ESTADO ISLÂMICO: O TERRORISMO JIHADISTA FUNDAMENTADO NA FÉ

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1 ESTADO ISLÂMICO: O TERRORISMO JIHADISTA FUNDAMENTADO NA FÉ Ednardo Honório da Silva * Resumo: No decurso histórico, o mundo por muitas vezes foi palco de diversas atrocidades humanas causadas por distorções acerca da fé ou por errôneas concepções produzidas por visões religiosas fundamentalistas. No cenário atual, um desses grupos religiosos que mais se destaca é o Estado Islâmico (EI), vertente radical do islamismo, que, alicerçado na prerrogativa da fé em Alá, tem realizado uma série de ameaças e ataques terroristas no mundo inteiro. Suas ações focam sobretudo o confronto direto a países ou a outras denominações religiosas que não partilham de suas mesmas convicções declarando a chamada Jihad, um modelo impositivo da sua religião muçulmana, que utiliza a força militar e a violência como modos conversivos ou, na maioria das vezes, eliminatórios a todos os que são considerados infiéis pelo grupo. Nessa perspectiva, realizar-se-á uma análise das práticas de violência promovidas pelo EI, que tem sua raiz ideológica fundamentalista arraigada nos textos sagrados do Corão, livro que apresenta os preceitos divinos e as normas da conduta islâmica que constituem a denominada Sharia, que além de nortear a vivência na fé, tem, em última instância, o foco de instaurar um Califado Islâmico global, fazendo da religião um mero instrumento de disseminação de ódio e de intolerância aos que não partilham da mesma ideologia e fé. Palavras-chave: Fé. Fundamentalista. Terroristas. Jihad. Corão. Introdução Nossa abordagem encontra seu escopo a partir da análise da conjuntura global, com o intuito de se debruçar acerca das questões essenciais que tangem o Terrorismo Jihadista, muito evidenciado na atualidade através da propagação midiática e das violentas e intolerantes ações realizadas pelo Estado Islâmico (EI). Lançar-se-á o olhar sobre a prerrogativa da fé que fundamenta as práticas radicais do EI, visto que se utilizam da violência e do terrorismo em suas mais diversas faces para impor sua expressão religiosa. Esta deliberação foi elaborada a partir de três pontos centrais que articulam as concepções basilares norteadoras do Terrorismo Jihadista efetuado pelo EI. No primeiro momento serão apresentadas as ideias essenciais que, por meio de sua religião e ideologia fundamentalista, orientam as práticas do EI. Em segundo átimo, serão tratadas as imposições * Aluno da disciplina de Ética II, ministrada pelo Prof. Dr. Pe. Marcos Mendes, no período de , no curso de Bacharelado em Filosofia pela Faculdade Católica de Fortaleza.

2 2 intolerantes, pautadas na fé, que guiam o EI em suas práticas. Por fim, serão abordadas as motivações do grupo em criar uma forma de governo, o Califado, que seja totalmente orientado pela radicalização dos princípios do islã. Destarte, realizar-se-á uma reflexão sobre as ações que alicerçam os atos do Estado Islâmico, suas pretensões e objetivos, bem como os fundamentalismos que o alicerçam. Para isso, se utilizará de referências, a partir de livros e de artigos, que contemplam a temática e as raízes de suas práticas e conceituações. 1 O uso da fé como fundamento do terrorismo: a proclamação da Jihad Estruturado numa visão pautada na prerrogativa religiosa da fé em Alá, entidade divina do Islamismo, o Estado Islâmico, como assim se convencionou chamar o grupo radical de origem sunita, tem realizado diversas ações de violência em vários países do mundo, o que claramente configura uma ação de intolerância e ódio ao diferente, de modo que suas práticas passaram a serem vistas como autênticos atos de terrorismo à humanidade. Ao analisar o fenômeno religioso em alguns dos maiores segmentos religiosos do mundo contemporâneo, Karen Armstrong aponta o negativo papel do fundamentalismo, que em grande escala, é o causador das nefastas práticas de hostilidade nas religiões: Um dos fatos mais alarmantes do século XX foi o surgimento de uma devoção militante, popularmente conhecida como fundamentalismo, dentro das grandes tradições religiosas. Suas manifestações são às vezes assustadoras. 1 Armstrong aponta as nocivas condutas que o fundamentalismo, mesmo em pequenos segmentos, pode produzir a partir de seu teor radical nas religiões, desvirtuando seus princípios essenciais: Os fundamentalistas não hesitam em fuzilar devotos no interior de uma mesquita, matar médicos e enfermeiras que trabalham em clínicas de aborto, assassinar seus presidentes e até derrubar um governo forte. Os que cometem tais horrores constituem uma pequena minoria, porém até os fundamentalistas mais pacatos e ordeiros são desconcertantes, pois parecem avessos a muitos valores mais positivos da sociedade moderna. Democracia, pluralismo, tolerância religiosa, paz internacional, liberdade de expressão, separação entre Igreja e Estado nada disso lhes interessa. 2 1 ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p Ibidem, p. 9.

3 3 Partindo desse prisma, é que se pode aplicar a terminologia fundamentalista ao Estado Islâmico, uma vez que se apresenta como totalmente antagônico às demais expressões de pensamento e religiosidade, de modo que todos os que se opõe à sua forma de doutrina são prontamente taxados de infiéis por não compactuarem com a mesma forma de crença em Alá, tido por eles como o único Deus, absoluto e verdadeiro. O grupo defende amplamente que todos devem aderir a sua conduta de fé, pois ela é a única prática correta e licitamente aceitável de salvação dos seres humanos. Para que haja a conversão a esse modelo de fé islâmica, eles defendem o uso da força física e da violência para que todos se salvem segundo a vontade de Alá. A ratificação disso para o grupo EI, se dá segundo os preceitos contidos no livro sagrado do islã, o Corão, visto que ele [...] é a transcrição da palavra de Deus, o Verbo que se tornou Livro, transmitido pelo arcanjo Gabriel a Maomé. 3 Muitas são as passagens que abordam a lícita imposição de conversão àqueles que não aceitarem a verdadeira doutrina proposta pelo Islamismo, onde se torna justificável alguns modos de corrigir os tidos infiéis: O castigo, para aqueles que lutam contra Deus e contra Seu Mensageiro e semeiam a corrupção na terra, é que sejam mortos, ou crucificados, ou lhes seja decepada a mão e o pé opostos, ou banidos. Tal será, para eles, um aviltamento nesse mundo e, no outro, sofrerão um severo castigo. Exceto aqueles que se arrependem, antes de caírem em vosso poder; sabei que Deus é indulgente, misericordiosíssimo. (ALCORÃO, Surata 5, 33-34) É perceptível o teor incitativo que a própria escritura sagrada propõe, em que atos de flagelação e até mesmo a ação de matar, se transformam em punições justificáveis para os que comungam da religião islâmica, onde a misericórdia de Deus é equiparada ao escárnio dos infiéis. Dentro do arcabouço doutrinário do islã, a Jihad é um dos princípios basilares constituintes de sua confissão religiosa, mas que gradativamente tem sido erroneamente interpretado, desvirtuando assim, seu real significado, como afirma Ghaleb Bencheikh: Jihad - Literalmente "esforço", refere-se ao compromisso dos fiéis muçulmanos em uma missão de conversão e persuasão para aqueles que ainda não voltaram para o Islã, para atraí-lo pacificamente no "caminho de Deus". Ao longo do tempo foi erroneamente compreendido o que vem a significar "guerra santa", conotação violenta inteiramente estranha à etimologia da palavra. 4 3 BENCHEIKH, Ghaleb. Che cos è I islàm? Per Favore Rispondete. Milano: Mondadori, 2002, p. 17. (Tradução nossa) 4 Ibidem, p. 86.

4 4 Desvirtuando o autêntico significado do termo Jihad e se utilizando dele para uma verdadeira conclamação de guerra, a dizer, uma Guerra Santa Islâmica, o EI tem realizado diversas ações terroristas de violência, de opressão e extermínio pelo mundo inteiro, principalmente àqueles que se mostram indiferentes à sua forma de religião, seja pela divergência de fé por não aceitarem sua ideologia doutrinal ou por se oporem às suas práticas e perspectivas políticas. 2 O tribunal da fé : o radicalismo da Sharia islâmica Tendo toda a fundamentação de suas ações no sagrado livro do Corão, os islâmicos realizam toda sua forma de organização, seja religiosa ou político-jurídica, por meio dos ensinamentos que foram repassados por Deus ao profeta Maomé, concedendo grandiosíssimo respaldo divino às suas atitudes, como apresenta Boff: O Alcorão é o centro dos fundamentalistas; é dele que se irradia tudo, a forma de vida, de moral, de política, e de organização do Estado, tanto entre islâmicos, quanto nos lugares onde vivem. E quem se opõe, se torna obstáculo, são infiéis que merecem ser perseguidos e eliminados. 5 Nesta perspectiva, as suas práticas são constituintes de sua expressão de religiosidade, fazendo-os agir de modo a quererem implantar seu modelo de fé em todos os lugares onde estejam. Portanto, a Sharia constitui o conjunto de normas que formam a religião islâmica sendo toda [...] a lei revelada, que vem diretamente de Deus, que regula o comportamento do homem muçulmano em suas relações com os outros. Resguarda não só a fé, mas contém normas legais precisas e preceitos legais. 6 Configurando-se com esse aparato de leis normativas de conduta, que prescritas no Corão, constituem o modelo jurídico dessa religião, tem como principal caráter ditar a submissão dos fiéis a seu credo, como afirma Hanini: O Direito Islâmico é pautado pela submissão à religião. O Islamismo defende que o Direito não deve se modificar, mas sim os humanos devem modificar-se e moldarem-se para ficar de acordo com as normas jurídicas pré-estabelecidas pelo Alcorão Sagrado. 7 5 SOUZA, Alessandra A. et al. Tudo em nome da fé: o surgimento do islã e a submissão do direito islâmico à religião. Jusbrasil, 2017, p. 8, em: com.br /artigos/ /tudo-em-nome-dafe-o-surgimento-do-isla-e-a-submissao-do-direito-islamico-a-religiao. Acesso em: 02/03/ BENCHEIKN, op. cit., p HANINI, op. cit., p. 18.

5 5 Prevendo uma forma reguladora de conduta, os extremistas islâmicos do EI não restringem a Sharia simplesmente a sua denominação religiosa, mas ampliam seu significado, uma vez que imputam o julgamento da lei islâmica a todos que não partilham de sua mesma fé, não aceitam, e que criticam Maomé ou Alá. Essas atitudes configuram um caráter intolerante e impositivo da fé islâmica pelo EI, colocando uma dada confissão religiosa sobre as demais, fato que John Locke ( ) em sua época já apontava como uma forma absurda ao apresentar sua compreensão acerca da igreja e de sua propagação hereditária: Considero-a como uma sociedade livre e voluntária. Ninguém nasceu membro de uma igreja qualquer; caso contrário, a religião de um homem, juntamente com sua propriedade, lhe seriam transmitidas pela lei de herança de seu pai e de seus antepassados, e deveria sua fé a sua ascendência: não se pode imaginar coisa mais absurda. 8 Alguns atentados terroristas realizados pelo Estado Islâmico foram baseados e legitimados pela lei da Sharia, principalmente onde se visualizou uma forma de desrespeito a Alá ou Maomé. Um dos famosos casos de terrorismo por meio desse tribunal da fé foi o atentado terrorista realizado na França, em 07 de janeiro de 2016, ao prédio da famosa revista Charlie Hebdo, que havia apresentado satíricas charges desrespeitando e ironizando a imagem do profeta Maomé e de outros elementos sagrados da religião islâmica. O ataque foi visto como [...] um protesto contra a edição Sharía Hebdo, que causou indignação no mundo islâmico e foi visto como um insulto aos muçulmanos ao redor do mundo. 9 3 A imposição do Califado Tendo em vista que uma das pretensiosas metas do Estado Islâmico é a instauração do Califado, ou seja, a fundação de um império de domínio da fé maometana, o que configura a ideia real de um Estado dos Islâmicos. Essa concepção constitui a essencialidade do objetivo desse grupo radical religioso, como afirma Damin em seu trabalho a respeito do surgimento do grupo: Para uma adequada compreensão do surgimento do EI é preciso 8 LOCKE, John. Carta acerca da tolerância. 2ª Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p CORTÊS, Emmanuel de Oliveira. Entre a liberdade de expressão e a intolerância religiosa, 2015, em: Acesso em: 07/03/2017 às 21:29.

6 6 mencionar o seu precursor que iniciou essa busca pela meta de estabelecer um Califado universal para os muçulmanos. 10 A ideologia propagada pelo antigo califa do Estado Islâmico, falecido em 2006, Abu Musab al-zarqawi, intitulado como o sucessor do profeta Maomé, é a de ampliar e desenvolver a dominação da religião islâmica no mundo inteiro. Hoje vigora a liderança de Abu Bakr al-baghadi que prega com a mesma vivacidade o início da implantação do reino de Alá entre os homens, projeto primeiramente concebido pela Al-Qaeda, mas que depois do nascimento do EI se solidificou ainda mais. Sobre esse projeto, exorta Damin: Saliente-se, nesse ponto, que uma das questões a cimentar a união desses dois grupos fora a meta comum de estabelecer um califado com jurisdição universal sobre os muçulmanos. A criação desse estado islâmico baseado na sharia continua, pois, sendo o objetivo manifesto do que hoje conhecemos como Estado Islâmico e também da Al-Qaeda. 11 Desse ponto de vista, pode-se melhor compreender as reais pretensões do Estado Islâmico que, para produzir maior solidez a suas perspectivas doutrinais, se utiliza de diversos modelos de terrorismo indiscriminado para promover um domínio da fé. Esse modelo de imposição e intolerância religiosa que leva ao ódio entre os indivíduos, promovido por essa vertente do Islamismo, se torna inconcebível e claramente terrorista, ao passo que promulga uma absolutização doutrinal que renega todas as outras formas de expressão de fé e de pensamento exonerando por completo a liberdade religiosa dos indivíduos, que segundo Locke é uma medida subordinadora: Ninguém está subordinado por natureza a nenhuma igreja ou designado a qualquer seita, mas une-se voluntariamente à sociedade na qual acredita ter encontrado a verdadeira religião e a forma de culto aceitável a Deus. 12 Assim, o terrorismo, entendido do ponto de vista negativo, é visto como [...] um método que consiste na utilização ilegal de força ou de violência planejada contra pessoas ou patrimônio, na tentativa de coagir ou intimidar governos ou sociedade para atingir objetivo político-ideológicos. 13 Isso mostra que a imposição do Califado é uma ação subversiva que desvirtua a autêntica forma de liberdade de expressão e de religião e que, ao passo que visa à submissão a uma dada expressão de fé, aliena os direitos intrínsecos de cada ser humano. 10 DAMIN, Cláudio J. Surgimento e trajetória do Estado Islâmico. Boletim Meridiano 47. Rio Grande do Sul, 2015, p Ibidem, p LOCKE, John, op. cit., p SOUZA, op. cit., p. 14.

7 7 Considerações Finais A partir da análise reflexiva dos conceitos essenciais que norteiam o Estado Islâmico, pode-se concluir que, muito embora suas práticas e visões religiosas tenham prestígio e respaldo mediante os elementos sagrados que constituem a estruturação de sua religião como tal, não é lícito ao nosso prisma filosófico e ético a utilização da fé como instrumento de disseminação de ódio e intolerância. Os atentados terroristas promovidos pelo EI caracterizam uma forma de deturpação e subversão da real fé islâmica, uma vez que grande parte dos setores do próprio Islamismo não concordam com a efetivação dos atos realizados pelo grupo radical EI. A utilização da fé, como elemento basilar de validação de atos de violência, apresenta verdadeiras formas de animalidade e barbárie, pois não respeitam a vida humana em sua essência e nem a liberdade dos indivíduos de escolherem seus segmentos de religiosidade, a partir do momento que há uma imposição cultural e religiosa pelo Estado Islâmico. Portanto, a análise das questões tratadas neste artigo devem promover uma real reflexão crítica a respeito das práticas de terrorismo jihadista, sobretudo as promovidas pelo grupo Estado Islâmico, que no hodierno de nossa sociedade se apresenta como um dos mais radicais, intolerantes e estruturados. Referências Bibliográficas ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp ALCORÃO, Sagrado. Português. Versão de Samir El Hayek. Foz do Iguaçu: ebooks Brasil, 2006, pp BENCHEIKH, Ghaleb. Che cos è I islàm? Per Favore Rispondete. Tradução de Paolina Baruchello. Milano, Itália: Mondadori, 2002, pp. 93. CORTÊS, Emmanuel de Oliveira. Entre a liberdade de expressão e a intolerância religiosa. Jornal Notícias. Disponível em: entre-liberdade-de-expressao-e-a-intolerancia-religiosa.html. Acesso em: 07/03/2017 às 21:29. DAMIN, Cláudio J. Surgimento e trajetória do Estado Islâmico. Boletim Meridiano 47. Rio Grande do Sul, n 148, p , mar.-abr

8 8 LOCKE, John. Carta acerca da tolerância. Tradução de Anoar Aiex. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1974, pp. 30. (Coleção os Pensadores) SOUZA, Alessandra A. et al. Tudo em nome da fé: o surgimento do islã e a submissão do direito islâmico à religião. Jusbrasil. Fev Disponível em: com.br/artigos/ /tudo-em-nome-da-fe-o-surgimento-do-isla-e-a-submissao-dodireito-islamico-a-religiao. Acesso em: 02/03/2017.