Os alimentos transgênicos e o direito à informação no Código do Consumidor



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Transcrição:

Os alimentos transgênicos e o direito à informação no Código do Consumidor Murilo de Morais e Miranda Sumário Introdução. 1. Organismos geneticamente modificados. 2. Alimentos transgênicos. 3. Os organismos geneticamente modificados no Brasil. 4. A liberação para comércio de alimentos transgênicos e os direitos dos consumidores. 4.1. Direito a um meio ambiente saudável. 4.2. Direito à segurança. 4.3. Direito de escolha e o direito à educação para o consumo. 4.4. Direito à indenização. 4.5. Direito à informação. 5. Conclusões. Introdução Nos últimos anos, os consumidores brasileiros foram bombardeados com diversas informações sobre novos seres vivos, antes somente possíveis na imaginação fértil das crianças, nos filmes futuristas americanos e nos programas humorísticos brasileiros 1. O futurismo dos cineastas talvez não estivesse tão distante das informações disponíveis na época, haja vista os gritos surdos de Jeremy Rifkin, quando preconizava, há mais de 20 anos, os problemas que adviriam com o avanço da bio-genética e a necessidade do progresso diretamente proporcional da bioética 2. Previsões (ou premonições) à parte, o certo é que o dia dos organismos geneticamente modificados chegou. Chegou trazendo importantes conseqüências para os consumidores de uma forma geral, notadamente, no que tange aos alimentos transgêncicos, objeto de muitas polêmicas e de uma batalha judicial homérica na Justiça Federal brasileira. As conseqüências que afetam diretamente os consumidores brasileiros referem-se aos direitos à proteção da vida, da saúde e da segurança contra riscos potencialmente provocados por produtos ou práticas utilizadas na elaboração desses produtos e, ainda, o direito ao meio ambiente saudável e o direito à informação. 1. Organismos geneticamente modificados Os organismos geneticamente modificados poderiam ser definidos, a grosso modo, como aqueles que tenham sido alterados geneticamente por métodos ou por meios que não ocorrem naturalmente. As normas de segurança sobre técnicas utilizadas na obtenção de OGMs 3 foram definidas, em norma ordinária, pela Lei nº 8.974/95, que regulamenta os incisos II e V, do 1º, do art. 225 da Constituição Federal 4, que traz também seu conceito legal, no inciso IV, do art. 3º: organismo cujo material genético (ADN/ARN) tenho sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética. Por outro lado, é sabido que organismo é toda entidade biológica capaz de reproduzir e/ou transferir material genético, incluindo vírus, prions e outras classes que venham a ser conhecidas 5. A referida lei também conceitua engenharia genética como atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinante 6. Assim, podemos conceituar: organismo geneticamente modificado é toda entidade biológica capaz de reproduzir e/ou transferir material genético que tenha sido modificado por atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinantes.

2. Alimentos transgênicos Alimentos geneticamente modificados poderiam ser definidos como aqueles compostos contendo organismos geneticamente modificados ou derivados destes. A legislação sanitária brasileira define alimento como toda substância ou mistura de substâncias, no estado sólido, líquido, pastoso ou qualquer outra forma adequada destinada a fornecer ao organismo humano os elementos normais à sua formação, manutenção e desenvolvimento 7. A legislação sanitária também traz a definição de produto alimentício como todo alimento derivado de matéria-prima alimentar ou de alimento in natura, adicionado ou não de outras substâncias permitidas, obtido por processo tecnológico adequado 8. A proposta de Regulamento Técnico para Rotulagem de Alimentos e Ingredientes Geneticamente Modificados do DPDC 9 foi submetida a consulta pública (Nº 02, de 1º de dezembro de 1999) e traz como definição de alimento geneticamente modificado aquele que contenha ou que consista de organismo geneticamente modificado e/ou contenha ingrediente que, por sua vez, contenha ou que consista de organismo geneticamente modificado e/ou contenha proteína produzida por organismo geneticamente modificado e/ou ingrediente que, por sua vez, contenha proteína produzida por organismo geneticamente modificado 10. Assim, podemos conceituar alimento geneticamente modificado como toda substância ou mistura de substâncias, no estado sólido, líquido, pastoso ou qualquer outra forma adequada destinada a fornecer ao organismo humano os elementos normais à sua formação, manutenção e desenvolvimento, cujo material genético tenha sido modificado por atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinantes. 3. Os organismos geneticamente modificados no Brasil. O primeiro organismo geneticamente modificado liberado pela CTNBio 11 para cultivo experimental no Brasil foi a soja Roundup Ready. Trata-se de OGM preparado para resistir ao super-herbicida Roundup Ready. Esse herbicida, além da propriedade natural de matar as ervas daninhas, também extermina a soja natural. Para se conseguir a Roundup Ready soya, os cientistas da Monsanto-Monsoy introduziram na soja natural gene, encontrado em algas e bactérias, capaz de resistir ao herbicida da Monsanto. Assim, conseguiram a soja resistente ao herbicida Roundup Ready, que, aplicado na plantação de soja, extermirá todas as ervas daninhas, mas não matará a soja a ele resistente. Além da soja da Monsanto, outros mais estão na lista de espera para a liberação pela CTNBio 12, como o milho da Novartes, o algodão da AgrEvo e outros mais. Aparentemente, seria uma solução fantástica a utilização dessas novas técnicas. Entretanto, alguns problemas surgiram no curso desse caminho. O primeiro deles é a possibilidade da poluição genética, pois não foi efetuado EPIA 13, exigido pela Constituição Federal e pela legislação ambiental ordinária, em casos como esses. O segundo é a insegurança quanto à reação no organismo humano após anos seguidos de consumo de alimentos geneticamente modificados, pois os estudos sobre as conseqüências da utilização prolongada de OGMs na alimentação não seriam possíveis para já, haja vista a tenra idade dos organismos geneticamente modificados. O terceiro é a resistência das empresas fornecedoras ao oferecimento de informações adequadas sobre a característica (transgênica) do alimento colocado à disposição dos consumidores no mercado de consumo. Quanto a este problema, necessário se faz destacar que o Brasil, inicialmente, seguia a posição adotada pelos EUA na Organização Mundial do

Comércio, considerando despicienda a rotulagem de alimentos geneticamente modificados. Por pressão popular e principalmente dos órgãos de defesa do consumidor, o Governo brasileiro refluiu e passou a adotar a posição dos países europeus, exigindo, então, a rotulagem dos alimentos transgênicos. Em verdade, a medida realmente eficaz para a rotulagem dos alimentos transgênicos foi a ação civil proposta pelo Idec 14, Greenpeace 15 e Ibama 16 com a qual foi obtida medida liminar exigindo-se EIA/Rima 17 e a rotulagem obrigatória de todos os alimentos geneticamente modificados. 4. A liberação para comércio de alimentos transgênicos e os direitos dos consumidores A liberação precipitada, pela CTNBio 18, para comércio de alimentos transgênicos no Brasil, infringe normas básicas de proteção e defesa do consumidor. Normas que estão consagradas na Resolução nº 39, da 248ª Assembléia Geral das Nações Unidas, que proclamou os Direitos Fundamentais do Consumidor. Estão entre os direitos básicos dos consumidores: direito à segurança garantia contra produto ou serviço nocivo à saúde; direito de escolha opção entre vários produtos de serviços com qualidade satisfatória e preços compatíveis; direito à informação conhecimento sobre dados indispensáveis sobre produto ou serviço para uma decisão consciente; direito à indenização reparação financeira por dano causado por produto ou serviço; direito à educação para o consumo meios para o cidadão exercitar conscientemente sua função no mercado; e, direito a um meio ambiente saudável defesa do equilíbrio ecológico para melhorar a qualidade de vida agora e preservá-la para o futuro. 4. A legitimidade para agir Na legitimatio ad causam há alguns pontos de afinidade entre as ações, pois os legitimados para propor a ação civil pública são os mesmos da ação civil coletiva, conforme preceitua o art. 5º da Lei nº 7.347/85, com as alterações determinadas pelo art. 82 da Lei nº 8.078/90. Assim, a União, os Estados membros, os Municípios, o Distrito Federal, os Territórios, os entes despersonalizados da administração direta, os entes da administração indireta, o Ministério Público e as associações (desde que constituídas há mais de um ano 20 e o objeto da ação se inclua entre suas finalidades institucionais art. 82, inc. IV, CDC e art. 5º, inc. I e II da Lei nº 7.347/85) poderão propor a ação civil pública para a defesa dos interesses difusos e coletivos (strictu sensu) e a ação civil coletiva para a defesa dos interesses individuais homogêneos (por força do art. 21 da Lei nº 7.347/85). Em todos os casos, as entidades mencionadas possuem legitimação extraordinária, da espécie substituição processual, para propositura da ação civil pública ou coletiva. 21 Noutro passo, alguns autores afirmam tratar-se de legitimação autônoma. 22 A condição de substituto processual não faz dos legitimados concorrentes litisconsortes dos titulares de interesses representados pela substituição. Embora nas ações civis coletivas, por determinação do art. 94 do CDC, seja possível que os titulares dos interesses tutelados (os consumidores) ingressem na ação, posteriormente ao ajuizamento, como litisconsortes no pólo ativo da demanda, mediante a convocação por edital. O Ministério Público atua sempre como fiscal da lei, quando não é o autor da ação civil pública ou coletiva (art. 92, CDC), sob pena de nulidade processual (art. 246, CPC). Na hipótese de desistência imotivada ou abandono da ação por associação, o Ministério Público passa a atuar como autor, o que também poderá ser feito por outros legitimados (aplicação analógica do

3º do art. 5º da Lei nº 7.347/85, com a nova redação do CDC, art. 112, c/c art. 90). 23 O CDC, art. 82, inc. III, ampliou a legitimação da Lei 7.347/85, estabelecendo que também estão legitimados as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa do consumidor. Trata-se de legitimidade conferida aos órgãos de defesa do consumidor, como Procons, IDEC, SDE, DPDC e outros órgãos afins, federais, estaduais ou municipais. Até então, a jurisprudência é dominante no sentido de que as associações autoras não precisam de autorização concedida em assembléia geral, quando o estatuto associativo ou a lei expressamente outorgue os poderes de representação à pessoa jurídica. Todavia, a Medida Provisória nº 1984-18, de 1º.06.2000 (art. 4º) acrescenta o artigo 2º à Lei nº 9.494, de 10.09.97, cujo parágrafo único passa a vigorar com a seguinte redação: Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços. A Lei nº 9.870, de 23.11.99 que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares, acrescentou o inciso V, ao art. 82, do CDC, o qual estende a legitimidade ativa da ação civil pública e civil coletiva para as associações de alunos e de pais de alunos. 24 Na ação civil pública, as vítimas, individualmente, jamais poderão habilitar-se no processo para obter reparação do dano. Na ação civil coletiva, as vítimas isoladamente não estão legitimadas para a fase inicial processo de conhecimento, mas poderão intervir como litisconsortes ativos após a publicação dos editais previstos no art. 94 do CDC. Com efeito, poderão prosseguir no feito na fase de liquidação e no processo de execução (arts. 97, 98 e 3º do art 103 do CDC). 25 Na i>ação civil pública, que tem objeto amplo para defesa de qualquer interesse ou direito difuso ou coletivo (strictu sensu) (art. 81, I e II, CDC), entre aqueles relacionados no art. 1º da LACP não há restrição à legitimidade do Ministério Público. Diversamente, na ação civil coletiva a legitimidade do Ministério Público é condicionada a que o interesse individual homogêneo (art. 81, III, CDC) tenha relevância social. Ou seja, quando for extraordinária a dispersão dos lesados, ou se a questão envolve a defesa da saúde ou da segurança, ou para assegurar o funcionamento de todo um sistema econômico, social ou jurídico.26 5. O foro competente O art. 2º da Lei nº 7.347/85 estabelece que o foro competente para apreciar a ação civil pública é o do local onde ocorreu o dano ou a ameaça de dano. Para as ações civis coletivas, a regra é a mesma art. 93, CDC, ou seja, o local do dano é o fator determinante da competência. Para os danos de âmbito nacional ou regional, é competente o foro do Distrito Federal ou da Capital do Estado, respectivamente. Se o dano ocorrer em mais de uma comarca, a competência é concorrente e deve ser fixada pela prevenção. Por tratar de competência funcional e, portanto, absoluta, não pode ser alterada por conexão com outra ação. Em qualquer hipótese, seja de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, ressalvada está a competência da Justiça Federal. Entretanto, ainda que a União seja parte no processo, nas comarcas em que não há juiz federal, o juiz estadual terá competência para processar e julgar a ação civil pública e a ação civil coletiva 27 art. 109, 3º, da CF. 28

O artigo 113 do CDC acrescentou o parágrafo 5º ao art. 5º da Lei nº 7.347/85, o qual ensejou, tanto ao Ministério Público Federal quanto ao Ministério Público Estadual, a possibilidade de intervir, na qualidade de assistente litisconsorcial, na ação proposta pelo outro. 29 Nas fases processuais de liquidação e execução da ação civil coletiva, há alteração das regras da competência, conforme nos ensina João Batista de Almeida: Se for individual, a liquidação deverá ser promovida no foro da ação de conhecimento (condenatória) ou no domicílio do autor-liquidante (art. 97, c/c o art. 101, I, aplicado analogicamente). Se coletiva a liquidação, aquela promovida pelos legitimados concorrentes, o juízo competente será o da ação condenatória, tanto para a liquidação como para a execução (CDC, art. 98, 2º, II) o mesmo ocorrendo quando se tratar da hipótese do art. 100, decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano. 30 6. A sentença A sentença da ação civil pública poderá determinar a anulação do ato ou a sua desconstituição. Poderá também estabelecer condenação em dinheiro ou em obrigação de fazer ou de não fazer (Lei nº 7.347/85, art. 3º). A condenação será sempre especificada e o juiz pode fixar valores e determinar acerca de sua destinação. Na ação civil coletiva a condenação em dinheiro é genérica, fixando a condenação do réu pelos danos causados sem, contudo, especificar o quantum e sem indicar os beneficiários, o que será objeto da fase obrigatória da liquidação. Trata-se de sentença de condenação genérica com fixação do an debeatur, pois o quantum debeatur será fixado na liquidação individual (art. 95 do CDC). 31 Nos ensina João Batista de Almeida que justifica tal exigência a própria estrutura da ação coletiva em que as vítimas não são identificadas desde o início do processo nem figuram necessariamente como litisconsortes ativos. Assim, estabelecida a responsabilidade de indenizar, nas fases seguintes, as vítimas são chamadas e identificadas e passam a acompanhar a liquidação e a execução. A condenação em quantia certa inviabilizaria o completo ressarcimento de todas as vítimas. 32 O art. 13 da Lei nº 7.347/85 determina que, nas ações civis públicas, havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado será revertida para um fundo (Federal ou Estadual), cujos recursos serão destinados à reconstituição dos bens lesados. No caso de ação civil coletiva, em se tratando de interesses individuais homogêneos, a condenação será revertida em favor dos próprios interessados individualmente. Ou seja, a condenação é liquidada individualmente em favor de cada um dos consumidores que sofreu o dano. É o que deflui do art. 91 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor. O art. 99 do CDC estabelece que, havendo concurso de créditos decorrentes de interesses difusos e de interesses individuais homogêneos resultantes do mesmo evento danoso, estes serão ressarcidos em primeiro lugar e o que sobrar será destinado para atender a condenação em ação civil pública 33. Enquanto pendentes as ações individuais, a destinação da importância a ser recolhida ao fundo da ação civil pública fica suspensa, salvo quando o patrimônio do devedor-requerido for suficiente para responder pela integralidade das dívidas (art. 99, único, CDC). Nas ações civis públicas e nas ações civis coletivas (e até nas individuais), cujo objeto seja interpretação de um contrato de consumo, o juiz poderá impor a modificação ou revisão de cláusula contratual, decidindo de maneira integrativa-participativa, proferindo sentença de natureza constitutiva (art. 51, CDC). 34 A decisão, nessa hipótese, terá conteúdo constitutivonegativo e mandamental, pois estará criando ou modificando alguns elementos dessa relação jurídica de consumo 35.

Excepcionalmente, a condenação em dinheiro pode ser revertida para o fundo de reconstituição de bens lesados e não para pagamento das vítimas: quando, decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano (art. 100, CDC). Este prazo de um ano, cujo termo a quo é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória (chamado de fluid recovery), visa proporcionar aos substituídos processualmente pelo ente legitimado que propôs a ação coletiva de interesses individuais homogêneos valerem-se do título judicial para promover diretamente a liquidação e a execução do julgado 36. A proposta de conteúdo da portaria trazia em si um vício antigo na legislação brasileira: restringir a informação aos alimentos pré-embalados. Essa assertiva pode ser constatada facilmente pelo item 3.1 da proposta, in verbis: Todo alimento ofertado ao público que tenha sido obtido por de engenharia genética ou que, contendo ingredientes obtidos por engenharia genética, deverá trazer esta informação no rótulo e, ainda, a informação sobre o nome da(s) espécie(s) doadora(s) do(s) gene(s) utilizado(s) na modificação genética, de acordo com os requisitos desta portaria 38. Assim, restava demonstrada a ausência de preocupação sobre informações acerca de modificações genéticas em alimentos expostos à venda sem embalagem. Em setembro de 1999, sugerimos ao diretor do DPDC 39 que a exigência de informações quanto à característica transgênica do alimento fosse estendida a todo e qualquer alimento colocado no mercado de consumo, cumprindo-se o disposto no artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor 40. A nova regulamentação expedida pelo Ministério da Justiça contempla parcialmente a nossa tese, haja vista ressalvar que os alimentos não embalados serão objeto de regulamentação específica. O regulamento técnico para Rotulagem de Alimentos e Ingredientes Geneticamente Modificados traz, no item 1, seu âmbito de aplicação, in verbis: 1 Âmbito de Aplicação: Este Regulamento Técnico aplica-se aos alimentos e ingredientes geneticamente modificados, embalados, definidos neste Instrumento, destinados a consumidor final, sem prejuízo da legislação em vigor. 1.1 Os alimentos não embalados e aqueles que por sua natureza ou forma de oferta e apresentação não possam ser rotulados serão regulados por norma específica... 41 Assim, a normatização sobre informações relevantes sobre alimentos transgênicos será expedida em momento oportuno pelo DPDC 42 e terá de ter como norte, obrigatoriamente os artigos 6º, 9º e 31 do Código de Defesa do Consumidor. A nova portaria sobre alimentos não embalados deverá abranger, inclusive, os restaurantes e lanchonetes, haja vista a importância da informação sobre origem e característica transgênica dos alimentos que estarão à disposição do Consumidor. 5. Conclusões 1. O parecer favorável à liberação comercial de alimentos geneticamente modificados no Brasil, elaborado pela CTNBio 43 fere direitos básicos dos consumidores. 2. O direito à informação sobre a característica transgênica do alimento não se restringe aos produtos pré-embalados, atingindo, inclusive, os elaborados em restaurantes e os alimentos in natura não embalados. 3. A informação sobre a origem do alimento, além de direito básico do consumidor, é importante instrumento para rastreabilidade do dano, tornando-se imprescindível quando tratar-se de alimento geneticamente modificado. 4. A normatização prevista no 1.1 da portaria do Ministério da Justiça 44 é imprescindível para a comercialização e alimentos geneticamente modificados no Brasil.

Murilo de Morais e Miranda é promotor de justiça 1 A Cartilha sobre Transgênicos, do professor Sebastião Pinheiro e editada pelo CREA-RJ, traz-nos a lembrança do professor alemão, interpretado pelo humorista Jô Soares, que fazia cruzamentos estapafúrdios entre minhocas e porcos espinhos, obtendo como resultado arame farpado. 2 Rifkin, Jeremy, O Século da Biotecnologia A Valorização dos Genes e a Reconstrução do Mundo, MAKRON Book do Brasil Editora Ltda. 1999. Tradução de Arão Sapiro. 3 Sigla usada para denominação de organismos geneticamente modificados, nos termos da Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995. 4 Reza o Art. 225 da Constituição Federal Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:... II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;... V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;... 5 Conforme definido na Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995. 6 Conforme definido na Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995. 7 Definido pelo Decreto-Lei nº 986, de 21 de outubro de 1969. 8 Definido pelo Decreto-Lei nº 986, de 21 de outubro de 1969. 9 Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico, órgão do Ministério da Justiça. 10 Consulta Pública nº 02 do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico, órgão do Ministério da Justiça, publicada no DOU de 2 de dezembro de 1999. 11 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, criada pela Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995. 12 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, criada pela Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995 13 Estudo Prévio de Impacto Ambiental 14 Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor 15 Associação Civil Greenpeace 16 Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. 17 Estudo de Impacto Ambiental com o seu conseqüente Relatório de Impacto ao Meio ambiente. 18 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, criada pela Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995. 19 Gama, Hélio Zaghetto, Curso de Direito do Consumidor, Forense, Rio de Janeiro, 1999. 20 Gama, Hélio Zaghetto, Curso de Direito do Consumidor, Forense, Rio de Janeiro, 1999 21 Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Relatório da Delegação Brasileira, citado por Paulo Affonso Leme Machado em parecer sobre o princípio da precaução e o direito ambiental 22 Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência 23 Posição manifestada pela SBPC no Congresso de Porto Alegre, julho de 1999 24 Paulo Affonso Leme Machado, em parecer sobre o princípio da precaução e o direito ambiental 25 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, criada pela Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995 26 Resolução nº 39 da 248ª Assembléia Geral das Nações Unidas 27 Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) 28 Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) 29 Os grifos são nossos 30 Resolução nº 39 da 248ª Assembléia Geral das Nações Unidas 31 VI - A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difuso 32 Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)

33 Eduardo Arruda Alvim, Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto no Código de Defesa do Consumidor. Revista do Consumidor nº 15, p.149 34 Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito 35 Esta informação mostra-se imprescindível para a rastreabilidade de eventuais danos causado aos consumidores 36 Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) 37 Proposta de conteúdo para portaria do Ministério da Justiça visando rotulagem de alimentos obtidos e/ou contendo ingredientes obtidos por engenharia genética 38 Proposta de conteúdo para portaria do Ministério da Justiça visando rotulagem de alimentos obtidos e/ou contendo ingredientes obtidos por engenharia genética. O grifo é nosso 39 Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico, órgão do Ministério da Justiça 40 Tal tese já havia sido sustentada por nós, anteriormente, no G5 do Senado Federal, no Seminário Clonagem e Transgênicos Impactos e Perspectivas 41 Consulta Pública nº 02 do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico, órgão do Ministério da Justiça, publicada no DOU de 2 de dezembro de 1999. O grifo é nosso 42 Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico, órgão do Ministério da Justiça 43 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, criada pela Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995 44 Consulta Pública nº 02 do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico, órgão do Ministério da Justiça, publicada no DOU de 2 de dezembro de 1999