PALAVRAS-CHAVE: Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Liberdade de expressão.



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Transcrição:

O ALCANCE DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: A INCOMPATIBILIDADE DA EXIGÊNCIA DO DIPLOMA PARA O EXERCÍCIO DO JORNALISMO COM A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS Lucas Moreira Alcici RESUMO O presente trabalho visa estudar o amplo alcance do direito à liberdade de expressão no Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Mais especificamente, visa analisar a jurisprudência da Corte Interamericana, com destaque para a Opinião Consultiva nº 5/85, sobre a incompatibilidade da associação compulsória e exigência do diploma como condições para o exercício do jornalismo com o direito à liberdade de expressão. Adicionalmente, serão analisados outros instrumentos, tais como a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão e os relatórios anuais da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Também, será objeto de estudo a decisão do Supremo Tribunal Federal que recepcionou o entendimento da Corte Interamericana e a Proposta de Emenda Constitucional que a contraria. Por fim, será estudada a responsabilidade internacional pela promulgação e aplicação de leis violatórias à Convenção Americana. PALAVRAS-CHAVE: Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Liberdade de expressão. * Graduado pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC). Vice-Presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-MG. Membro do Núcleo de Estudos em Práticas Internacionais da Faculdade de Direito Milton Campos (NEPI-FDMC).

ABSTRACT This paper aims to study the broad scope of the right to freedom of expression in the Inter-American System for the Protection of Human Rights. More specifically, it aims to analize the Inter-American Court jurisprudence with special attention to the Advisory Opinion No. 5/85, about the incompatibility of the compulsory membership and the diploma requirement as conditions for the practice of journalism with the right to freedom of expression. Aditionally, other documents such as the Declaration of Principles on Freedom of Expression and the annual reports of the Special Rappourteur for Freedom of Expression will be studied. Moreover, the decision of the brazilian Supreme Court that ratifies the understanding of the Inter-American Court over this issue and the Constitutional Amendment Proposal which is against it will be analized. Finally, the international responsability for the approval and enforcement of laws which violate the American Convention will also be studied. KEYWORDS: Inter-American System for the Protection of Human Rights. American Convention on Human Rights. Freedom of expression. 1. INTRODUÇÃO O direito à liberdade de expressão é essencial para a existência de uma sociedade democrática. 1 Apesar da sua incontestável importância, esse direito foi suprimido ou restringido na América Latina durante décadas e, ainda hoje, continua sendo violado em diversos países membros da Organização dos Estados Americanos. Governos autoritários buscam limitá-lo ou até suprimi-lo, pois somente por meio da livre de expressão do pensamento é possível que a sociedade se informe sobre abusos e violações praticados pelo Estado. A importância em garantir esse direito vai além dele próprio, pois é considerado primordial para a proteção dos demais direitos e liberdades fundamentais. Além disso, só uma sociedade bem informada e na qual as informações e pensamentos são livremente divulgados pode atingir níveis de desenvolvimento elevados. Por todos esses motivos, o direito à liberdade de expressão é reconhecido e tutelado por diversos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, 1 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 70.

dentre os quais se destaca a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos 2, formado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e que, no âmbito da liberdade de expressão, ainda conta com a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, lidou muitas vezes com casos de violações deste direito, contando com uma vasta jurisprudência, informes e declarações, que serão objeto deste trabalho. 2. O ALCANCE DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS A Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi assinada em 22 de novembro de 1969, na Costa Rica, e entrou em vigor no dia 18 de julho de 1978, quando foi depositado o décimo primeiro instrumento de ratificação/adesão na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. A Convenção reconheceu, em seu artigo 13, o direito de toda pessoa à liberdade de pensamento e expressão, que inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, verbalmente ou por escrito, ou por qualquer meio, a sua livre escolha. 3 Segundo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a titularidade do direito à liberdade de expressão é de toda pessoa, não podendo se restringir a determinada profissão ou grupo de pessoas, nem ao âmbito da liberdade de imprensa. 4 A Corte reconheceu, em diversas oportunidades, que o direito à liberdade de expressão possui duas dimensões: uma individual, que consiste no direito de cada pessoa a expressar seu pensamento, ideias e informações, e outra social, que consiste no direito da sociedade a procurar e receber informações, ideias e pensamentos 5. A Corte 2 BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Coord.). A Proteção Internacional dos Direitos Humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.97. 3 Artigo 13.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 4 Corte IDH. Tristán Donoso vs. Panamá. Sentença de 27 de janeiro de 2009. Serie C No. 193. Par. 114. 5 Corte IDH. Kimel vs. Argentina. Sentença de 2 de maio de 2008. Serie C No. 177. Par. 63.

também reconheceu que ambas devem ser garantidas simultaneamente. 6 Desta forma, tanto o direito de se expressar livremente quanto o direito de procurar, receber e difundir informações e ideias são igualmente protegidos pela Convenção. Por isso, quando a liberdade de expressão de uma pessoa é restringida, tanto seu direito individual quanto o direito coletivo dos demais de receber as informações e ideias são violados. 7 Em sua dimensão individual, a liberdade de expressão não só protege o direito dos indivíduos de expressarem suas ideias, como também o direito de usarem de qualquer meio apropriado para difundir seu pensamento e fazê-lo alcançar o maior número de destinatários. Desta forma, a expressão e difusão de pensamentos e ideias são indivisíveis e, portanto, uma restrição das possibilidades de divulgação representa, na mesma medida, um limite ao direito de se expressar livremente. 8 No caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile, a Corte fez as seguintes considerações em relação à dimensão individual do direito à liberdade de expressão: Sobre a primeira dimensão do direito consagrado no artigo mencionado, a individual, a liberdade de expressão não se esgota no reconhecimento teórico do direito a falar ou escrever, mas compreende, além disso, inseparavelmente, o direito a utilizar qualquer meio apropriado para difundir o pensamento e fazê-lo chegar ao maior número de destinatários. Nesse sentido, a expressão e a difusão do pensamento e da informação são indivisíveis, de modo que uma restrição das possibilidades de divulgação representa, diretamente, e na mesma medida, um limite ao direito de se expressar livremente. 9 Em sua dimensão social, a liberdade de expressão é um meio de intercâmbio de ideias e informações entre indivíduos, seja entre um número limitado de pessoas ou na comunicação em massa. Abrange tanto o direito de cada indivíduo de comunicar sua opinião aos outros, quanto o de receber opiniões e notícias. 10 6 RAMÍREZ, Sergio García e GONZA, Alejandra. La libertad de expresión en la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. San José: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2007, p. 18. 7 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. 8 Corte IDH, Caso Ricardo Canese vs. Paraguay. Sentença de 31 de agosto de 2004. Serie C No. 111. 9 Corte IDH. Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Serie C No. 73. Par. 65 (tradução livre). 10 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 32.

A Corte também fez as seguintes considerações acerca da dimensão social do direito à liberdade de expressão, no caso La Última Tentación de Cristo : Com respeito à segunda dimensão do direito consagrado no artigo 13 da Convenção, a social, é mister indicar que a liberdade de expressão é um meio para o intercâmbio de ideias e informações entre as pessoas; compreende seu direito a comunicar a outras os seus pontos de vista, mas implica também o direito de todas a conhecer opiniões, relatos e notícias. 11 A Corte considera que ambas as dimensões possuem igual importância e devem ser garantidas simultaneamente para que o direito à liberdade de pensamento e de expressão possa ser exercido em sua plenitude. Ademais, reconhece a liberdade de expressão como pedra angular de uma sociedade democrática. 12 Quando comparado aos demais instrumentos internacionais, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos é o tratado que possui maiores garantias à livre circulação de informações e ideias, estabelecendo, em seu artigo 13, uma lista mais reduzida de restrições à liberdade de expressão que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos 13 e a Convenção Europeia de Direitos Humanos 14. A maior proteção dada ao direito à liberdade de expressão pela Convenção Americana, comparativamente a esses dois instrumentos internacionais, foi reconhecida expressamente pela Corte Interamericana: A análise anterior do artigo 13 evidencia o altíssimo valor que a Convenção atribui à liberdade de expressão. A comparação feita entre o artigo 13 e as disposições relevantes da Convenção Europeia (artigo 10) e do Pacto (artigo 19) demonstra claramente que as garantias da liberdade de expressão incluídas na Convenção Americana foram elaboradas para serem as mais generosas e para reduzir ao mínimo as restrições à livre circulação das ideias. 15 A Convenção Americana proíbe expressamente a censura prévia e as restrições à liberdade de expressão por meios indiretos. 16 A proibição expressa à censura prévia é de extrema importância, vez que esta constitui uma forma de supressão radical da 11 Corte IDH. Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Serie C No. 73. Par. 66 (tradução livre). 12 Corte IDH. Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Serie C No. 73. Par. 67 e 68. 13 Artigo 19 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. 14 Artigo 10 da Convenção Européia de Direitos Humanos. 15 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 50 (tradução livre). 16 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5.

possibilidade de expressão do pensamento 17, afetando drasticamente, não só o direito do emissor da mensagem, mas o direito de todos os destinatários de recebê-la. 18 Esse tema já foi analisado pela Corte em casos contenciosos emblemáticos, nos quais esta decidiu que houve violações ao artigo 13 da Convenção. No caso conhecido como La última tentacíon de Cristo 19, a Corte reconheceu a existência de um sistema de censura prévia que determinou a proibição de exibição desse filme no Chile. A proibição geral desta exibição, inclusive para adultos, não se enquadrou na exceção prevista no artigo 13.4 da Convenção, já que esta somente permite a censura prévia quando unicamente utilizada para regular o acesso aos espetáculos públicos com o objetivo exclusivo de proteger a moral de crianças e adolescentes 20. Já no caso Palamara Iribarne, a Corte reconheceu que o Estado praticou diversos atos que constituíram censura prévia com o intuito de impedir a publicação e circulação de um livro. Neste último caso, a Corte estabeleceu que: Para que o Estado garanta efetivamente o exercício do direito à liberdade de pensamento e expressão do autor, não basta que permita que este escreva suas ideias e opiniões, sem que tal proteção compreenda o dever de não restringir sua difusão, de forma que o autor possa distribuir o livro utilizando qualquer meio apropriado para fazer chegar tais ideias e opiniões ao maior número de destinatários, e que estes possam receber tal informação. 21 A restrição à liberdade de expressão por meios indiretos ocorre quando: (...) é violado um direito diferente da liberdade de expressão propriamente dita, de forma que esta é também afetada por exemplo, em um caso, a privação da nacionalidade do sujeito -, se são praticadas investigações indevidas ou excessivas, se o acesso a determinados meios de comunicação utilizados pelo titular do direito é proibido, se a liberdade de circulação é restringida, se um contrato é descumprido ou se os titulares de certos bens são impedidos de dispor livremente deles. A Corte Interamericana teve a oportunidade de examinar essas hipóteses de violação. 22 17 Corte IDH. Caso Palamara Iribarne vs. Chile. Sentença de 22 de novembro de 2005. Serie C No. 135. 18 RAMÍREZ, Sergio García e GONZA, Alejandra. La libertad de expresión en la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. San José: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2007, p. 33. 19 Corte IDH. Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Serie C No. 73. 20 CERQUEIRA, Daniel Lopes. A Restrição à Liberdade de Expressão no Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. In: O Sistema Interamericano de proteção dos direitos humanos: interface com o direito constitucional contemporâneo. Márcio Luís de Oliveira (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 278 21 Corte IDH. Caso Palamara Iribarne vs. Chile. Sentença de 22 de novembro de 2005. Serie C No. 135. Par. 73 (tradução livre). 22 RAMÍREZ, Sergio García e GONZA, Alejandra. La libertad de expresión en la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. San José: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2007, p. 42 (tradução livre).

A Corte se pronunciou a respeito de restrições indiretas no Caso Palamara Iribarne ao concluir que: A investigação sumária administrativa e a decisão de suspender a autorização de que tenha o autor de uma obra para publicá-la em determinado jornal, constituíram meios indiretos de restrição à liberdade de pensamento e expressão. 23 A Corte também se deparou com uma forma de restrição indireta ao julgar o Caso Herrera Ulloa x Costa Rica, que diz respeito ao condicionamento prévio da informação à veracidade. A Corte considerou que esse condicionamento vulnera o direito à liberdade de expressão, que se estende a qualquer informação, sendo o eventual abuso do seu exercício sujeito às responsabilidades ulteriores. 24 Assim, pela leitura do artigo 13 da Convenção e pela sua interpretação dada pela Corte, percebe-se a importância e a preocupação em assegurar o direito à liberdade de expressão e impedir a sua violação, seja ela direta e integral, como nos casos de censura prévia, ou indireta, nos casos de restrição à liberdade de expressão por meios indiretos. A Corte reconheceu que a liberdade de expressão é um elemento essencial para a existência de uma sociedade democrática: O conceito de ordem pública implica que, em uma sociedade democrática, deve ser garantida as maiores possibilidades de circulação de notícias, ideias e opiniões, assim como o mais amplo acesso à informação por parte da sociedade. A liberdade de expressão se insere na ordem pública primária e radical da democracia. A liberdade de expressão é uma pedra angular na existência de uma sociedade democrática. É indispensável para a formação da opinião pública. Por fim, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre. 25 Devido à preocupação em garantir a livre circulação de informações e ideias, a Corte decidiu, em diversas oportunidades, que somente poderão existir restrições à liberdade de expressão quando essas forem autorizadas pelo artigo 13.2 da Convenção: Em relação aos requisitos que devem ser preenchidos para possibilitar uma restrição nessa matéria, cabe pontuar, em primeiro lugar, que a restrição deve estar prevista em lei, como meio de impedir a atuação arbitrária do poder público. Em segundo lugar, a restrição estabelecida em lei deve responder a um objetivo permitido pela Convenção Americana. O artigo 13.2 permite as restrições necessárias para assegurar o respeito 23 Corte IDH. Caso Palamara Iribarne vs. Chile. Sentença de 22 de novembro de 2005. Serie C No. 135. Par. 94 (tradução livre). 24 24 CERQUEIRA, Daniel Lopes. A Restrição à Liberdade de Expressão no Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. In: O Sistema Interamericano de proteção dos direitos humanos: interface com o direito constitucional contemporâneo. Márcio Luís de Oliveira (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 279 25 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 69 e 70 (tradução livre).

aos direitos e a reputação dos demais ou a proteção da segurança nacional, da ordem pública ou da saúde e moral públicas. 26 O direito à liberdade de expressão não é absoluto. O artigo 13.2 da Convenção Americana prevê a possibilidade de se estabelecer restrições à liberdade de expressão, que se manifestam por meio da aplicação de responsabilidades posteriores pelo exercício abusivo deste direito, as quais não devem de modo algum limitar, mais do que o estritamente necessário, o alcance pleno da liberdade de expressão, de modo a converter-se em um mecanismo direto ou indireto de censura prévia. 27 O direito à liberdade de expressão, portanto, não tem caráter absoluto, existindo limites para seu exercício e modos de controle para que seu desempenho seja adequado. Entretanto, é preciso analisar a pertinência, a proporcionalidade e a razoabilidade das restrições aplicadas para ponderá-las à luz da Convenção Americana. 28 Caso haja abuso no exercício do direito à liberdade de expressão, os infratores estarão sujeitos a responsabilidades ulteriores, mas que devem ser expressamente e previamente fixadas pela lei e necessárias para assegurar: o respeito aos direitos ou a reputação das demais pessoas ou a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 29 No caso Ricardo Canese vs. Chile, a Corte fez as seguintes considerações em relação às responsabilidades ulteriores como forma de restrição à liberdade de pensamento e expressão em uma sociedade democrática: vs. Panamá: A Corte considera importante destacar, como em casos anteriores, que o direito à liberdade de expressão não é um direito absoluto, mas que pode ser objeto de restrições, tal como afirmam o artigo 13 da Convenção, em seus incisos 4 e 5 e o artigo 30 da mesma. Além disso, a Convenção Americana, no inciso 2 do referido artigo 13, prevê a possibilidade de estabelecer restrições à liberdade de expressão, que se manifestam por meio da aplicação de responsabilidades ulteriores pelo exercício abusivo deste direito, as quais não devem, de nenhum modo, limitar, além do estritamente necessário, o alcance pleno da liberdade de expressão e se converter em um mecanismo direto ou indireto de censura prévia. 30 Sobre o mesmo tema, a Corte fez a seguinte observação no caso Tristán Donoso 26 RAMÍREZ, Sergio García e GONZA, Alejandra. La libertad de expresión en la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. San José: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2007, p. 31 (tradução livre). 27 Corte IDH. Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica. Sentença de 2 de julho de 2004. Serie C No. 107. Par. 120 (tradução livre). 28 RAMÍREZ, Sergio García e GONZA, Alejandra. La libertad de expresión en la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. San José: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2007, p. 37. 29 Artigo 13.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 30 Corte IDH. Caso Ricardo Canese vs. Paraguay. Sentença de 31 de agosto de 2004. Serie C No. 111. Par. 95 (tradução livre).

Entretanto, a liberdade de expressão não é um direito absoluto. O artigo 13.2 da Convenção, que proíbe a censura prévia, também prevê a possibilidade de exigir responsabilidades ulteriores pelo exercício abusivo deste direito. Estas restrições têm caráter excepcional e não devem limitar, além do estritamente necessário, o pleno exercício da liberdade de expressão e converter-se em um mecanismo direto ou indireto de cesura prévia. 31 Em que pese o reconhecimento de que o direito à liberdade de expressão possa sofrer restrições, a Corte se pronunciou, no Caso Ricardo Canese vs. Paraguay, que as restrições, para serem consideradas legais, devem ter como justificativa um interesse coletivo preponderante, e que não devem limitar mais do que o estritamente necessário o direito de livre expressão do pensamento. A necessidade e, portanto, a legalidade das restrições à liberdade de expressão fundadas no artigo 13.2 da Convenção Americana, dependerão de que estas estejam orientadas a satisfazer o interesse público imperativo. Entre várias opções para alcançar esse objetivo, deve ser escolhida aquela que restrinja em menor escala o direito à liberdade de expressão. Dito isso, não é suficiente que se demonstre, por exemplo, que a lei cumpre um propósito útil e oportuno; para que sejam compatíveis com a Convenção, as restrições devem ter como justificativa um interesse coletivo que, por sua importância, seja preponderante ao interesse social do pleno gozo do direito garantido pelo artigo 13, e não limitem mas do que o estritamente necessário este direito. Assim, a restrição deve ser proporcional ao interesse que a justifica e ajustar-se estritamente a esse objetivo legítimo, interferindo, na menor maneira possível, no efetivo exercício do direito à liberdade de expressão. 32 A Corte Interamericana, na sua primeira manifestação acerca do direito protegido no artigo 13 da Convenção, teve a oportunidade de analisar um modo específico de restrição à liberdade de expressão, que corresponde à necessidade do diploma e a associação compulsória para a prática do jornalismo. A consulta à Corte foi formulada pelo Estado da Costa Rica e resultou na Opinião Consultiva OC-5/85, a qual constitui o principal objeto de estudo deste trabalho. 3. OPINIÃO CONSULTIVA Nº 5 DE 1985: O REGISTRO PROFISSIONAL OBRIGATÓRIO DE JORNALISTAS A Convenção Americana sobre Direitos Humanos permite que os Estados- Membros da Organização dos Estados Americanos consultem a Corte Interamericana sobre sua própria interpretação e de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nas Américas. 33 31 Corte IDH. Tristán Donoso vs. Panamá. Sentença de 27 de janeiro de 2009. Serie C No. 193. Par. 110 (tradução livre) 32 Corte IDH. Caso Ricardo Canese vs. Paraguay. Sentença de 31 de agosto de 2004. Serie C No. 111. Par. 96 (tradução livre). 33 Artigo 64.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Assim, além de sua competência contenciosa, para julgar os casos de violações aos direitos humanos ocorridos nos Estados-Membros, a Corte Interamericana possui uma competência consultiva. Por meio de um requerimento de consulta feito por um Estado, a Corte emite uma Opinião Consultiva, buscando elucidar a dúvida quanto à interpretação de alguma disposição da Convenção Americana ou de outros tratados de direitos humanos. O Governo da Costa Rica submeteu, em 8 de julho de 1985, uma consulta à Corte Interamericana de Direitos Humanos relativa à compatibilidade da associação compulsória para o exercício do jornalismo com o direito garantido pelo artigo 13 da Convenção. A Corte declarou-se competente e analisou a matéria, emitindo a Opinião Consultiva nº 5, de 15 de novembro de 1985. Primeiramente, a Corte reconheceu que uma restrição ao direito à liberdade de expressão pode ou não violar a Convenção, dependendo da sua conformidade com o artigo 13.2. 34 A Corte considerou que a exigência da associação compulsória de jornalistas pode resultar na imposição de responsabilidade civil e penal àqueles que, não sendo membros desta, no exercício do seu direito de transmitir suas opiniões e ideias por algum meio de comunicação a sua livre escolha, tiverem essa sua ação considerada pela lei como prática profissional de jornalismo. Desta forma, a Corte entendeu que essa exigência constitui uma restrição ao direito à liberdade de expressão daqueles que não são membros da associação e, portanto, passou a analisar se essa restrição é baseada na busca de objetivos legítimos reconhecidos pela Convenção e se, consequentemente, é compatível com esta. 35 Assim, a Corte passou a analisar se a referida restrição é necessária para assegurar: o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas e a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 36 A Corte observou que os argumentos utilizados para defender a legitimidade da associação compulsória de jornalistas são ligados a somente alguns dos conceitos 34 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 57. 35 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 58. 36 Artigo 13.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

mencionados no parágrafo anterior. Em primeiro lugar, os defensores da restrição afirmaram que a prática de licenciamento compulsório é requisito para a prática de diversas profissões, que possuem suas próprias associações. Em segundo lugar, argumentou-se que a prática de licenciamento compulsório pretende atingir objetivos ligados à ética e responsabilidade profissional, o que é de interesse da coletividade. 37 Em relação a esses argumentos, a Corte Interamericana manifestou-se da seguinte forma: O jornalismo é a manifestação primária e principal da liberdade de expressão do pensamento e, por essa razão, não pode ser concebido meramente como a prestação de um serviço ao público através da aplicação de conhecimentos ou capacitações adquiridos em uma universidade ou porque estão inscritos em uma determinada associação profissional, como poderia ocorrer com outras profissões, pois está vinculado à liberdade de expressão, que é inerente a todo ser humano. 38 A Corte reconhece a necessidade de estabelecer um regime que assegure a responsabilidade e ética profissional dos jornalistas e aplique sanções a infrações cometidas. Pode ser apropriado que um Estado delegue, por lei, autoridade para aplicar sanções pelas infrações à responsabilidade e ética profissionais. Todavia, no que se refere aos jornalistas, devem ser levadas em conta às restrições do artigo 13.2 e as características próprias deste exercício profissional. 39 A Corte reconheceu que o exercício do jornalismo não pode ser dissociado do exercício da liberdade de expressão, e afirmou que o jornalista profissional nada mais é do que alguém que decidiu exercer a liberdade de expressão de modo contínuo, habitual e remunerado. Ademais, caso fossem entendidas como atividades distintas, poder-se-ia concluir que as garantias contidas no artigo 13 da Convenção não seriam aplicadas aos jornalistas profissionais, o que seria um completo absurdo. 40 Além disso, argumentou-se que a associação compulsória seria um meio para se garantir a independência dos jornalistas em relação aos seus empregadores. Ao enfrentar tal argumento, a Corte considerou ser possível estabelecer um estatuto que proteja a 37 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 60 e 61. 38 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 71 (tradução livre). 39 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 80 (tradução livre). 40 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 74.

liberdade e a independência de todos aqueles que exercem o jornalismo, sem a necessidade de deixar esse exercício restrito a somente um grupo. 41 A Corte entendeu que os argumentos utilizados para defender a associação compulsória não envolvem diretamente a ideia de justificar a imposição da restrição como meio necessário para assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas e a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas, conforme dispõe o artigo 13.2 da Convenção. Ao contrário, esses argumentos buscam justificar a associação compulsória como um meio para assegurar a ordem pública, necessária ao bem comum de uma sociedade democrática. 42 Assim, tendo sido a defesa do bem comum, prevista no artigo 32.2 43 da Convenção Americana, invocada para justificar a associação compulsória de jornalistas, passou a Corte à sua análise. A Corte concordou em parte com esse argumento, tendo em vista que no exercício dos direitos garantidos pela Convenção deve ser levado em conta o bem comum. Todavia, na opinião da Corte, o artigo 32.2 não é automaticamente e igualmente aplicável a todos os direitos protegidos pela Convenção, especialmente quando se trata de direitos os quais possuem restrições ou limitações específicas. O artigo 32.2 contém uma disposição geral, que deve ser aplicada nos casos em que o direito protegido não faça referência específica a possíveis restrições legítimas. 44 A Corte reconheceu a dificuldade em definir com precisão os conceitos de ordem pública e bem comum, mas buscou conceituá-los da seguinte forma: o primeiro seria entendido como as condições capazes de assegurar o funcionamento harmonioso das instituições, baseado num sistema coerente de valores e princípios. 45 Já o segundo seria entendido como as condições capazes de permitir que os membros da 41 RAMÍREZ, Sergio García e GONZA, Alejandra. La libertad de expresión en la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. San José: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2007, p. 25. 42 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 63. 43 O artigo 32.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece que: Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, numa sociedade democrática. 44 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 65. 45 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 64.

sociedade alcancem o mais alto nível de desenvolvimento pessoal e sejam obtidos os maiores valores democráticos. 46 A organização de profissionais em associações não é per se contrária à Convenção, já que constitui um método de regulação e controle visando assegurar a atuação profissional com boa-fé e de acordo com os princípios éticos, garantindo a ordem pública. 47 No entanto, a Corte Interamericana entendeu que o conceito de ordem pública numa sociedade democrática requer a garantia da mais ampla circulação de noticias, ideias e opiniões, assim como o mais amplo acesso à informação. A liberdade de expressão constitui o primeiro e básico elemento de ordem pública numa sociedade democrática, que não é concebido sem o livre debate e a possibilidade de opiniões divergentes serem igualmente divulgadas e ouvidas. 48 A conclusão à qual a Corte chegou é que as razões de ordem pública que podem ser válidas para justificar a associação compulsória em outras profissões não podem ser invocadas no caso do jornalismo porque isso acarretaria em, permanentemente, privar aqueles que não são membros da associação do direito de fazer uso pleno da liberdade de expressão, garantida a todos os indivíduos nos termos do artigo 13 da Convenção, pois isso violaria os princípios básicos da democracia na qual esta é baseada. 49 O argumento de que a associação compulsória é uma forma de garantir a veracidade das informações transmitidas é baseado no bem comum. Entretanto, a Corte entende que para a garantia do bem comum é necessário a maior circulação de informações possíveis, que só é possível se houver a pluralidade de fontes. A Corte afirmou que, em princípio, seria contraditório invocar uma restrição à liberdade de expressão como forma de garanti-la. 50 Por fim, a Corte decidiu, por unanimidade, que a associação compulsória de jornalistas é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos 46 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 66. 47 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 68. 48 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 69. 49 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 76. 50 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. Par. 77 e 78.

Humanos, pois essa restrição impede que todas as pessoas tenham acesso às mídias como meio de expressar e divulgar suas opiniões e ideias. 51 4. DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO Durante o ano 2000, a Relatoria para a Liberdade de Expressão trabalhou na elaboração de um projeto de Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, que incorporaria as principais doutrinas sobre a matéria, reconhecidas em diversos instrumentos internacionais. 52 A Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão foi aprovada pela Comissão Interamericana em seu 108º período ordinário de sessões, que ocorreu de 16 a 27 de outubro de 2000 e constitui um documento fundamental para a interpretação do artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A aprovação da Declaração foi um passo muito importante para a efetiva proteção do direito à liberdade de expressão. Nas palavras da Relatoria: Sua aprovação não é somente um reconhecimento à importância da proteção da liberdade de expressão nas Américas, mas também incorpora ao sistema interamericano padrões internacionais para uma defesa mais efetiva do exercício desse direito. A CIDH adotou esse documento com plena consciência de que a consolidação e o desenvolvimento da democracia dependem da liberdade de expressão e convencida de que quando se obstaculariza o livre debate de ideias e opiniões se limita a liberdade de expressão e o efetivo desenvolvimento do processo democrático. 53 Foram adotados 13 princípios, dos quais um em especial diz respeito à associação obrigatória e a exigência de títulos para o exercício do jornalismo: Toda pessoa tem o direito de externar suas opiniões por qualquer meio e forma. A associação obrigatória ou a exigência de títulos para o exercício da atividade jornalística constituem uma restrição ilegítima à liberdade de expressão. A atividade jornalística deve reger-se por condutas éticas, as quais, em nenhum caso, podem ser impostas pelos Estados. 54 Este princípio, ao estabelecer o direito de toda pessoa de exercer a sua liberdade de expressão do pensamento sem a exigência de títulos ou associações que legitimem este direito, positiva neste instrumento o entendimento externado pela Corte Interamericana na Opinião Consultiva nº 5, de 1985, estudada no capítulo anterior. 51 Corte IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinião Consultiva OC-5/85 de 15 de novembro de 1985. Serie A No. 5. p. 24. 52 CIDH. Informe Anual 2000. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, pp.22-23. 53 CIDH. Informe Anual 2000. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, p 23 (tradução livre). 54 Princípio 6 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão.

Percebe-se, portanto, que a Comissão reafirmou o entendimento da Corte de que a associação obrigatória de jornalistas viola o artigo 13 da Convenção, pois constitui uma restrição ilegítima à liberdade de expressão. Ademais, a Comissão reconheceu que a exigência de títulos para o exercício do jornalismo é igualmente uma restrição ilegítima ao direito à liberdade de expressão. 5. DECLARAÇÃO CONJUNTA 97/03 No dia 18 de dezembro de 2003, o Relator Especial para a Liberdade de Opinião e Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), o Representante para a Liberdade dos Meios de Comunicação da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovaram uma declaração conjunta, no qual manifestaram sua posição em relação a alguns aspectos que atentam contra o pleno exercício do direito à liberdade de expressão no mundo. Esta declaração versou sobre problemas relacionados à regulação dos meios de comunicação, restrições para o exercício do jornalismo e sobre a importância deste numa sociedade democrática. Por meio dessa Declaração, os representantes das três organizações internacionais condenaram as tentativas de alguns governos de limitar a liberdade de expressão e de controlar os meios de comunicação por meio da imposição de restrições que ameaçam à livre expressão do pensamento. Também se pronunciaram contra a exigência de licenças ou registro para o exercício do jornalismo. Esta declaração, portanto, é consoante ao entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a incompatibilidade da exigência do diploma e da associação compulsória para o exercício do jornalismo com o direito à liberdade de expressão. 55 6. INFORMES DA RELATORIA ESPECIAL PARA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão foi criada, em outubro de 1997, pela Comissão Interamericana, por decisão unânime de seus membros. Foi 55 Comunicado de Imprensa nº 97 de 2003, da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Disponível em http://www.oas.org/es/cidh/expresion/showarticle.asp?artid=120&lid=2.

estabelecida como um escritório permanente e independente que atua dentro do marco jurídico da Comissão, na defesa do direito à liberdade de pensamento e expressão. 56 A Comissão, ao criar a Relatoria, considerou que a liberdade de expressão exerce um papel fundamental na consolidação e desenvolvimento de uma sociedade democrática, e a sua proteção é essencial para a garantia dos demais direitos humanos. 57 As principais funções da Relatoria Especial incluem: a elaboração de informes, a realização de visitas aos Estados Membros da OEA, a fim de monitorar a situação da liberdade de expressão, a promoção do direito à liberdade de expressão nesses países e o auxílio à Comissão na avaliação de petições individuais. 58 Dentre essas funções, a elaboração dos informes anuais merece destaque no presente trabalho, pois o tema da associação compulsória e da exigência do diploma para a prática do jornalismo foi objeto em diversos desses instrumentos, tal a sua importância nas Américas. Historicamente, muitos Estados americanos mantêm associações nacionais de jornalistas, cuja filiação é obrigatória para aqueles que querem exercer o jornalismo, justificando que essas são importantes, pois permitem a regulamentação da profissão de jornalista, promovendo uma maior profissionalização e maior qualidade. No entanto, a Relatoria considera que deixar nas mãos do Estado o controle de quem pode ou não pode exercer o jornalismo dá lugar a abusos que levam à restrição da liberdade de expressão. 59 A Relatoria abordou no seu informe anual, publicado em 25 de fevereiro de 2009, o entendimento da Corte, de que o exercício do jornalismo se confunde com o exercício do direito à liberdade de expressão, que as razões de ordem pública que justificam a associação compulsória de outras profissões não podem ser aplicadas ao jornalismo e concluiu reafirmando que a associação obrigatória e a exigência de diploma para o exercício do jornalismo constituem restrições ilegítimas à liberdade de expressão. 60 56 CIDH. Informe Anual 2012. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, p.3. 57 CIDH. Informe Anual 1998. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, p.8. 58 CIDH. Informe Anual 2012. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, pp.6-7. 59 CIDH. Informe Anual 2002. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, p. 81. 60 CIDH. Informe Anual 2008. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, p. 173.

7. DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUE DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DO DIPLOMA E REGISTRO PROFISSIONAL PARA A PRÁTICA DO JORNALISMO NO BRASIL O Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de seus membros, no dia 17 de junho de 2009, ao julgar um Recurso Extraordinário, que a exigência do diploma de jornalismo e registro profissional como condição para o exercício do jornalismo é inconstitucional. Neste julgado, o tribunal analisou se a titulação obrigatória consistia numa barreira injustificada ao exercício da liberdade de expressão. Para tanto, a corte constitucional brasileira incorporou de maneira expressa o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o entendimento da Corte e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 61 O Supremo Tribunal Federal declarou que o artigo 4º, inciso V, do Decreto-Lei nº 972 62, de 1969, baixado durante a ditadura militar, que estabelecia a exigência de diploma de curso universitário de jornalismo para o exercício desta profissão, era contrário à Constituição de 1988, pois constituía uma restrição ilegítima ao direito à liberdade de expressão e, portanto, não havia sido recepcionado por esta. O Estado brasileiro, portanto, por meio dessa decisão judicial deixou sem efeito uma restrição à livre difusão de opiniões, ideias e informações que havia sido estabelecida na época da ditadura militar e que se encontrava em flagrante contradição com a jurisprudência da Corte Interamericana e com o entendimento da CIDH. 63 Na sua decisão, o tribunal considerou que o jornalismo se diferencia de outras profissões que exigem título universitário para seu exercício, tal como a medicina e a advocacia, devido a sua estreita relação com o exercício da liberdade de expressão. Nesse sentido, entenderam os ministros que o jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento, de forma contínua, profissional e remunerada. O jornalismo e a 61 CIDH. Informe Anual 2009. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, p.370. 62 O artigo 4º, inciso V, do Decreto-Lei nº 972 de 1969 estabelecia que: O exercício da profissão de jornalista requer o prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social que se fará mediante a apresentação de: (...) V- diploma de curso superior de jornalismo (...). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0972.htm. 63 CIDH. Informe Anual 2009. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, p.371.

liberdade de expressão seriam duas atividades que se confundem por sua própria natureza e, por isso, não podem ser consideradas e tratadas separadamente. 64 A corte brasileira concluiu que a exigência do diploma universitário para a prática do jornalismo não estava autorizada, pois constitui um impedimento, uma verdadeira supressão ao exercício da liberdade de expressão. Ademais, entendeu que a disposição da lei de imprensa constituía uma restrição prévia ao exercício da liberdade de expressão, que equivaleria à censura prévia, forma mais radical de violação do direito à liberdade de expressão. O Supremo Tribunal Federal, além de se basear nos dispositivos da Constituição brasileira, como os artigos 5º, incisos IV, IX, XIII e XIV e 220, caput e 1º, baseou-se no artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, na Opinião Consultiva OC-5/85 da Corte Interamericana de Direitos Humanos e no Informe Anual de 2008 da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH, para declarar a inconstitucionalidade da exigência do diploma e registro profissional para o exercício do jornalismo. O tribunal brasileiro, portanto, incorporou expressamente o entendimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos sobre o tema na sua decisão: (...) 8. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA. A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão no dia 13 de novembro de 1985, declarando que a obrigatoriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da profissão de jornalista viola o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que protege a liberdade de expressão em sentido amplo (caso "La colegiación obligatoria de periodistas" - Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985). Também a Organização dos Estados Americanos - OEA, por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entende que a exigência de diploma universitário em jornalismo, como condição obrigatória para o exercício dessa profissão, viola o direito à liberdade de expressão (Informe Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de 25 de fevereiro de 2009). 65 A decisão do tribunal brasileiro, juntamente com as decisões de outros tribunais nacionais, como os da Colômbia, Chile e México, foi muito celebrada pela Relatoria 64 CIDH. Informe Anual 2009. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, p.372. 65 Tribunal Pleno. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 511.961. São Paulo. Relator: Min. Gilmar Mendes. 17 de junho de 2009. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?doctp=ac&docid=605643.

Especial, que destacou o profundo raciocínio utilizado pelo tribunal para fundamentála. 66 A decisão foi relembrada recentemente pela Relatoria Especial, que mais uma vez ressaltou o fato do tribunal ter incorporado de maneira expressa o artigo 13 da Convenção Americana e o entendimento dos órgãos do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, responsáveis por garantir o cumprimento do referido tratado, demonstrando a relevância do tema e a importância das cortes nacionais na incorporação das normas internacionais de direitos humanos. 67 8. PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL ACERCA DA EXIGÊNCIA DO DIPLOMA PARA O EXERCÍCIO DO JORNALISMO NO BRASIL Não obstante ter sido o entendimento da Corte e da CIDH acerca da incompatibilidade da associação compulsória e da exigência de títulos para o exercício do jornalismo com o direito à livre expressão e difusão do pensamento, recepcionado pelo Supremo Tribunal Federal ao declarar ser inconstitucional a exigência do diploma e do registro profissional como requisitos para o exercício do jornalismo no Brasil, há uma proposta de emenda à Constituição em trâmite no Congresso Nacional que pretende inserir na carta constitucional essa exigência. O texto da PEC prevê que: A profissão de jornalista é privativa de portador de diploma de curso superior de Jornalismo, expedido por instituição oficial de ensino, e seu exercício será definido em lei. 68 Essa PEC foi protocolizada, no Senado Federal, no dia 2 de julho de 2009, apenas alguns dias após a decisão da corte constitucional brasileira, sendo contrária a esta e ao entendimento consolidado pela Corte Interamericana e pela CIDH. A PEC foi aprovada em dois turnos no Senado e foi submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, onde se encontra em tramitação. Caso seja nesta casa legislativa também aprovada em dois turnos, a Emenda Constitucional que institui a exigência do diploma para o exercício do jornalismo no Brasil entrará em vigor. 66 CIDH. Informe Anual 2009. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, p. 389. 67 CIDH. Informe Anual 2012. Informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, p. 232. 68 BRASIL. Câmara dos Deputados. PEC nº 206 de 2012. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesweb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0ddf13fe5bbec3b3897d 7A3F9D3060C9.node2?codteor=1018499&filename=PEC+206/2012.

O texto, que busca retomar uma exigência da época da ditadura militar, visando o controle da imprensa, contraria a Constituição Federal, pois restringe o direito fundamental à liberdade de expressão, cuja titularidade foi garantida a todas as pessoas, ferindo, desta forma, uma cláusula pétrea. 69 Ainda, o texto contraria a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o entendimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e de sua Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Caso aprovada, essa alteração legislativa pode gerar a responsabilização internacional do Estado brasileiro junto ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. 9. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL POR PROMULGAÇÃO E APLICAÇÃO DE LEIS VIOLATÓRIAS À CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, utilizando-se da prerrogativa prevista no artigo 64.1 da Convenção Americana, solicitou à Corte Interamericana de Direitos Humanos, uma opinião consultiva acerca da responsabilidade internacional do Estado em caso de expedição e aplicação de uma lei interna manifestamente contrária à Convenção. Essa solicitação deu origem à Opinião Consultiva nº 14, de 1994. A Comissão formulou duas perguntas à Corte. Foram elas: [1] Quando um Estado-parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos expede uma lei que viola manifestamente as obrigações contraídas por esse Estado ao ratificar a Convenção, quais seriam, nesse caso, os efeitos jurídicos dessa lei em vista das obrigações internacionais desse Estado? [2] Quando um Estado-parte da Convenção expede uma lei cujo cumprimento por parte dos agentes ou funcionários desse Estado se traduz em uma violação manifesta da Convenção, quais são as obrigações e responsabilidades desses agentes e funcionários? 70 A Corte Interamericana entendeu que essa consulta se refere à interpretação dos artigos 1 e 2 da Convenção, que estabelecem o compromisso dos Estados de respeitarem os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a todas as pessoas submetidas à sua jurisdição e a adotar as medidas 69 Artigo 60, 4º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. 70 Corte IDH. Responsabilidad Internacional por Expedición y Aplicación de Leyes Violatorias de la Convención. Opinião Consultiva OC-14/94 de 9 de dezembro de 1994. Serie A No. 14. Par. 1 (tradução livre).