FUNARI, P. de A.; CARVALHO, A. V. de. Palmares, ontem e hoje. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2005.

Transcrição

1 PALMARES ONTEM E HOJE R E S ENHAS FUNARI P. de A.; CARVALHO A. V. de. Palmares ontem e hoje. Rio de Janeiro: J. Zahar A 373 coleção da Jorge Zahar Editor Descobrindo o Brasil traz assuntos complexos aos estudantes e não-especialistas em liguagem altamente acessível provendo os fundamentos para que o leitor possa aprofundar-se mais em determinadas áreas. Palmares ontem e hoje é mais um lançamento dessa editora que certamente instigará discussões sobre o quilombo a sociedade e a relação entre o passado e o presente em geral. O texto é dividido em cinco capítulos. Já na Introdução os autores problematizam a historiografia de Palmares e estabelecem por objetivo a análise das histórias de Palmares como produtos do seu tempo. Resumem também a história geral do quilombo introduzindo ao leitor alguns personagens e eventos bem como situando a sociedade em termos geográficos e cronológicos. O capítulo serve como referência básica para o leitor sem conhecimento da história de Palmares repetindo assim a história oficial do quilombo. No capítulo Palmares: passado e presente (ou presente e passado como preferir o leitor) Funari e Carvalho discutem questões historiográficas chamando a atenção para os diferentes modos de pensar e produzir história. Começa com Heródotus e nos leva até o século XX. No texto se vê como os diferentes contextos históricos e sociais produzi- Goiânia v. 3 n. 2 p jul./dez

2 Goiânia v. 3 n. 2 p jul./dez ram uma grande variedade de visões sobre Palmares (p. 17). Ainda nesse capítulo os autores apresentam as fontes (textos e artefatos) de que dispomos para interpretar o quilombo contrastando-os em termos epistemelógicos. A narrativa flui bem apesar de o assunto ser complexo. Os autores conseguem esse equilíbrio visando a audiência da coleção do editor. Em Palmares Ontem é iniciada a ligação da produção histórica sobre Palmares com os momentos históricos em que as produções foram realizadas. Na seção Palmares Silenciado os autores mostram que durante o século XIX o pouco escrito sobre o quilombo refletia as necessidades ideológicas da sociedade particularmente o nacionalismo e a harmonia ou o romantismo desejados para a sociedade contemporânea. A necessidade de evitar (ou esconder) conflitos na sociedade teve grande influência nas produções históricas da época. Em Palmares Hoje o penúltimo capítulo Funari e Carvalho continuam a sua análise dos contextos sociopolíticos na historiografia do quilombo começando em meados do século passado e terminando nos anos Nesse período vemos a politização de Palmares ocupando lugar importante em discursos para uma sociedade justa. Funari e Carvalho afirmam que o incentivo de realizar uma pesquisa arqueológica na Serra da Barriga deve-se em parte ao declínio da ditadura militar que teve impactos sociais amplos e profundos em toda a sociedade brasileira. Consta uma discussão sobre as pesquisas arqueológicas realizadas em duas campanhas de campo e as subseqüentes interpretações feitas por diversos autores comentadas mais adiante. Ao concluir os autores fazem uma breve exposição de algumas publicações sobre Palmares nos anos 1990 e resumem os pontos principais do texto destacando a relação do passado/presente os conflitos inerentes na sociedade e as fontes de que dispomos na interpretação do quilombo. Palmares ontem e hoje paralela em muitos sentidos o caminho trilhado por Allen (2001) na sua tese de doutoramento pela Brown University de cuja banca examinadora Funari foi membro externo. Os autores por sua parte entram em algu- 374

3 375 mas áreas não tratadas naquele trabalho como por exemplo as produções (ou silêncio) sobre Palmares no século XIX e reflexões sobre a teoria social. De fato o valor do livro está no tratamento sucinto dessas questões. Por outro lado os dados arqueológicos não recebem a mesma análise rigorosa mesmo considerando o caráter introdutório do livro. Uma comparação entre as fontes escritas e materiais esclarece essa carência. Funari e Carvalho dividem as fontes sobre Palmares em duas: documentos e materiais arqueológicos. A criação das fontes primárias (escritas pelos letrados da época e não as dos palmarinos) e a sua interpretação em determinados momentos históricos ocupam grande parte do texto e a análise certamente intriga o leitor. Os autores localizam essas fontes nos apêndices das obras de Ennes e Carneiro aos quais deveria ser acrescentado Freitas livro publicado postumamente (2004). Os documentos compunham a base de todas as interpretações sobre Palmares independente da época até a pesquisa arqueológica. Em duas campanhas de campo (1992 e 1993) totalizando três semanas a equipe de Funari realizou sondagens e recolheu cerca de artefatos a maioria dos quais fragmentos de cerâmica. As interpretações feitas com base neste acervo foram diversas em razão do posicionamento teórico de cada estudioso (p ). Como salientam os autores as fontes escritas são sujeitas a diversas leituras mas curiosamente aceitam passivamente que os dados arqueológicos são livres de bias na sua composição. Em outras palavras Funari e Carvalho discutem tanto o contexto da criação dos documentos primários (elaborados por elites letradas distantes dos comentados) quanto os contextos sociopolíticos das produções dos estudiosos mas fica aparente que os autores dão às fontes arqueológicas lugar privilegiado livres de uma forma ou de outra das intenções similares dos indivíduos responsáveis pela documentação primária. Além disso os autores não analisam os dados arqueológicos com o mesmo olhar crítico lançado aos textos apenas resumem as interpretações. Goiânia v. 3 n. 2 p jul./dez

4 Goiânia v. 3 n. 2 p jul./dez Sabemos porém que fontes arqueológicas também refletem os próprios ideais dos estudiosos não apenas as interpretações que seguem após a coleta de dados de campo. No jargão atual os dados são theory-laden. Fatores como a escolha do sítio a ser estudado a metodologia empregada e a procura de órgãos de fomento à pesquisa existem inter-relacionados afetando em várias maneiras a pesquisa em si. Toda a produção sobre a arqueologia de Palmares entre 1992 e 1998 foi voltada para questões do quilombo; isso apesar de o principal sítio sondado pela equipe de Funari ser um cemitério indígena pré-colonial. No espírito do texto precisamos questionar o porquê dessa produção que marginalizou o índio. Certamente a experiência profissional dos pesquisadores as suas linhas teóricas as correntes dominantes na Arqueologia Histórica bem como as questões políticas entram necessariamente nesse discurso (ALLEN 2000; 2001). A falta de informações referentes aos últimos anos de pesquisas e trabalhos na Serra da Barriga cria uma lacuna já que o penúltimo capítulo se chama Palmares Hoje. De fato atividades de pesquisa e divulgação da UFAL e do Governo do estado de Alagoas em anos recentes criaram situações e problemas altamente relevantes para esse livro. Uma avaliação crítica das evidências arqueológicas incluindo os resultados de pesquisas realizadas até 2001 embora disponível (ALLEN 2001) não consta no texto apenas as interpretações levantadas a partir das primeiras escavações e elaboradas por Allen Funari Orser e Rowlands. Se os autores queriam que o leitor chegasse às suas próprias conclusões sobre a historiografia do quilombo não seria necessário incluir esses dados arqueológicos? Para valer como uma perspectiva crítica e participativa (p. 10) é necessário situar todos os atores históricos na produção não apenas os distanciandos pelo tempo e expor todas os dados disponíveis não apenas uma seleção. Excetuando os pontos levantados acima referentes à discussão arqueológica Palmares ontem e hoje é uma complementação valiosa na historiografia do quilombo. Os autores conseguem traçar as conexões entre o passado e o 376

5 presente e conseguem expor as questões pertinentes ao estudo de Palmares. A sua leitura seria um bom começo para iniciantes sobre a temática de Palmares em particular e sobre estudos históricos em geral. Referências ALLEN S. J. Identidades em jogo: índios negros e a arqueologia da Serra da Barriga. In: ALMEIDA L. de.; GALINDO M.; ELIAS J. (Orgs.). Índios do nordeste: temas e problemas 2. Maceió: Edufal ALLEN S. J. Zumbi nunca vai morrer: history race politics and the practice of archaeology in Brazil. Ann Arbor: UMI Press FREITAS D. República de Palmares: pesquisa e comentários em documentos históricos do século XVII. Maceió: Adufal SCOTT JOSEPH ALLEN Ph.D. Núcleo de Ensino e Pesquisa Arqueológico ICS/UFAL. Goiânia v. 3 n. 2 p jul./dez