TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Batatais-SP Nº Processo: Registro: ACÓRDÃO

Transcrição

1 fls. 106 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado nº , da Comarca de Altinópolis, em que é recorrente XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX., é recorrido ALEXANDRE ANTÔNIO SOARES DE AGUIAR. ACORDAM, em Turma Recursal Cível e Criminal do Colégio Recursal - Batatais, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso, por V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos MM. Juízes ADRIANA APARECIDA DE CARVALHO PEDROSO (Presidente), MARIA ESTHER CHAVES GOMES E FABIO MARQUES DIAS. Batatais, 7 de fevereiro de Adriana Aparecida de Carvalho Pedroso RELATOR 1

2 fls. 107 Recurso nº: Recorrente: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX. Recorrido: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX Voto nº Ementa: Ação de Obrigação de Fazer c.c Danos Morais. Exclusão de Gravame de Alienação Fiduciária de Veículo. Responsabilidade do Credor. Resolução nº 124/2001 do CONTRAN. Descumprimento que gerou a negativação do devedor fiduciário no CADIN. Dano Moral "in re ipsa". Sentença mantida. Negado provimento ao recurso. VISTOS. Relatados estes autos de Recurso Inominado nº , oriundo da Comarca de Altinópolis, em que é recorrente XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e recorrido XXXXXXXXXXXXXXXXX, apresento o voto que segue, nos seguintes termos: O recorrente apresentou o presente recurso da r. sentença de fls. 79/81, cujas razões foram juntadas a fls. 83/88. Processado, foram apresentadas as contrarrazões a fls. 99/102. Em síntese, o recorrente requereu a reforma integral da sentença proferida, a fim de julgar improcedente o pedido inicial. Argumentou que o juízo de origem não observou a legislação vigente ao proferir a sentença e que a propriedade do veículo sempre foi da recorrente e, em razão disso, não teria obrigação de fazer a transferência de titularidade do veículo. Alegou ser incabível a condenação em danos morais, posto que não agiu com dolo ou culpa, e que o recorrido não sofreu prejuízos de qualquer natureza. tal como foi proferida. O recorrido, por sua vez, pleiteou a manutenção da sentença, 2

3 fls. 108 Passo a votar. Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com danos morais proposta pelo recorrido em face da recorrente, sob a alegação de que havia entre as partes contrato de consórcio em que o recorrido foi contemplado, contudo, em razão do inadimplemento do pagamento das parcelas, foi realizada busca e apreensão, sendo devolvido o veículo à recorrente em agosto de O recorrido informou, ainda, que foi surpreendido com dívidas tributárias incidentes sobre o veículo, tendo seu nome sido inscrito no CADIN, ocasião em que ficou ciente de que a recorrente não tinha realizado a transferência do veículo para sua titularidade, desde a efetivação da busca e apreensão. A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido, determinando a realização da transferência do veículo à recorrente, bem como a quitação de todas as dívidas incidentes sobre ele e a retirada do nome do recorrido do CADIN, bem como condenou ao pagamento de indenização por danos morais no importe de doze mil reais. A recorrente, por sua vez, alegou que não tinha obrigação de fazer a transferência da propriedade do veículo, posto que sempre foi proprietária, não descumprindo nenhuma determinação legal. Em sua defesa, a recorrente abordou a questão relativa à inadimplência do recorrido, bem como requereu que se afaste a condenação por danos morais, alegando que não houve qualquer prejuízo suportado e que a falta de transferência do veículo seria mero descumprimento contratual, o que não ocasiona dano moral. origem. Contudo, a sentença deve ser mantida, conforme proferida na Verte-se dos documentos juntados aos autos que havia entre as partes contrato de consórcio, sendo o recorrido contemplado durante sua vigência e, como deixou de pagar as parcelas, houve busca e apreensão do veículo, o qual foi devolvido à recorrente em agosto de 2003, conforme documento de fls. 25/26. Nos autos de busca e apreensão foi proferida sentença (fls. 27/29) de procedência, consolidando a propriedade e a posse plena e exclusiva do 3

4 fls. 109 veículo à recorrente, com trânsito em julgado em 16 de junho de 2004 (fls. 30). O documento de fls. 32 informou que não havia óbice à realização da transferência do veículo à recorrente, assinalando, todavia, que a baixa do gravame é de competência da recorrente, nos termos da Resolução n 124/2001 do Contran. Os documentos de fls. 34/41, por sua vez, demonstram a existência de dívidas tributárias incidentes sobre o veículo em nome do recorrido mesmo após a retomada da posse pela recorrente, inclusive com a inscrição do nome do recorrido no CADIN. Há de se observar que, nesses tipos de contratos, o que se tem é uma propriedade resolúvel por parte do credor, tendo em vista que o devedor transfere o bem ao credor com a finalidade de garantir a dívida. Ressalta-se que, tratando-se de propriedade fiduciária, o que se tem é um desdobramento da posse, sendo o devedor (recorrido) possuidor direto do veículo e o credor (recorrente) possuidor indireto. Contudo, tendo em vista as características peculiares, a propriedade fiduciária se concretiza com o registro do contrato na repartição competente para o licenciamento do veículo, fazendo-se anotação no certificado de registro, a fim de que a responsabilidade tributária, as possíveis multas e demais obrigações relativas ao veículo sejam vinculadas ao possuidor direto. Assim, quando não há o adimplemento do contrato por uma das partes, há a possibilidade de resolução do contrato, com o pedido de busca e apreensão do bem dado em garantia, conforme a hipótese "sub judice", ocasião em que o credor (recorrente) torna-se proprietário pleno do bem, devendo responder por todas as obrigações tributárias, nos termos do artigo 1368-B do Código Civil. Nesta hipótese, deverá ser retirado o gravame, emitindo-se novo Certificado de Registro de Veículos (CRV), a fim de regularizar a propriedade e a posse, bem como todas as demais obrigações decorrentes delas. Destaca-se que a propriedade do bem deixa de ser fiduciária, ou seja, resolúvel, e passa a ser efetivamente do credor (recorrente). Nos termos da Resolução nº 124/2001 do CONTRAN, a 4

5 fls. 110 responsabilidade para inclusão e retirada de gravames de veículos relativos à alienação fiduciária é de responsabilidade exclusiva das empresas credoras, inexistindo aos órgãos ou entidades executivos de trânsito obrigações sobre a imposição de quaisquer exigências legais. Tal conduta é imposta pela legislação ao credor fiduciário e não decorre de contrato, sendo que a recorrente não poderia se escusar de sua aplicação, ainda porque tinha conhecimento comprovado da necessidade, conforme comprovam os documentos de fls. 32 e 64. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REGISTRO DE GRAVAME DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA SOBRE O VEÍCULO JUNTO AO DETRAN. CONTRATO QUITADO. OBRIGAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM PROMOVER A SUA BAIXA DE ACORDO COM O DISPOSTO NA RESOLUÇÃO Nº 124 DO CONTRAN. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº , Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Sbravati, Julgado em 15/03/2012). (grifo nosso) Ainda: APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. REGISTRO DE GRAVAME DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA SOBRE O VEÍCULO JUNTO AO DETRAN. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. CONTRATO QUITADO. OBRIGAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM PROMOVER A SUA BAIXA DE ACORDO COM O DISPOSTO NA RESOLUÇÃO Nº 124 DO CONTRAN. DANO IN RE IPSA. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO, DAS ASTREINTES E DA CONDENAÇÃO EM LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº , Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Sbravati, Julgado em 08/09/2011).(grifo nosso) Demonstrado, portanto, que o juízo "a quo" julgou em conformidade com a legislação aplicável, sendo totalmente acertado o acolhimento do pedido de obrigação de fazer a fim de que a recorrente retirasse o gravame do veículo e respondesse pelas dívidas tributárias e de demais natureza incidentes sobre o veículo 5

6 fls. 111 desde sua restituição. Em relação à condenação em decorrência de dano moral, também acertada a decisão de origem. Os documentos de fls. 34/41 demonstram a existência de dívida tributária em nome do recorrido, constituídas após a devolução do bem à recorrente, quando não mais era responsável pelo adimplemento de tais obrigações. Em razão dessas dívidas, o nome do recorrido foi inscrito no CADIN (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Estadual), havendo, portanto, sua negativação. A inscrição indevida de nome nos referidos órgãos gera o direito de ressarcimento por dano moral in re ipsa, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, decorre do próprio ato, dispensando a comprovação efetiva do dano. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO INCAPAZ DE ALTERAR O JULGADO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 282/STF. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO IN RE IPSA. DANOS MORAIS. VALOR. PARÂMETROS DESTA CORTE. 1. Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos. 2. Ausente o prequestionamento, até mesmo de modo implícito, de dispositivos apontados como violados no recurso especial, incide o disposto na Súmula nº 282 do STF. 3. Em casos como o dos autos, no qual se discute a comprovação do dano moral em virtude da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o dano moral se configura in re ipsa, ou seja, prescinde de prova do dano moral, que é satisfeita com a demonstração da existência de inscrição indevida nos cadastros de inadimplentes. 4. A fixação da indenização por danos morais baseia-se nas peculiaridades da causa. Assim, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, somente comporta revisão por este Tribunal quando irrisória ou exorbitante, o que não ocorreu na hipótese dos autos, em que o valor foi arbitrado em R$ ,00 (quatorze mil reais). Precedentes. 5. Agravo regimental não 6

7 fls. 112 provido. (AgRg no AREsp /SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 25/04/2012)(grifo nosso) Assim, não se pode acolher a argumentação da recorrente de que os danos morais são indevidos. Por fim, em relação aos argumentos da recorrente acerca da questão do inadimplemento contratual, consigno que tais fatos não constituem objeto da demanda instaurada, devendo, se for o caso, buscar os meios hábeis para discutir sua pretensão. Ante o exposto, VOTO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e mantenho a sentença recorrida, tal como proferida na origem. Em razão da sucumbência, o recorrente arcará com o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios no valor de 10% do total da condenação, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95. Adriana Aparecida de Carvalho Pedroso Juíza Relatora 7