Reenvios prejudiciais pelo Tribunal Arbitral Tributário Português (O Acórdão ASCENDI)
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- Miguel Gonçalves Martini
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1 Reenvios prejudiciais pelo Tribunal Arbitral Tributário Português (O Acórdão ASCENDI) Rogério M. Fernandes Ferreira * Pedro Saraiva Nércio ** O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se favoravelmente à admissibilidade dos pedidos de reenvio prejudicial submetidos pelo Tribunal Arbitral Tributário português por Acórdão proferido no dia 12 de Junho, no âmbito do processo n.º 377/13 (Acórdão Ascendi ). Apesar de esperada, atentas as características do Tribunal Arbitral Tributário e o entendimento que tem vindo a ser propugnado pelo TJUE relativamente ao reenvio * Mestre em Ciências Jurídico-Económicas, Pós-Graduado em Estudos Europeus e licenciado em Direito pela U. Católica. Presidente da Associação Fiscal Portuguesa. Ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do XIV Governo Constitucional. Membro do Grupo de Trabalho para a Reforma da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado ( ) e da Comissão de Estudo da Tributação das Instituições e Produtos Financeiros ( ), Coordenador do Grupo de Trabalho sobre o Procedimento, Processo e Relações entre Fisco e Contribuintes na Comissão para o Estudo da Competitividade Fiscal ( ) e Presidente na Comissão de Reforma do Regime do Património Imobiliário Público ( ). Advogado, especialista em Direito Fiscal pela Ordem dos Advogados Portugueses e Sócio fundador da RFF & Associados Sociedade de Advogados, RL. Autor de vários trabalhos publicados nas áreas do contencioso tributário e do direito fiscal, financeiro, segurador e orçamental. contacto@rffadvogados.pt ** Pós-Graduado em Contencioso Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade Católica e em Fiscalidade pelo Instituo Superior de Gestão. Foi consultor fiscal no Millenium BCP e advogado nas sociedades de advogados "Simmons & Simmons Rebelo de Sousa", "Miranda Correia Amendoeira" e "PLMJ". Faz parte da lista de árbitros fiscais do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e integra a RFF & Associados desde a sua constituição. 1
2 prejudicial, esta decisão veio clarificar definitivamente uma questão que estava em aberto desde a instituição, em 2011, do Regime da Arbitragem Tributária. O Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) estabelece a competência do TJUE para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-membros, e este órgão solicite ao TJUE que sobre ela se pronuncie. Colocava-se, pois, a questão de saber se o Tribunal Arbitral Tributário se podia qualificar como um órgão jurisdicional português, para efeitos de aplicação do referido preceito e, consequentemente, sobre a possibilidade de reenvio prejudicial para o TJUE de questões suscitadas no âmbito dos procedimentos arbitrais tributários. Refira-se que, de acordo com o preâmbulo do diploma legal que instituiu o Regime da Arbitragem Tributária, o legislador português não teve dúvidas quanto à possibilidade de, no âmbito de um procedimento arbitral em matéria tributária, se suscitar um pedido prejudicial ao TJUE. No entanto, pese embora o legislador tenha expressado o seu entendimento favorável quanto à possibilidade de reenvio prejudicial no âmbito de procedimentos de arbitragem em 2
3 matéria tributária no referido preâmbulo, colocava-se, até à prolação deste Acórdão Ascendi, a questão de saber se o TJUE se julgaria competente para apreciar os reenvios prejudiciais por parte do Tribunal Arbitral Tributário. Ou seja, impunha-se a derradeira resposta do próprio TJUE quanto à questão de saber se o Tribunal Arbitral Tributário se qualifica como um órgão jurisdicional português. A este respeito, importa referir que o TJUE havia-se já pronunciado, por diversas vezes, sobre a questão da admissibilidade do reenvio prejudicial por parte de tribunais arbitrais de Estados-membros. Da resenha de jurisprudência produzida, resulta que, para qualificar uma entidade de um Estado-Membro como órgão jurisdicional, o TJUE tem tido em conta um conjunto de elementos, como a origem legal do organismo, a sua permanência, o carácter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo organismo, das regras de direito (e não de equidade), bem como a sua independência. O referido Acórdão Ascendi, agora proferido pelo TJUE, veio, pois, considerar que o Tribunal Arbitral Tributário reúne todos os referidos elementos, qualificando-se, assim, como tal, enquanto órgão jurisdicional e para efeitos de admissibilidade de reenvio prejudicial. Com efeito, considerou, desde logo, que o Tribunal Arbitral Tributário tem origem legal, designadamente na própria Constituição da República Portuguesa e no Regime da Arbitragem Tributária, nos termos do qual se dispõe que a 3
4 arbitragem tributária constitui um meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária. Por seu turno, considerou também o referido Acórdão que o Tribunal Arbitral Tributário satisfaz a exigência da permanência para efeitos de qualificação como órgão de resolução jurisdicional de conflitos, uma vez que, embora a composição das formações de julgamento do Tribunal Arbitral Tributário seja efémera e a sua actividade cesse após a decisão, o Tribunal Arbitral Tributário apresenta, no seu todo, um carácter permanente, enquanto elemento do sistema de resolução de conflitos. No que concerne ao carácter vinculativo do Tribunal Arbitral Tributário, considerou o TJUE que, pese embora não exista nenhuma obrigação, nem de direito, nem de facto, de as partes contratantes confiarem os seus diferendos à arbitragem, e pese embora a constituição do Tribunal Arbitral Tributário não dependa de acordo entre as partes, as decisões dos tribunais arbitrais são vinculativas, designadamente, para a Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que deverá ter-se por verificado este elemento (como já havia, aliás, sucedido, no Acórdão Merck Canada Inc., de 13 de Fevereiro deste ano de 2014). No que diz respeito à garantia de contraditório, considerou o TJUE que a mesma resulta ainda do disposto, expressamente, no diploma legal que instituiu o Regime Arbitragem Tributária. 4
5 Salientou, por seu turno, o TJUE, no referido Acórdão, que o Tribunal Arbitral Tributário decide de acordo com o direito constituído e critérios de legalidade estrita, estando-lhe vedado, nos termos do mesmo Regime da Arbitragem Tributária, o recurso à equidade. Já no que toca à independência do Tribunal Arbitral Tributário, considerou o Acórdão em apreço que, para além de os árbitros estarem, legalmente, sujeitos aos princípios da imparcialidade e da independência, o diploma que instituiu a arbitragem tributária estabelece os casos de impedimento do exercício da função de árbitro, como a existência de qualquer ligação familiar ou profissional entre o árbitro e uma das partes no litígio, pelo que se garante, assim, que o Tribunal Arbitral Tributário tem a qualidade de terceiro em relação às partes em litígio. Por último, sustenta ainda o referido Acórdão Ascendi que as decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral Tributário revestem carácter jurisdicional, sendo equiparadas, para efeitos de exequibilidade, às sentenças proferidas pelos Tribunais Administrativos e Fiscais. Resulta, assim, claro, deste muito recente acórdão, que o Tribunal Arbitral Tributário português reúne todos os elementos que o TJUE reputa como essenciais para efeitos de se qualificar como órgão jurisdicional de um Estado membro, decidindo, consequentemente, o TJUE que é competente para a apreciação dos reenvios prejudiciais que lhe sejam submetidos por aquele Tribunal Arbitral. 5
6 Está, assim, dirimida uma das questões suscitadas, desde o início, pelo Regime da Arbitragem Tributária e que irá comemorar, dentro de dias, o seu terceiro aniversário. 6
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