TRIBUNAL DE JUSTIÇA DÉCIMA NONA CAMARA CIVEL RELATOR: DES. MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES

Transcrição

1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DÉCIMA NONA CAMARA CIVEL RELATOR: DES. MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº AGTE : ESTRUTURA II FUNDO DE I NVESTIMENTO IMOBILIARIO FII AGDO : VALDECIR DE ROSSI AGDO : JUVENIA GOMES MARCHESAN DE ROSSI Agravo de instrumento contra decisão que indeferiu o pedido de liminar em ação de despejo fundada no Estatuto da Terra. Para a finalidade pretendida pelo agravante, a lei trouxe exigências para evitar abusos no exercício da propriedade, que possui valor relativo a ser ponderado com a função social da propriedade. Dentro das exigências legais, embora os dispositivos não se refiram especificamente ao despejo por falta de pagamento, verifica-se que os arrendatários não foram regularmente notificados, mediante Cartório de Registro de Títulos e documentos da comarca da situação do imóvel, ou por requerimento judicial. Essa medida atende ao espírito protetivo da lei, pois a notificação, além de servir ao convencimento do magistrado acerca da verossimilhança das alegações autorais, em sede de cognição sumária, presta-se para evitar a surpresa do devedor pela cobrança. No que concerne à nulidade da Cláusula Sexta decorrente da fixação do preço do contrato em sacas do produto cultivado, Superior Tribunal de Justiça é sólida em afirmar a ilegalidade da prática. Negativa der seguimento ao recurso. DECISÃO Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão de fls. 205, do Juízo de origem, que, em ação de despejo fundada no Estatuto da Terra, indeferiu a liminar para determinar o despejo dos agravados, por inadimplemento. Às fls. 2/17, o agravante insurge-se contra as razões de decidir de primeiro grau, ao argumento de que os agravados arrendatários deixaram de cumprir a obrigação assumida, muito embora instados à purgação da mora, motivo pelo qual deve ser deferida o pedido liminar para o despejo dos agravados.

2 Às fls. 22, indeferida a concessão de efeito suspensivo. Às fls. 25/42, contrarrazões da parte adversa em que afirma, como não foi regularmente notificada, somente com o oferecimento da demanda teve ciência da cobrança. Argumenta também ser inválida a cláusula contratual que estabelece o pagamento in natura da prestação decorrente de arrendamento rural. Sustenta, por fim, que possui o direito de retenção pelas benfeitorias realizadas no imóvel. Às fls. 91, informações prestadas pelo juízo a quo. É O RELATÓRIO. DECIDO: O objeto central do recurso está em verificar a plausibilidade do direito invocado acerca da liminar pretendida em ação de despejo decorrente de contrato de arrendamento rural, previsto no Estatuto da Terra. Funda-se o pedido no inadimplemento dos agravados arrendatário da obrigação contratual vencida em 30/04/2013, conforme disposto na Cláusula Sexta (fls. 71), mesmo com a notificação feita para a purgação da mora. O Estatuto da Terra surgiu, com a promessa de se implantar a reforma agrária e política agrícola no país. Havia, no período ditatorial, a necessidade política de atender aos interesses dos camponeses e dos grandes proprietários rurais, diante dos conflitos que eclodiam no segmento rural. Para consecução do fim almejado, trouxe o Estatuto normas protetivas à agricultura de subsistência, com se verifica especificamente no artigo 95, onde se elencam alguns critérios a serem atendidos pelos contrantes, a saber: IV - em igualdade de condições com estranhos, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o proprietário, até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, fazer-lhe a competente notificação extrajudicial das propostas existentes. Não se verificando a notificação extrajudicial, o contrato considera-se automaticamente renovado, desde que o arrendador, nos 30 (trinta) dias seguintes, não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, tudo mediante simples registro de suas declarações no competente Registro de Títulos e Documentos; (grifo meu) V - os direitos assegurados no inciso IV do caput deste artigo não prevalecerão se, no prazo de 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, o proprietário, por via de notificação extrajudicial, declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo direta-

3 mente ou por intermédio de descendente seu; (Redação dada pela Lei nº , de 2007).(grifo meu) No artigo 22, de seu decreto regulamentar DECRETO No , de 14 de novembro de 1966, que se reporta ao inciso supracitado, estabelece que: Em igualdade de condições com terceiros, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o arrendador até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, notificá-lo das propostas recebidas, instruindo a respectiva notificação com cópia autêntica das mesmas (art. 95, IV do Estatuto da Terra ). 3º As notificações, desistência ou proposta, deverão ser feitas por carta através do Cartório de Registro de Títulos e documentos da comarca da situação do imóvel, ou por requerimento judicial. (grifo meu) Depreende-se com isso que, para a finalidade pretendida pelo agravante, a lei trouxe exigências para evitar abusos no exercício da propriedade, que possui valor relativo a ser ponderado com a função social da propriedade. Dentro das exigências, embora os dispositivos não se refiram especificamente ao despejo por falta de pagamento, verifica-se que os arrendatários não foram regularmente notificados, mediante Cartório de Registro de Títulos e documentos da comarca da situação do imóvel, ou por requerimento judicial. Essa medida atende ao espírito protetivo da lei, pois a notificação, além de servir ao convencimento do magistrado acerca da verossimilhança das alegações autorais, em sede de cognição sumária, presta-se para evitar a surpresa do devedor pela cobrança. Quando se verificar a ausência de pedido liminar, a notificação torna-se dispensável, conforme estabelece o regulamento do estatuto, no artigo 32, parágrafo único, que poderá: o arrendatário devedor evitar a rescisão do contrato e o conseqüente despejo, requerendo no prazo da contestação da ação de despejo, sejalhe admitido o pagamento do aluguel ou renda e encargos devidos, as custas do processo e os honorários do advogado do arrendador, fixa-

4 dos de plano pelo Juiz. O pagamento deverá ser realizado no prazo que o Juiz determinar, não excedente de 30 (trinta) dias, contados da data da entrega em cartório do mandado de citação devidamente cumprido, procedendo-se a depósito, em caso de recusa. Decorre do dispositivo norma específica no sentido de assegurar ao arrendatário a faculdade de evitar a rescisão do contrato e o consequente despejo, mediante requerimento na peça contestatória, com o pagamento do aluguel, e seus respectivos encargos, a serem arbitrados pelo juiz, que fixará prazo para tanto, não excedente de trinta dias, contados da citação. Nesse sentido, há se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, a saber: Nas ações de despejo fundadas em contrato de arrendamento rural, o ato de citação produz todos os efeitos jurídicos decorrentes da cientificação da contraparte, sobre a manifestação da vontade expressa na petição inicial, oportunizando, inclusive, a purgação da mora, de modo que a prévia notificação do arrendatário se torna absolutamente dispensável. Todavia, havendo pedido de antecipação da tutela, inaudita altera pars, para determinar o despejo do arrendatário, haverá a necessidade da prévia notificação, a fim de oportunizar a purgação da mora. Recurso especial não conhecido. (REsp /MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TER- CEIRA TURMA, julgado em 25/03/2008, DJe 11/04/2008) Verifica-se, também, a impropriedade da Cláusula Sexta, estabelecida nos seguintes termos: "SEXTA: - O valor do arrendamento é de 05 (cinco) sacas de soja de 60 kgs cada por hectare, totalizando ,36 (Treze mil, cento e quarenta e uma casas e trinta e seis quilos) de soja, que deverão ser pagos anualmente, até o dia 30 de abril de cada ano, a serem depositados em armazém indicado pela ARRENDANTE, no padrão tipo exportação, conforme especificações no produto no parágrafo primeiro desta cláusula. Poderá os ARRENDATÁRIOS, se o preferirem, pagar o valor do produto convertidos em moeda corrente, pelo preço do produto no dia, que deverão obedecer os vigorantes no mesmo local, à

5 data do pagamento, nunca inferior ao mínimo ficado pelo órgão governamental." (grifou-se) No que concerne à nulidade da Cláusula Sexta decorrente da fixação do preço do contrato em sacas do produto cultivado, Superior Tribunal de Justiça é é sólida em afirmar a ilegalidade da prática, conforme se dessume dos mencionados precedentes: REsp /RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/08/2008; REsp /RS, Rel. Ministro AL- DIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 11/05/2004. Ante o exposto, nos termos do art. 557, caput, do CPC, nega-se seguimento ao recurso. Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 2014 MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES DESEMBARGADOR RELATOR