Esta revista faz parte do TRIBUNA DA MADEIRA de Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2008. Um madeirense no Kilimanjaro

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Transcrição:

Esta revista faz parte do TRIBUNA DA MADEIRA de Sexta-feira, Um madeirense no Kilimanjaro

Aventura no Kilimanjaro 8 Para Maurício Santos, 2008 começou da forma mais radical possível. Motivado pela vontade de divulgar a doença diagnosticada à irmã há alguns anos (neurofibromatose tipo 2) e pelo espírito de aventura, decidiu subir o Monte Kilimanjaro, na Tanzânia, no passado mês de Janeiro. O objectivo foi atingido pelo jovem madeirense em cinco dias. Chegou ao Stella Point, considerado um dos cumes do monte, e não subiu os cerca de 100 metros que faltavam para o ponto mais alto por mera prevenção. Era muito arriscado, explica. A partir de um ponto comecei a ter descontrolo dos membros por falta de oxigénio. Portanto, decidi parar aí. Pelo caminho, Maurício sentiu os efeitos da escassa preparação física que teve para um desafio completamente diferente dos que já tinha enfrentado até ali. Não tenho medo de aventuras: já fiz paraquedismo, saltei de aviões, faço windsurf, surf e bodyboard, conta. Mas sei controlar-me e meço as consequências dos meus actos, sou um maluco saudável. No caso do Kilimanjaro, admite ter sido muito mais complicado do que esperava. Tive náuseas, indisposição, alucinações e dores de cabeça enormes. Houve momentos em que pensei seriamente voltar para trás, revela. Tive medo em várias situações, porque pensava nas consequências que

podia sofrer ao nível de saúde. Ainda para mais tão longe da civilização. Mas a vontade de chegar ao topo era tão grande como a dor e a memória da irmã deulhe ânimo para terminar. Levei comigo um bocado de madeira que a minha irmã me tinha dado, com uma frase escrita por ela, diz. Apesar de não ser uma pessoa muito espiritual, isso deu-me força. As dificuldades foram acrescidas pelo facto de fazer a expedição só. Apenas ia o guia e dois cozinheiros, mas penso que se fosse acompanhado talvez o gesto perdia um pouco o significado, reconhece. Outra contrariedade foi a indisposição sofrida logo no primeiro dia, que o impediu de tomar o medicamento para enfrentar melhor a doença da altitude. À noite, a temperatura chegava aos 20º negativos. De dia aumentava, mas havia sempre um vento muito frio, conta. Tinha de beber cerca de seis litros de água por dia e de comer muito mas, devido à doença da altitude, perdi o apetite. Tive de me obrigar a comer e isso deu-me náuseas. Mas nem tudo foi mau. Houve situações engraçadas, os meus acompanhantes tentaram aprender português e eu tentei aprender a língua da Tanzânia, o Swahili, exemplifica. Conheci muitas pessoas e fiz amigos. Ver o pôr-do-sol ou o nascer do sol naquela paisagem é indescritível. Por vezes senti que estava noutro planeta, encontrei paisagens que nunca tinha visto. A maior satisfação de todas foi a de poder ter contribuído na divulgação da doença da irmã, que o recebeu no regresso com uma grande alívio. Lembro-me dela ter ficado surpreendida quando lhe falei da hipótese de fazer isto, conta. Não me disse nada, mas penso que ficou com medo. Pediume para ter cuidado e desejoume sorte. A minha mãe sofreu mais. Tive de conciliar o trabalho com a preparação da viagem, só tive algum apoio da Associação Portuguesa de Neurofibromatose, de resto tudo foi custeado por mim, refere. Fico contente por ter podido ajudar a quem necessita e por ter recebido e-mails de apoio desde vários países no regresso. Para Maurício, de 29 anos, a viagem valeu a pena. Sinto-me bem por ter feito isto e gostava que as pessoas olhassem para o exemplo e não para mim, diz. Há muitas causas que podem ser apoiadas e muito que se pode fazer para gerar um clima de ajuda que era importante para este país. Em Portugal temos uma cultura de negativismo que é muito injusta. Este pessimismo impede-nos de ser uma sociedade melhor, acrescenta ainda. Já estive noutros países e não acho que estejamos mal. As pessoas lamentam-se muito e isso revela falta de visão e de espírito de abertura. O jovem espera que a sua iniciativa ajude a demonstrar que há pessoas com problemas verdadeiramente graves. Talvez reduza o egocentrismo da sociedade, algo que não é assim tão difícil, defende. Não é preciso subir o Kilimanjaro, pequenos gestos podem fazer a diferença. Tem de haver um meio termo em tudo o que fazemos. A sociedade pensa no imediato e não no longo prazo, lamenta. É importante viver para o momento, mas sou contra planear coisas a curto prazo. Talvez vivo mais para o momento do que muita gente que apenas planeia para o momento. Carmen Vieira 9

O caso de Luísa Santos 10 Segundo Maurício Santos, em Portugal - tal como no resto do mundo - a neurofibromatose é muito pouco conhecida. A minha irmã sofre a versão mais rara da doença, a tipo 2, diz. Mas o facto de afectar um número reduzido de pessoas não pode ser justificação para que fique esquecida. Foi esse o objectivo que o moveu a assumir uma aventura um pouco louca. Foi em 2005 que Luísa Santos, de 27 anos, começou a apresentar os sintomas da doença. Foi um choque para mim, porque tínhamos acabado de passar uma fase algo conturbada devido ao falecimento do meu pai. Fiz muitas pesquisas para perceber a doença e descobri que é muito pouco conhecida e os tratamentos estão numa fase pouco desenvolvida, conta. Foi após muita pesquisa e muitos contactos que encontrámos um médico com experiência cirúrgica elevada e vários casos tratados. Luísa Santos foi submetida a duas cirurgias em Los Angeles. Na primeira o tumor no canal auditivo foi removido por completo, mas na segunda isso não aconteceu porque ela não queria perder a audição, lembra Maurício. O facto de ela ser médica tornou o seu caso ainda mais especial. Ela tinha tumores nos dois canais auditivos. Caso fossem removidos por completo, isso significaria a remoção do nervo auditivo, o que provocaria a perda da audição e, por breves tempos, o sentido de equilíbrio. Além disso, poderia afectar os nervos faciais, acrescenta ainda. Esta doença tem a desvantagem de afectar a imagem da pessoa, porque pode provocar desfigurações e também provoca manchas no corpo, atingindo as pessoas do ponto de vista psicológico, refere também. Existem ainda 50% de hipóteses de a doença ser transmitida aos filhos. Segundo Maurício, trata-se de uma doença cujos efeitos se fazem sentir a vida toda, já que não tem cura. Exige um acompanhamento contínuo, diz. Se calhar há outras doenças mais impeditivas. A minha irmã trabalha no hospital, mas não posso dizer que tenha uma vida totalmente normal.

O que é a neurofibromatose? A neurofibromatose é uma doença genética e pode ocorrer, maioritariamente, sob duas formas: NF1 e NF2. É uma doença congénita; não se adquire ao longo da vida nem é contagiosa. No entanto, alguns dos sinais e sintomas podem manifestar-se apenas mais tarde e não logo no nascimento. Estima-se que cerca de um em cada quatro mil indivíduos nascem com a neurofibromatose tipo 1. Por seu lado, a neurofibromatose tipo 2 é menos comum e estima-se que atinja um em cada 20 mil indivíduos. Muitas pessoas vivem com a NF1 sem que isso interfira significativamente no seu quotidiano ou sem que se apercebam que têm a doença. Todas apresentam, normalmente, manchas de cor acastanhada espalhadas pelo corpo. Têm, pelo menos 0,5cm de diâmetro e estão presentes no nascimento ou desenvolvem-se no decorrer dos primeiros cinco anos de vida. A maioria das crianças tem ainda zonas de hiperpigmentação da íris (nódulos de Lisch). Na puberdade, podem surgir altos debaixo da pele (neurofibromas) que, na maioria dos casos, não causam problemas. Outras manifestações incluem dificuldades de aprendizagem e problemas ósseos. A NF2 é mais rara e as suas manifestações são variáveis. Normalmente, os doentes não apresentam grandes sinais de alerta nem se encontram associados problemas ósseos ou dificuldades de aprendizagem. Mas, na adolescência, podem desenvolver tumores associados aos nervos de todo o corpo. A localização mais frequente destes é nos nervos acústicos e nos nervos situados ao longo da coluna. Algumas pessoas apresentam tumores nos nervos mais superficiais (junto à pele) mas, ao contrário do que acontece com a NF1, apresentam poucas ou nenhumas manchas acastanhadas. Por vezes algumas pessoas desenvolvem cataratas numa idade precoce. Mas tal pode não causar alterações significativas na capacidade visual. Fonte: Associação Portuguesa de Neurofibromatose. Informações Information: 291742793 Bilhetes à venda no balcão de informação do turismo ou uma hora antes no local do concerto Tickets available at the Tourism Office and one hour before at the venue 11