Classes multisseriadas e nucleação das escolas: um olhar sobre a realidade da Educação do Campo Segundo Fagundes & Martini (2003) as décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por um intenso êxodo rural, provocado pela intensa modernização agrícola, que impulsionada por uma política desenvolvimentista da época, passou a propagar que o problema da fome, da miséria e dos conflitos fundiários seriam solucionados com a industrialização no e do campo. Esses fatos levaram as populações do campo, sobretudo os jovens a abandonar suas terras, a buscar o trabalho assalariado, a migrar para as cidades contribuindo para o crescimento da favelização nas áreas urbanas; assim, a demanda nas escolas do campo sofre reflexo dessa realidade, ao passo que essas escolas têm redução de matrículas. Neste sentido, é válido ressaltar o que diz a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB de 1996, principalmente, no que se refere aos artigos que dispõe sobre o atendimento escolar, especificamente o artigo terceiro. Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. Preocupa-nos a efetividade dos artigos 26 e 28 da referida lei, no qual, prevê que a base curricular do ensino além de respeitar uma base nacional
comum, deverá ser complementada de acordo com as especificidades regionais, locais de cada comunidade escolar, seja no espaço urbano ou rural. Considerando também que os estabelecimentos de ensino localizados no meio rural deverão se adaptar às peculiaridades da vida rural e sua dinâmica. No entanto, ao contrário do que consta nessa lei, é notória no cotidiano de pais e estudantes do campo 1 outra realidade: a organização curricular das escolas rurais tem como base a matriz urbana, que desconsidera e nega a realidade de quem vive no e do campo. A organização do calendário escolar não contempla a dinâmica do campo, ao contrário, faz com que os estudantes tenham que optar entre o trabalho e o estudo. Por fim, a metodologia ainda 2 utilizada pelos professores não corresponde às reais necessidades e interesses dessas crianças, adolescentes e jovens, demandando uma formação docente que abranja as especificidades do campo. Fazendo a leitura sob a ótica da estrutura pública municipal, ficando o Ensino Fundamental a cargo dos municípios 3, estes muitas vezes, optam pelo fechamento de escolas com poucos alunos nas áreas rurais, fazendo a nucleação 4 das mesmas, tendo como um dos argumentos, o questionamento da qualidade do ensino nas classes multisseriadas 5, alegando que as extinguindo a qualidade do ensino melhorará. Além disso, outro argumento é o de que é muito oneroso para o município manter professores em escolas com poucos alunos. Entretanto, muito tem sido gasto com o transporte de estudantes das áreas rurais para áreas urbanas 6 e considerável parte da 1 Utilizamos esta expressão com o intuito de superar a imagem do campo como o lugar do atraso, da ignorância ou apenas como espaço geográfico (zona rural/urbana). No nosso entendimento, o campo remete-nos a um lugar de possibilidades, de produção de saberes, de potencialidades, de peculiaridades que devem ser consideradas, sendo um espaço com identidade e cultura próprias. 2 Para os professores já graduados ou licenciados, são oferecidos cursos de extensão e/ou aperfeiçoamento. Há também os cursos de Licenciatura em Educação do Campo no estado ofertados pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Para saber mais informações sobre os cursos e projetos ofertados a educadores do campo, ver: http://www.fae.ufmg.br/educampo/educampo/index.php. 3 O Estatuto da Criança e do Adolescente garante o direito de acesso à escola pública gratuita, próximo de sua residência (Art. 53 inciso V). 4 Classifica-se o processo de nucleação em: Inter-campo que transfere a escola localizada no meio rural para a cidade e Intracampo, no qual, a escola continua no meio rural, mas passa a localizar-se numa área central de mais fácil acesso às demais comunidades rurais. 5 Dados do MEC apontam que existem 51 mil escolas com classes multisseriadas, representando 50% das escolas do campo. Ver: SIMEC/MEC. 6 Neste segundo semestre foi feita transferência para o transporte escolar no valor de R$ 60,3 milhões, correspondente à quarta de nove parcelas para atendimento a estudantes da
população do campo não tem garantido os direitos assegurados pela Constituição: igualdade de acesso e permanência nas escolas. Políticas Educacionais nas áreas Rurais: O Passado Persiste? A população brasileira do campo ainda é vítima da desigualdade de condições de acesso às políticas públicas, sobretudo educação, saúde e moradia. Ao longo da história sendo fechadas e nucleadas (transferidas) para as áreas urbanas, com instalações precárias, transporte escolar ineficaz, salas multisseriadas, trechos longos até a unidade escolar e ausência de material didático contextualizado a realidade que crianças, adolescentes, jovens e adultos estão inseridos, sem desconsiderar, contudo, a população idosa, que também para aprenderem a ler e escrever, ultrapassam muitos limites, inclusive o da idade, da saúde e da estigma. Dessa forma, as poucas escolas que existiam (existem) no campo, apesar de todas as dificuldades de infraestrutura inadequada, rotatividade de professores, falta de merenda (alimentação) escolar, ausência do poder público, tem sido a única possibilidade para aprender a ler e escrever, já que muitos não têm condições de ir para as cidades ou simplesmente não querem sair do campo. Com relação às políticas educacionais de nucleação e/ou transporte escolar, citamos a Resolução Nº 2, de 28 de abril de 2008 que estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo, que funcionam como orientações para o processo de nucleação e sobre o transporte escolar. Tanto o Plano Nacional de Transporte Escolar - PNTE como o Programa Caminho da Escola têm como objetivo específico, prestar assistência aos municípios e organizações não-governamentais na aquisição de novos veículos para o transporte de estudantes da rede municipal e estadual de ensino, das áreas rurais ou de difícil acesso ao transporte público no percurso da sua educação básica residentes na zona rural. O repasse é feito automaticamente, sem necessidade de convênio. O orçamento do programa para este ano é de R$ 644 milhões (Fonte: http://portal.mec.gov.br acessado em 05/07/2011).
residência à escola, cuja proposta que os norteia, é de erradicar a evasão escolar através da garantia do acesso e permanência desses estudantes na escola. Assim sendo, embora muito se tenha avançado através da luta dos movimentos pela Educação do Campo, ainda temos muito a avançar, pois, não há como desconsiderar a realidade das escolas do campo. Tal realidade se expressa no fato de que das 14.963 escolas municipais no meio rural, apenas 5085 estão funcionando e das 1.014 escolas estaduais, apenas 529 estão funcionando (Educacenso, 2008). A escola que é entendida como espaço de formação humana, cidadania, politização, ao ser transferida do campo para a cidade, em muitos casos, comprometem a organização da luta pela garantia dos direitos dos povos do campo, pois, na prática, a política de nucleação não atende aos critérios estabelecidos na Resolução supracitada, não possibilita o diálogo e nem considera as reais necessidades dessas comunidades. Nesse sentido, no atual contexto do atendimento do transporte escolar, observa-se: O recurso repassado pela União e Estados na maioria das vezes são bem inferiores aos gastos nos Municípios; Áreas Territoriais muito extensas há casos de crianças que precisam caminhar duas horas ou mais para chegar até a estrada para pegar o transporte escolar; A utilização do Transporte escolar pela comunidade é feita também para outras finalidades; Peculiaridades: algumas regiões somente são acessadas por barcos /canoas. Precariedade e falta de segurança no transporte escolar; Dificuldades de deslocamento no período de chuva. Diante disso, considera-se, portanto, que a atuação da administração pública federal, estadual e municipal, devem se pautar e orientar em ações, metas e estratégias que garantam às crianças, adolescentes e jovens o acesso gratuito e a permanência na Educação Básica, com qualidade, a qual deve ser
de acordo com as garantias e princípios enumerados na própria Constituição (1988), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), na LDB (1996) e demais dispositivos legais, estando o poder público sujeito ao controle social. REFERÊNCIAS: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%c3%a7ao.htm. Acesso em: 07/02/2012. BRASIL. Lei 8.069 de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. 13 de julho de 1990. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei N 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases para a Educação Nacional. 23 de dezembro de 1996. BRASIL. Resolução CNE/CEB N 02 de 28 de abril de 2008. Estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. FAGUNDES, José; MARTINI, Adair Cesar. Políticas educacionais: da escola Multisseriada à escola nucleada. In: Revista Olhar de professor/universidade Estadual de Ponta Grossa. Ponta Grossa, v. 06, n. 001, p. 99-118, 2003. Disponível em: redalyc.uaemex.mx/pdf/684/68460108.pdf. Acesso em: 07/02/2012. SIMEC/MEC. Ministério da Educação e Cultura. Classes multisseriadas no Brasil. 2010. Disponível em: http://simec.mec.gov.br/. Acesso em: 07/02/2012.