Identidade de gênero: uma discussão necessária ao serviço social

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Transcrição:

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS III SEMINÁRIO NACIONAL DE TERROTÓRIO E GESTÃO DE POLITICAS SOCIAIS II CONGRESSO DE DIREITO À CIDADE E JUSTIÇA AMBIENTAL Gênero, Sexualidade e Etnia Identidade de gênero: uma discussão necessária ao serviço social Beatriz Dantas Gomes Bezerra 1 Dheniffer José Ferreira Freire 2 Vanessa Lins Barreto 3 Resumo: Discutir sobre a identidade de gênero tem se tornado urgente em nossa sociedade, na medida em que, o desconhecimento reforça estigmas e preconceitos. Nesse contexto, buscamos discutir sobre identidade de gênero e apresentar alguns dos direitos conquistados pelas transexuais e travestis em nossa sociedade. Bem como, apresentar o comprometimento e a atuação do Serviço Social para com os direitos desses sujeitos. Concluímos que embora alguns direitos tenham sido alcançados por este segmento, estes ainda sofrem violências, descriminação e preconceito cotidianamente, mostrando que ainda há um longo caminho a ser percorrido para a garantia e ampliação dos seus direitos. Palavras-chave: Identidade de gênero; Serviço Social; Violência. Abstract: Discussing gender identity has become urgent in our society, insofar as ignorance reinforces stigmas and prejudices. In this context, we seek to discuss gender identity and present some of the rights conquered by transsexuals and transvestites in our society. As well as, to present the commitment and the performance of Social Work with the rights of these subjects. We conclude that although some rights have been achieved by this segment, they still suffer violence, discrimination and prejudice every day, showing that there is still a long way to go to guarantee and expand their rights. Key-words: Gender identity; Social service; Violence. 1 Graduada em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Brasil. Email: beatriizbezerra@hotmail.com 2 Graduanda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Brasil. Email: dheniffer_freire@hotmail.com 3 Graduada em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Email: vanessalins_@hotmail.com 1

1 INTRODUÇÃO Vivemos sob a égide de uma sociedade que identifica homens e mulheres a partir do sexo biológico que estes (as) trouxeram ao nascer, esta mesma sociedade distingue os papeis sociais que corresponde a cada sexo, delimitando funções tanto para o masculino quanto para o feminino excluindo assim, a singularidade de cada indivíduo que não se reconhece nos papéis de gênero socialmente instituídos (CFESS MANIFESTA, 2013). Nesse contexto, partimos do entendimento que homens e mulheres não são identificados de acordo com a sua genitália, mas, a partir de um conjunto de determinações que estes (as) vão se deparar no decorrer de sua vida e que vão lhes proporcionar uma identidade de gênero, que pode ou não corresponder com as características biológicas do seu corpo. Partindo dessa conjuntura, o presente artigo busca em um primeiro momento explicitar as principais diferenças entre categorias fundamentais para compreender essa problemática, tais como sexo, gênero, orientação sexual e identidade de gênero. Em seguida, partindo do entendimento de que o combate a violência e o preconceito contra a transexuais e travestis se configura como um grande desafio, para o qual precisamos construir ações de enfrentamento a essas discriminações, como instigar reflexões sobre as violações de direitos sofridas por esses sujeitos, procuramos trazer o contexto de opressão e violência que esses sujeitos sofrem cotidianamente, bem como as conquistas para essa classe e para a categoria dos profissionais de Serviço Social. Por fim, sabendo da existência de um cenário de constante violação de direitos das transexuais e travestis, o artigo pretende mostrar o Serviço Social em consonância com o seu projeto ético político buscando pautar sua atuação na perspectiva de garantir e ampliar os direitos desses sujeitos, visando uma sociedade livre e emancipada. Para tanto, realizamos uma pesquisa bibliográfica que nos possibilitou um aprofundamento maior acerca da temática, fundamentando-se em autores(as) como ALMEIDA (2013), CFESS (1993, 2011, 2012, 2013), JESUS (2012), entre outros. 2 IDENTIDADE DE GÊNERO: UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DO MASCULINO E DO FEMININO Somos sujeitos singulares, mas, com características que são comuns a todos os seres humanos. Estas nos assemelham com alguns e nos diferenciam de outros, como a classe social a que pertencemos, a religião e a não adesão de nenhuma religião, o território no qual estamos inseridos (as) e entre outras inúmeras coisas que assinalam a diversidade humana. Dentre as dimensões que compõem esta heterogeneidade, nos deteremos à 2

explicitação do que vêm a ser sexo, gênero e identidade de gênero, pois estes assumem papel de extrema importância para compreender a construção do que vem a ser o masculino e o feminino na sociedade. A princípio, é necessário explicitar as diferenças existentes entre sexo e gênero. Desde crianças somos levados a nos comportar e a agir de acordo com o nosso sexo biológico, pois há uma disseminação da ideia que a genitália define quem vai ser homem ou mulher na sociedade. Entretanto, a nossa constituição/desenvolvimento como homens e mulheres não é definida pelo sexo que trazemos ao nascer, mas, construída socialmente. Dessa forma, podemos concluir que sexo é biológico e gênero é social. Partindo desse entendimento, uma pessoa que não se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu não possui um distúrbio, é uma questão de identidade de se reconhecer enquanto gênero. É nesse contexto que encontramos os casos de pessoas que se reconhecem como travestis, transexuais que integram um grupo genericamente chamado de transgênero ou mais comumente denominado de trans. Em conformidade com o nosso pensamento, trazemos os Princípios de Yogyarkarta, 2006 apud Resolução CFESS n 615/2011 que traz em seu texto o que vêm a se configurar identidade de gênero: Compreendemos identidade de gênero a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos (2011). O uso da denominação transgênero não é unanime no movimento de mulheres e homens transexuais, estes (as) afirmam que o termo não contempla as pessoas que rejeitam o único gênero que lhes foi imposto ao nascerem (ALMEIDA, 2013, p. 19). Pessoas que se reconhecem como transgêneros se comportam e agem de acordo com o gênero com o qual se identificam, adotam nome, aparência e comportamentos femininos ou masculinos, querem e precisam ser tratadas como quaisquer outras mulheres ou homens. Para tanto recorrem a tratamentos hormonais, cirurgias plásticas e a cirurgia de mudança de sexo. É importante ressaltar que identidade de gênero e orientação sexual são dois conceitos distintos. Como já foi explicitado no decorrer do texto o conceito de identidade de gênero, nos deteremos ao significado de orientação sexual. De acordo com Jesus (2012) orientação sexual se refere à atração afetivossexual por alguém de algum/ns 3

gênero/s (p.12), em outras palavras, este diz respeito à atração, desejo e o sentimento que se sente por outros indivíduos. Este termo vem substituindo gradativamente a nomenclatura opção sexual por entendermos que não se trata de uma escolha, pois se assim fosse, o sujeito poderia escolher não atrair-se por pessoas do mesmo sexo para não sofrer descriminação. Ainda segundo Jesus (2012), uma pessoa trans pode ser bissexual, heterossexual ou homossexual, dependendo do gênero que adota e do gênero com relação ao qual se atrai afetivos sexualmente (p.12), sendo assim, não devemos confundir que necessariamente ser transexual significa ser homossexual. A temática da identidade de gênero é uma discussão que envolve ainda um certo estranhamento por parte da população, levando a um desconhecimento do contexto no qual estas pessoas estão inseridas. São seres humanos muitas vezes invisibilizados (as) e discriminados (as) em seu cotidiano. Essa discussão será abordada no tópico seguinte. 3 IDENTIDADE DE GÊNERO: REALIDADE E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE Vivemos em uma sociedade, dita moderna, porém ainda precisamos lutar constantemente pela superação de diversos tabus e preconceitos enraizados no nosso meio social que muitas vezes passam a afetar diretamente os direitos sociais das pessoas, no qual se acaba negando o direito a esses sujeitos e consequentemente oprimindo-os, por vários fatores, mas principalmente pela visão que pune as pessoas por contrariar a regra da heteronormatividade 4. Construindo assim um paralelo com a Constituição Federativa do Brasil de 1988 e trazendo ênfase a pontos objetivos da nossa discussão, podemos mencionar que em seu Art. 1º, inciso III trás como fundamento de um Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana; Trazendo posteriormente em seu art. 3º como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 2011). A partir de estudos cotidianos e de vivências pessoais, não é difícil chegar à conclusão que o direito à liberdade e igualdade está apenas garantido no papel, não perpassando a vivência das relações humanas. Constantemente presenciamos situações de intolerância e práticas violentas, acentuando assim a violação de direitos a qual essas pessoas estão submetidos, no qual se 4 Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa é um conceito ou visão que estabelece como norma a heterossexualidade e a instituição de categorias distintas, rígidas e complementares de masculino e feminino. 4

resulta na exclusão desses sujeitos do âmbito social e organizacional, levando muitas vezes a evasão escolar, devido a situações de preconceito e exclusão que infelizmente ainda se encontram presentes nesse hambito fazendo com que a escola não seja exergada por esses sujeitos como um espaço que lhes é de direito. Outro elemento que evidencia essa exclusão é a ocupação de espaços de trabalho mais precarizados por esses sujeitos, seja pelo abandono dos estudos que o condiciona a uma formação precarizada, seja pelo propria descriminação presente ainda na sociedade.todos esses aspectos retratam o viés de discriminação, preconceito e desigualdade vivenciados por esses sujeitos cotidianamente. Outro ponto que evidencia a violação de direitos e consequentemente da sua cidadania como sujeito humano, é o fato do não reconhecimento do direito ao nome social e consequentemente o seu reconhecimento da identidade de gênero, assunto esse, que vem sendo bastante discutido pelas entidades da profissão do Serviço Social. No qual, acreditamos ser um direito de todo individuo se identificar e ser identificado pelos outros da maneira que se prefere e entende, condição essa peculiar para integridade do reconhecimento da subjetividade humana. Diante disso, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), trás a resolução de nº 615/2011 que assegura a assistentes sociais travestis e transexuais a inclusão do seu nome social nos documentos de identidade profissional da categoria. Além disso, o Assistente Social em atividade profissional, em hipótese alguma deve compactuar com atitudes e comportamentos discriminatórios referente à livre orientação e expressão sexual das pessoas, sendo regulamentada também pela resolução nº 489/2006. Outra conquista está na inclusão do uso do nome social em instituições educativas, política essa bastante importante, pois visa o reconhecimento de pessoas que não se identificam com o padrão heteronormativo, herança enraizada principalmente em instituições educacionais que acabam segregando e discriminando esses sujeitos e consequentemente a sua evasão desse espaço sócio-ocupacional. Ademais, situações cotidianas podem se tornar degradantes e opressoras, por exemplo, em uma entrevista retirada de um website, denominado acrítica.com 5 analisamos o relato de uma estudante da UFAM 6 que além de reinvidicar o uso do nome social no campus universitário relata situações de constrangimentos vivenciados no banheiro: [...] a propósito, usar o banheiro costuma ser constrangedor. É sempre um choque. Eu vou ao banheiro quando eu acho que não tem ninguém. E ainda 5 Disponível em: http://acritica.uol.com.br/noticias/estudante-transgenero-ufam-reivindicauniversitario_0_1313868608.html 6 Universidade Federal do Amazonas. 5

hoje eu fico assustada, em virtude da reação de algumas meninas. Elas fazem cara estranha ou riem da minha voz quando estou conversando com alguma amiga, disse, afirmando nunca ir desacompanhada. (Diana Brasilis) Diante da entrevista e dos relatos acompanhados, percebemos que tem sido bastante desafiador a luta pela regulamentação do uso do nome social para pessoas com identidade de gênero e a luta constante contra esse preconceito e a opressão vivenciados. Com isso, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT) publicou a resolução Nº 12 de 16 de janeiro de 2015 no Diário Oficial da União (DOU) que determina regras para o registro e convivência em escolas de todo país, no qual, anteriormente o reconhecimento do uso do nome social dependia da iniciativa particular de algumas universidades. Essa resolução prevê que todos os documentos e sistemas de informações das instituições registrem o nome social informado pela pessoa e que esse seja utilizado oralmente. Quanto à utilização do uso de banheiros, há determinação que seja garantido de acordo com a identidade de gênero de cada um. Medidas essas de cunho bastante significativo, visto que precisamos lutar não só pelo ingresso desses sujeitos em instituições educacionais, mas também e principalmente pela sua permanência nesses espaços. Dentre essas conquistas, precisamos destacar também a Portaria de nº 2.803/2013 que redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2013), ou seja, passa-se a compreender os transexuais e travestis como usuários da demanda. De acordo com um artigo publicado pelo Portal Brasil (2014) 7 : A Portaria também instituiu aos pacientes no processo transexualizador o acesso à hormonioterapia a partir dos 18 (dezoito) anos de idade e aos procedimentos cirúrgicos a partir de 21 (vinte e um) anos de idade, desde que exista indicação específica e acompanhamento prévio de 2 (dois) anos pela equipe multiprofissional que acompanha o (a) usuário (a) no Serviço de Atenção Especializada no Processo Transexualizador. Dessa forma, a portaria vem garantir como direito para o transexual a hormonioterapia e a cirurgia gratuita, se transformando em uma grande consquista para esse sujeitos. 7 Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2014/06/luta-por-respeito-a-identidade-de-generoavanca-no-pais 6

Nesse contexto, entendemos que essas ações além de ser em uma garantia dos direitos civis básicos, representa um movimento de reconhecimento e valorização das diferenças que existem na sociedade e passam a serem amparadas na legislação. 4 O SERVIÇO SOCIAL E SUA LUTA EM DEFESA DA DIVERSIDADE SEXUAL Em um cenário de constante violação de direitos e barbárie, no qual transexuais e travestis são discriminadas, violentadas e executadas diariamente, a temática assume uma das mais polêmicas discussões dentro da categoria do Serviço Social, nos movimentos sociais e na relevância dos debates acerca do reconhecimento e respeito à diversidade humana, assim como a ampliação e garantia dos direitos desse segmento. Os Assistentes Sociais são profissionais cujo trabalho é vinculado à luta pelos Direitos Humanos, portanto, o enfrentamento às violências contra a comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTT) faz parte de seus princípios fundamentais e da sua atuação, construindo projetos e estratégias e participando na elaboração de políticas públicas que combatam os padrões estabelecidos pela heteronormatividade, sendo esta uma das principais bandeiras de luta e militância. O Serviço Social, direcionado pelo seu projeto ético político, se opõe a qualquer tipo de opressão, violação de direitos e preconceitos. A categoria profissional se mostra comprometida com a temática na medida em que podemos encontrar nas três esferas que compõe o seu projeto profissional (Dimensão Teórica, Instancias Politicas Organizativas da Profissão e dimensão Jurídico-política) elementos que evidenciam a defesa dos direitos LGBTT. No que diz respeito a dimensão teórica há produção de conhecimento, opiniões e ideias, que trazem discussões efervescentes, colaborando com os debates dessa tônica; na dimensão política existe intensa militância da categoria no que diz respeito à defesa da diversidade e liberdade de orientação e expressão sexual, sendo uma bandeira constantemente levantada através de campanhas e organização de movimentos sociais, sendo o CFESS um dos principais mecanismos articuladores; no âmbito dos instrumentos normativos, tem-se buscado respeitar a diversidade, sendo aprovadas resoluções como a 489/2006 e 615/2011, que garantem respectivamente, o veto de condutas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional do/a assistente social e o direito ao uso do nome social nos documentos de identidade profissional. Além do mais, podemos perceber este comprometimento da profissão com a diversidade humana,uma vez que no Código de Ética que rege a profissão, o Serviço Social 7

estabelece como um dos seus principios norteadores da profissão o empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças (CFESS.1993, p.23 ) Ainda no que diz respeito aos principios que regem a profissão, o Serviço Social em seu Código de Ètica profissional vem defender o: Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física (CFESS.1993, p.24). Partindo desse principio,o Serviço Social defende e garante este direito tanto para os profissionais em exercício de suas atividades, como também, para outros profissionais e usuários. Nesse contexto, o Serviço Social em consonância com o seu projeto profissional e por meio de sua atuação, busca a construção de uma sociedade livre de preconceito e opressão, visando a inclusão de forma igualitária de todos os seus usuários em programas, políticas e projetos. 5 CONCLUSÃO A passos lentos e com muita luta algumas conquistas foram alcaçandas no que dizem respeito aos direitos dos Transexuais e travestis, podemos ressaltar o reconhecimento da utilização do nome social informado pela pessoa nas instituições educacionais, bem como a utilização de banheiros e vestiarios de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito, disposta na resolução 12 de 16 de janeiro de 2015; a redefinição e ampliação do processo transexualizador no SUS por meio da Portaria de nº 2.803/2013; O direito a inclusão do nome social dos assistentes sociais travestis e transexuaias nos documentos de identidade profissional da categoria, regulamentado pela resolução 615/2011, emitida pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS); a resolução nº 489/2006, também emitida pelo CFESS, que estabelece que o Assistente Social em atividade profissional, em hipótese alguma deve compactuar com atitudes e comportamentos discriminatórios referente à livre orientação e expressão sexual das pessoas. No entanto, paralelo a esse cenário, os transexuais e os travestis, ainda sofrem cotidianamente com o preconceito, a discriminação, a opressão e a violação dos seus direitos, por não se enquadrarem nos padrões heterosnormativos, mostrando que há ainda 8

um longo caminho de luta a percorrer, em busca de conquistas de novos direitos e da ampliação daqueles já conquistados. O Serviço Social enquanto categoria profissional, tem sido um grande militante na busca da ampliação dos direitos do segmento LGBTT. Os assistentes sociais na sua atuação profissional, direcionado pelo seu projeto ético-político, tem sido protagonista nessa luta, buscando melhorias na vida desses sujeitos, através da construção de políticas, programas e estratégias que possibilitem aos indivíduos o desenvolvimento de suas verdadeiras capacidades humanas. O compromisso do Serviço social com a diversidade social, também se encontra firmado em seus marcos legais,podemos indentificar elementos que evendeciam isso em seu código de ética,em que podemos destacar principios em defendem a diversidade e combatem o preconceito, a opressão e a descriminação, como também, através de resoluções como nº 489/2006 e 615/2011 emitidas pelo Conselho Federal do Serviço Social, já mencionadas anteriormente. REFERÊNCIAS ACRÍTICA.COM. Estudante transgênero da Ufam reivindica uso de nome social no campus universitário. Disponível em: <http://acritica.uol.com.br/noticias/estudantetransgenero-ufam-reivindica-universitario_0_1313868608.html>. Acesso em: 03 abr. 2017. ALMEIDA, Guilherme. O trabalho profissional do Serviço Social e o cotidiano de pessoas transgênero: discutindo algumas interseções. In Inscrita n 14. Brasília: CFESS, 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 34ª ed. Brasilia: Câmara dos Deputados, 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013. Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html. Acessado em: 03 abr. 2017. CFESS. Lei nº 8662, de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão do Assistente Social e dá outras providencias. Disponível em: http://www.cfess.org.br/legislacao.php Acesso em: 02 abr.2017. CFESS. O DIREITO À IDENTIDADE TRANS. Brasília, 2013. Gestão Tempo de Luta e Resistência. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta2013_visibilidadetrans-site.pdf. Acesso em: 03 abr. 2017 9

CFESS. Resolução n 615, de 8 de Setembro de 2011. Dispõe sobre a inclusão e uso do nome social da assistente social travesti e do(a) assistente social transexual nos documentos de identidade profissional. Disponível em: http://www.cresses.org.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=330:conheca-a-resolucaocfess-no-615&catid=40:noticias&itemid=89. Acesso em: 03 abr. 2017 JESUS, Jaqueline Gomes de. ORIENTAÇÕES SOBRE IDENTIDADE DE GÊNERO : CONCEITOS E TERMOS. 2 Ed., Brasília, 2012. Disponível em: https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/orienta%c3%87%c3%95es_popula%c3%87%c3% 83O_TRANS.pdf?1334065989. Acessado em: 29 mar. 2017. PORTAL BRASIL. LUTA POR RESPEITO À IDENTIDADE DE GÊNERO AVANÇA NO PAÍS. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2014/06/luta-por-respeitoa-identidade-de-genero-avanca-no-pais. Acessado em: 27 mar. 2017. 10