PENAL. Direito. Para os concursos de Técnico e Analista ALEXANDRE SALI MARCELO ANDRÉ DE AZEVEDO. 6.ª edição revista, atualizada e ampliada
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1 ALEXANDRE SALI MARCELO ANDRÉ DE AZEVEDO Coleção TRIBUNAIS e MPU Coordenador HENRIQUE CORREIA Direito PENAL Para os concursos de Técnico e Analista 6.ª edição revista, atualizada e ampliada _tribunais e mpu.indd 3 15/12/ :12:57
2 T G N P Sumário 1. Fontes do direito penal: 1.1. Conceito e distinção; 1.2. Fonte material ou de produção; 1.3. Fontes formais ou de cognição ou de conhecimento: Fonte formal imediata; Fontes formais mediatas: Costume; Princípios gerais de direito; Ato administrativo 2. Norma penal e lei penal: 2.1. Introdução; 2.2. Classificação das Leis Penais; 2.3. Leis Penais em Branco: Classificação: Leis penais em branco homogêneas ou em sentido lato; Leis penais em branco heterogêneas ou em sentido estrito: Lei penal em branco na nova Lei de Drogas; 2.4. Tipos Penais Abertos; 2.5. Destinatários da Lei Penal 3. Analogia: 3.1. Conceito, Natureza Jurídica e Fundamento; 3.2. Requisitos; 3.3. Analogia in malam partem e in bonam partem: Analogia in malam partem; Analogia in bonam partem; 3.4. Analogia e processo penal 4. PRINCÍPIOS: 4.1. Princípio da reserva legal; 4.2. Princípio da dignidade da pessoa humana; 4.3. Princípio da intervenção mínima; 4.4. Princípio da fragmentariedade; 4.5. Princípio da subsidiariedade; 4.6. Princípio da insignificância ou bagatela; 4.7. Princípio da ofensividade ou lesividade; 4.8. Princípio da responsabilidade pessoal; 4.9. Princípio da responsabilidade subjetiva; Princípio da proporcionalidade; Princípio da adequação social 5. Eficácia da lei penal: 5.1. Lei penal no tempo: Nascimento da lei penal; Revogação da lei penal; Conflitos de leis penais no tempo: Lex mitior; Competência para aplicação da lei mais benéfica; Dúvida quanto à lei mais benéfica; Combinação de leis (lex tertia); Lei Intermediária; Lei Processual; Ultra-atividade das leis penais temporárias e excepcionais; Tempo do crime; 5.2. Lei penal no espaço: Introdução; Territorialidade; Lugar do crime; Extraterritorialidade; Princípios norteadores da extraterritorialidade 6. Conflito aparente de normas: 6.1. Introdução; 6.2. Princípio da especialidade (lex specialis derogat legi generali); 6.3. Princípio da subsidiariedade (lex primaria derogat legi subsidiariae); 6.4. Princípio da consunção ou absorção (lex consumens derogat legi consumptae); 6.5. Princípio da Alternatividade 7. Disposições finais acerca da aplicação da lei penal: 7.1. Eficácia da sentença estrangeira; 7.2. Contagem de prazo (art. 10 do CP); 7.3. Frações não computáveis de pena; 7.4. Aplicação das normas gerais do Código Penal 8. Questões dissertativas e estudos de caso: 8.1. Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do STF e do STJ 9. Legislação relacionada ao capítulo 1. FONTES DO DIREITO PENAL 1.1. Conceito e distinção Por fonte do Direito deve ser entendida a sua origem primária, relacionada com a própria gênese da lei, signi cando tudo aquilo que impulsiona o surgimento da norma jurídica. Distinguem-se as fontes do Direito Penal em materiais (ou de produção) e formais (ou de cognição ou conhecimento). As últimas podem, ainda, ser imediata (lei) ou mediatas (costumes, princípios gerais de direito, ato administrativo, tratados e convenções, equidade, doutrina, jurisprudência). 31 Tribunais e MPU -Salim- Azevedo -Dir Penal-6ed.indb 31 15/12/ :50:53
3 DIREITO PENAL Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo 1.2. Fonte material ou de produção Relaciona-se à produção da norma penal, com respeito ao órgão encarregado de sua elaboração. Fonte de produção é o Estado (não os Estados que compõem a Federação brasileira, mas sim esta última). Conforme preceitua o art. 22, I, da CF, compete privativamente à União legislar sobre direito penal. Assim, cabe tão- -somente à União, como única fonte de produção, ditar normas gerais de Direito Penal, bem como proibir ou impor determinadas condutas (comissivas ou omissivas), sob a ameaça de sanção. A Constituição Federal, ao referir-se à competência privativa da União, quer dizer que somente a conjugação da vontade do povo, representado pelos seus deputados, com a vontade dos Estados, representados pelos seus senadores, e, ainda, com a sanção do Presidente da República, é que pode inovar em matéria penal. Excepcionalmente, porém, prevê o parágrafo único do artigo 22 da CF que lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões especí cas das matérias relacionadas neste artigo. Objetivando a regionalização de determinadas questões penais, mostra-se, em tese, admissível que a União autorize os Estados-membros a criminalizar determinada conduta, prevendo delito peculiar a certa parte do País. Não obstante não se tenha notícia de tal prática, o certo é que a norma penal deve possuir alcance nacional, a m de manter a integridade do sistema, sendo impensável a possibilidade de legislação, em matéria penal, por parte dos Estados-membros Fontes formais ou de cognição ou de conhecimento Dizem respeito ao modo de exteriorização do Direito Penal e podem ser imediata (ou direta) e mediatas (ou indiretas ou secundárias) Fonte formal imediata A única fonte formal imediata é a lei, à qual se recorre para saber se determinada conduta praticada por alguém é proibida pelo Direito Penal. Observe-se que somente a lei, em sentido estrito, pode criar crimes e cominar penas. Outras espécies legislativas: a) lei complementar: pode legislar sobre matéria penal, uma vez que possui processo legislativo mais complexo do que a lei ordinária (ex.: art. 10 da Lei Complementar nº 105/2001, que instituiu o crime de quebra de sigilo fora das hipóteses autorizadas na mesma Lei). Há, no entanto, posição em contrário (como Cernicchiaro e Paulo José da Costa Jr., por exemplo) sustentando que o rol da lei complementar é exaustivo na Constituição, não incluindo nenhuma hipótese de criação de lei penal, além do que é exigido quorum quali cado para elaborar uma lei complementar, o que iria engessar o Congresso Nacional se houvesse necessidade de modi car lei penal que fosse criada pelo processo quali cado. 32 Tribunais e MPU -Salim- Azevedo -Dir Penal-6ed.indb 32 15/12/ :50:53
4 Cap. I TEORIA GERAL DA NORMA PENAL b) lei delegada: é aquela elaborada pelo Presidente da República, não podendo criar lei penal, pois o art. 68, 1º, II, da CF veda a delegação em matéria de direitos individuais, entre os quais está o princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da CF). Além disso, o procedimento legislativo, que exige intenso debate dos congressistas sobre as propostas de alteração da legislação penal, restaria enfraquecido, sem trâmite pelas duas Casas Legislativas e sem apresentação de emendas. c) medida provisória: não pode legislar sobre matéria penal em face de expressa previsão constitucional (art. 62, 1º, I, b, da CF), conforme alteração advinda pela Emenda Constitucional nº 32/2001. Antes de tal EC, no entanto, a matéria gerava certa controvérsia, tendo ocorrido casos de leis penais criadas por MPs, como a Lei nº 7.960/89 (Lei da Prisão Temporária), acrescendo tipo penal à Lei nº 4.898/65, que trata do abuso de autoridade. d) emenda à constituição: pode, em tese, criar lei penal, já que é fruto do Poder Constituinte Derivado ou Reformador, mesmo porque não há vedação expressa a respeito. No entanto, a teor do art. 60, 4º, da CF, a EC não poderá restringir direitos e garantias individuais Fontes formais mediatas São fontes formais mediatas o costume, os princípios gerais de direito e o ato administrativo, embora já tenham sido também elencados os tratados e convenções, a equidade, a doutrina e a jurisprudência Costume É a repetição da conduta, de maneira constante e uniforme, em razão da convicção da sua obrigatoriedade jurídica. Em virtude do princípio da reserva legal, o costume não pode criar crimes e nem cominar penas, embora continue e caz em outros ramos do Direito, principalmente naqueles pautados pela common law. IMPORTANTE: O costume não revoga a lei, em face do que dispõe o art. 2º da LINDB Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (antiga LICC, conforme alteração advinda da Lei nº /2010), segundo o qual uma lei só pode ser revogada por outra lei Princípios gerais de direito Tratando das lacunas na lei e demonstrando a completude do direito, dispõe o art. 4º da LINDB: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Os princípios gerais de direito são premissas de cunho moral e ético retiradas do processo legislativo. Tais princípios não podem ser fontes de incriminação de condutas, embora, no campo 33 Tribunais e MPU -Salim- Azevedo -Dir Penal-6ed.indb 33 15/12/ :50:53
5 DIREITO PENAL Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo das normas não-incriminadoras, haja a possibilidade de invocá-los para ampliar as causas de exclusão do delito Ato administrativo Em algumas normas penais em branco, o complemento da de nição da conduta criminosa dependerá de um ato da Administração Pública. No delito de omissão de noti cação de doença, previsto no art. 269 do Código Penal, é um ato administrativo Portaria n.º 204/2016 do Ministério da Saúde que irá elencar o rol de doenças cuja noti cação é compulsória, servindo, dessa forma, como fonte formal mediata do Direito Penal. 2. NORMA PENAL E LEI PENAL 2.1. Introdução A lei é a única fonte imediata de conhecimento. Comumente, no entanto, usa-se o termo norma para exprimir toda categoria de princípios legais, não obstante a norma penal esteja contida na lei penal. Norma é o mandamento de uma conduta normal, advindo do sentido de justiça que possui determinado segmento social. Lei, por sua vez, é a regra escrita elaborada pelo legislador, possuindo o objetivo de positivar condutas consideradas nocivas à sociedade. Lei, portanto, é o veículo pelo qual a norma se manifesta e torna obrigatória a sua observância. Em toda lei penal incriminadora há duas partes distintas: o preceito primário (ou simplesmente preceito ou ainda preceptum juris) e o preceito secundário (ou sanção ou ainda sanctio juris). O preceito primário contém a de nição da conduta criminosa; o preceito secundário contém a respectiva sanção penal Classi cação das Leis Penais 34 As leis penais classi cam-se em: a) leis penais incriminadoras: são as que criam crimes e impõem as respectivas sanções. Estão contidas na Parte Especial do Código Penal e na legislação penal extravagante. b) leis penais não-incriminadoras: são as que não criam crimes e nem cominam penas, subdividindo-se em: b.1) leis penais permissivas: são as que autorizam a prática de determinadas condutas típicas, presentes na Parte Geral do Código Penal (legítima defesa e estado de necessidade, por exemplo art. 23 do CP) e, embora com escassez, na Parte Especial (arts. 128 e 142 do CP); b.2) leis penais exculpantes: são as que estabelecem a inculpabilidade do agente ou a impunidade de determinadas condutas típicas e ilícitas, presentes na Parte Geral do Código Penal, como a inimputabilidade Tribunais e MPU -Salim- Azevedo -Dir Penal-6ed.indb 34 15/12/ :50:53
6 Cap. I TEORIA GERAL DA NORMA PENAL por doença mental (art. 26, caput, do CP), a inimputabilidade pela menoridade do agente (art. 27 do CP) e a prescrição (art. 107, IV, do CP), e na Parte Especial, como no art. 312, 3º, 1ª parte, do CP, e no art. 342, 2º, do CP; b.3) leis penais interpretativas: são as que esclarecem o conteúdo de outras leis, direcionando a um determinado signi cado. Ex.: conceitos de causa (art. 13, caput, 2ª parte, do CP), casa (art. 150, 4º, do CP) e funcionário público (art. 327 do CP). b.4) leis penais complementares ou de aplicação: são as delimitam o âmbito de sua incidência ou que traçam os princípios e orientações para sua aplicação (leis diretivas). Ex.: arts. 2º a 12 do CP e o princípio da reserva legal (art. 1º do CP); c) leis penais de ampliação, de extensão ou integrativas: são as que complementam a tipicidade do fato, como aquelas atinentes à tentativa (art. 14, II, do CP) e à participação (art. 29 do CP). d) leis penais completas: são as que de nem todos os elementos da gura típica, como o homicídio doloso (art. 121, caput, do CP). e) leis penais incompletas: são as que reservam o complemento da gura típica a outra norma, a um ato administrativo ou ao juiz. São as leis penais em branco e os tipos penais abertos Leis Penais em Branco A expressão lei em branco foi utilizada, pela primeira vez, por Binding, para chamar aquelas normas que, não obstante contenham sanção penal determinada, seu respectivo preceito primário não é formulado senão como proibição genérica, devendo ser complementado por outra lei (em sentido amplo) Classi cação As leis penais em branco classi cam-se em: a) leis penais em branco homogêneas ou em sentido lato ou impróprias; b) leis penais em branco heterogêneas ou em sentido estrito ou próprias. ATENÇÃO: O penalista espanhol Mir Puig cita, ainda, uma terceira classi cação: leis penais em branco ao avesso (também chamadas de normas penais em branco ao revés ou invertidas), que existem quando, embora completo o preceito primário, o preceito secundário ca a cargo de norma complementar. Observe-se a Lei de Genocídio (Lei nº 2.889/56), que não traz pena especí ca para o genocídio, mas sim remete às sanções penais de outras infrações. Exemplo: quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, matar membros desse grupo, será punido com as penas do homicídio quali cado. 35 Tribunais e MPU -Salim- Azevedo -Dir Penal-6ed.indb 35 15/12/ :50:53
7 DIREITO PENAL Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo Leis penais em branco homogêneas ou em sentido lato São aquelas em que o complemento provém da mesma fonte formal da norma incriminadora. O órgão encarregado de formular o complemento é o mesmo órgão elaborador da lei penal em branco. Ou seja, o complemento do tipo penal é dado por uma lei. ATENÇÃO: Luiz Flávio Gomes e Antonio Molina (Direito Penal Parte Geral, Vol. 2, p. 50) sustentam que a lei penal em branco homogênea pode ser homovitelínea ou heterovitelínea. Será homovitelínea, homivitelina ou homóloga quando a norma que a complementa for da mesma instância legislativa (Poder Legislativo) e estiver na mesma estrutura normativa da descrição típica (lei penal complementando lei penal: art. 304 do CP, que é complementado pelo art. 297 do mesmo CP). Será heterovitelínea, heterovitelina ou heteróloga quando a norma complementar for da mesma instância legislativa (Poder Legislativo) e se encontrar em estrutura normativa diversa da descrição típica (lei extrapenal complementando lei penal: art. 235 do CP, que é complementado pelo art e segs. do CC) Leis penais em branco heterogêneas ou em sentido estrito São aquelas cujo complemento está contido em norma que procede de outra instância legislativa. A lei penal é complementada por ato normativo infralegal, como uma portaria ou um decreto. Ex.: o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, previsto no art. 14, caput, do Estatuto do Desarmamento (Lei nº /03), remete ao chamado R-105 (Decreto nº 3.665/00), que de ne efetivamente o que é arma, o que é acessório e o que é munição Lei penal em branco na nova Lei de Drogas A Lei nº /06 passou a adotar terminologia diversa da usada pelas (revogadas) Leis 6.368/76 e /02. No lugar de substância entorpecente, utiliza a expressão droga. De acordo com o conceito legal, drogas são substâncias entorpecentes ou produtos capazes de causar dependência, e que estejam especi cados em lei ou relacionados em listas atualizadas, de forma periódica, pelo Poder Executivo da União (parágrafo único do art. 1º). Trata-se de lei penal em branco, complementada por preceito administrativo (Portaria SVS-MS 344/98) Tipos Penais Abertos Não obstante devam propriamente ser estudados dentro da tipicidade, os tipos penais abertos são, igualmente, espécie de lei penal incompleta. Enquanto as leis penais em branco são complementadas por outra lei (leis penais em branco homogêneas) ou por ato administrativo (leis penais em branco heterogêneas), no tipo penal aberto a de nição da conduta criminosa é complementada pelo magistrado, através de um juízo valorativo. 36 Exemplos: crimes culposos, rixa (art. 137 do CP), ato obsceno (art. 233 do CP). Tribunais e MPU -Salim- Azevedo -Dir Penal-6ed.indb 36 15/12/ :50:54
8 Cap. I TEORIA GERAL DA NORMA PENAL 2.5. Destinatários da Lei Penal O preceito primário da lei penal tem valor erga omnes e dirige-se a todas as pessoas; por outro lado, como o dever de punir se dirige aos juízes, são eles os destinatários do preceito secundário. Este não pode se dirigir ao transgressor da norma, pois não existe um dever de autopunição. 3. ANALOGIA 3.1. Conceito, Natureza Jurídica e Fundamento A analogia é a aplicação, a uma hipótese não prevista em lei, de lei reguladora de caso semelhante. É, pois, uma forma de autointegração da norma, e não de mera interpretação, que atende ao brocardo ubi eadem legis ratio, ubi eadem legis dispositio. Apesar de citada no art. 4º da LINDB, a analogia não é fonte do Direito, pois o juiz, ao utilizá-la para a solução de determinada questão, está apenas aplicando determinada disposição legal que irá resolver, por semelhança, casos não expressamente contemplados na lei. A analogia não se confunde com a interpretação extensiva. Com o emprego daquela, o exegeta parte da própria lei para elaborar a regra relativa ao caso não previsto pela legislação. Ou seja: ao contrário do que ocorre na interpretação extensiva, não há ampliação do texto legal, pois a mesma disposição será aplicada a casos semelhantes (não contemplados expressamente). O fundamento da analogia é o argumento pari ratione, da lógica dedutiva, que utiliza, para a solução do caso omisso, o mesmo raciocínio do caso semelhante Requisitos O recurso à analogia, para que possa ser utilizado, exige a concorrência de três requisitos: a) o fato considerado não pode ter sido regulado pelo legislador; b) o legislador deve ter regulado situação que oferece relação de identidade com o caso não regulado; e c) deve haver o ponto comum às duas situações (a prevista e a não-prevista), constituindo sentido determinante na implantação do princípio referente à situação considerada pelo aplicador Analogia in malam partem e in bonam partem Analogia in malam partem É a que aplica, ao caso omisso, lei prejudicial ao réu, reguladora de caso semelhante. Torna-se impossível o emprego dessa analogia no Direito Penal moderno, 37 Tribunais e MPU -Salim- Azevedo -Dir Penal-6ed.indb 37 15/12/ :50:54
9 DIREITO PENAL Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo que é pautado pelo princípio da reserva legal, mesmo porque, segundo a hermenêutica, lei que restringe direitos não admite analogia. FURTO DE SINAL DE TV A CABO e ANALOGIA IN MALAN PARTEM: a 2ª Turma do STF declarou a atipicidade da conduta de condenado pela prática do crime descrito no art. 155, 3º, do CP (Art. 155 Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: (...) 3º Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico), por efetuar ligação clandestina de sinal de TV a cabo. Reputou-se que o objeto do aludido crime não seria energia e ressaltou-se a inadmissibilidade da analogia in malam partem em Direito Penal, razão pela qual a conduta não poderia ser considerada penalmente típica. Precedente: STF, HC , j. 12/04/2011. Observação: O STJ possui decisões a rmando que o fato é típico (art. 155, 3º, do CP). Precedentes: RHC /RJ, 5ª T., j 20/08/2013; 5ª T., REsp /RS, j. 16/12/2010; 5ª T., REsp / RN, j. 02/06/ Analogia in bonam partem É a que aplica, ao caso omisso, lei bené ca ao réu, reguladora de caso semelhante. Além de ser perfeitamente viável em matéria penal, a analogia bené ca é muitas vezes necessária para que, ao interpretar-se a lei penal, não se chegue a soluções absurdas. Portanto, se não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não exceda a quota a que tem direito o agente (art. 156 do CP), igualmente não poderá ser punível o dano de coisa comum fungível nas mesmas circunstâncias Analogia e processo penal A utilização da analogia no âmbito do processo penal vem sendo admitida como regra. Isso porque a lei processual penal, de acordo com o art. 3º do CPP, admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. 4. PRINCÍPIOS 4.1. Princípio da reserva legal O art. 1º do Código Penal vigente enuncia o princípio da reserva legal nos seguintes termos: Não há crime sem lei anterior que o de na. Não há pena sem prévia cominação legal. Igual disposição traz a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXIX, ao determinar que não há crime sem lei anterior que o de na, nem pena sem prévia cominação legal. 38 Desdobramentos do Princípio da Reserva Legal: a) Lex Stricta (inadmissibilidade da analogia in malam partem): é a proibição da aplicação da analogia para fundamentar ou agravar a pena. Tribunais e MPU -Salim- Azevedo -Dir Penal-6ed.indb 38 15/12/ :50:54
10 Cap. I TEORIA GERAL DA NORMA PENAL b) Lex Scripta (inadmissibilidade do costume incriminador): como somente a lei pode criar crimes e de nir sanções penais, resulta lógica a proibição de invocação do direito consuetudinário para a fundamentação ou agravamento da pena, como ocorreu no direito romano e medieval. c) Lex Certa (taxatividade da lei penal): a reserva legal exige, ainda, a clareza do tipo, que não pode deixar margens a dúvidas nem abusar do emprego de normas muito gerais ou tipos incriminadores genéricos, vazios ou extremamente abrangentes. De nada adiantaria exigir a prévia de nição da conduta na lei se fosse admitida a utilização de termos demasiadamente amplos. A lei penal somente poderá servir como função pedagógica e motivar o comportamento humano se facilmente acessível a todas as pessoas, e não apenas aos juristas. d) Lex Praevia (anterioridade da lei penal): de acordo com o art. 1º do Código Penal, não há crime sem lei anterior que o de na e nem pena sem prévia cominação legal. A lei que institui o crime e a pena deve ser anterior ao fato que se quer punir. É, pois, lícita qualquer conduta que não se encontre de nida em lei penal incriminadora. PROGRESSÃO DE REGIME e LEX PRAEVIA: Súmula 471 do STJ: Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei nº /2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime Princípio da dignidade da pessoa humana Com o advento da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana foi alçada à categoria de princípio fundamental (art. 1º, III), fazendo com que a preocupação com a proteção dos direitos humanos seja hoje um dos vetores de orientação do Direito Penal. Juridicamente, a noção da dignidade humana está ligada aos movimentos constitucionalistas modernos, sobretudo aos constitucionalismos francês e americano. Não é à toa que o valor moral da dignidade da pessoa humana foi consagrado como preceito constitucional na Declaração de Direitos de Virgínia, que precedeu a Constituição americana de 1787, e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que resultou da Revolução Francesa. Apesar de ser possível sua dedução dos textos constitucionais mais antigos que tutelavam as liberdades fundamentais, a positivação explícita do ideal da dignidade da pessoa humana é bastante recente. Com algumas exceções, somente após sua consagração na Declaração Universal da ONU de 1948 é que o princípio foi expressamente reconhecido na maioria das Constituições. Portanto, se uma norma violar tal dignidade, haverá agrante inconstitucionalidade Princípio da intervenção mínima Constitui a base do chamado direito penal mínimo. Como o Direito Penal representa a intervenção mais gravosa na esfera íntima do cidadão, já que tem como objetivo a imposição de pena, a sua aplicação deve ser fragmentária e subsidiária. 39 Tribunais e MPU -Salim- Azevedo -Dir Penal-6ed.indb 39 15/12/ :50:54
11 DIREITO PENAL Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo 4.4. Princípio da fragmentariedade Fragmento é parte de um todo. Isso signi ca que o Direito Penal, visto como fragmentário, somente poderá se ocupar de bens jurídicos relevantes. Ademais, apenas as condutas mais graves, consideradas socialmente intoleráveis e endereçadas a bens efetivamente valiosos, é que podem ser objeto de criminalização Princípio da subsidiariedade Só haverá intervenção do Direito Penal quando outros ramos do Direito não resolverem de forma satisfatória o con ito. Direito Penal, portanto, é a ultima ratio Princípio da insigni cância ou bagatela Em face do princípio da insigni cância (que Klaus Tiedmann chamou de princípio da bagatela), mínimas ofensas a interesses protegidos pela norma penal não justi cam a incidência do Direito Penal, que se mostra desproporcionado ao castigar fatos de importância manifestamente insigni cante. OBSERVAÇÕES: Natureza jurídica: é causa supralegal de exclusão da tipicidade material. Quatro condições objetivas (segundo o STF) para a aplicação do princípio da insigni cância: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Condições subjetivas (reincidência, maus antecedentes, periculosidade do agente). Conforme prevalece, a habitualidade delitiva revela reprovabilidade su ciente a afastar a aplicação do princípio da insigni cância O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ín mos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida (STF, 2ª T., HC AgR, j. 23/06/2015). Idem: STF, 1ª T., HC AgR, j. 21/06/2016. No mesmo sentido: (...) 2. É entendimento consolidado neste Tribunal que, apesar de não con gurar reincidência, a existência de outras ações penais, inquéritos policiais em curso ou procedimentos administrativos scais é su ciente para caracterizar a habitualidade delitiva e, consequentemente, afastar a incidência do princípio da insigni cância (STJ, 5ª T., AgRg no REsp , j. 01/09/2016). Não cabe em crimes praticados com violência ou grave ameaça contra pessoa, como o roubo. Nesse sentido: A jurisprudência do STF e do STJ é pací ca, no sentido de não ser possível a aplicação do princípio da insigni cância aos crimes praticados com grave ameaça ou violência contra a vítima, incluindo o roubo: É inviável reconhecer a aplicação do princípio da insigni cância para crimes praticados com violência ou grave ameaça, incluindo o roubo (STF, RHC /DF (...) (STJ, 5ª T., HC , j. 23/02/2016). Não cabe no crime de moeda falsa, pois o bem jurídico tutelado é a fé pública, e não o patrimônio. Nesse sentido: Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, o princípio da insigni cância é inaplicável ao delito de moeda falsa uma 40 Tribunais e MPU -Salim- Azevedo -Dir Penal-6ed.indb 40 15/12/ :50:54
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