Metabolismo do Glicogénio
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- Cássio Mota da Silva
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1 Metabolismo do Glicogénio Metabolismo do glicogénio; Rui Fontes 1- O glicogénio é um polímero que contém resíduos de glicose ligados por ligações glicosídicas α(1 4) e, nos locais de ramificação, glicosídicas α(1 6). A sua estrutura pode ser comparada a uma árvore em que o tronco (1ª camada) se ramifica em dois ramos (2ª camada) e assim sucessivamente. Estima-se que, in vivo, uma molécula de glicogénio contenha até resíduos de glicose e que cerca de 1/6 das ligações seja de tipo α(1 6). Porque a pressão osmótica depende apenas do número de moléculas e não do tamanho destas, a formação do glicogénio permite a acumulação de glicose nas células sem aumentar a pressão osmótica dentro destas. 2- O glicogénio existe no citoplasma de todas as células do organismo, mas é mais abundante no fígado e músculos esqueléticos e muito escasso no cérebro. A concentração normal de glicogénio hepático flutua normalmente entre 1 e 6% (massa/massa de fígado). Nos músculos esqueléticos as concentrações limite são cerca de 5 vezes inferiores às do fígado mas, porque a massa dos músculos é muito superior à do fígado, há normalmente mais glicogénio nos músculos que no fígado. Um adulto, após várias refeições ricas em glicídeos, pode acumular cerca de 100 g de glicogénio no fígado mas, após vários dias em jejum, pode aproximar-se de zero. No caso dos músculos de um adulto o valor máximo pode ser na ordem dos 350 g diminuindo se, simultaneamente, se fizer exercício físico e a dieta for pobre em glicídeos. É de notar que os 450 g de glicogénio que um indivíduo pode acumular no organismo correspondem à glicose que um indivíduo adulto, com uma dieta normal (e com cerca de 70 kg de peso), oxida por dia. 3- Cada molécula de glicogénio encontra-se ligada a uma proteína denominada glicogenina por uma ligação glicosídica que envolve o primeiro resíduo de glicose do tronco e um resíduo de tirosina da glicogenina. A denominação de glicogenina tem origem no facto de esta proteína estar na génese do glicogénio funcionando como iniciador (primer) na formação de uma nova molécula de glicogénio. 4- A glicogénese é a via metabólica pela qual as moléculas de glicogénio crescem por transferência de resíduos glicose para os grupos 4-OH livres dos resíduos glicose das extremidades (camada mais periférica). (i) Se partirmos de glicose a primeira enzima a atuar é uma cínase de hexoses (no caso do fígado a hexocínase IV, também conhecida como cínase da glicose) que catalisa a sua fosforilação a glicose-6- fosfato (ver Equação 1). (ii) Pela ação catalítica da fosfoglicomútase, a glicose-6-fosfato sofre isomerização convertendo-se em glicose-1-fosfato (ver Equação 2). (iii) A glicose-1-fosfato formada reage com o UTP (uridina-trifosfato) levando à formação de UDPglicose (uridina-difosfato de glicose) e PPi (ação catalítica da pirofosforílase da UDP-glicose; ver Equação 3). Tal como já acontecia na glicose-1-fosfato, na UDP-glicose, a ligação entre o resíduo de glicose e o fosfato β do UDP é de tipo glicosídica porque envolve o carbono anomérico da glicose. (iv) No processo de transferência de unidades de glicose para os ramos periféricos do glicogénio em crescimento o dador é o UDP-glicose, a ligação entre a unidade de glicose adicionada e o resíduo de glicose que a precede é de tipo glicosídica α(1 4) e a enzima que catalisa o processo designa-se por síntase do glicogénio (ver Equação 4). (v) Quando um dado ramo atinge um mínimo de 11 resíduos atua a enzima ramificante que catalisa a transferência intramolecular de uma cadeia com cerca de 7 resíduos de glicose de uma extremidade para um grupo 6-OH livre de um resíduo de glicose de uma cadeia vizinha. Neste processo rompe-se uma ligação α(1 4) e forma-se uma ligação α(1 6). Com exceção da reação catalisada pela fosfoglicomútase todas as reações da glicogénese são fisiologicamente irreversíveis; no caso da ação da pirofosforílase da UDP-glicose a irreversibilidade é uma consequência da ação da pirofosfátase inorgânica (ver Equação 5) que mantém a concentração de PPi dentro das células praticamente nula. A molécula de UTP que se consome durante a glicogénese é regenerada pela ação da cínase de nucleosídeos-difosfato (ver Equação 6). O somatório das Equações 1-6 é a Equação 7. A adição de uma molécula de glicose na síntese do glicogénio é um processo endergónico que ocorre acoplado com a hidrólise de ligações ricas em energia do ATP e do UTP. Considerando a ação da cínase dos nucleosídeos-difosfato também é legítimo dizer que, partindo de Página 1 de 7
2 glicose, se gastam duas ligações ricas em energia do ATP na formação de uma ligação glicosídica no glicogénio. O gasto de ATP é uma situação comum nas vias anabólicas 1. Equação 1 Equação 2 Equação 3 Equação 4 Equação 5 Equação 6 Equação 7 glicose + ATP glicose-6-fosfato + ADP glicose-6-fosfato glicose-1-fosfato glicose-1-fosfato + UTP UDP-glicose + PPi UDP-glicose + glicogénio( n resíduos ) glicogénio( n+1 resíduos ) + UDP PPi + H 2 O 2 Pi ATP + UDP ADP + UTP glicogénio( n resíduos ) + glicose + 2 ATP glicogénio( n+1 resíduos ) + 2 ADP + 2 Pi 5- No metabolismo do glicogénio, a glicogenólise é a via catabólica. (i) A fosforílase do glicogénio catalisa a fosforólise do glicogénio; ou seja, catalisa a transferência de resíduos glicose das extremidades periféricas com grupos 4-OH livres para o Pi formando glicose-1- fosfato (ver Equação 8). Neste processo os ramos periféricos vão sendo encurtados por subtração de resíduos de glicose. (ii) A glicose-1-fosfato formada pela ação da fosforílase sofre isomerização gerando glicose-6-fosfato (ver Equação 2). (iii) A desramificação do glicogénio é catalisada por uma enzima (enzima desramificante) com duas atividades catalíticas que atuam sequencialmente: (1) transferência intramolecular de maltotriose (3 resíduos de glicose ligados por ligações α(1 4)) de um ramo com 4 resíduos que expõe um resíduo de glicose ligado por ligação α(1 6) e (2) hidrólise desta ligação α(1 6). Assim, na atividade de transferência rompe-se uma ligação α(1 4) e forma-se uma outra do mesmo tipo num ramo próximo daquele onde ocorreu a rotura, enquanto na atividade hidrolítica um resíduo de glicose que estava ligado ao resto da molécula por uma ligação α(1 6) resulta na formação de glicose livre (ver Equação 9). Equação 8 Equação 9 glicogénio( n resíduos ) + Pi glicogénio( n-1 resíduos ) + glicose-1-fosfato glicogénio( n resíduos; resíduo de glicose exposto ligado por ligação α(1 6) ) + H 2 O glicogénio( n-1 resíduos ) + glicose 6- No fígado, a glicogénese está ativada e a glicogenólise inibida quando, durante a absorção intestinal de glicídeos, a glicemia aumenta. Estima-se que, aquando da absorção de uma refeição contendo glicídeos, cerca de 1/5 da glicose absorvida seja convertida em glicogénio hepático durante as 5 horas que se seguem à refeição [1, 2]. Uma outra fração de valor provavelmente semelhante é acumulada como glicogénio muscular [3]. O aumento de glicemia após uma refeição contendo glicídeos é amortecido 2, quer porque há formação de reservas de glicogénio, quer porque fica estimulada a oxidação de glicose em diferentes tecidos do organismo (nomeadamente tecidos muscular, adiposo e hepático) Quando a velocidade de entrada de glicose no sangue passa a ser menor que a velocidade com que é captada nas células do organismo, a glicemia começa a descer. Isto acontece no fim do processo absortivo quando a velocidade de entrada de glicose do lume intestinal para o sangue diminui marcadamente. A descida da glicemia leva, no fígado, ao desencadear de mecanismos homeostáticos que envolvem a ativação da glicogenólise e a inibição da glicogénese. No fígado, a presença de glicose- 6-fosfátase (ver Equação 10) permite que a glicogenólise (a par com a gliconeogénese) leve à formação de glicose livre que, vertida na corrente sanguínea, é consumida pelos tecidos extra-hepáticos. A Equação 11 é a equação soma relativa às ações sequenciadas da fosforílase do glicogénio (ver Equação 1 A via descrita neste ponto também se pode designar por glicogénese direta. No caso do fígado a síntese de glicogénio também pode ocorrer via conversão de substratos da gliconeogénese em glicose-6-fosfato e subsequente conversão da glicose-6-fosfato em glicogénio. Esta via costuma designar-se por glicogénese indireta. 2 Considerando que há cerca de 12 g de glicose livre no líquido extracelular poderia esperar-se que, na ausência de mecanismos homeostáticos, a ingestão de, por exemplo, uma refeição com 100 g de glicídeos poderia aumentar a glicemia em mais de 10 vezes. No entanto esse aumento é apenas na ordem dos 50%. 3 No cérebro, o combustível preferencial é sempre a glicose e só após um período de jejum muito prolongado (mais de um dia) há substituição de parte desta glicose por compostos derivados das gorduras que se designam por corpos cetónicos. Assim, no cérebro, só se pode falar de estimulação da oxidação da glicose pela ingestão de glicose se esta ingestão for precedida de um período de jejum prolongado. Neste caso, os corpos cetónicos são substituídos por glicose. Página 2 de 7
3 8), da fosfoglicomútase (ver Equação 2) e da glicose-6-fosfátase (ver Equação 10); é de notar que o fosfato inorgânico consumido durante a ação da fosforílase se liberta durante a ação da glicose-6- fosfátase. O fígado é um órgão central no metabolismo da glicose: acumula glicose na forma de glicogénio quando a glicemia está elevada e, via glicogenólise e gliconeogénese, forma glicose que verte para o sangue (e, em última análise, para os outros tecidos) quando a glicemia baixa durante o jejum. O glicogénio hepático acumula-se nas 4-5 horas que se seguem a uma refeição contendo glicídeos e começa a diminuir se outra refeição não for ingerida após este intervalo de tempo [1]. Num adulto com cerca de 70 Kg de peso, cerca de horas após a última refeição (antes do pequeno-almoço) a produção de glicose pelo fígado é de cerca de 8 g/hora sendo que cerca de metade deriva da glicogenólise e metade da gliconeogénese [1, 3]. À medida que o tempo de jejum se prolonga a quantidade de glicogénio vai diminuindo e, relativamente à gliconeogénese, a glicogenólise vai perdendo relevância na produção endógena de glicose. Quando o glicogénio hepático se esgota ao fim de dois ou três dias de jejum, a produção endógena de glicose passa a depender exclusivamente da gliconeogénese [4]. Equação 10 glicose-6-fosfato + H 2 O glicose + Pi Equação 11 glicogénio( n resíduos ) + H 2 O glicose + glicogénio( n-1 resíduos ) 8- Nos músculos esqueléticos e cardíaco, o papel do glicogénio é muito distinto do do fígado. Nos músculos esqueléticos, a acumulação de glicogénio está favorecida durante o repouso e quando a glicemia está elevada. O repouso de um músculo onde, previamente, ocorreu descida dos níveis de glicogénio favorece a acumulação de glicogénio nesse músculo. A velocidade da degradação do glicogénio muscular aumenta quando aumenta a atividade muscular contráctil. Nos músculos, a glicose-6-fosfato (formada por ação sequenciada da fosforílase e da fosfoglicomútase; ver equações 8 e 2) e a glicose (formada por ação da enzima desramificante; ver Equação 9) originadas durante a glicogenólise são convertidas em lactato ou oxidadas (via glicólise) na fibra muscular onde se formaram. No músculo (e noutros tecidos) a degradação do glicogénio serve as necessidades energéticas da célula onde foi armazenado. 9- Os estudos sobre a regulação da glicogénese e glicogenólise incidiram de forma particular sobre a síntase do glicogénio (ver Equação 4) e a fosforílase do glicogénio (ver Equação 8). Na regulação da atividade destas enzimas participam mecanismos de fosforilação reversível assim como mecanismos alostéricos, não tendo relevância mecanismos de indução ou inibição dos seus genes. A síntase do glicogénio é mais ativa na forma desfosforilada que na forma fosforilada e o contrário acontece no caso da fosforílase do glicogénio. É comum usarem-se as letras a e b para referir, respetivamente, as formas mais ativas e menos ativas destas enzimas. Assim, a síntase de glicogénio a corresponde à forma desfosforilada e a fosforílase do glicogénio a corresponde à forma fosforilada. Várias cínases, como, por exemplo, a PKA 4, a cínase-3 da síntase do glicogénio e a cínase da fosforílase do glicogénio, estão envolvidas na fosforilação e consequente inativação da síntase do glicogénio (ver Equação 12). Em contraste com o grande número de cínases que catalisam (e inativam) a síntase do glicogénio, a fosforilação e consequente ativação da fosforílase do glicogénio é o resultado da ação catalítica de uma única cínase: a cínase da fosforílase do glicogénio (ver Equação 13). Esta enzima, catalisando a fosforilação, quer da síntase do glicogénio, quer da fosforílase do glicogénio, inativa a síntese de glicogénio e ativa a sua fosforólise. A desfosforilação da síntase de glicogénio (ativação) e da fosforílase do glicogénio (inativação) é o resultado da ação catalítica de uma mesma fosfátase: a fosfátase-1 de proteínas (ver Equação 14 e Equação 15). Equação 12 Equação 13 Equação 14 síntase do glicogénio a + ATP síntase do glicogénio b ( fosforilada ) + ADP fosforílase do glicogénio b + ATP fosforílase do glicogénio a ( fosforilada ) + ADP síntase do glicogénio b + H 2 O síntase do glicogénio a ( desfosforilada ) + Pi 4 PKA é a cínase de proteínas dependente do AMP cíclico. O AMP cíclico é semelhante ao AMP; no caso do AMP o resíduo de fosfato está ligado no carbono 5 da ribose enquanto no AMP cíclico o fosfato liga-se simultaneamente aos carbonos 3 e 5 da ribose. A hidrólise do AMP cíclico é catalisada por enzimas que se designam por fosfodiestérases (AMPc + H 2 O AMP) porque quando um mesmo resíduo de fosfato está envolvido em duas ligações éster diz-se que a ligação é de tipo fosfodiéster. A síntese de AMPc é catalisada por uma enzima designada de cíclase do adenilato (ATP AMPc + PPi) que é estimulada quando a célula que a contém é ativada pela glicagina (caso do fígado) ou por catecolaminas (casos do fígado, tecido adiposo e músculo). Página 3 de 7
4 Equação 15 fosforílase do glicogénio a + H 2 O fosforílase do glicogénio b ( desfosforilada ) + Pi 10- Para além dos mecanismos de fosforilação/desfosforilação, os mecanismos alostéricos também têm relevância na regulação da síntase e da fosforílase do glicogénio. (i) A glicose-6-fosfato que resulta da fosforilação da glicose é um ativador alostérico da síntase do glicogénio (quer muscular quer hepática) podendo ativar a forma fosforilada da enzima (a síntase do glicogénio b, supostamente inativa). A glicose-6-fosfato é, também, inibidora da fosforílase do glicogénio muscular, mas não tem ação na isoenzima hepática [5]. Assim, a glicose-6-fosfato estimula a síntese de glicogénio no fígado e no músculo e inibe a glicogenólise muscular. (ii) O AMP, um nucleotídeo cuja concentração aumenta nas células quando o consumo de ATP é elevado, é um ativador alostérico da fosforílase do glicogénio sendo esta ação muito mais marcada na isoenzima muscular que na hepática. A ligação do AMP à forma desfosforilada da fosforílase b (supostamente inativa) provoca a sua ativação. (iii) Um aspeto da regulação da glicogénese cujos mecanismos moleculares são ainda mal compreendidos é a ação do próprio glicogénio: pelo menos no músculo, quando os níveis de glicogénio estão baixos, a glicogénese é estimulada e, inversamente, quando estão elevados, a glicogénese é inibida [6, 7]. 11- A ação de hormonas como a da glicagina (no caso do fígado), das catecolaminas e da insulina (em ambos os casos) também têm um papel relevante na regulação do metabolismo do glicogénio. (1) A glicagina é uma proteína sintetizada nas células α dos ilhéus pancreáticos e a sua síntese e secreção estão estimuladas quando a glicemia baixa. A glicagina têm uma ação homeostática na glicemia. Na membrana celular dos hepatócitos (mas não no músculo) existem recetores para a glicagina cuja estimulação vai favorecer a glicogenólise (e a gliconeogénese) e inibir a glicogénese (e a glicólise) hepáticas. (2) A insulina é uma proteína sintetizada nas células β dos ilhéus pancreáticos e, de forma oposta ao caso da glicagina, a sua síntese e secreção estão estimuladas quando a glicemia aumenta. A sua ação é hipoglicemiante porque promove a acumulação de glicogénio no fígado e no músculo, inibe a gliconeogénese hepática e estimula a oxidação de glicose em vários tecidos. (3) A libertação de adrenalina na medula da glândula suprarrenal, assim como a de noradrenalina nos terminais nervosos do sistema simpático está estimulada em situações de stress. As catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) têm recetores no fígado, nos músculos e nas células endócrinas do pâncreas. As catecolaminas, por interação direta com os seus recetores no fígado e nos músculos, mas também via inibição da secreção pancreática de insulina, favorecem a degradação do glicogénio muscular e hepático. 12- Durante o jejum, estimuladas pela hipoglicemia, as células α dos ilhéus pancreáticos libertam glicagina. A ligação da glicagina aos seus recetores hepáticos induz a ativação da cíclase do adenilato que leva ao aumento da concentração de AMP cíclico no citoplasma do hepatócito. O AMP cíclico ativa a PKA que é uma cínase capaz de catalisar a fosforilação de muitas proteínas (ver Equação 16). Dentre estas são de destacar a cínase da fosforílase, a síntase do glicogénio, a fosfátase-1 de proteínas e o inibidor-1 (o inibidor-1 é uma proteína inibidora da fosfátase 1). A fosforilação destas proteínas leva à estimulação da glicogenólise e à inibição da glicogénese; assim, a glicagina estimula a degradação do glicogénio e a libertação de glicose no fígado. Equação 16 enzima.alvo + ATP enzima.alvo-p + ADP A ação da PKA promove a fosforilação da cínase da fosforílase; a forma fosforilada é a forma ativa (forma a) e, por isso, esta fosforilação ativa a cínase da fosforílase. A atividade catalítica da cínase da fosforílase leva à fosforilação da fosforílase do glicogénio e da síntase do glicogénio e, consequentemente, à ativação da fosforílase e à inativação da síntase. A fosfátase-1 de proteínas catalisa a hidrólise dos resíduos fosfato ligados nestas três enzimas: cínase da fosforílase, fosforílase do glicogénio e síntase do glicogénio (ver Equações 17, 14 e 15). Estas desfosforilações têm efeitos que promovem a acumulação de glicogénio: ativação da síntese de glicogénio e inativação da sua fosforólise. Contudo, a PKA ao catalisar a fosforilação da fosfátase-1 de proteínas inativa-a. Para esta inativação também contribui a fosforilação do inibidor-1 (por ação da mesma PKA) que fosforilado funciona como inibidor da fosfátase-1 de proteínas. Assim, da ativação da PKA pelo AMP cíclico resultam a ativação da cínase da fosforílase, da fosforílase do glicogénio e do inibidor-1 assim como a inativação da Página 4 de 7
5 síntase do glicogénio e da fosfátase-1 de proteínas. Esquematizando o que se passa no fígado em resposta a situações de hipoglicemia: glicemia glicagina AMPc PKA (1) e (2) (1) fosforilação ativadora da cínase da fosforílase e do inibidor-1 (que inibe a fosfátase-1 de proteínas) (2) fosforilação inactivadora da síntase do glicogénio e da fosfátase-1 de proteínas Equação 17 cínase da fosforílase a + H 2 O cínase da fosforílase b ( desfosforilada ) + Pi 13- Quando, após uma refeição normal, a glicemia aumenta, a estimulação da glicogénese e a inibição da glicogenólise levam à acumulação de glicogénio no fígado. No fígado, os efeitos da glicemia elevada no metabolismo do glicogénio hepático devem-se, em grande parte, a ações diretas da própria glicose e da glicose-6-fosfato que se forma por ação da cínase da glicose (ver Equação 1). No fígado, os transportadores de glicose (GLUT2) estão permanentemente muito ativos permitindo que exista equilíbrio entre as concentrações de glicose no sangue da veia porta e dentro dos hepatócitos. Assim, quando a glicemia aumenta durante a absorção intestinal de glicose também aumenta a concentração de glicose nos hepatócitos. Para além de ativar a hexocínase IV, este aumento da concentração intrahepatocitária de glicose também vai, por um mecanismo que envolve a fosfátase 1 de proteínas, estimular a síntase de glicogénio e inibir a fosforílase do glicogénio. Quando a glicemia está baixa, a forma fosforilada da fosforílase do glicogénio hepática (fosforílase a) está ligada à fosfátase-1 de proteínas; esta ligação é não covalente e a fosforílase a inibe a atividade da fosfátase. A subida de concentração de glicose dentro do hepatócito vai provocar a desfosforilação da fosforílase a (que passa a b) o que, simultaneamente, provoca inativação da fosforílase e desinibição da fosfátase-1 de proteínas. O mecanismo de inativação da fosforílase do glicogénio (passagem da forma a à forma b) envolve a ligação da glicose a um sítio alostérico desta enzima, modificando a sua conformação de tal forma que os resíduos de fosfato a ela ligados ficam acessíveis à ação hidrolítica da fosfátase-1 (ver Equação 15). A fosforílase do glicogénio b assim originada não tem ação inibidora na fosfátase-1 de proteínas permitindo que esta passe a atuar também nas outras proteínas alvo. Uma outra das proteínas alvo da fosfátase-1 de proteínas é o inibidor 1 que, na forma desfosforilada, deixa de atuar como inibidor (ver Equação 18). As outras proteínas alvo são a cínase da fosforílase do glicogénio (que passa de a a b) e a síntase do glicogénio que passa de b a a (ver Equação 17 e Equação 14). Assim, a glicose, ativando processos de desfosforilação catalisados pela fosfátase-1 de proteínas, vai inibir a glicogenólise e promover a glicogénese. Equação 18 inibidor 1 a + H 2 O inibidor 1 b ( desfosforilado ) + Pi Esquematizando a ação da glicose na ativação indireta da síntase de glicogénio e na inativação da fosforílase: glicose ligação da glicose à fosforílase a fosfátase 1 desfosforila a fosforílase inativando-a fosfátase 1 desliga-se da fosforílase fosfátase 1 desfosforila a síntase do glicogénio ativando-a (e também o inibidor-1e a cínase da fosforílase diminuindo a atividade destas proteínas). 14- Pelo menos no fígado, a concentração intracelular de glicose-6-fosfato aumenta quando a atividade da hexocínase IV é estimulada pela glicose e pela insulina [8]. No caso do fígado, são efeitos da insulina induzir a síntese da cínase da glicose (ver Equação 1) e inibir a síntese de glicose-6-fosfátase (ver Equação 10) o que, via aumento da concentração da glicose-6-fosfato, estimula a síntase do glicogénio. Estas ações da insulina são de instalação lenta porque envolvem a indução e a inibição de genes. A glicose-6-fosfato para além de ser um ativador alostérico da síntase do glicogénio também tem um efeito semelhante ao descrito para o caso da glicose na fosforílase do glicogénio. A ligação da glicose-6-fosfato à síntase do glicogénio no estado fosforilado torna esta enzima um melhor substrato para a ação da fosfátase-1 de proteínas. Ou seja, a glicose-6-fosfato estimula a síntase do glicogénio por dois mecanismos: ativação alostérica direta (já referida no ponto 10) e facilitadora da ação ativadora da fostátase-1 [8]. Ao contrário do que acontece no músculo, onde as ações ativadoras da insulina na glicogénese e inibidoras da glicogenólise são claras e inequívocas, as ações da insulina no metabolismo hepático do glicogénio poderão ser menos relevantes que as ações diretas da glicose e da glicose-6- Página 5 de 7
6 fosfato [5]. No entanto, quer no fígado, quer no músculo, um mecanismo pelo qual a insulina favorece a atividade da síntase do glicogénio é a sua ação inativadora na cínase-3 da síntase do glicogénio (ver Equação 12). A cínase-3 da síntase do glicogénio é uma das enzimas que participam (quer no fígado, quer no músculo) na fosforilação (e consequente inativação) da síntase de glicogénio. Ao diminuir a atividade desta enzima a insulina favorece a síntese de glicogénio. A insulina promove a síntese de glicogénio contribuindo para que a síntase do glicogénio fique no estado desfosforilado, mas o efeito da insulina na cínase-3 da síntase do glicogénio envolve a fosforilação desta enzima: a forma inativa da cínase-3 da síntase de glicogénio é a forma fosforilada e a via de sinalização da insulina promove esta fosforilação. Um outro efeito da insulina que promove a glicogénese relativamente à glicogenólise, mas cujos mecanismos são ainda mal conhecidos envolve a ativação da fosfátase 1 de proteínas. Equação 19 cínase-3 da síntase do glicogénio (ativa) + ATP cínase-3 da síntase do glicogénio (fosforilada, inativa) + ADP 15- No caso do músculo, a insulina também promove a síntese de glicogénio e este efeito é em grande parte mediado através da translocação de transportadores de glicose para a membrana sarcoplasmática (GLUT4): desta forma a insulina acelera a entrada de glicose para dentro das fibras musculares permitindo a acumulação de glicogénio e a formação de glicose-6-fosfato [9]. A glicose-6-fosfato é um ativador alostérico da síntase de glicogénio e é também um inibidor da fosforílase muscular. A estimulação pela insulina da entrada de glicose para dentro das fibras musculares fornece a estas o substrato para a síntese de glicose-6-fosfato (via ação catalítica da hexocínase II) que é, simultaneamente, precursor do glicogénio, ativador da síntase e inibidor da fosforílase. Como já referido, no músculo, a ação da insulina no metabolismo do glicogénio também envolve a inativação da cínase-3 da síntase do glicogénio e a ativação da fosfátase 1 de proteínas. 16- A secreção de adrenalina para o sangue aumenta quando existem situações de stress agudo que, por exemplo, levaram a uma descida rápida da glicemia ou, se houver uma resposta do indivíduo, vão levar a um aumento do consumo de combustíveis pelo organismo. A adrenalina atua em recetores adrenérgicos β hepáticos e musculares levando ao desencadear de uma cascata de reações semelhante à discutida para o caso da ação da glicagina no fígado. A estimulação dos recetores adrenérgicos β leva à ativação da PKA que catalisa fosforilações ativadoras da cínase da fosforílase e do inibidor 1, assim como fosforilações inativadoras da síntase do glicogénio e da fostátase-1 de proteínas. A adrenalina também atua sobre recetores adrenérgicos α; o mecanismo de ação é diferente e envolve o ião Ca 2+, mas também há estimulação da glicogenólise. No caso do fígado a estimulação adrenérgica leva ao aumento da produção endógena de glicose mas, no caso do músculo a glicogenólise não leva à formação de glicose. No músculo, mesmo a glicose que se forma por ação da enzima desramificante (ver Equação 11) não é vertida no plasma mas sim imediatamente fosforilada pela hexocínase II. Como já referido, os glicogénios hepático e muscular têm papéis distintos: enquanto o glicogénio hepático serve para manter a glicemia fornecendo glicose aos outros órgãos o glicogénio muscular serve para fornecer combustível à própria célula onde foi armazenado. No fígado, a glicagina e a adrenalina promovem a glicogenólise (e a glicagina a gliconeogénese) e inibem a glicogénese; no músculo, a adrenalina promove a glicogenólise e a glicólise e inibe a glicogénese (não existindo gliconeogénese). 17- Nos músculos esqueléticos o fator mais importante na regulação da degradação do glicogénio é o exercício. Na origem da contração muscular está um estímulo nervoso que induz aumento na concentração citoplasmática do ião cálcio. Este aumento leva à contração muscular mas também à estimulação alostérica da cínase da fosforílase muscular com a consequente estimulação da glicogenólise. Por outro lado, o trabalho muscular leva (via consumo de ATP e via cínase do adenilato) ao aumento do AMP; o AMP é um ativador alostérico da fosforílase do glicogénio muscular podendo estimular a forma desfosforilada da fosforílase muscular que é ativa na sua presença. Assim o exercício físico leva à diminuição do glicogénio presente nas fibras musculares que se contraíram. Por ação independente da insulina, o exercício físico também promove a mobilização para a membrana sarcoplasmática de GLUT 4 e, consequente, a entrada de glicose mas não há, normalmente, hipoglicemia durante o exercício físico. Durante o exercício físico a glicogenólise hepática aumenta permitindo que o músculo possa oxidar o glicogénio acumulado no fígado [10]. Atualmente pensa-se que a estimulação da glicogenólise hepática durante o exercício físico é causada pela diminuição da concentração de insulina e aumento da de glicagina provocados pelo exercício e não pela estimulação adrenérgica no fígado [11]. A Página 6 de 7
7 estimulação adrenérgica tem um papel indireto no aumento da produção hepática de glicose pois a estimulação adrenérgica das células endócrinas pancreáticas leva à diminuição da secreção de insulina [3]. 1. Roden, M., Petersen, K. F. & Shulman, G. I. (2001) Nuclear magnetic resonance studies of hepatic glucose metabolism in humans, Recent Prog Horm Res. 56, Taylor, R., Magnusson, I., Rothman, D. L., Cline, G. W., Caumo, A., Cobelli, C. & Shulman, G. I. (1996) Direct assessment of liver glycogen storage by 13C nuclear magnetic resonance spectroscopy and regulation of glucose homeostasis after a mixed meal in normal subjects, J Clin Invest. 97, Frayn, K. N. (2010) Metabolic regulation. A human perspective., 3rd edn, John Willey And Sons, Oxford. 4. Nuttall, F. Q., Ngo, A. & Gannon, M. C. (2008) Regulation of hepatic glucose production and the role of gluconeogenesis in humans: is the rate of gluconeogenesis constant?, Diabetes Metab Res Rev. 24, Roach, P. J. (2002) Glycogen and its metabolism, Curr Mol Med. 2, Niewoehner, C. B. & Nuttall, F. Q. (1995) Glycogen concentration and regulation of synthase activity in rat liver in vivo, Arch Biochem Biophys. 318, Jensen, J., Jebens, E., Brennesvik, E. O., Ruzzin, J., Soos, M. A., Engebretsen, E. M., O'Rahilly, S. & Whitehead, J. P. (2006) Muscle glycogen inharmoniously regulates glycogen synthase activity, glucose uptake, and proximal insulin signaling, Am J Physiol Endocrinol Metab. 290, E154-E Ferrer, J. C., Favre, C., Gomis, R. R., Fernandez-Novell, J. M., Garcia-Rocha, M., de la Iglesia, N., Cid, E. & Guinovart, J. J. (2003) Control of glycogen deposition, FEBS Lett. 546, Roden, M. (2001) Non-invasive studies of glycogen metabolism in human skeletal muscle using nuclear magnetic resonance spectroscopy, Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 4, Petersen, K. F., Price, T. B. & Bergeron, R. (2004) Regulation of net hepatic glycogenolysis and gluconeogenesis during exercise: impact of type 1 diabetes, J Clin Endocrinol Metab. 89, Coker, R. H., Krishna, M. G., Lacy, D. B., Bracy, D. P. & Wasserman, D. H. (1997) Role of hepatic alpha- and betaadrenergic receptor stimulation on hepatic glucose production during heavy exercise, Am J Physiol. 273, E Página 7 de 7
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