O SISTEMA AMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE ANÁLISE PROCESSUAL DO CASO DAMIÃO XIMENEZ LOPES 1
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- Milton Álvaro Mirandela
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1 O SISTEMA AMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE ANÁLISE PROCESSUAL DO CASO DAMIÃO XIMENEZ LOPES 1 Sidney Guerra 2 Igor Hermann Scheidt de Menezes Reis 3 RESUMO O presente artigo trata do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Este sistema é composto por dois órgãos principais: a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Brasil está inserido neste Sistema e reconhece sua jurisdição, devendo zelar pelos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos e em outros tratados internacionais de direitos humanos que seja signatário. No ano de 2006 o Estado brasileiro foi condenado, pela primeira vez, no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos por ter violado direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos (caso Ximenes Lopes). A proposta do presente estudo é analisar o trâmite processual ocorrido perante o Sistema Interamericano, desde a propositura de ação na jurisdição interna, até a condenação em âmbito externo. Palavras chave: Corte Interamericana, Comissão Interamericana, Soberania, Direitos Humanos, Ximenes Lopes. 1 A pesquisa está sendo desenvolvida em nível de Iniciação Científica no âmbito do grupo de Grupo de Pesquisa Direito, Estado e Cidadania (UNIGRANRIO), orientado pelo Prof. Dr. Sidney Guerra. 2 Pós-Doutor pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Pós-Doutor pelo Programa Avançado em Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutor e Mestre em Direito (UGF). Professor Titular da Universidade do Grande Rio, onde é atualmente Coordenador do Curso de Direito. Advogado no Rio de Janeiro. Contato: sguerra@unigranrio.com.br 3 Graduando em Direito (UNIGRANRIO).
2 No ano de 1948 a Declaração Universal de Direitos Humanos proclama 1. INTRODUÇÃO A discussão sobre Direitos Humanos vem-se ampliando no mundo de modo significativo e envolvendo vários aspectos. Se no passado a questão era irrelevante, hoje constitui objeto de grande preocupação em termos planetários, principalmente a partir da Declaração de O direito internacional clássico considerava o indivíduo como estranho ao processo dialético normativo deste direito. Hoje, a introdução dos standarts dos direitos do homem no direito internacional (garantia e defesa de um determinado standart para todos os homens) obrigou ao desenvolvimento de um direito internacional individualmente referenciado. Para lá da proteção diplomática e da proteção humanitária, desenvolve-se uma teoria jurídico-contratual internacional de justiça, tendo por objetivo alicerçar uma nova dimensão de vinculatividade na proteção dos direitos do homem. Neste sentido, cada vez mais se vem apregoando mudanças no comportamento de Estados e das pessoas, em defesa de uma maior proteção a estes direitos. Com efeito, após a hecatombe da Segunda Guerra Mundial durante a qual o mundo teve a oportunidade de assistir a uma série de barbaridades envolvendo milhares de pessoas, sentiu-se a necessidade de se criarem mecanismos que pudessem garantir proteção aos seres humanos. A partir daí floresce uma terminologia no Direito Internacional, relacionando-o aos Direitos Humanos: o Direito Internacional dos Direitos Humanos. O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderia ter sido prevenida se um efetivo sistema de proteção internacional dos direitos humanos já existisse, o que motivou o surgimento da Organização das Nações Unidas, em direitos para todas as pessoas independentemente de sexo, cor, raça, idioma, religião, opinião fazendo com que esta temática (Direitos Humanos) passasse a constituir objeto de um ramo autônomo do Direito Internacional Público, com 4 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996, p
3 instrumentos, órgãos e procedimentos de aplicação próprios caracterizando-se essencialmente como um direito de proteção. 5 A despeito de existir o sistema de proteção global dos direitos humanos, verifica-se que o funcionamento das instituições de âmbito regional tem-se revelado bastante positiva, na medida em que os Estados situados num mesmo contexto geográfico, histórico e cultural têm maior probabilidade de transpor os obstáculos que se apresentam em nível mundial. No âmbito regional, cada sistema de proteção (europeu, americano e africano) apresenta uma estrutura jurídica própria. O sistema americano, objeto deste estudo, abarca os procedimentos contemplados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Convenção Americana de Direitos Humanos. Por essa razão é que costuma se afirmar que no âmbito americano existe um sistema duplo de proteção dos direitos humanos: o sistema geral, que é baseado na Carta e na Declaração e o sistema que abarca apenas os Estados que são signatários da Convenção, que além de contemplar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como no sistema geral, também contempla a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Portanto, o presente artigo analisa o sistema americano e destaca o importante papel desenvolvido pela Comissão e pela Corte na promoção e proteção dos direitos humanos no continente. 2. O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS O Sistema Interamericano de Direitos humanos é administrado pela Organização dos Estados Americanos OEA, e tem como objetivo a proteção efetiva e a promoção dos direitos humanos no continente americano, e para isso conta com dois órgãos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que serão analisados no decorrer deste trabalho. 5 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos humanos, v. I. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1997, p : o Direito Internacional dos Direitos Humanos afirma-se em nossos dias, com inegável vigor, como um ramo autônomo da ciência jurídica contemporânea, dotado de especificidade própria. Trata-se essencialmente de um direito de proteção, marcado por uma lógica própria, e voltado à salvaguarda dos direitos dos seres humanos e não dos Estados.... e que o reconhecimento de que os direitos humanos permeiam todas as áreas da atividade humana corresponde a um novo ethos de nossos tempos. 3
4 A proteção efetiva aos direitos humanos é uma obrigação do Estado. Todavia, em muitos casos, um Estado não é capaz de arcar com suas responsabilidades de garantia aos direitos humanos. O Sistema Interamericano atua de forma subsidiária, ou seja, quando o Estado não atua de forma eficaz, existe a possibilidade de sofrer uma interferência externa. Por isso o Sistema Interamericano conta com órgãos que possam investigar e prolatar uma sentença de mérito que gere uma sanção a um Estado violador. Feitas as considerações gerais sobre o sistema americano de proteção dos direitos humanos, impende assinalar o papel desenvolvido pela Comissão e pela Corte na promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano. 3. A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS A Comissão Interamericana de Direitos Humanos representa todos os membros da Organização dos Estados Americanos. Seus membros devem ser eleitos pela Assembleia Geral da Organização, de uma lista de candidatos propostos pelos governos dos Estados membros. A competência da Comissão alcança todos os Estados-partes da Convenção Americana, em relação aos direitos da pessoa humana nela consagrados, bem como a todos os Estados integrantes da Organização dos Estados Americanos, em relação aos direitos consagrados na Declaração Americana de A principal função da Comissão está relacionada à promoção, observância e defesa dos direitos humanos. Para alcançar esse desiderato, no que tange a promoção dos direitos humanos, deve a Comissão preparar estudos, relatórios e propor recomendações aos Estados, tendo em vista a adoção de medidas que favoreçam o sistema de proteção aos direitos humanos no plano doméstico, como também conhecer petições individuais e comunicações interestatais que contenham denúncias de direitos que tenham sido aviltados, nos termos da Convenção. Assim, são apontadas as funções e atribuições da Comissão: a) estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; b) formular recomendações aos governos dos estados-membros, quando considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos 4
5 humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos; c) preparar estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções; d) solicitar aos governos dos estados-membros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos; e) atender às consultas que, por meio da Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, lhe formularem os estados-membros sobre questões relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que lhes solicitarem; f) atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade, de conformidade com o disposto nos arts. 44 a 51 da Convenção; g) apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos. Cumpre ressaltar que qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, nos termos do artigo 44, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado Parte. Frise-se, entretanto, que inicialmente a competência da Comissão estava adstrita à promoção dos direitos humanos por meio de preparação de estudos e relatórios, bem como de recomendações aos governos dos Estados com vistas a adoção de medidas em prol dos direitos humanos no plano doméstico dos seus respectivos territórios. Hodiernamente possui também competência para efetiva proteção dos direitos humanos em razão do conhecimento de petições individuais e de comunicações interestatais que contenham denúncias de violações aos direitos previstos na Convenção Americana. Sem embargo, a Convenção Americana confere ampla competência processual para receber denúncias ou queixas de violação da própria Convenção por um Estado-Parte, assim como para examinar e investigar. Ou seja, essa possibilidade alcança somente os Estados-Partes e a Comissão que têm direito de submeter casos à decisão da Corte. Por fim, impende assinalar que a Comissão, além dos Estados-partes, é que poderá submeter um caso à apreciação da Corte Interamericana. Esse aspecto é de grande relevo para o sistema de proteção dos direitos humanos no continente 5
6 americano e defere importância ao mencionado órgão. Todavia, é necessário que o indivíduo possa diretamente propor uma ação junto à Corte, a exemplo do que acontece no continente europeu. 4. A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS No que tange a Corte Interamericana de Direitos Humanos, esta se apresenta como uma instituição judicial independente e autônoma, cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Corte é regulada pelos artigos 33, b e 52 a 73 da mesma Convenção e pelas normas do seu Estatuto, tendo sido instalada em 1979, cuja sede situa-se em São José, na Costa Rica. Sua criação tem origem na proposta apresentada pela delegação brasileira à IXª Conferência Interamericana realizada em Bogotá no ano de A Corte Americana é composta de sete juízes, nacionais dos Estados membros da Organização, eleitos a título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de direitos humanos, que reúnam as condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos. Os juízes da Corte serão eleitos por um período de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez, em votação secreta, e pelo voto da maioria absoluta dos Estados Partes na Convenção, na Assembleia Geral da Organização, de uma lista de candidatos propostos pelos mesmos Estados. A Corte também pode contar com juizes ad hoc para tratar de determinadas matérias, conforme estabelece o artigo 55 da Convenção Americana, cujos requisitos são os mesmos dos demais juizes da Corte. As funções da Corte Interamericana são classificadas e definidas pela Convenção Americana em duas categorias: contenciosa (artigos 61, 62 e 63) e consultiva (artigo 64). A Corte deve exercer sua competência contenciosa considerando a responsabilidade do Estado pela violação, uma vez que este se obrigou, ao ratificar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a não só garantir, como prevenir e investigar, usando todos os recursos que dispuser para impedir as violações da 6
7 Convenção Americana. Desses compromissos derivam obrigações de punir, com o rigor de suas normas internas, os infratores de normas de direitos humanos constantes de sua legislação e da Convenção Americana, assegurando à vítima a reparação adequada. O Estado não pode se eximir da obrigação de reparar a violação, conforme estabelecem as normas de Direito Internacional relativas à responsabilidade internacional do Estado, alegando, por exemplo, que a medida a ser tomada violaria seu direito interno. 6 A competência contenciosa será ratione personae, ratione materiae e a ratione temporis. Quanto a competência facultativa da Corte, ou seja, para conhecer de qualquer caso contencioso que lhe seja submetido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos ou por um Estado-Parte da Convenção Americana, a Corte só poderá exercer esta competência contra um Estado por violação dos dispositivos da Convenção Americana, se este Estado, de modo expresso, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação da Convenção Americana ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, em declaração apresentada ao Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, deixar claro que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção. Antes da implantação desse sistema de proteção regional dos direitos humanos, esgotavam-se as possibilidades de se obter reparação de danos por violação aos direitos humanos ao se chegar às Cortes Constitucionais dos respectivos Estados. Hodiernamente o quadro é diferente posto que quando não há o reconhecimento formal do Estado em relação ao caso apresentado, a pessoa que se sente injustiçada ou seus familiares poderão acionar uma instância de natureza supranacional, observados os requisistos expressos na Convenção. Frise-se, por oportuno, que as sentenças da Corte são inapeláveis, definitivas e não estão sujeitas a precatórios. Para tanto, as decisões tomadas pela Corte Interamericana devem ser fundamentadas e comunicadas, não somente às partes, como também a todos os Estados membros da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Impende assinalar que até o presente momento houve quatro casos contenciosos envolvendo o Brasil no âmbito da Corte Interamericana de Direitos 6 Idem, p
8 Humanos, todos oriundos da Comissão Interamericana de Diretos Humanos, sendo os seguintes: Damião Ximenes Lopes, Gilson Nogueira de Carvalho, Escher e Guerrilha do Araguaia, que ainda aguarda por sentença. Para efeito deste estudo serão expendidas considerações acerca do caso Damião Ximenes Lopes. 5. COMENTÁRIOS GERAIS ACERCA DO CASO DAMIÃO XIMENES LOPES Damião Ximenes Lopes, que sofria de deficiência mental, fora internado por sua família na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral, Ceará, centro de saúde que funcionava à base do Sistema único de Saúde, no intuito de receber tratamento adequado. Durante sua internação, Damião sofreu diversas torturas por parte dos funcionários da casa de repouso. Num dia de visita, sua mãe, ao chegar à casa de repouso, encontrou Damião com marcas visíveis de tortura, com as mãos amarradas, o nariz sangrando, rosto e abdômen inchados e pedindo-lhe que chamasse a polícia. Horas mais tarde, após ter sido medicado, veio a falecer, em 4 de outubro de Sua família recorreu ao poder judiciário do Estado do Ceará, pleiteando reparação cível pelos maus tratos que resultaram na morte da vítima, porém, sem ainda ter esgotado os recursos perante a jurisdição brasileira, a irmã da vítima, Irene Ximenes Lopes, apresentou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma petição denunciando o Estado brasileiro por violar diversos direitos consagrados na Convenção Americana de Direitos Humanos, tais como o direito à vida, à integridade social, proteção da honra e dignidade e direito a recurso judicial, todos em conexão com o dever genérico do Estado de respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana, como estabelecido no artigo 1.1 da Convenção. Em 22 de Novembro de 1999 a Comissão acusou o recebimento da denúncia enviada por Irene e aproximadamente um mês depois, concedeu prazo de 60 dias para que o Estado brasileiro se manifestasse a respeito das alegações da autora. O Estado brasileiro, transcorrido o prazo não tomou qualquer atitude tampouco questionou a admissibilidade da demanda perante a Comissão. Esta, por 8
9 sua vez, por mais duas vezes concedeu prazo para que o Estado brasileiro se manifestasse, porém, todas as oportunidades foram em vão, pois não houve qualquer resposta por parte do Brasil. Foi então, que em outubro de 2002 a Comissão passou à sua primeira fase procedimental: o juízo de admissibilidade, o que resta dizer, é onde a Comissão analisa se é competente para receber e analisar o caso apresentado. Impende assinalar que a Comissão julgou ser competente, e aceitou a demanda pelos motivos abaixo elencados: Que a peticionaria possuía legitimidade para propor a demanda, posto que o Brasil é signatário da Convenção Americana. A peticionaria comprovou, através de documentos, que a casa de repouso aonde seu irmão veio a falecer era mantida pelo SUS (Sistema único de Saúde), não restando dúvidas da responsabilidade do Estado brasileiro perante a presumida violação dos direitos humanos consagrados na Convenção Americana. A Comissão entendeu ter competência temporal, pois os fatos alegados ocorreram após o Brasil se tornar signatário da Convenção, em Em que pese os fatos terem ocorridos dentro do Território nacional, a Comissão também entendeu possuir competência em razão do lugar. Não se pode olvidar que um dos requisitos para que uma demanda seja aceita pela Comissão Interamericana, é o esgotamento dos recursos internos, ou seja, enquanto não houver sentença transitada em julgado. Porém, esta regra não é absoluta, como se extrai da leitura do artigo 46 da Convenção: 1. Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário: a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos; b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional; e d) que, no caso do artigo 44, a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição. As disposições das alíneas a e b do inciso 1 deste artigo não se aplicarão quando: a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido 9
10 violados; b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos. (grifos nossos) Ao analisar admissibilidade do caso Ximenes Lopes a Comissão entendeu ser competente, ainda que os recursos internos não houvessem sido esgotados pela família de Damião, pois em momento algum o Estado brasileiro alegou a incompetência da Comissão por este motivo, logo, presumiu-se que o Estado, tacitamente, renunciou a esta defesa que lhe cabia. Só no ano de 2003 o Estado brasileiro se manifestou, apresentando uma contestação. No mesmo ano a Comissão se colocou a disposição de ambas as partes, com intuito de alcançar uma solução amistosa para o litígio, e pediu a inclusão da ONG Justiça Global, como copeticionária, o que foi permitido. Irene respondeu que aguardava uma proposta do Estado, porém, este, mais uma vez, se calou. Após analisar os fatos ocorridos, a Comissão entendeu que o Brasil violou direitos humanos consagrados na Convenção Americana, tais como direito à integridade, à vida, às garantias judiciais, respeito e garantias dos direitos humanos, e enviou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, pedindo que o Estado brasileiro fosse condenado: 1- A realizar uma investigação efetiva, imparcial e completa do caso ocorrido na Casa de Repouso Guararapes; 2- Reparar adequadamente os familiares de Damião Ximenes Lopes, determinando o pagamento de uma indenização; 3- Adotar medidas para que episódios como este não voltem a ocorrer; 4- Pagar todas as despesas que os familiares tiveram perante o Sistema Interamericano. No que tange ao trâmite perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, é importante frisar que o Estado brasileiro, assim como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, solicitou à Corte o pronunciamento a respeito da alegação que os recursos na jurisdição interna não foram esgotados. A Corte se manifestou igualmente à Comissão, entendendo que os Estados podem, tácita ou expressamente, renunciar a esta regra, foi o que ocorreu no caso hora analisado. 10
11 Em seu voto o Juiz Antonio Augusto Cançado Trindade sustentou que esta regra deve ser arguida pelo Estado durante a fase de admissibilidade da demanda, não podendo ser posterior, pois, neste caso presume-se a renúncia tácita. Tendo em vista que o Brasil é Estado parte da Convenção Americana desde 1992 e em 1998 reconheceu a competência contenciosa da Corte, esta julgou ser competente para julgar o caso. Em 2004 a Corte acusou recebimento da demanda oriunda da Comissão, e notificou às partes, concedendo prazo para que o Estrado Brasileiro oferecesse sua resposta e no ano de 2005 as partes ofereceram suas provas documentais, testemunhais e periciais. A ONG Justiça Global foi nomeada representante da família de Damião Ximenes Lopes. O dia 30 de novembro e 1 de dezembro houve audiência pública na Corte Interamericana, as partes estiveram presentes através de seus representantes. O Estado brasileiro tentou mais uma vez interpor exceção preliminar, alegando a falta de esgotamento dos recursos internos, o que logo foi negado pela Corte. Posteriormente, o Estado reconheceu sua responsabilidade por violar os artigos 4º (direito à vida) e 5º (direito à integridade pessoal). Por fim, a Corte se manifestou reconhecendo a responsabilidade parcial do Estado Brasileiro em decorrência da violação aos direitos humanos, como a vida, a integridade física, consagrados no artigo 4.1, 5.1 e 5.2 da Convenção Americana, e também por desrespeitar o seu artigo 1.1, que prevê: Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. Na sentença, o Brasil, por unanimidade, foi condenado a garantir, em um prazo razoável, a investigação e sanção dos responsáveis pelo caso; publicar, por meio do Diário Oficial e outros meios de comunicação de ampla circulação, parte da sentença condenatória prolatada pela Corte; realizar programas de capacitação para os profissionais de atendimento psiquiátrico; pagar à família de Damião Ximenes Lopes toda e qualquer quantia resultante de processo tanto em âmbito interno, quanto em âmbito externo; o pagamento no valor de 50 mil dólares para Damião, que foram distribuídos à sua família; o pagamento de 25 mil dólares para Irene Ximenes Lopes; o 11
12 pagamento de 10 mil dólares para Cosme Ximenes Lopes; o pagamento de 30 mil dólares para Albertina Viana Lopes. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Sistema Interamericano de Direitos Humanos apresenta-se como uma ferramenta de importância inestimável para a garantia efetiva dos direitos humanos no continente americano, pois através dos dois órgãos previstos na Convenção Americana (Comissão e Corte Interamericana) garante-se não só o acompanhamento da conduta dos Estados membros, como também a possibilidade de se julgar casos, prolatando-se uma sentença que deverá ser cumprida, sob pena de sanções de natureza política perante a Organização dos Estados Americanos. Isso tem provocado espetaculares modificações no campo dos direitos humanos e até mesmo no próprio funcionamento do Estado. Isso porque à medida que os Estados se submetem a obrigatoriedade da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a soberania estatal passa a ser mitigada. Significa dizer que se antes o indivíduo ao sofrer algum dano em relação ao exercício de seus direitos fundamentais, recorresse ao poder judiciário e não obtivesse êxito (tendo uma sentença desfavorável transitada em julgado) ele não teria mais alternativas tendo que se conformar com a atitude do Estado. Após o reconhecimento da Corte e da Comissão Interamericana de Diretos Humanos, mesmo tendo sentença desfavorável transitada em julgado, o indivíduo ainda poderá recorrer ao sistema externo, resta dizer, sendo o caso encaminhado a Comissão, posteriormente à Corte, esta prolatando sentença favorável ao indivíduo, reconhecendo a responsabilidade do Estado, e obrigando este a reparar os danos causados, o Estado não terá outra alternativa se não cumprir a sentença, visto que a sentença prolatada pela Corte Interamericana é inapelável. Logo, os Estados ao se tornarem signatários da Convenção Americana geram para si um dever, qual seja, o de adequar sua legislação e jurisdição interna para que estas estejam em consonância com as normas externas e com a jurisprudência da Corte Interamericana. 12
13 REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 12. tiragem. Traduzida por Carlos Nélson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, GUERRA, Sidney. Curso de direito internacional público. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, GUERRA, Sidney. Direitos humanos na ordem jurídica internacional e reflexos na ordem constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, GUERRA, Sidney. Temas emergentes de direitos humanos. Rio de Janeiro: FDC, PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos, v. I. Porto Alegre: Sérgio Fabris,
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