiores, tornando o texto um todo significativo organizado a partir de um fio condutor, isto é, o eixo semântico 1

expresso numa oposição fundamental; aos extremos dessa oposição básica são atribuídos valores negativos ou positivos. No nível fundamental do vídeo analisado, a categoria semântica expressa o eixo semântico liberdade vs. opressão. O vídeo revela a oposição entre a opressão provocada pelos rótulos que se dá às diferentes pessoas e a liberdade que seria proporcionada pelo rompimento com tais rótulos. Essa relação está orientada no sentido da opressão, construída pela sociedade através dos rótulos, para a liberdade proposta pelo texto, como pode ser observado no eixo: Opressão Não-opressão Liberdade Temos aí um eixo de desconformidade com a situação de opressão expressa, caracterizando o texto então como euforizante, visto que caminha para a liberdade. Os textos serão (...) euforizantes ou disforizantes, segundo caminham para o pólo conforme ou desconforme da categoria semântica fundamental. (BARROS, 2008, p.79). Assim, a categoria fórica se apresenta como sensibilização positiva atribuída à Liberdade (euforia) e negativa atribuída à Opressão (disforia). O eixo semântico e a rede fundamental de relações no texto podem também ser expressos pelo modelo quadrado semiótico: Fig. 1: Quadrado Semiótico Ademais, podemos identificar dois percursos através do quadrado semiótico: o percurso fundamental do texto, da opressão à liberdade, e um percurso mencionado no início do vídeo, no sentido oposto, da liberdade à opressão. Esse segundo percurso pode ser percebido analisando o seguinte trecho: "I am not Black.I mean, that s what the world calls me, but it s not me. (...) No, I was taught to be black. And you were taught to call me that".² Para Prince Ea, o ser humano nasce em um estado livre de rótulos, mas aprende com a sociedade a rotular/oprimir, e é também por ela rotulado/oprimido. O texto fala sobre essa opressão dos rótulos impostos pela sociedade e, no final, Prince 2

Ea incita seu interlocutor a se libertar dos rótulos opressores, recomendando o percurso de opressão em direção a liberdade - temática básica do texto, que é visível no trecho: "We were meant to be free and only until you remove them all (labels), ( ) will we be free to see ourselves and each other for who we truly are."³ Para Prince, devemos acabar com a opressão para retornar ao estado inicial de liberdade. Essa oposição mínima, Opressão vs. Liberdade, se aprofunda e se especifica nos níveis narrativo e discursivo. 3. Nível Narrativo O Nível Narrativo trata do encadeamento lógico da história. Seu foco é a transformação lógica de estados dos sujeitos e objetos e, sobretudo, as relações entre eles. O enunciado elementar é uma relação de transitividade entre sujeito e objeto que pode ser estática ou dinâmica. A primeira tem a ver com junção, seja conjunção ou disjunção, entre eles. Já a segunda tem a ver com a transformação do estado de relação estática de um estado de junção em outro (de conjunção a disjunção ou de disjunção a conjunção). Podemos identificar no texto analisado dois sujeitos, a sociedade e o indivíduo, e dois objetos, os rótulos e a liberdade. Durante a narrativa, esses sujeitos e objetos se relacionam compondo uma narrativa básica que consiste no indivíduo perdendo a liberdade ao ser oprimido pelos rótulos impostos pela sociedade e futuramente se libertando destes rótulos e dessa opressão, retornando ao estado inicial de liberdade. Isso ocorre de tal maneira que a narrativa básica pode ser dividida em fases delimitadas de acordo com os enunciados de estado (que denotam relações estáticas de junção) e com os enunciados de fazer (que denotam relações de transformação). De acordo com Pietroforte (2007), os Programas Narrativos consistem na passagem de um enunciado de estado para um enunciado de fazer, e deste para outro enunciado de estado. PN1: indivíduo perde liberdade PN = F ( privar) [S 2 ( sociedade) S 1 ( indivíduo) O ( liberdade)] Enunciado de Estado 1: Indivíduo em conjunção com o objeto liberdade Enunciado de Fazer: Sociedade priva Indivíduo do objeto liberdade Enunciado de Estado 2: Indivíduo em disjunção com o objeto liberdade PN2: indivíduo recebe rótulo PN = F ( impor) [S 2 ( sociedade) S 1 ( indivíduo) O ( rótulo)] Enunciado do Estado 1: indivíduo em disjunção com objeto rótulo Enunciado do Fazer: Sociedade impõe rótulo ao indivíduo Enunciado do Estado 2: indivíduo em conjunção com objeto rótulo 3

PN3: indivíduo rejeita rótulo PN = F ( rejeitar) [S 2 ( indivíduo) S 1 ( indivíduo) O ( rótulo)] Enunciado do Estado 1: indivíduo em conjunção com objeto rótulo Enunciado do Fazer: indivíduo rejeita o rótulo Enunciado do Estado 2: indivíduo em disjunção com objeto rótulo PN 4: indivíduo adquire liberdade PN = F( adquirir) [S 2 ( indivíduo) S 1 ( indivíduo) O ( liberdade)] Enunciado do Estado 1: indivíduo em disjunção com objeto liberdade Enunciado do Fazer: indivíduo recupera a liberdade Enunciado do Estado 2: indivíduo em conjunção com objeto liberdade Tabela 1: Programas Narrativos De acordo com os critérios da natureza, função e relação entre os actantes e os atores proposto por Barros (2008), pode-se classificar os Programas Narrativos assim 4 : Natureza da Função Relação narrativa/discurso i Denominação Exemplo Privação transitiva espoliação PN1: sociedade tira liberdade do indivíduo Aquisição transitiva doação PN2: sociedade doa rótulo para o indivíduo Privação reflexiva renúncia PN3: indivíduo renuncia objeto rótulo Aquisição reflexiva apropriação PN4: Indivíduo adquire objeto liberdade Tabela 2: Classificação dos Programas Narrativos Existem outras duas possibilidades de classificação dos Programas Narrativos, que não abordaremos: o critério de valor investido no objeto da relação, e o critério complexidade e hierarquia de programas, que divide os Programas Narrativos em programas de base e programas de uso (subordinados ao de base). A performance é a realização de um programa de base. Para tal, o sujeito precisa adquirir as competências necessárias por meio dos programas de uso (relacionados ao saber e poder). O programa de base do texto é o indivíduo se libertar dos rótulos. Ele precisa ser competente, i.e. saber como e possuir o poder de libertar-se de fato dos rótulos, para passar a estar em conjunção com a liberdade, como recomendado no fim do vídeo. As transformações no plano narrativo ocorrem em duas dimensões: a pragmática (da ação) e a cognitiva. A articulação entre performance e competência é o Percurso Narrativo de Ação, e ocorre, portanto, dentro da dimensão pragmática do Nível Narrativo. Enquanto isso, o Percurso Narrativo da Manipulação corresponde à dimensão cognitiva, 4

bem como o Percurso Narrativo da Sanção. O Percurso Narrativo de Manipulação ocorre porque, para começar o percurso da ação, o sujeito precisa ser manipulado. O manipulador é chamado destinador e o manipulado de destinatário. Existem quatro tipos de manipulação: provocação, sedução, tentação e intimidação. Na nossa perspectiva, o destinador Sociedade manipula o Indivíduo para que ele se encaixe nos rótulos. Para exercer seu poder, o destinador oferece um objeto ao destinatário. Numa primeira interpretação, a sociedade faz uma ameaça de exclusão, objeto de valor negativo (castigo) que incita o dever do destinatário, processo de intimidação. Numa outra interpretação, a sociedade faz uma promessa de pertencimento, objeto de valor positivo (prêmio/recompensa) que manipula o querer do destinatário, processo de tentação. De todo jeito, o indivíduo é manipulado pela sociedade (seja por tentação ou intimidação) a se enquadrar para poder pertencer à sociedade e não ser dela excluído. Assim, o indivíduo tanto quer quando sente que deve se encaixar nos rótulos. O Percurso Narrativo de Sanção se dá na avaliação da performance. Depois de realizada, um destinador julgador sanciona a performance, avaliando o que foi realizado de acordo com as modalidades veridictórias (ser e parecer): Verdade (é e parece), Falsidade (não é e não parece), Mentira (parece, mas não é) e Segredo (é, mas não parece). Podemos verificar essas sanções em alguns trechos, como por exemplo: I'm not Black. I mean, that s what the world calls me, but it s not me. 5 Parece, mas não é Mentira. Labels are not you and labels are not me 6 Parece, mas não é Mentira. But who we truly are is not skin deep 7 Parece, mas não é Mentira. When I drive my car, no one would ever confuse the car for me 8 Não parece e não é Falsidade. When I drive my body, why do you confuse me for my body? It's my body, get it? Not me. 9 Parece, mas não é Mentira. Because who we truly are is found inside. 10 Não parece, mas é Segredo. Will we be free to see ourselves and each other for who we truly are. 11 Parece e é Verdade. Pode-se concluir que, na visão de Prince Ea, os rótulos parecem definir quem o indivíduo é, mas não definem (parece, mas não é mentira). O autor compartilha um segredo: quem o indivíduo realmente é está dentro do indivíduo, e não nos rótulos (não parece, 5

mas é segredo). Se a performance de se libertar dos rótulos for realizada, as pessoas poderão ver a si mesmas pelo que realmente são, por seu interior (parece e é verdade). 4. Conclusão Após a análise dos níveis fundamental e narrativo 12, é importante retomar o eixo semântico de significado que identificamos no nível fundamental: opressão vs. liberdade. Fica claro com essa análise que a relação entre os sujeitos da narrativa, as transformações propostas, e até os aspectos mais concretos do discurso, todos levam a uma compreensão do papel divisor, conflitante e opressor dos rótulos na sociedade, e levam à ideia de liberdade que seria alcançada pela desconstrução deles. Sendo assim, vemos então a argumentação em defesa da diversidade étnica e cultural. 5. Referências BARROS, Diana. Teoria Semiótica do Texto. 4a ed. São Paulo: Editora Ática, 2008. I Am NOT Black, You are NOT White. Spencer Sharp; Prince Ea. 2015. Youtube. <https://www.youtube.com/watch?v=q0qd2k2rwkc&feature=youtu.be> Acesso em set de 2017. MATTE, Ana Cristina. Percurso Gerativo do Sentido. Belo Horizonte. 13 slides: colorido. PIETROFORTE, Antonio. O Sincretismo entre as Semióticas Verbal e Visual. Revista Intercâmbio, v. 15, 2006. PIETROFORTE, Antonio. Semiótica Visual: os percursos do olhar. 2a ed. São Paulo: Contexto, 2007. ¹ Eu não sou negro, você não é branco. (tradução nossa) ² Eu não sou negro. Quer dizer, isso é como o mundo me chama, mas não sou eu. (...) Não, eu fui ensinado a ser negro. E você foi ensinado a me chamar assim. (tradução nossa) ³ Nós fomos feitos para sermos livres e só quando você remover todos os rótulos, (...) nós seremos livre para ver a nós e aos outros como realmente somos.. (tradução nossa) 4 Caso os sujeitos S1 e S2 do Programa Narrativo sejam atores diferentes, o PN é classificado como transitivo. Se os sujeitos S1 e S2 forem o mesmo ator, o PN é classificado como reflexivo. 5 Eu não sou negro. Quer dizer, isso é como o mundo me chama, mas não sou eu (tradução nossa) 6 Rótulos não são você e rótulos não são eu (tradução nossa) 7 Mas quem nós somos de verdade não está na superfície (tradução nossa) 8 Quando eu dirijo meu carro, ninguém jamais confundiria o carro e eu (tradução nossa) 9 Quando eu dirijo meu corpo, por quê você confunde meu corpo e eu? É meu corpo entende? Não eu (tradução nossa) 10 Porque quem nós realmente somos está do lado de dentro (tradução nossa) 11 Seremos livres para ver a nós mesmos e aos outros como realmente somos (tradução nossa) 12 Como explicado, deixaremos o desenvolvimento do nível discursivo para estudos futuros. 6