PODER JUDICIÁRIO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DÉCIMA CÂMARA

Transcrição

1 AGRAVO DE INSTRUMENTO N º /2 São Bernardo do Campo Agravante: Edna Elvira Rossi Agravado: Condomínio dos Edifícios Paraguay e Equador DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PERÍCIA. INDICAÇÃO PELO PERITO NOMEADO DE TERCEIRA PESSOA PARA REPRESENTÁ-LO. ATO PERSONALÍSSIMO DO JUIZ. Engenheiro que alegando problemas de saúde, sem comprovação, indicou profissional com possível parentesco em razão de igual nome, para representá-lo na elaboração do laudo pericial. Profissional nomeado com atualização em área diversa da reclamada pela prova técnica dos autos. Ato personalíssimo do Juiz e não do nomeado. Impossibilidade jurídica. Nulidade dos atos praticados. DESVIO DE PROCEDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA. O desvio do procedimento e do princípio do devido processo legal impõe a decretação da nulidade e a determinação de repetição dos atos com a nomeação, pelo r. Juízo de origem, de outro profissional. Voto n º Visto. 1. RELATÓRIO EDNA ELVIRA ROSSI interpôs Recurso de Agravo de Instrumento contra despacho do MM. JUIZ DE DIREITO DA 4 ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, proferido na Ação de Obrigação de Fazer c.c. Indenização que move contra o CONDOMÍNIO DOS EDIFÍCIOS PARAGUAY E EQUADOR, qualificação e caracteres das partes nos autos

2 Foi concedida a medida liminar, a Agravante cumpriu o disposto no artigo 526 do Código de Processo Civil e o Agravado, intimado, apresentou resposta. 2. PERÍCIA E SEU SUBSTRATO JURÍDICO A persuasão para o julgamento é essencialmente o supedâneo orientador do juiz. Perícia é a declaração de ciência, quando "relata as percepções colhidas" e afirmação de um juízo quando "constitui parecer que auxilie o juiz na interpretação ou na apreciação dos fatos da causa". É a prova destinada a levar ao juiz elementos instrutórios sobre algum fato que depende de conhecimentos especiais de ordem técnica, podendo consistir numa declaração de ciência, na "afirmação de um juízo", ou em ambas as operações, simultaneamente 1. O Perito exerce, com a responsabilidade da incumbência, função de auxiliar do juízo 2 para a elucidação de fatos dependentes de subsídios técnicos ou científicos indispensáveis à formação de sua convicção. É escolhido entre profissionais de nível universitário inscritos no órgão de classe competente, com observância dos artigos 420 e seguintes do Código de Processo Civil. O Perito comprovará sua especialidade na matéria sobre que deve opinar, através de certidão do órgão profissional onde se encontra regularmente inscrito. Somente nos locais onde não houver profissionais qualificados que preencham esses requisitos, a indicação e/ou nomeação será de livre escolha do juiz. A Lei nº 5.194, de 24/12/66, regula o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro agrônomo e, diz, no artigo 13, que os estudos, plantas, projetos, laudos e qualquer outro trabalho de engenharia, de arquitetura e de agronomia, quer público, quer particular, somente poderão ser submetidos ao julgamento das autoridades competentes 1 - José Frederico Marques Manual de Direito Processual Civil, vol. 2, pág Código de Processo Civil, artigo 145 e seguintes

3 e só terão valor jurídico quando seus autores forem profissionais habilitados. Laudo, derivado do latim laus, laudis (louvar, estimar) é a peça em que os Expertos Judicial e Assistentes das partes, em conjunto ou em separado, emitem parecer técnico e respondem aos quesitos que lhes são articulados pelo Juiz, Autor, Requerido e Ministério Público. O Código Penal pune, no artigo 342, a falsa perícia. O objeto jurídico é a administração da justiça e o sujeito passivo é o Estado e, de forma secundária, a pessoa que for prejudicada pela falsidade. Todos os Expertos serão responsáveis pelos atos danosos a que derem causa, sem prejuízo da responsabilidade criminal. Na área cível a responsabilidade deverá ser apurada até o montante dos danos a que o trabalho possa ter colaborado. Na área penal poderá incidir em qualquer das modalidades estabelecidas pela Parte Especial do Código Penal, dependendo do campo e da tutela jurídica enfocados pelo parecer. 3. FUNDAMENTAÇÃO EDNA ELVIRA ROSSI ajuizou Ação de Obrigação de Fazer c.c. Indenização contra o CONDOMÍNIO DOS EDIFÍCIOS PARAGUAY E EQUADOR, em razão de problemas de infiltração de água no muro por ele erigido na sua propriedade, e que põe em risco a segurança do seu imóvel, vizinho ao do Requerido. Em 14/7/2000 o r. Juízo determinou a realização de perícia técnica, nomeando o Dr. Manoel Biscaldi para a execução da tarefa (folha 75 verso). Em 12/9/2000 o Engenheiro Manoel Biscaldi requereu prazo suplementar para a entrega do laudo (folha 78). Em 10/10/2000 o inusitado: o Engenheiro Manoel Biscaldi, em razão de alegados (e não comprovados) problemas de saúde, indicou o Engenheiro Civil Renato - 3 -

4 Felipe Biscaldi para representá-lo na elaboração do Laudo Pericial (folhas 80/81). Pasme-se: o Experto nomeado procedeu ao substabelecimento ou à sub-rogação da nomeação ao seu colega de escritório, e a petição recebeu o (singelo e quase indecifrável) J. Ciente. Daí em diante o Engenheiro Manoel Biscaldi, Perito nomeado, apresentou-se em juízo representado por seu colega o Eng. Renato Felipe Biscaldi, conforme se verifica de folha 83, tendo esse seu colega firmado o Laudo Pericial (folha 127). Em 2/3/2001 a Agravante, após pesquisas que realizou, informou ao r. Juízo o fato anormal de que o Perito nomeado não era Engenheiro Civil nem Arquiteto, mas Engenheiro de Operação Modalidade Mecânica de Máquinas, conforme certidão expedida pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo (folha 134/135). Restou evidenciada a total ausência de especialidade na matéria a ser esclarecida nos autos, relacionada com construção civil, pois o Curso Básico de Perícias Judiciais em Edificações que o Engenheiro Manoel Biscaldi realizou durante 5 dias no Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia Departamento de São Paulo (folha 162), não o qualificava substancialmente para aceitar o encargo neste processo. Deveria, por dever legal e moral, ter recusado a nomeação, expondo a sua situação profissional. Calouse e deu azo à barafunda que em nada contribuiu para o esclarecimento da verdade sobre os fatos controvertidos, atrasando o desfecho da causa em mais de 12 meses. Não podem ser aceitas as razões do Agravado no sentido de que:... ao nomear o perito, o MM. Juiz o fez sabedor da vasta estrutura da empresa que este comanda, destinada à realização de perícias e avaliações, a MB Manoel Biscaldi & Engenheiros Associados, conforme se constata do próprio impresso utilizado pelo Sr. Perito do Juízo, onde consta os principais dados da empresa. O fato - 4 -

5 de o laudo pericial ter sido subscrito pelo Engenheiro Manoel Biscaldi, não significa tenha este, sem o auxílio de seus engenheiros associados, elaborado individualmente o laudo, mas com a participação de engenheiros com especialidade no ramo da engenharia civil. Um desses engenheiros, com capacidade técnica pessoal e formal para a realização da perícia é o Engenheiro Renato Felipe Biscaldi, com orgulho e por coincidência, filho do perito nomeado pelo Juízo... (folha 291). O desvio do procedimento e do princípio do devido processo legal impõe a decretação da nulidade e a determinação de repetição dos atos com a nomeação, pelo r. Juízo de origem, de outro profissional, desta feita qualificado, para a confecção de laudo pericial. 4. DISPOSIÇÃO Em face ao exposto, anula-se o processo a partir do despacho de folhas 214/215, inclusive, dos autos principais (folhas 75/76). Oficie-se, incluindo-se cópias de todo o processado à Procuradoria Geral de Justiça e ao Conselho Regional de Engenharia CREA, para providências pertinentes aos fatos registrados. IRINEU PEDROTTI Relator - 5 -