AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA EM IDOSOS PORTADORES DE DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO CORPORAL Maria Rita Aprile Patrícia Unger Raphael Bataglia Universidade Bandeirante de São Paulo UNIBAN São Paulo Brasil Resumo A qualidade de vida (QV) dos idosos constitui uma questão central nos estudos sobre envelhecimento. Dados do IBGE (2008) indicam um envelhecimento populacional, em curso. Novas expectativas por melhoria da QV dos idosos se evidenciam pela divulgação de informações; por novos recursos médicos e farmacêuticos e por novas oportunidades sociais, culturais e profissionais. Contudo, o idoso continua sujeito às alterações no sistema físico, entre elas, os distúrbios do equilíbrio corporal (tonturas e quedas) que interferem em seu bem-estar, nas relações pessoais, nas funções cognitivas e na QV. O objetivo deste estudo foi elaborar um instrumento de avaliação da QV em idosos com vestibulopatias. A produção acadêmica carece de instrumentos que contemplem essas especificidades. Foram definidas oito categorias: busca de tratamento, atividade física, hábitos alimentares, hábitos de lazer, atividades intelectuais, relação com o trabalho, auto-estima e relações pessoais, avaliação e expectativas de vida. A essas categorias, foram incluídos 105 indicadores. O questionário aplicado em 70 idosos indicou que as categorias abrangem o espectro de fatores envolvidos na avaliação da QV do idoso acometido por vestibulopatias; confirmou a necessidade do instrumento e sua contribuição para o avanço do conhecimento na área. A sua abordagem permite análises quantitativas e qualitativas e a identificação de indicadores primários e secundários. O instrumento se revelou adequado para avaliar impactos da doença sobre a QV desses pacientes e pode ser usado como medida comparativa, após o tratamento, ampliando o diagnóstico inicial. Inclui-se em uma perspectiva de humanização da saúde, pois considera o paciente em sua integralidade. Palavras- chave: Qualidade de vida Humanização da saúde Idoso A elaboração de um instrumento destinado à avaliação da qualidade de vida de idosos portadores de distúrbios do equilíbrio corporal de origem no sistema vestibular, caracterizados por sintomas como vertigens e tonturas, exigiu, de início, o resgate de alguns aspectos relacionados ao envelhecimento populacional e ao entendimento do conceito de qualidade de vida referente a esse segmento da população. Nas últimas décadas, se avolumam as investigações sobre o tema do envelhecimento da população, o que não ocorre por acaso. Várias nações, entre elas, o Brasil, se dão conta de que se encontra, em curso, o fenômeno demográfico do envelhecimento populacional. A expectativa de vida atinge a marca dos 71 anos e
ultrapassa a média de 68,5 anos, predominante em 2000 (BRASIL, 2008). A estimativa para os próximos decênios é de 172,7 idosos para cada grupo de 100 crianças de 0 a 14 anos (IBGE, 2002). O aumento da longevidade é motivado, entre os fatores, por maior disseminação de informações sobre envelhecimento; pelos os avanços da medicina associados aos novos recursos farmacêuticos e pela criação de novas oportunidades sociais, culturais e profissionais para os idosos, além do fato de serem eles considerados um novo segmento do mercado em razão da oferta de novos recursos tecnológicos e estéticos (NERI, 2007). As novas possibilidades e expectativas de vida repercutem positivamente sobre a auto-estima e a qualidade de vida da população idosa. Outro aspecto importante se refere ao conceito de qualidade de vida. Na saúde, assim como, nas demais áreas de conhecimento, o termo encerra um conteúdo polissêmico, segundo os valores, a visão de mundo e os fundamentos que lhe dão sustentação. Nesse campo semântico, se incluem as visões reducionistas e estereotipadas que atribuem ao envelhecimento uma conotação de improdutividade física, mental e sexual aliada ao sentimento de não pertencimento social ou de uma doença avaliada pelos limites físicos ou pelo grau de degeneração causado ao organismo (BASSIT, WITTER, 2006). A qualidade de vida estaria associada apenas a fatores objetivos, como é o caso da ausência de enfermidades ou de perdas das capacidades funcionais. Até os anos de 1940, o eixo das investigações residia nos aspectos biológicos e epidemiológicos. Envelhecer bem correspondia à satisfação do indivíduo com o seu status atual de vida e aos seus planos para o futuro. Tendências mais amplas correlacionam à qualidade de vida outros aspectos, entre eles, capacidade funcional, estado emocional, interação social, atividade intelectual e a autoproteção da saúde (SANTOS et al., 2002). Nessa correlação, alguns autores destacam um desses domínios, como as interações entre os estados psicossociais e as adaptações durante o envelhecimento (SILVEIRA, FARO, 2008). A assistência à saúde e o papel dos cuidadores (KARSCH, 2003), a religiosidade, o lazer e a atividade física (WITTER et al. 2006), a fragilidade biológica, saúde mental, cognição e relação com a morte (NERI et al. 2007). Outros autores destacam a percepção do idoso sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema
de valores em que se situa (FLECK et al., 2000). A observância dos direitos humanos e sociais da população idosa é reconhecida como condição fundamental para a garantia de seu desenvolvimento sustentável enquanto um segmento populacional importante de todas as sociedades (MINAYO et al., 2000). A importância da análise global de todos esses domínios e dos diferentes aspectos que integram cada um deles deve ser considerada nos estudos sobre qualidade de vida e envelhecimento (ARNOLD et al., 2004). Ao equacionarem a qualidade de vida a outros domínios, esses autores concorrem para a construção de uma identidade mais ampla do envelhecimento e se alinham ao conceito da Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera a saúde o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade. Para além das críticas que consideram o conceito um ideal de saúde inatingível, a concepção da OMS destaca os aspectos subjetivos a serem considerados na saúde dos indivíduos e influencia a construção de uma nova concepção de qualidade de vida. Nos idosos, além das capacidades funcionais, se incluem o estado psicológico, as relações sociais, o ambientes físico, entre outras dimensões. Instrumentos para avaliação de qualidade de vida que incluam aspectos subjetivos ainda encontram oposição em algumas alas acadêmicas. Os opositores acreditam que somente as manifestações e/ou processos passíveis de medição, classificação e generalização poderão oferecer informações fidedignas sobre o estado de saúde e a qualidade de vida dos indivíduos. A polaridade entre os parâmetros objetivos e subjetivos é criticada por Elkington (1966), que chama a atenção da comunidade científica para a necessidade de correlacioná-los ao bem-estar psicológico e à satisfação dos pacientes. Medidas para avaliação de aspectos subjetivos nos estudos sobre qualidade de vida dos pacientes foram utilizadas pela primeira vez por Fairweather e seus colaboradores, em 1969. Desde então, os aspectos subjetivos passam a constar de boa parte dos instrumentos avaliativos. Entre 1980 e 1990, críticas de pacientes norteamericanos sobre o modelo mercantilista de atendimento à saúde levam o país a incluir os Resultados Referidos pelos Pacientes (Patient Reported Outcomes) em instrumentos de avaliação de intervenções médicas. Também a Food and Drug
Administration (FDA) - órgão do governo norte-americano, responsável pelo controle de alimentos, medicamentos, cosméticos, equipamentos médicos e materiais biológicos exige que os resultados das intervenções (aspectos objetivos) incluam os auto-relatos dos pacientes (aspectos subjetivos). Em um universo de 10.000 finlandeses, Cella e colaboradores (1990) constataram que o estado emocional constitui o fator de maior impacto sobre os escores de qualidade de vida dos idosos. Sintomas, como ansiedade e depressão, têm os mesmos impactos sobre a qualidade de vida, quando o idoso se percebe doente (Sullivan et al. 2001) e a percepção sobre a saúde, o padrão de vida e a habilidade para o trabalho variam segundo a faixa etária (Bowling, 1995). Entre 65 e 75 anos, a percepção sobre a saúde é maior ( 60,0%) e, na faixa entre 45 e 55 anos, o padrão de vida (60%) e a habilidade para o trabalho (20%) são mais valorizados. Estudo comparativo com indivíduos entre 19 a 51 anos de Browne e colaboradores (1994), indica que família, atividades sociais, lazer, saúde e condições sócio-ambientais são prioridades para os de 51 anos. Estudos de Faquhar com idosos entre 65 a 85 anos indicam que atividade física, saúde, mobilidade, situação econômica e contato social são considerados positivos para a qualidade de vida. Já desesperança; má saúde; infelicidade; desejo de ser mais jovem e dificuldades econômicas são consideradas negativas. Analisando grupos de discussão sobre a qualidade de vida, integrados por idosos e profissionais, Evans e colaboradores verificaram que a população idosa valoriza: disposição física, auto-estima, relações inter-pessoais, transporte e mobilidade. Entre os profissionais, verificou-se uma supervalorização dos chamados aspectos negativos da velhice relacionados às perdas funcionais, ao trabalho, entre outros, ou seja, a qualidade de vida era considerada em relação às características em que os idosos apresentavam certa deficiência, como é o caso, de habilidades físicas para a execução de determinadas atividades. Na elaboração do instrumento para avaliação da qualidade de vida do idoso com desequilíbrio corporal de origem vestibular, algumas particularidades foram levadas em conta. Os distúrbios do equilíbrio corporal de origem vestibular influenciam o idoso em sua globalidade, uma vez que interferem em seu desempenho
e bem-estar físico, influenciam suas relações pessoais, funções cognitivas e produtividade. Em vez de redução da capacidade física, inerente ao processo de envelhecimento, e objeto de avaliação por outros instrumentos, considerou-se mais apropriado investigar a predisposição do idoso para o exercício físico, a independência para a sua realização e o apoio da família, entre outros aspectos. Também foi considerado o tipo e a intensidade dos contatos que os idosos estabelecem com pessoas que não integram o seu círculo familiar, suas relações informais com amigos, grupos de trabalho etc. O mesmo procedimento foi utilizado em relação às demais categorias. Em sua escala de qualidade de vida, Flanagan estabelece cinco dimensões para avaliação: bem-estar físico e material; relações com outras pessoas; atividades sociais, comunitárias e cívicas; desenvolvimento pessoal e realização e recreação. Fleck e colaboradores lideraram as pesquisas sobre o desenvolvimento do WHOQOL-OLD, no Brasil. Esse trabalho é interessante porque teve como ponto de partida categorias importantes para avaliação da qualidade de vida em idosos. A revisão extensa da literatura sobre o envelhecimento, qualidade de vida e instrumentos de mensuração indicou a inexistência de um instrumento específico para avaliação da qualidade de vida dos vestibulopatas. Materiais utilizados em pesquisas desta natureza não incluem aspectos fundamentais relacionados aos pacientes com distúrbios de equilíbrio corporal de origem no sistema vestibular. Em face dessa constatação, desde dezembro de 2008, o Laboratório de Reabilitação do Equilíbrio Corporal e Inclusão Social, ligado ao Programa de Mestrado em Reabilitação do Equilíbrio Corporal e Inclusão Social da Universidade Bandeirante de São Paulo, vem se utilizando de uma escala de avaliação da qualidade de vida de idosos vestibulopatas. Esta escala é de autoria de alguns professores do Programa, procedentes de diferentes áreas do conhecimento (Educação, Psicologia e Medicina) e, portanto, com referenciais teóricos e experiências diferenciadas, o que permitiu a realização de análises e ajustes no instrumento a partir de uma perspectiva mais ampla e global dos idosos vestibulopatas. Durante a elaboração da escala, foram identificadas as categorias que poderiam incluir indicadores confiáveis e fidedignos sobre a qualidade de vida dos
idosos vestibulopatas, quais sejam: motivos de busca de tratamento; prática de atividades físicas; hábitos alimentares; hábitos de lazer; atividades intelectuais; autoestima e relacionamentos pessoais e avaliação e expectativas de vida. Em seguida, foram estabelecidos 91(noventa e um) indicadores e distribuídos pelas várias categorias. As respostas a eles forneceriam os dados a respeito de como os sujeitos se sentiam em relação a cada categoria. Até agosto de 2009, foram feitas 80 (oitenta) aplicações do instrumento em uma população de idosos vestibulopatas, com idade entre 65 e 85 anos, de ambos os gêneros. Os instrumentos foram preenchidos pelos pesquisadores mediante as respostas dos idosos. Todos eles foram informados previamente sobre os objetivos do estudo e assinaram termo de consentimento. Nenhuma recusa foi registrada. Cada questionário levou cerca de 50 minutos para ser respondido, uma vez que os idosos não se limitavam a dizer sim, não, ou às vezes, mas a contar experiências vividas relacionadas às perguntas formuladas. Essa aplicação permitiu identificar que: a) as categorias estabelecidas abrangem o espectro de fatores envolvidos na avaliação da qualidade de vida de idosos com vestibulopatias; b) o instrumento é adequado à população a que se destina; c) a abordagem do questionário permite análises quantitativas e qualitativas; d) a aplicação do questionário possibilita a identificação de indicadores primários e secundários; e) o instrumento adaptado a essa população contribui para o avanço do conhecimento cientifico na área. uma A partir dos relatos dos idosos, foi identificada a necessidade de incluir mais categoria: relação com o trabalho e, ainda, a revisão de alguns itens considerados secundários. O instrumento se mostrou adequado para verificar o impacto da doença na qualidade de vida destes pacientes e utilização como medida comparativa após tratamento, além está de acordo com o conceito de saúde da OMS. O instrumento permite sua comparação com outros instrumentos de avaliação de qualidade de vida, contribui para pesquisas futuras, visto que preenche uma lacuna na literatura cientifica e ainda permite colher dados que revelam as avaliações dos próprios idosos sobre a sua qualidade de vida. Referências ARNOLD, R, RANCHOR, AV, SANDERMAN, R, KEMPEL, GIJM, ORMEL, J, SUURMEIJER TPBM. (2004) The relative contribution of domains of quality of life
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