FERNANDO PESSOA MENSAGEM LISBOA 1934 PARCERIA ANTONIO MARIA PEREIRA 44 RUA AUGUSTA 54
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1 FERNANDO PESSOA MENSAGEM LISBOA 1934 PARCERIA ANTONIO MARIA PEREIRA 44 RUA AUGUSTA 54
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7 M ENSAGEM
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9 FERNANDO PESSOA MENSAGEM LISBOA 1934 PARCERIA ANTONIO MARIA PEREIRA 44 RUA AUGUSTA 54
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11 BENEDICTUS DOMINUS DEUS NOSTER QUI DEDIT NOBIS S1GNUM.
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13 PRIMEIRA PARTE R A S Ã
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15 BEI-LU M SISE BELLO.
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17 I. OS CAMPOS
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19 PRIMEIRO O DOS CASTELLOS A Europa jaz, posta nos cotovellos: De Oriente a Occidente jaz, fitando. E toldam-lhe românticos cabellos Olhos gregos, lembrando. O cotovello esquerdo é recuado; O direito é em angulo disposto. Aquelle diz Italia onde é pousado: Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se áppoia o rosto. Fita, com olhar sphyngico e fatal. O Occidente, tuturo do passado. O rosto com que fita é Portugal. [ >5 ]
20 SEGUNDO O DAS QUINAS Vendem os Deuses o que dão. A gloria compra-se a desgraça. Ai dos felizes, porque são Só o que passa! Baste a quem basta o que lhe basta O bastante de lhe bastar! A vida é breve, a alma é vasta: Ter é tardar. Foi com desgraça e com vileza Que Deus ao Christo definiu: Assim o oppoz à Natureza E Filho o ungiu f 1.6I
21 II. OS CASTELLOS
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23 PRIMEIRO ULYSSES O mytho é o nada que é tuclo. O mesmo sol que abre os céus É um mytho brilhante e mudo O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo. Este, que aqui aportou, Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos creou. Assim a lenda se escorre A entrar na realidade, E a fecundal-a decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre. [ '9 ]
24 SEGUNDO VIRIATO Se a alma que sente e faz conhece Só porque lembra o que esqueceu, Vivemos, raça, porque houvesse Memoria em nós do instincto leu. Nação porque reincarnaste, Povo porque resuscitou Ou tu, ou o de que eras a haste Assim se Portugal formou. Teu ser é como aquella iria Luz que precede a madrugada, E é já o ir a haver o dia Na antemanhã, confuso nada. [ 20 ]
25 TERCEIRO O CONDE D. HENRIQUE Todo começo é involuntário. Deus é o agente. O heroe a si assiste, vario E inconsciente. À espada em tuas mãos achada Teu olhar desce. «Que iarei eu com esta espada?» Ergueste-a, e fez-se. [ 21 ]
26 QUARTO D. TA REJA As nações todas são mysterios. Cada uma é todo o mundo a sós. Ó mãe de reis e avó de impérios, Vella por nós! Teu seio augusto: amamentou Com bruta e natural certeza O que, imprevisto, Deus fadou. Por elle resa! Dê tua prece outro destino A quem fadou o instincto teu! O homem que foi o teu menino Envelheceu. [ 22 ]
27 Mas lodo vivo é eterno inlante Onde estás e não ha o dia. No antigo seio, vigilante, De novo o cria!
28 QUINTO D. AFFONSO HENRIQUES Pae, foste cavalleiro. Hoje a vigília é nossa. Dá-nos o exemplo inteiro E a tua inteira (orça! Dá, contra a hora em que, errada, Novos infiéis vençam, A benção como espada, A. espada como benção!
29 SEXTO D. DINIZ Na noite escreve um seu Cantar de Amigo O plantador de naus a haver, E ouve um silencio murmuro comsigo : É o rumor dos pinhaes que, como um trigo De Império, ondulam sem se poder ver. Arroio, esse cantar, jovem e puro, Busca o oceano por achar; E a falia dos pinhaes, marulho obscuro, É o som presente d'esse mar futuro, É a voz da terra anciando pelo mar. [ 25 1
30 SE PT IMO (I) D. JOÃO O PRIMEIRO O homem e a hora são um só Quando Deus faz e a história é íeita. O mais é carne, cujo pó A terra espreita. Mestre, sem o saber, do Templo Que Portugal foi feito ser, Que houveste a gloria e déste o exemplo De o defender, Teu nome, eleito em sua fama, É, na ara da nossa alma interna, A que repelle, eterna chamma, A sombra eterna. [ ^6
31 SEPTIMO (II) D. PHILIP PA DE LENCASTRE Que enigma havia em leu seio Que só génios concebia? Que archanjo teus sonhos veio Vellar, maternos, um dia? Volve a nós teu rosto serio, Princeza do Santo Gral, Humano ventre do Império, Madrinha de Portugal! [27]
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33 III. AS QUINAS
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35 PRIMEIRA D. DUARTE, REI DE PORTUGAL Meu dever fez-me, como Deus ao mundo. A regra de ser Rei almou meu ser, Em dia e letra escrupuloso e fundo. Firme em minha tristeza, tal vivi. Cumpri contra o Destino o meu dever, inutilmente? Não, porque o cumpri.
36 SEGUNDA D. FERNANDO, INFANTE DE PORTUGAL Deu-me Deus o seu gladio, porque eu faça A sua santa guerra. Sagrou -me seu em honra e em desgraça, As horas em que um frio vento passa Por sobre a fria terra. Poz-me as mãos sobre os ombros e doirou-me A fronte com o olhar; E esta febre de Além, que me consome, E este querer grandeza são seu nome Dentro em mim a vibrar. E eu vou, e a luz do gladio erguido dá Em minha face calma. Cheio de Deus, não temo o que virá, Pois, venha o que vier, nunca será Maior do que a minha alma. [32 ]
37 TERCEIRA D. PEDRO, REGENTE DE PORTUGAL Claro em pensar, e claro no sentir, E claro no querer; Indifierente ao que ha em conseguir Que seja só obter; Dúplice dono, sem me dividir, De dever e de ser Não me podia a Sorte dar guarida Por eu não ser dos seus. Assim vivi, assim morri, a vida, Calmo sob mudos céus. Fiel à palavra dada e à idéa tida. Tudo mais é com Deus! 33 1
38 QUARTA D. JOÃO, INFANTE DF. PORTUGAL Não fui alguém. Minha alma estava estreita Entre tam grandes almas minhas pares, Inutilmente eleita. Virgem mente parada; Porque c do portuguez, pae de amplos mares, Querer, poder só isto: O inteiro mar, ou a orla vã desfeita O todo, 011 o seu nada. [ -M ]
39 QUINTA D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL Louco, sim, louco, porque quiz grandeza Qual a Sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Porisso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que ha. Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nella ia. Sem a loucura o que é o homem Mais que a besta sadia, Cadaver addiado que procria? [35 1
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41 IV. A COROA
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43 NUNALVARES PEREIRA Que aureola te cerca? É a espada que, volteando, Faz que o ar alto perca Seu azul negro e brando. Mas que espada é que, erguida. Faz esse halo no céu? E' Excalibur, a ungida, Que o Rei Arthur te deu. Sperança consummada, S. Portugal em ser, Ergue a luz da tua espada Para a estrada se ver! 39]
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45 V. O TIMBRE
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47 A CABEÇA DO GRYPHO O INFANTE D. HENRIQUE Em seu throno entre o brilho das espheras, Com seu manto de noite e solidão, Tem aos pés o mar novo e as mortas eras O único imperador que tem, deveras, O globo mundo em sua mão. [ 43
48 UMA AS A DO GRYPHO D. JOÃO O SEGUNDO Braços cruzados, fita além do mar. Parece em promontório uma alta serra O limite da terra a dominar O mar que possa haver além da terra. Seu formidável vulto solitário Enche de estar presente o mar e o céu, E parece temer o mundo vario Que elle abra os braços e lhe rasgue o véu. [44
49 A OUTRA ASA DO GRYP110 AFFONSO DE ALBUQUERQUE De pé, sobre os paizes conquistados Desce os olhos cansados De ver o mundo e a injustiça e a sorte. Não pensa em vida ou morte. Tam poderoso que não quer o quanto Pôde, que o querer tanto Calcara mais do que o submisso mundo Sob o seu passo fundo. Trez impérios do chão lhe a Sorte apanha. Creou-os como quem desdenha. [45 1
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51 SEGUNDA PARTE M A R PO RTUGUEZ
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53 POSSESSIO MARIS.
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55 O INFANTE Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quiz que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou creou-te portuguez.' Do mar e nós em ti nos deu signal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!.1
56 II. HORIZONTE O' mar anterior a nós, teus medos Tinham coral e praias e arvoredos. Desvendadas a noite e a cerração, As tormentas passadas e o mysterio, Abria em flor o Longe, e o Sul siderio Splendia sobre as naus da iniciação. Linha severa da longínqua costa Quando a nau se approxima ergue-se a encosta Em arvores onde o Longe nada tinha; Mais perto, abre-se a terra em sons e cores; E, no desembarcar, ha aves, flores, Onde era só, de longe a abstracta linha. [52 1
57 O sonho é ver as formas invisíveis Da distancia imprecisa, e, com sensíveis Movimentos cia esprança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A arvore, a praia, a flor, a ave, a fonte Os beijos merecidos da Verdade. 53 ]
58 III. PADRÃO O exforço é grande e o homem 6 pequeno. Eu, Diogo Cão, navegador, deixei Este padrão ao pé do areal moreno E para deante naveguei. A alma é divina e a obra é imperfeita. Este padrão signala ao vento e aos céus Que, da obra ousada, é minha a parte feita O por-fazer é só com Deus. E ao immenso e possível oceano Ensinam estas Quinas, que aqui vês, Que o mar com fim será grego ou romano O mar sem fim é portuguez. [ 54 j
59 E a Cruz ao alto diz que o que me ha na alma E faz a febre em mim de navegar Só encontrará de Deus na eterna calma O porto sempre por achar. [
60 IV. O MOSTRENGO O mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; A roda da nau voou trez vezes, Voou trez vezes a chiar, E disse, «Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?» 15 o homem do leme disse, tremendo, «El-Rei D. João Segundo!» «De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?» Disse o mostrengo, e rodou trez vezes, Trez vezes rodou immundo e grosso, [ 56 1
61 «Quem vem poder o que só eu posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?» E o homem do leme tremeu, e disse, «El-Rei D. João Segundo'.» Trez vezes ao leme as mãos ergueu, Trez vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de temer trez vezes, «Aqui ao leme sou mais do que cu: Sou um Povo que quer o mar que é teu ; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!» I 57 J
62 V. EPITAPHIO DE BARTHOLOMEU DIAS Jaz aqui, na pequena praia extrema, O Capitão cio Fim. Dobrado o Assombro, O mar é o mesmo: já ninguém o tema! Atlas, mostra alto o mundo no seu hombro. [58]
63 VI. % OS COLOMBOS Outros haverão de ter O que houvermos de perder. Outros poderão achar O que, no nosso encontrar, Foi achado, ou não achado, Segundo o destino dado. Mas o que a elles não toca É a Magia que evoca O Longe e (az d'elle historia. E porisso a sua gloria É uma justa aureola dada Por uma luz emprestada. [ ^9 ]
64 VII. OCC1 DENTE Com duas mãos o Acto e o Destino Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu Uma ergue o facho tremulo e divino E a outra afasta o véu. Fosse a hora que haver ou a que havia A mão que ao Occidente o véu rasgou, Foi alma a Sciencia e corpo a Ousadia Da mão que desvendou. Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal A mão que ergueu o facho que luziu, Foi Deus a alma e o corpo Portugal Da mão que o conduziu. [6o]
65 VIII. FERNÃO DE MAGALHÃES No valle clareia uma fogueira. Uma dança sacode a terra inteira. E sombras disformes e descompostas Em clarões negros do valle vão Subitamente pelas encostas, Indo perder-se na escuridão. De quem é a dança que a noite aterra São os Titans, os filhos da Terra, Que dançam da morte do marinheiro Que quiz cingir o materno vulto Cingil-o, dos homens, o primeiro, Na praia ao longe por tim sepulto. [6, 1
66 Dançam, nem sabem que a alma ousada Do morto ainda com manda a armada, Pulso sem corpo ao leme a guiar As naus no resto do fim do espaço: Que até ausente soube cercar A terra inteira com seu abraço. Violou a Terra. Mas elles não O sabem, e dançam na solidão; E sombras disformes e descompostas, Indo perder-se nos horizontes, Galgam do valle pelas encostas Dos mudos montes. [62]
67 ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA Os Deuses da tormenta e os gigantes cia terra Suspendem de repente o odio da sua guerra E pasmam. Pelo valle onde se ascende aos céus Surge um silencio, e vae, da névoa ondeando os véus, Primeiro um movimento e depois um assombro. Ladeiam-o, ao durar, os medos, hombro a hombro, E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta Cahe-lhe, e em extase vê, à luz de mil trovões, O céu abrir o abysmo à alma do Argonauta. [ 63
68 X. MAR PORTUGUEZ O' mar salgado, quanto do leu sal São lagrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão resaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abysmo deu, Mas nelle é que espelhou o céu. [64 1
69 XI. A ULTIMA NAU Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, E erguendo, como um nome, alto o pendão Do Império, Foi-.se a ultima nau, ao sol aziago Erma, e entre choros de ancia e de presago Mysterio. Não voltou mais. A que ilha indescoberta Aportou? Voltará da sorte incerta Que teve? Deus guarda o corpo e a forma do futuro, Mas Sua luz projeçta-o, sonho escuro E breve. [65]
70 Ah, quanto mais ao povo a alma falta, Mais a minha alma atlantica se exalta E entorna, E em mim, num mar que não tem tempo ou t r, _ spaço vejo entre a cerraçao teu vulto baço Que torna. Não sei a hora, mas sei que ha a hora. Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora Mysterio. Surges ao sol em mim, e a névoa finda: A mesma, e trazes o pendão ainda Do Império. [66]
71 XII. PRECE Senhor, a noite veio e a alma é vil. Tanta foi a tormenta e a vontade! Restam-nos hoje, no silencio hostil, O mar universal e a saudade. Mas a chamma, que a vida em nós creou, Se ainda ha vida ainda não é finda. O frio morto em cinzas a occultou: A mão do vento pôde erguel-a ainda. Dá o sopro, a aragem ou desgraça ou ancia, Com que a chamma do exforço se remoça, E outra vez conquistemos a Distancia Do mar ou outra, mas que seia nossa! [67 ]
72
73 TERCEIRA PARTE ENCOBERTO
74
75 PA.X IN BXCELSIS.
76
77 1. OS SYMBOLOS
78
79 PRIMEIRO D. SEBASTIÃO Sperae! Cahi no areal e na hora adversa Que Deus concede aos seus Para o mtervallo em que esteja a alma immersa Em sonhos que são Deus. Que importa o areal e a morte e a desventura Se com Deus me guardei? É O que eu me sonhei que eterno dura, Ê Esse que regressarei. 1 7=>
80 SEGUNDO O QUINTO IMPÉRIO Triste de quem vive em casa, Contente com o seu lar, Sem que um sonho, no erguer de asa, Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar! Triste de quem é feliz! Vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz Mais que a lição da raiz Ter por vida a sepultura. Eras sobre eras se somem No tempo que em eras vem. Ser descontente é ser homem. í 76 1
81 Que as forças cegas se domem Pela visão que a alma tem! E assim, passados os quatro Tempos do ser que sonhou, A terra será theatro Do dia claro, que no atro Da erma noite começou. Grécia, Roma, Christandade, Europa os quatro se vão Para onde vae toda edade. Quem vem viver a verdade Que morreu D. Sebastião? 77 1
82 TERCEIRO O DESEJADO Onde quer que, entre sombras e dizeres, Jazas, remoto, sente-te sonhado, E ergue-te do fundo de não-seres Para teu novo fado! Vem, Galaaz com patria, erguer de novo, Mas já no auge da suprema prova, A alma penitente do teu povo À Eucharistia Nova. Mestre da Paz, ergue teu gladio ungido, Excalibur do Fim, em geito tal Que sua Luz ao mundo dividido Revele o Santo Gral! 78]
83 QUARTO AS ILHAS AFORTUNADAS Que voz vem no som das ondas Que não é a voz do mar? É a voz de alguém que nos lalla. Mas que, se escutamos, cala, Por ter havido escutar. E só se, meio dormindo, Sem saber de ouvir ouvimos, Que ella nos diz a esperança A que, como uma criança Dormente, a dormir sorrimos. São ilhas afortunadas, São terras sem ter logar, Onde o Rei mora esperando. Mas, se vamos dispertando, Gala a voz. e ha só o mar. [ 79 ]
84 QUINTO O ENCOBERTO Que symbolo fecundo Vem na aurora anciosa? Na Cruz morta do Mundo A Vida, que é a Rosa. Que symbolo divino Traz o dia já visto? Na Cruz, que é o Destino, A Rosa, que é o Christo. Que symbolo final Mostra o sol já disperto? Na Cruz morta e fatal A. Rosa do Encoberto. I Bo]
85 II. OS AVISOS
86
87 PRIMEIRO O BANDARRA Sonhava, anonymo e disperso, O Império por Deus mesmo visto, Confuso como o Universo E plebeu como Jesus Ghristo Não foi nem santo nem heroe, Mas Deus sagrou com Seu signal Este, cujo coração foi Não portuguez mas Portugal. [83]
88 SEGUNDO ANTONIO VIEIRA O céu strella o azul e tem grandeza. Este, que teve a fama e à gloria tem. Imperador da língua portugueza, Foi-nos um céu também. No immenso espaço seu de meditar, Constellado de fórma e de visão, Surge, prenuncio claro do luar, El-Rei D. Sebastião. Mas não, não é luar: é luz do ethereo. E' um dia; e, no céu amplo de desejo, A madrugada irreal do Quinto Império Doira as margens do Tejo. [84 1
89 TERCEIRO Screvo meu livro à beira-magua. Meu coração não tem que ter. Tenho meus olhos quentes de agua. Só tu, Senhor, me dás viver. Só te sentir e te pensar Meus dias vácuos enche e doura. Mas quando quererás voltar? Quando é o Rei? Quando é a Hora? Quando virás a ser o Christo De a quem morreu o falso Deus, E a dispertar do mal que existo A Nova Terra e os Novos Céus? [ 85 1
90 Quando virás, ó Encoberto, Sonho das eras portuguez, Tornar-me mais que o sopro incerto De um grande anceio que Deus fez? Ah, quando quererás, voltando, Fazer minha esperança amor? Da névoa e da saudade quando? Quando, meu Sonho e meu Senhor? I 86 J
91 III. OS TEMPOS
92
93 PRIMEIRO NOITE A nau de um d'elles linha se perdido No mar indefinido. O segundo pediu licença ao Rei De, na lé e na lei Da descoberta ir em procura Do irmão no mar sem fim e a névoa escura. Tempo foi. Nem primeiro nem segundo Volveu do fim profundo Do mar ignoto à patria por quem dera O enigma que fizera. Então o terceiro a El-Rei rogou Licença de os buscar, e El-Rei negou. [89I
94 Gomo a um captivo, o ouvem a passar Os servos do solar. E, quando o vêem, vêem a figura Da febre e da amargura, Com fixos olhos rasos de ancia Fitando a prohibida azul distancia. Senhor, os dois irmãos do nosso Nome O Poder e o Renome Ambos se foram pelo mar da edade A tua eternidade; E com elles de nós se foi O que faz a alma poder ser de heroe, [ 90 J
95 Queremos ir buscal-os, d'esta vil Nossa prisão servil: É a busca de quem somos, na distancia De nós; e, em febre de ancia, A Deus as mãos alçamos. Mas Deus não dá licença que partamos. I 9> I
96 SEGUNDO TORMENTA Que jaz no abysmo sob o mar que se ergue? Nós, Portugal, o poder ser. Que inquietação do fundo nos soergue? O desejar poder querer. Isto, e o mysterio de que a noite é o fausto -.. Mas súbito, onde o vento ruge, O relampago, pharol de Deus, um hausto Brilha, e o mar scuro struge. f 92 ]
97 TERCEIRO CALMA Que costa é que as ondas contam E se não pôde encontrar Por mais naus que haja no mar? O que é que as ondas encontram E nunca se vé surgindo? Este som de o mar praiar Onde é que está existindo? Ilha próxima e remota, Que nos ouvidos persiste, Para a vista não existe. Que nau, que armada, que frota Pôde encontrar o caminho À praia onde o mar insiste, Se à vista o mar é sòsinho? [93]
98 Haverá rasgões no espaço Que dêem para outro lado, E que, um d'elles encontrado, Aqui, onde ha só sargaço, Surja uma ilha velada, O paiz afortunado Que guarda o Rei desterrado Em sua vida encantada? f 94 I
99 QUARTO ANTEMANHÃ O mostrengo que está no fim do mar Veio das trevas a procurar A madrugada do novo dia. Do novo dia sem acabar; E disse, «Quem é que dorme a lembrar Que desvendou o Segundo Mundo, Nem o Terceiro quer desvendar?» E o som na treva de elle rodar Faz mau o somno, triste o sonhar. Rodou e ioi-se o mostrengo servo Que seu senhor veio aqui buscar. Que veio aqui seu senhor chamar Chamar Aquelle que está dormindo E foi outrora Senhor do Mar. fçp]
100 QUINTO NEVOEIRO Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Define com perfil e ser Este fulgor baço da terra Que é Portugal a entristecer Brilho sem luz e sem arder, Como o que o fogo-fátuo encerra. Ninguém sabe que coisa quer. Ninguém conhece que alma tem, Nem o que é mal nem o que é bem. (Que ancia distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro.. É a Hora! Valete, Fratres.
101 ÍNDICE
102
103 P RI MEIRA PARTE BRASÃO 1. OS CAMPOS PRIMEIRO: O dos Castellos i5 SEGUNDO: O das Quinas iô II. OS GÂSTELLOS PRIMEIRO: Ulysses 19 SEGUNDO: Viriato 20 TERCEIRO: O Conde D. Henrique 21 QUARTO: D. Tareja 22 QUINIO: D. Affonso Henriques 24 SEXTO: D. Diniz 25 SEP Tl MO (I): D. João o Primeiro 26 SEPTIMO (II): D. Philippa de Lencastre 27 III. AS QUINAS PRIMEIRA: D. Duarte, Rei de Portugal 3' SEGUNDA: D. Fernando, Infante de Portugal 3a TERCEIRA : D. Pedro, Regente de Portugal 33 QUARTA : D. João, Infante de Portugal 34 QUINTA: D. Sebastião, Rei de Portugal
104 1 IV. A COROA Nunalvares Pereira 09 v. - o TIMBRE A CABEÇA DO GRYPIIO : O Infante D. Henrique 4'j UMA ASA DO GRYPIIO: D. João o Segundo 44 A OUTRA ASA DO GRYPHO: Affonso de Albuquerque 43 SEGUNDA PARTE MAR PORTUGUEZ 1. 0 Infante 5i II. Horizonte 52 III. Padrão 54 IV. O Mostrengo 56 V. Epitaphio de Bartholomeu Dias 58 VI. Os Colombos 5y VII. Occidente 60 VIII. Fernão de Magalhães 61 IX. Ascensão de Vasco da Gama 63 X. Mar Portuguez 64 XI. A Ultima Nau 65 XII. Prece 67 TERCEIRA PARTE O ENCOBERTO 1. OS SYMBOLOS PRIMEIRO: D.Sebastião 7 5 SEGUNDO: O Quinto Império 76 TERCEIRO: O Desejado 77 íi [ <0O]
105 QUARTO: A Ilhas Afortunadas 78 QUINTO: O Encoberto So 11. OS AVISOS PRIMEIRO: O Bandarra 83 SEGUNDO: Antonio Vieira 84 TERCEIRO: (Screvo meu livro à beira- -magua--.) OS TEMPOS PRIMEIRO: Noite 89 SEGUNDO: Tormenta 02 TERCEIRO: Calmas 93 QUARTO: Antemanhã g5 QUINTO: Nevoeiro 96 LEIA SE : ERRATA pag. 32, linha 6 do texto: Poz-me as mãos sobre os hombros e doirou-me pag. 5y, linha 6 do texto: Trez vezes do leme as mãos ergueu.
106 COMPOSTO E IMPRESSO EM LISBOA, NAS OKFI- CINAS DA EDITORIAL IM- PÉRIO, LTD., 15 I 153 RUA DO SALITRE, DU- RANTE O MÊS DE OU- TUBRO DO ANNO DE , DA ERA DO CIIRISTO DE NAZARETII.
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112 APRESENTAÇÃO GRÁFICA DA
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