Fac-símile [39v/a-39v/b] Palmeirim IV (1604)- Poema

Documentos relacionados
Arte e Poesia. Uma flor. Uma flor perde cheiro e beleza Foi amor com certeza!

Fac-símile [143r/a-144r/b] Memorial Poema

QUÃO GRANDE É O MEU DEUS (Chris T./Jesse R.)

Hinos em quaternário usando as posições A, D e E

Meu bem querer. Ao Único. 02 ME Bené Carlos Gomes

PÉTALAS E SANGUE. De: Batista Mendes

António Gedeão. Relógio D'Água. Notas Introdutórias de Natália Nunes. A Obra Completa

PRIMEIRA PARTE LIRA I

Seus Escritos no Site da Magrià a Antonio Márcio Uma rosa para a minha Rosa

Grupo de trabalho: OBJECTIVOS. Explorar conceitos de Astronomia no contexto da poesia. Identificar referências astronómicas nas estâncias do poema.

1º Edição

A primavera voltou. LÍNGUA PORTUGUESA. Compreensão da leitura

Eu Quero Apenas. (Marcus) Eu quero apenas olhar os campos. Eu quero apenas cantar meu canto. (Rogério) Eu só não quero cantar sozinho

A História de Uma Árvore

Comigo mais poesia. Nelson Martins. Reflexões e Sentimentos

Violão Básico. Melodia Harmonia Ritmo Voz Mão Esquerda Mão Direita

Página dos Leitores. II Domingo de Advento C 2009

25 de Abril Quase como um Conto de Fadas. Texto: CONCEIÇÃO LOPES Ilustrações: CARLOS BARRADAS

Prof. Junio Cesar Rodrigues Lima Disciplina: História

Num bonito dia de inverno, um grupo de crianças brincava no recreio da sua escola,

Personagens: Coro, Mãe, Rosa-Branca, Rosa-Vermelha, Urso (Príncipe), Gnomo, Águia, Irmão do Príncipe.

1 O sol cobre de sangue o horizonte e a pálida lua, trêmula, lança seu pungente olhar sobre a terra.

Am7 Bm7 Am7 G Oh! Meu amor não fique triste Saudade existe pra quem sabe ter

Desde sempre presente na nossa literatura, cantado por trovadores e poetas, é com Camões que o Amor é celebrado em todo o seu esplendor.

Cifras de Beth Carvalho por André Anjos

HINÁRIO. Chico Corrente O SIGNO DO TEU ESTUDO. Tema 2012: Flora Brasileira Esponjinha (Stifftia fruticosa)

Sou eu quem vivo esta é minha vida Prazer este

Quando o Sol se apaixonou pela Lua. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Curso Superior de Tecnologia em Jogos Digitais 2016

Haicai - Uma viagem pela poesia japonesa tradicional

ÍNDICE. Prefácio... 7

CAPÍTULO 1: PAIXÃO. Apaixonado. O meu coração Pra você eu guardei Antes mesmo de me conhecer Eu te amei Procurei a lealdade Mas não encontrei

Natal e Reis. Conteúdo. Arquivo de letras de música 14 de Novembro de 2001

Canções de Natal. Índice. Conteúdo. Arquivo de música de língua portuguesa 21 de Dezembro de canção de Natal, 2 11.

10 HOMEÓSTATOS DE JOSÉ-ALBERTO MARQUES [SEGUIDOS DE TRANSCRIÇÃO TEXTUAL]

Manuel Pereira. Comigo, sem Mim. Just Share It!

HINOS DE DESPACHO. Tema 2012: Flora Brasileira Estrela D Alva

Obra "Natal" (1969) de Di Cavalcanti; óleo sobre tela; 127,5x107,5x3,5. Natal à Beira-Rio

águia baleia cágado cão cotovia hipopótamo rouxinol tubarão urso

Poemas de um Fantasma. Fantasma Souza

COMPARAÇÕES SOBRE O REINO DE DEUS Lição 23

SONETO. SONETO Fagundes Varela ( )

Era uma vez, numa cidade muito distante, um plantador chamado Pedro. Ele

(continua) Contos e Fábulas O leão e o rato

Vagueei pela beira da água, sob as árvores húmidas, O meu espírito embalado pelo crepúsculo, os juncos envolven do me os joelhos, O meu espírito

CAMÕES POR. Luís de Camões, Rimas, Lisboa, por Pedro Crasbeeck, à custa de Estevão Lopes, Crasbeeck, à custa de Estevão Lopes, 1598.

Ao Teu Lado (Marcelo Daimom)

Luís de Camões (Sonetos)

Exposição Bandeira Brasileira - Patriotismo Sex, 02 de Outubro de :00

Aula 6 A lírica camoniana

MINHAS PALAVRAS. 1 Ebook. EscreviNoMeuDiário

OXUM PONTOS DE LINHA. 2. Olha o barquinho de Cinda > Cinda é quem vem trabalhar >2x Cinda é mamãe Oxum, aieiêo > Cinda é a cobra coral >2x

Uma Boa Prenda. Uma boa prenda a ofertar É a doação do amor É estar pronto a ajudar Quem vive com uma dor.

Fabiany Monteiro do Nascimento. Amor Perfeito

Design da Informação. Aula 08 Usando. Prof. Dalton Martins

EUCARISTIA Dia do Pai Introdução:

"Caixa de Saída" Roteiro de. Jean Carlo Bris da Rosa

Tutorial - Vetorizando uma fotografia

Cifras de Tom Jobim por André Anjos

O Amor se resume em se sentir bem, especial, incrivelmente Feliz. Um estado espiritual destinado a trazer muitas coisas boas. As vezes ele existe em

O Mar O mar É calmo e comprido E no verão Um pouco colorido O mar é azul Como o céu E as ondas Parecem um véu!

SUMÁRIO. APRESENTAÇÃO Sobre Fernando Pessoa...11 Fernando Pessoa: ele mesmo, um outro heterônimo?...23

Título: Poemas da verdade e da mentira. Autor: Luísa Ducla Soares. Ilustação: Ana Cristina Inácio. Edição original: Livros Horizonte, 2005

ALESSANDRA A Flor do Sertão

Ajudai o Pai. Natal e vivei uma. linda aventura.

Arcadismo. Literatura Diogo Mendes Lista de Exercícios. 1. Lira XIV

1 Biblioteca Escolar Ana Saldanha

Paulo Henrique de Farias. Um Tal Gato Azul. 2ª Edição

CECÍLIA MEIRELLES CIRANDA CULTURAL 2º ANO A/2011 CIRANDA CULTURAL_POEMAS

Nas asas da poesia. A poesia nasce no coração e floresce na cabeça.

TAREFA FINAL 03/10/2016 CULMINÂNCIA DA GINCANA CELEBRAÇÃO EM AÇÃO DE GRAÇAS

Presente Perfeito A. D. Feldman

GUAMARÉ, RETALHOS POÉTICOS

QUANDO EU, SENHORA...

Quando eu, senhora...

Encarte

Romanceiro. Almeida Garret

Annapurna Stotram. Um hino em louvor a Annapurna, A Deusa do alimento e da nutrição. Estrofe 1. Ó Mãe Annapurna, ó Grande Deusa,

ROTEIRO VIDEOCLIPE Música: Casa Banda: Baleia CENA MÚSICA TEMPO OBSERVAÇÕES CH NARRATIVA 1 - CHICO NARRATIVA 2 - CLARICE OBSERVAÇÕES CL

Francisco Anacleto Barros Fidelis de Moura. 40 Anos. 29 de Abril de Anos

Até que a morte os separe?protesto!

JOSÉ ARAÚJO. Poema & Poesia. Magia e Sedução

DESENGANO CENA 01 - CASA DA GAROTA - INT. QUARTO DIA

Velho do Restelo. De mil Religiosos diligentes, Em procissão solene, a Deus orando, Pera os batéis viemos caminhando.

O sapo estava sentado à beira do rio. Sentia-se esquisito. Não sabia se estava contente ou se estava triste

Entidade Mantenedora: SEAMB Sociedade Espírita Albertino Marques Barreto CNPJ: /

Marcelo Cantalino. Geração Facebook

Porta aliança em feltro

Amor Pra Valer Tony Sabetta ISRC BR MKP Nunca É Tarde A. Hammond e J. Bettis Versão: Marina de Oliveira ISRC BR MKP

Comitê da Cultura de Paz parceria UNESCO Associação Palas Athena

DE: R$59,90 POR: R$49,90 CÓD.:00631 PROMOÇÕES EXCLUSIVAS. Válidas de 22/10 a 11/11. cf12.indd 1 16/10/13 14:25

ONE LIGHT. Verse 1 Uma luz, brilhando nas trevas Eu posso fazer a diferença onde estou

Fac-símile [21r/b] Palmeirim IV (1587)- Poemas

Rosângela Trajano Miúda pensa grande

Isso nós sabemos, e nosso poeta Cazuza, escreveu uma música dizendo isso.

Assim são as joias Le Zil, modernas, divertidas, leves, românticas, exclusivas e para todos os seus momentos. Eternas como toda joia.

Colégio Visconde de Porto Seguro

Mariana Ianelli i. Eutomia, Recife, 15 (1): , Jul. 2015

ACESSÓRIOS» Pedrarias

O Amor deve reger nossa Obediência João

Transcrição:

Fac-símile [39v/a-39v/b] Palmeirim IV (1604)- Poema

Edição paleográfica [39v/a] Iâ a calma nos deyxou Sem flores as ribeiras gracioſas, Ià de todo ſecou Os lirios brãcos, e as vermelhas roſas Fogem do ardor do dia os paſſariños Para o ſõbrio amparo de ſeus niños Menea os altos freyxos A branda viraçã de quãdo em quãdo E dantre os varios ſeyxos, O liquido chriſtal ſae murmurando, As gotas que das aluas pedras ſaltão, O prado como perolas eſmaltam. Da caça fatigada Se recolhe Diana na eſpeſſura, Onde à ſombra deytada Logre o doce repouſo da verdura, E ſobre o ſeu cabello creſpo & louro Deixe cair o boſque o ſeu theſuoro. O ceo deſempedido Moſtra os eternos lumes das eſtrelas E de folhas veſtido De hũas verdes & doutras amarelas Se moſtra alegre o boſque, alegre a fõte O aruoredo, o prado, o rio, o monte. Mas como o inuerno frio Da braueza do sul acompanhado, Socceder ao Eſtio Que agora eſtá dos campos apoſſado O boſque chorarà, chorarà a fonte. O aruoredo, o prado,

o rio, o monte. [39v/b] O mar que agora brando, He das lindas Nereidas cortado Se ira aleuantando, Todo em creſpas eſcamas empolado, E o ſoberbo furor do negro vento, Fara por toda a parte mouimento. Ley he da natureza, Mudarſe deſta ſorte o tempo leue, Succederaa belleza Da Primauera a calma, è a fruta a neue Para depois tomar por certo fio Autunno, Inuerno, Primauera, Eſtio. Tudo em fim faz mudança; Quanto o ſol moſtra & quãto a terra cria E o ceo que nunca canſa, O dia muda em noite, & a noite em dia, Mudãoſe as cõdições, mudaſe a idade A bonança, os eſtados, a vontade. Soo a minha inimiga A dura condiçam nunca mudou, Para que o mundo diga, Que nella ley taõ certa ſe quebrou, Só ella em me nã ver sẽpre eſtá firme. Ou por fugir de amor, ou por fugirme Mas jà ſofriuel fora, Sò ella em me matar moſtrar firmeza Se não achara agora, Tambem em mi mudada a natureza, Pois ſempre o coração tenho turbado Sempre de eſcuras nuuẽs rodeado. Sempre exprimento os frios, Que em cõtino receo Amor me mãda, [40r/a] Sempre os dous caudais rios, Que ẽ meus olhos abrio, quẽ nos ſeus anda corrẽ ſem chegar nũca verão brando, que tamanha aſpereza và mudando. O ſol ſereno & puro Que no fermoſo roſto reſplandece, Enuolto em manto eſcuro, De triſte eſquecimento não parece, Deixãdo em noite eterna a triſte vida, Tão fraca, tão deſpeſa, tão perdida. Porem ſeja o que for, Mudeſe por meu dano a natureza, Perca a mudança Amor, E a mudauel fortuna ache firmeza, Que em que tudo conjure contra mi, Firme ei de eſtar naquillo que emprendi. Edição crítica [39v/a] Já a calma nos deixou sem flores as ribeiras graciosas, já de todo secou; os lírios brancos e as vermelhas rosas fogem do ardor do dia os passarinhos para o sombrio amparo de seus ninhos. Menea os altos freixos a branda viração de quando em quando, e dantre os vários seixos, o líquido cristal sae murmurando, as gotas que das alvas pedras saltam o prado como pérolas esmaltam. Da caça fatigada se recolhe Diana na espessura, onde à sombra deitada, logre o doce repouso da verdura, e sobre o seu cabelo crespo e louro deixe cair o bosque o seu tesouro. O céo desempedido mostra os eternos lumes das estrelas e de folhas vestido

de ũas verdes e doutras amarelas se mostra alegre o bosque, alegre a fonte, o arvoredo, o prado, o rio, o monte. Mas como o inverno frio da braveza do Sul acompanhado, soceder ao estio, que agora está dos campos apossado, o bosque chorará, chorará a fonte, o arvoredo, o prado, o rio, o monte. [39v/b] O mar, que agora brando é das lindas Nereidas cortado, se irá alevantando todo em crespas escamas empolado, e o soberbo furor do negro vento fará por toda a parte movimento. Lei é da natureza mudar-se desta sorte o tempo leve, suceder à beleza da primavera a calma, e à fruta a neve para depois tornar por certo fio autuno, inuerno, primauera, estio. Tudo enfim faz mudança quanto o sol mostra e quanto a terra e o céo, que nunca cansa, cria; o dia muda em noite e a noite em dia; mudam-se as condições, muda-se a idade, a bonança, os estados, a vontade. Só a minha inimiga a dura condição nunca mudou, para que o mundo diga que nela lei tão certa se quebrou; só ela em me não ver sempre está firme, ou por fugir de amor ou por fugir-me Mas já sofrível fora, só ela em me matar mostrar firmeza se não achara agora também em mim mudada a natureza, pois sempre o coração tenho turbado, sempre de escuras nuvens rodeado. Sempre experimento os frios

que em contino receo Amor me manda; [40r/a] sempre os dous caudais rios anda que em meus olhos abrio, quem nos seus correm sem chegar nunca verão brando, que tamanha aspereza vá mudando. O sol sereno e puro que no fermoso rosto resplandece, envolto em manto escuro, de triste esquecimento não parece, deixando em noite eterna a triste vida, tão fraca, tão despesa, tão perdida. Porém seja o que for, mude-se por meu dano a natureza, perca a mudança Amor e a mudável Fortuna ache firmeza, que em que tudo conjure contra mi, firme hei de estar naquilo que emprendi. Modo de citação: Aurelio VARGAS DÍAZ-TOLEDO, Palmeirim de Inglaterra III-IV (1604): composições poéticas, em O Universo de Almourol. Base de dados da matéria cavaleiresca portuguesa dos séculos XVI-XVIII (http://www.universodealmourol.com/), 2017.