Jorgeanny de Fátima Rodrigues Moreira 1 Universidade Federal de Goiás jorgeannyf@hotmail.com



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A MANIFESTAÇÃO CULTURAL E RELIGIOSA DE TRINDADE (GO): ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS RURAL E URBANO NAS CELEBRAÇÕES SACRO PROFANO NA FESTA DO DIVINO PAI ETERNO Jorgeanny de Fátima Rodrigues Moreira 1 Universidade Federal de Goiás jorgeannyf@hotmail.com Clarinda Aparecida da Silva 2 Universidade Federal de Goiás clarindas@uol.com.br O estudo sobre a festa do Divino Pai Eterno em Trindade tem o objetivo de analisar a atual situação dos moradores de Trindade e as transformações que ocorreram no espaço urbano do município em virtude da exploração turística de uma das manifestações culturais mais importantes do Estado de Goiás. Ademais, pretendemos também mostrar à piedade, a fé, a adoração e a peregrinação destes fiéis em busca do encontro com o sagrado, pautada nas práticas festivas do Divino Pai Eterno. Os recursos utilizados para subsidiar este estudo, foram à observação nos principais pontos turísticos da cidade, entrevistas com moradores e pesquisa bibliográfica. Observa-se em Trindade de Goiás a intensa exploração do Turismo religioso e cultural uma vez que, a principal atração do município é a festa do Divino Pai Eterno, que é uma manifestação cultural popular da comunidade, que perpassa o século. O termo cultural aqui abordado trata-se do que defende Kluckhohm apud Geertz (1989) como o legado social que o indivíduo adquire do seu grupo. Assim sendo, esta manifestação em Trindade está representado por elementos simbólicos como a adoração a Santíssima Trindade e rituais pautados nas ressignificações de costumes e valores estabelecidos durante o processo de transição do período aurífero para uma economia baseada na agricultura e pecuária. 1 Graduada em Planejamento Turístico pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás. Assessora Técnica da Secretaria Municipal de Turismo de Goiânia. Acadêmica do curso de Geografia do Instituto de Estudos Sócio Ambientais da Universidade Federal de Goiás. 2 Professora Mestre da Coordenação de Turismo e Hospitalidade do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Doutoranda em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos Sócio Ambientais da Universidade Federal de Goiás.

2 A religião foi um meio de consolidar os valores sociais no território, que iniciava seu povoamento: as idéias, crenças e rituais, foram sendo reconhecidos como padrões de representação dos grupos sociais, marcadamente católicos. (DUARTE, 2004: 41). A religião era o meio apropriado pelo homem do campo para sair de sua rotina de trabalho árduo e socializar com moradores da mesma região. O isolamento causado pela exploração de terras cada vez mais distantes dos centros urbanos propiciava as ressignificações da religião católica. Os encontros para a devoção se transformam em festa e nesse espaço festivo acontece a fusão do sagrado e profano. Todavia, o milagre não deixa de ser o grande mobilizador de pessoas para o encontro com a imagem da Santíssima Trindade. Trindade de Goiás: História de Fé e Piedade A origem de Trindade está ligada á decadência da exploração do ouro em diversas regiões da província de Goiás, atual Estado de Goiás. No início do século XIX com o esgotamento das minas auríferas muitas pessoas que dependiam direta ou indiretamente dessa atividade econômica, se deslocam para outras regiões do Estado à procura de áreas mais propícias a agricultura e pecuária. A decadência da mineração nas últimas décadas do século XVIII e a sua extinção quase total, ao iniciar-se o século XIX, determinaram uma reformulação fundamental da economia e da forma de vida da população. As cidades decaem, a população se dispersa pelas fazendas, enquanto a lavoura é praticada quase em nível de subsistência e a pecuária busca produzir um excedente com que financiar a importação do indispensável. (BORGES e PALACIN, 1987: 39) Segundo Silva (2005) foi em meados da década de 1830 que o casal mineiro Constantino Xavier e Ana Rosa migrou para as proximidades do Córrego do Barro Preto, localizado no distrito de Santa Cruz, que atualmente recebe o nome de Trindade. De acordo com a história relatada por este autor, foi Constantino Xavier que encontrou em suas terras, o medalhão de barro com a imagem da Santíssima Trindade coroando a Virgem Maria. A partir da descoberta desse medalhão o casal passou a receber frequentemente famílias vizinhas, que rezavam um terço em devoção ao Divino Pai Eterno. A segunda versão da origem do santo em Trindade diz que os mineiros Constantino e sua esposa Ana Rosa trouxeram para Goiás a imagem do santo de

3 devoção da família. Ao contrário da história que atribui o encontro milagroso do homem com o sagrado, o agricultor é responsável por socializar com os outros moradores da região, sua fé, crenças e valores. Com o aumento do número de fiéis que chegavam a Santa Cruz para adorarem a imagem da Santíssima Trindade, Constantino construiu uma capela, no mesmo local onde hoje é o antigo Santuário de Trindade. Em decorrência, Constantino Xavier percebeu a necessidade de uma imagem maior, então decidiu fazer uma réplica da figura encontrada no medalhão, e então encomendou o serviço ao escultor Veiga Valle que residia em Pirenópolis (GO). A partir da construção da capela e da nova imagem, a tradição e o número de devotos cresceram ainda mais, e em 1894 chegaram os missionários redentoristas, vindos da Alemanha. A chegada destes padres teve a intenção de dar um sentido mais clerical à festa. A partir deste momento, são eles que passam a dirigir os cantos, as novenas às rezas, a procissão e a missa. (DEUS e SILVA, 2003, p.50). Antes da chegada dos padres redentoristas as missas eram rezadas por pessoas comuns e conforme o relato do padre entrevistado, responsável pelo Santuário Velho (Igreja Matriz) - [...] hoje, a festa é melhor que antes dos padres da Alemanha chegar. [Antigamente] existia muita bagunça e prostituição. Por isso chamaram os padres para organizar. Com o reconhecimento da festa em outros lugares do Estado e do país a então capela construída por Constantino ficou pequena para receber tantos fiéis devotos do Divino Pai Eterno. Então, entre 1911 e 1912 foi construído o atual Santuário velho (Igreja Matriz). Com esta mudança a romaria ficou ainda maior e o comércio também ganhou impulso. Contudo, a agricultura e a pecuária continuavam sendo as principais atividades econômicas do município. A festa tradicional em homenagem a Santíssima Trindade acontecia predominantemente no meio rural. Os moradores de regiões mais afastadas seguiam a Trindade de carros de boi ou até mesmo a pé. Eram horas de viagem feita com muita alegria, fé e devoção. Os romeiros representavam o sentimento de identidade coletiva, eram homens simples do campo que lidavam com a roça e durante a festa agiam como se fossem membros de uma mesma irmandade. A festa rompia com isolamento social e dos conflitos provocados pela rotina.

4 Nasce uma tradição pautada na peregrinação de fiéis ao espaço sagrado e ao mesmo tempo festivo. Para Habsbawan (1997: 17), uma tradição surge com o propósito de socialização, inculcação de idéias, valores, estabelecendo práticas rituais que identifiquem, legitimem e dê coesão a determinado grupo. Um fato importante na história da tradição de romaria e festa em Trindade é a construção do Santuário Novo. De acordo com informações do sítio eletrônico da atual Basílica de Trindade, em 1943 o então arcebispo de Goiás, Dom Emanuel Gomes de Oliveira, comemorou com os romeiros o Centenário da Romaria de Trindade e nessa ocasião, para marcar o evento fez o lançamento da pedra fundamental do atual Santuário Novo. Em 1994 acontece a reforma do Santuário, contando com o apoio e trabalho dos devotos moradores de Trindade, transformando a Igreja na única Basílica do Estado de Goiás. Manifestações de Religiosidade e Devoção ao Divino Pai Eterno: romaria, promessas e milagres Na cultura latino-americana existe uma grande diversidade de manifestações religiosas que vão desde rituais supersticiosos das massas, até as manifestações fervorosas e metódicas dos religiosos católicos e protestantes. A procura por lugares sagrados para pagarem promessas e adorarem a mesma divindade resulta na construção de uma manifestação cultural popular. A simbologia desta festa e os objetos usados durante a celebração das missas é uma forma de integrar a comunidade que rezam e adoram a um Deus em comum. Mesmo aqueles que se dizem totalmente agnósticos sentem-se tentados a fazer uma promessa, um pedido a Deus. Eles, provavelmente, já pensaram em fazer uma oração pedindo algo importante a uma entidade Divina, que não se tem certeza da existência, mas sabe que será atendido. Esse sentimento, essa vontade de querer aproximar-se do sagrado é muito intensa na cultura latino-americana. Temos uma sensibilidade religiosa muito forte. (SILVA, 2005: 53). A religiosidade é um fenômeno que sempre existiu e é muito discutido por atividades pastorais e profissionais de teologia, filosofia e história. Na história das religiões, as manifestações religiosas quase sempre têm início num ambiente leigo, de cultura simples. Essas manifestações se resumem em fazer votos, promessas, romarias,

5 e todas influenciadas pela igreja. No caso da Igreja Católica, essa influência tem início na catequese e a tradição é mantida por várias gerações. A Igreja que incentiva a romaria a lugares sagrados é um exemplo de igreja que prioriza a sacramentalização, tornando-a mais importante que a evangelização. Segundo Silva (Ibidem): É muito comum e isso é próprio da cultura do povo a vontade de tocar o sagrado: pedir e receber uma bênção; beijar uma fita que está ligada á imagem do santo; receber água benta; levar uma vela ou um ramo bento para casa. Todos esses gestos são sinais de que estamos cumprindo as obrigações de nossa religião. Condenar ou sublimar essas atitudes não são soluções pastorais viáveis, visto que são formas de o provo professar sua fé, sua devoção. É esta fé, reveladas por sacrifícios, que levam os fiéis de Trindade de Goiás a demonstrar piedade, generosidade e amor ao próximo. É nesse momento, que fiéis do país inteiro se dão as mãos, rezam e se aproximam do sagrado. São milhares de pessoas que passam pelo Santuário Velho (Igreja Matriz) e Santuário Novo (Basílica) para agradecerem a pedidos atendidos pelo Divino Pai Eterno ou pelas graças recebidas que consideram milagres. A maneira de alguns fiéis agradecerem o Divino Pai Eterno são atos de mortificação, como subirem escadas da Basílica de joelhos ou fazer jejuns durante todo o tempo em que estão assistindo as missas realizadas durante a festa. Além desses atos, diversos objetos são depositados como sinal de agradecimento pelos milagres recebidos. Gomes (2005) reforça essa discussão evidenciando o depoimento de alguns devotos que afirmam ter recebido milagres do Divino Pai Eterno. No dia 8 de abril de 1996, meu filho foi raptado por bandidos em Brasília, e solto em Goiânia. Graças a Deus, não aconteceu nada com ele. Tenho certeza de que em todos os momentos ele lembrou do Divino Pai Eterno (D.P. Goiânia, Go). 3 No subsolo do Santuário do Divino Pai Eterno (Basílica), encontra-se a sala dos milagres, onde são depositados os ex-votos, como são chamados os objetos que os devotos deixam em agradecimento pelas graças alcançadas. Dentre esses objetos destacam-se fotografias, depoimentos, roupas, pinturas, objetos de cera (braços, pernas, etc.), instrumentos musicais, resíduos cirúrgicos, etc., conforme Figuras 1 e 2. 3 Tais entrevistas foram concedidas ao Padre Antônio Gomes da Silva, para a realização de seu trabalho sobre a romaria de Trindade em Goiás. Esse trabalho resultou no livro O Divino Pai Eterno e o santíssimo de Trindade 1º Ed. Brasília - DF: Centro de Pastoral Popular, 2005, que relata além da história da origem da tradição como a peregrinação de fiéis nas festas atuais.

6 Figura 1: Fotos de fiéis, depositados na Sala dos Milagres. Autor: MOREIRA, Jorgeanny Figura 2: Objetos pessoais do cantor Leandro. Autor: MOREIRA, Jorgeanny. A sala dos milagres é um espaço aberto também à visitação. É um local para que os fiéis possam fazer suas reflexões, orações e pedidos de graças ao Divino Pai Eterno, admirar os milagres alcançados pelos ex votos e reforçarem a convicção na fé e na existência do sagrado. A Festa do Divino Pai Eterno, o Turismo e a Comunidade Local Conforme já mencionamos a festa do Divino Pai Eterno é antiga, portanto, faz parte da vida da comunidade de Trindade. Muitos moradores aproveitam a festa para trabalharem. Alguns moradores alugam suas calçadas para os comerciantes montarem suas barracas, ou eles próprios vendem água e bebidas ou vigiam carros para os visitantes. Desta forma, percebe-se a apropriação que os moradores fazem do turismo religioso para a prática de relações comerciais. O turismo por sua vez, se apropriou da história de fé e valores do município, já que antes de se pensar em turismo cultural, deve-se primeiro lugar valorizar o passado (ÂNGELO 2004, p.47). No caso de Trindade é possível observar uma exploração mais forte do turismo religioso, já que apropriação por parte do turista acontece durante a festa religiosa. Todavia, muitos turistas são atraídos para o município não apenas por motivos religiosos, mas em busca de lazer e diversão. Esta relação é de certa forma uma atitude descompromissada por parte do freqüentador da festa religiosa, que em sua visita ignora

7 o sentido cultural da viagem. Para Steil (1998) apud Silveira (2004), o turismo religioso acontece quando o sagrado migra como estrutura de percepção para o cotidiano, para as atividades festivas, o consumo, o lazer, quando enfim, os turistas passam a viver eventos [...] não mais vinculados a tradição cristã [...], mas como uma experiência inusitada, espiritual e consumista ao mesmo. Outrossim, o turismo religioso leva movimentação econômica para o pequeno município de Trindade. Essa atividade proporciona o crescimento do centro urbano, onde surgem determinados serviços e formas de lazer decorrente da necessidade de acomodar os visitantes que chegam para as festividades. Nesse caso, a atual relação entre religião e turismo propicia um diálogo com outros lugares da cidade: as praças públicas, bares, restaurantes, hotéis [...] (CALVELLI, 2009: 81). Contudo, o crescimento do turismo não apenas valoriza e movimenta a economia do município, mas também exclui grande parte da população do processo de turistificação e modifica os hábitos da comunidade. Segundo Silveira, por um lado essa atividade é uma oportunidade de negócios [...] abertura de hotéis, comércios, novos empregos, mas por outro lado pode inflacionar, congestionar a vida cotidiana da comunidade local: preços mais altos, especulação imobiliária, etc. (SILVEIRA, 2004: 4). A festa que antes estava pautada nas práticas religiosas como rituais simbólicos de adoração a uma entidade divina, passa a ter um valor econômico. Os valores ganham novos significados, a identidade da comunidade passa pro transformações em virtude da influência econômica. Os saberes são remodelados para agregar valor e significados para o outro, para quem deseja mais que conhecer o espaço festivo, mas a cultura e tradição da comunidade autóctone. A romaria em carros de bois, forma tradicional de muitos romeiros chegarem ao município, foi modificada para não atrapalhar outros religiosos que vêm de longe adorar a Santíssima Trindade. Essa tradição transformou-se em alegoria para o turismo, uma atração provinciana para chamar a atenção daqueles que não são goianos e não conhece as histórias dos mais velhos acerca de suas viagens nos carros de bois. Mais que isso, as ressignificações da festa prejudica parte dos moradores que reclamam do barulho ocasionado pela grande movimentação de pessoas e carros com sons automotivos durante a festa do Divino Pai Eterno. Eles se queixam das ruas sujas e desorganizadas, do número de pedintes que aumentam em grande proporção, dos carros

8 que estacionam em qualquer lugar e das brigas que são freqüentes entre os próprios devotos, dentre outros problemas ocasionados pelo número excessivo de visitantes à cidade nesse período. O depoimento do senhor Jaime que mora há 12 anos em Trindade, exemplifica essas considerações Sou Católico, mas não sou praticante; mas minha esposa é praticante. Para quem vem de fora à festa é boa, mas para quem mora aqui não é não, por causa do barulho. Durante a festa do Divino, Trindade não para. Vale destacar aqueles moradores que gostam da cidade e da festa, participam da procissão e são devotos do Divino Pai Eterno. Além disso, eles percebem e ressaltam os aspectos positivos do turismo religioso no município. Entretanto, não deixam de destacar os aspectos negativos da festa, como o senhor José Caetano que mora em Trindade há 40 anos. Assisto à procissão, que dura nove dias, vou as missas, mas nunca fui a rodovia dos romeiros. Sempre faço sacrifícios e novenas. Eu acho que os preço dos produtos são os mesmo durante as festas. Para quem trabalha é muito bom, a festa traz investimentos para a cidade e mais alegria para todos. [Porém] toda festa tem seus defeitos, o povo bebe mesmo e perde o juízo. Além de proporcionar mais rendimentos para a igreja e para quem trabalham na festa, os investimentos no espaço urbano, por parte do poder público, são evidentes. Há a preocupação em reorganizar a cidade, de forma a propiciar mais acessibilidade e conforto aos visitantes. Ademais, apesar de Trindade ter se tornado um atrativo para o turismo religioso de uma forma abrupta, a cidade tem se revelado muito receptiva e acolhedora. Isso foi perceptível quando visitamos o comércio local, os moradores/comerciantes estão sempre com um sorriso no rosto e prontos para atender com disposição. Eles respondem com orgulho quando o assunto é a religiosidade. Os padres se mostram sempre dispostos a atender uma visita, e a informar os visitantes acerca da história das Igrejas e da origem da festa do Divino Pai Eterno. O turista quase sempre deixa a cidade encantado. Mesmo em dias que não tem festa há turistas em Trindade. Apesar das modificações de algumas características da festa no decorrer dos anos, a introdução de novos objetos e as novas formas aplicadas à infra-estrutura da cidade, o número de visitantes só tende aumentar, conforme relata a moradora e zeladora do Santuário Velho (Igreja Matriz):

9 A festa atualmente esta mais moderna, esta diferente, não tem as mesmas características que antigamente. A igreja não é só um ponto turístico não, aqui ainda acontecem casamentos, batizados e primeira comunhão, mas vêm muito turista e estudantes de outras cidades para fazerem trabalhos... Tem gente que vem também pra pagar promessa e rezar aqui para o medalhão. É notável que a manifestação religiosa em Trindade, devido ao impulso inovador do turismo em torno da festa religiosa e da história de milagres e devoção, agregam valor econômico e modifica o modo de vida do local. Os freqüentadores das rezas, que eram concentradas na capela do medalhão da Santíssima Trindade, passaram a percorrer toda a cidade, em forma de feiras, lojas, bares, restaurantes, enfim a festa se modernizou. Segundo Calvelli (2009, p. 79), o que podemos observar é o surgimento de novas formas de religiosidade, no horizonte da vida do homem contemporâneo, além da coexistência cada vez maior de práticas do universo religioso com os valores e práticas ditas modernas e secularizadas. Percebe-se a modernização do espaço festivo para atender as novas exigências do mundo globalizado e às pessoas que chegam, principalmente aos jovens que se aproximam da fé cristã e das formas de diversão que a cidade oferece na ocasião da festa. Os valores e costumes que deram origem a festa foram transformados em novas práticas de adoração ao Divino Pai Eterno. Portanto, e a festa tornou-se consumo do/para o turismo religioso e cultural. O município está se adaptando as novas normas do mercado, valores e hábitos, mas ainda permanece nas motivações da prática religiosa, dos costumes e das tradições locais. Referências ANGELO. Elis Regina Barbosa. As festas do Divino Espírito Santo nas ilhas terceira e São Miguel nos Açores. In Revista Eletrônica de Turismo Cultural. Vol. 3 nº 01, 2009. ISSN 1981-5646. BARRETTO. Margarita. Relações entre Visitantes e Visitados: um retrospecto dos estudos sócio antropológicos. Revista Turismo em Análise. Vol 15, n. 2, nov. 2004, p. 133-149. BORGES, Ana Maria; PALACIN, Luis. SPHAN/Pró-Memória, 1987. Patrimônio Histórico de Goiás. Brasília: CALVELLI, Haudrey Germiniani. Turismo Religioso no Caminho da Fé. In Revista Eletrônica de Turismo Cultural. Vol.3, nº 1, 2009. ISSN 1981-5646.

10 CAMARA MUNICIPAL CONGONHAS. Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos. Disponível em: < http://www.camaracongonhas.mg.gov.br/festas.htm>. Acesso em: 15 de Novembro de 2009. DEUS, Maria Socorro; SILVA, Mônica Martins. História das festas e religiosidades em Goiás. Goiânia: Editora Alternativa, 2003. DUARTE, Valquiria Guimarães. O Carreiro, a Estrada e o Santo: um estudo etnográfico sobre a romaria do Divino Pai Eterno. Dissertação de Mestrado. Universidade Católica de Goiás, 2004. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. GRUNEWALD. Rodrigo de Azevedo. Turismo e Etnicidade. In Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 9, nº 20. p. 141-159, outubro de 2003. PIRENOPOLIS. Sobre a Cidade Folclore. Disponível em: < http://www.pirenopolis.com.br/exibenoticia.jsp?pknoticia=350>. Acesso em: 15 de Novembro de 2009. PREFEITURA DE TRINDADE. Religiosidade em Trindade. Disponível em: <http:// www.trindade.go.gov.br>, acesso em 24 de maio de 2007. SANTUÁRIO BASÍLICA DO DIVINO PAI ETERNO. Devoção. Disponível em: < http://www.paieterno.com.br/?class=textos&method=onlistar&tipo=devocao> Acesso em 17 de Novembro de 2009. SILVA, Antônio Gomes da. O Divino Pai Eterno e o santíssimo de Trindade. 1º Ed. Brasília - DF: Centro de Pastoral Popular, 2005. SILVEIRA, Emerson J. Sena. Turismo Religioso Popular? Entre a Ambigüidade Conceitual e as Oportunidades de Mercado. In Revista de Antropologia Experimental. nº 4, 2004. ISSN 1578-4282.