Transcrição

1 Pentecostalismo Integral Traduzido e reproduzido pela permissão do Dr. Juan Stam, Missão Latino América Devemos todos ser pentecostais! (Conforme descrito em Atos 2) Pentecostes é o paradigma para a Igreja de todos os séculos. Por ele, Deus marcou a Igreja para sempre com seu caráter carismático, bíblico e profético. Tão importante foi aquele dia em que Cristo ordenou aos seus discípulos ficar em Jerusalém até que seja cumprido (Lucas 24:49, kathísate). A missão não pôde ser iniciada sem o dom pentecostal. A Igreja é a Igreja porque é pentecostal. Ela é fiel à sua natureza e missão somente quando ela é fiel à sua origem em Pentecostes. O segundo capítulo de Atos ensina um pentecostalismo abrangente. O derramamento do Espírito (2:1-13) é acompanhado por uma exposição clara da Palavra de Deus (2:14-36), resultando em muitas conversões (2:37-41) e uma comunidade radicalmente transformada (2:42-47). Pentecostes começou, e não terminou, com o dom de línguas. Mais do que apenas a impressão do fenômeno de línguas, o segredo do seu poder era o poder da Palavra e a prática evangélica que ele inspirou. Se fossem línguas e nada mais, não seria Pentecostes. Pentecostes nos ensina que a igreja vive dos dons do Espírito, entre eles o das línguas. As línguas na época eram um sinal apropriado para a ocasião, o derramamento inicial do Espírito sobre a Igreja, quando todos ficaram cheios do Espírito Santo (2:4). O Espírito é a vida comum do corpo de Cristo e distribui os seus dons abundantes para todos os membros repartindo a cada um como quer (1 Cor 12:7-13) 1. Sem esses dons, a Igreja não pode viver nem cumprir sua missão na Terra. O dom de línguas em Atos 2 reviste um claro sentido missionário e evangelístico. É importante notar que, ao contrário de Corinto, onde as línguas estavam em êxtase e ininteligível (1 Cor 13:1; 14:2), em Atos 2 foi o dom das línguas humanas, de todas as nações identificadas na passagem (2:9-11). O texto nos diz que cada um ouviu os apóstolos em sua própria língua (2:6, dialeto), em nossa própria língua materna (2:8, cf. 2:11). Além disso, Pedro pregou em uma linguagem comum (talvez seu grego ruim, com um forte sotaque galileu) e a multidão podia entender. Sua comunicação foi tão eficaz que três mil pessoas foram convertidas. Os galileus eram famosos por malpronunciar sua própria língua (Marcos 14:70). No entanto, no dia de Pentecostes o Espírito capacitou estes galileus para glorificar a Deus em muitas línguas e abençoou o grego ruim de Pedro, com resultados evangelísticos invejáveis. O contraste é gritante. Por um lado, alguns galileus comuns e sem instrução (Atos 4:13) se manifestam por um momento como linguistas brilhantes, mas no outro lado Deus abençoe o pobre grego do Pedro para uma evangelização impressionante. Então, por que esse dom de línguas anterior? 1

2 O testemunho missionário da igreja, mesmo antes do sermão de Pedro, começou quando os apóstolos proclamaram as maravilhas de Deus nas línguas de todas as nações presentes (2:11). Parece que, na sabedoria de Deus, os pagãos ouvissem o primeiro Evangelho nos acentos autênticos de sua própria cultura e língua materna. Nenhuma língua, nem hebraico ou grego ou latim, deve ser considerada a língua oficial do Evangelho. Quando o Evangelho chega a um povo, a única cultura a que ele pertence deve ser a mesma cultura das pessoas que recebem a mensagem. O Evangelho fiel encarna as idiossincrasias verdadeiras de cada povo. Por isso, ser pentecostal significa ser contextual e autóctone. Impor alguma língua estrangeira ou padrões culturais estrangeiros é anti- pentecostal. As experiências carismáticas devem seguir a exposição da Palavra (2:14-36), a proclamação do Evangelho para converter pessoas (2:37-40). A pregação bíblica do Pedro não foi menos Pentecostal e carismático do que os fenômenos anteriores de glossolalia. Embora Pedro não tivesse oportunidade de preparar o seu sermão 2, justamente escolheu seus textos do Antigo Testamento: Joel 2:28-32 junto com Salmos 16:8-11 e 110:1. Esta mensagem do Pedro mostra as características de um bom sermão expositivo. Em resposta a uma situação inesperada, começa contextualmente (2:14-15). Baseia- se solidamente em textos bíblicos apropriados. Apesar de sua ocasião foi o derramamento do Espírito e o dom de línguas, e não um sermão sobre as línguas nem sobre o Espírito Santo, mas sobre Cristo (2:22-35), que interpreta os fenômenos carismáticos cristologicamente (2:33). O sermão termina com uma afirmação contundente do senhorio de Cristo (2:35). A Palavra pregada foi tão poderosa que os ouvintes clamaram arrependidos: Irmãos, que faremos? (2:37), a que o Pedro estendeu o convite evangelístico (2:38-40) e três mil foram convertidos (2:41). Sem pregação bíblica que cuidadosamente expõe o verdadeiro significado das Escrituras, como fez o Pedro, você não é pentecostal. Muitas vezes hoje, a celebração e as experiências sensacionais tiram o lugar de uma exposição bíblica fiel. Não foi assim no dia de Pentecostes. Ser pentecostal, seguindo o capítulo dois de Atos, significa se dedicar ao ensino dos apóstolos (2:42) e edificar biblicamente a congregação com pregação expositiva sólida. A pregação bíblica é um elemento essencial da pentecostalidade. O segundo capítulo apresenta o terceiro elemento essencial da pentecostalidade: uma comunidade radical que pratica a fé até o fim (2:42-47). Na nova comunidade de fé pessoas se dedicavam ao ensino dos apóstolos (na doutrina), comunhão, ao partir do pão e às orações (2:42). Era uma comunidade integral e equilibrada. Eles tinham o favor das pessoas (2:47), mas, ao mesmo tempo, os prodígios e sinais na comunidade provocaram medo e respeito. E o que é mais surpreendente e a prova de pentecostalidade mais autêntica: eles tinham tudo em comum (2:44) e ninguém considerava unicamente sua coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham (4:32). Até vendiam suas propriedades e bens para financiar os projetos sociais da comunidade (2:45, cf. 4:32-37). A maior prova da autenticidade do que aconteceu no dia de Pentecostes, foi o que aconteceu no dia depois de Pentecostes. Os recém- convertidos receberam o Espírito (2:38) e, em seguida, praticou a justiça social e econômica, como manda a palavra de Deus. O projeto pentecostal incluiu um programa de restaurante popular (6:1). 3 2

3 Alguns pensadores judaicos relacionaram o dia de Pentecostes com o ano do Jubileu (Levítico 25), em que Israel deveria repartir equitativamente toda a terra 4. O Jubileu foi o quinquagésimo ano e Pentecostes foi o quinquagésimo dia, que correspondia dentro de um ano ao que era o Jubileu no século. Além disso, em uma passagem claramente jubilar, o profeta anunciou o dom do Espírito e as boas notícias para os pobres no ano da bondade do Senhor (Isaías 61:1-3). Jesus aplicou esta passagem, no mesmo sentido, em seu sermão inaugural em Nazaré (Lc 4:16-21, cf. 7:18-23). No Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre a Igreja, o novo corpo de Cristo, e, em seguida, praticar o Evangelho no poder do Espírito trouxe boas notícias aos pobres. O terceiro momento de Pentecostes, de acordo com o segundo capítulo de Atos, é uma comunidade radical que pratica o Evangelho sem reservas, conforme o modelo do ano de Jubileu. Sem isso você não é Pentecostal, por muitas línguas que são faladas. Sem Jubileu econômico, não há Pentecostes! Deve ser impossível para um cristão ser anti- pentecostal, no sentido bíblico deste grande evento. Mas não se deve deixar o belo título de Pentecostal ser limitado a apenas um aspecto do dia de Pentecostes, ou uma única correnteza dentro do cristianismo evangélico. Pentecostais somos todos! Contam que um evangelista disse uma vez que não tocava em questões políticas porque Deus me chamou para o ministério evangelístico, não profético. Pelo contrário, Deus chamou toda a Igreja e cada crente fiel a uma presença profética no meio do mundo. A Igreja, como dizem Arens e Diaz Mateos (2000:288), é uma comunidade de profetas e testemunhas. Deus instruiu Ezequiel para profetizar a fim de que, embora o povo não acredite pelo menos saberá que um profeta esteve no meio dela (Ez 2:5). Onde está a Igreja, as pessoas devem perceber uma presença profética em seu meio 5. É verdade que o Novo Testamento ensina uma vocação pessoal de alguns crentes para o ofício profético (Ef 4:11), e afirma que nem todos são profetas, assim como nem todos são apóstolos ou professores (1 Cor 12:29) 6. Por meio desses profetas Deus pode dar revelações diretas à Igreja (1 Cor 14:29-31). Desde que tais divulgações sejam dadas num culto, toda a congregação, como uma comunidade também profético, deve julga- las (14:29). Como os profetas do Antigo Testamento, estes profetas trazem uma mensagem direta de Deus (não necessariamente preditivo) para o povo de Deus. A vocação específica deles é uma expressão mais concentrada do caráter profético de toda a comunidade. Apocalipse 10:1-11 é um interlúdio entre a sexta e a sétima trombeta que trata da missão profética da Igreja em tempos de crise e dificuldade. Dedica- se primeiro para a missão profética do João mesmo, como um dos profetas de ofício. João tem que comer o pequeno livro que está nas mãos do poderoso anjo (10:8-10 cf. Ez 2:9-3:3), com o qual Deus renova sua comissão a profetizar de novo acerca de muitos povos, nações, línguas e reis (10:11) 7. A segunda metade do interlúdio (11:3-13) é o testemunho profético de toda a Igreja, representada pelas duas testemunhas, cujo poder não se baseia no fogo, mas em morrer e ressuscitar com Cristo 8. Existe um amplo consenso entre os comentaristas que elas representam o testemunho profético de toda a comunidade. 3

4 Como João e as duas testemunhas, a Igreja hoje é chamada a profetizar às nações e governantes do nosso tempo (Ap 10:11; 11:3-13), mesmo que isso signifique atormentar o mundo inteiro (11:10) e dar as nossas vidas em martírio ( 11:7-10). Uma Igreja que se cala diante da corrupção e da injustiça, que não incomoda ninguém, mas procura agradar a todos, é uma Igreja covarde e infiel. E na vanguarda daqueles que não entram no reino de Deus, de acordo com o Apocalipse, são os covardes (Ap 21:8). A tarefa profética toma a forma de palavra e ação. Os profetas antigos geralmente acompanharam sua palavra de denuncia e anuncio com gestos simbólicos também proféticos. Essas ações proféticas às vezes eram performativas para realizar a profecia, e em outros casos funcionavam como parábolas que esclarecem a sua mensagem. O profeta João fez uma ação simbólica, antes de receber o seu mandato para profetizar (10:10, comeu o livro) e depois é mandado a realizar outra (medir o santuário, 11:1-2). Em vez disso, o ministério das duas testemunhas (11:3-13) parece ser de ação profética pura, porque não pronunciam nenhuma palavra em todo o relato. A profecia deve sempre manter esta correlação de palavra e ação. Como diz a canção, não apenas orar, nem apenas a profecia verbal sem ação profética (ora et labora; a Deus orando e com o malho dando ). O povo de Deus é chamado a ser uma comunidade pentecostal, carismática e profética. A Igreja evangélica na América Latina hoje está disposta para assumir este desafio? Que Deus nos ajude a ser fieis e corajosos, com a presença profética que a sua Palavra exige, assim como o nosso momento histórico. NOTAS 1) Desde que o Espírito distribua os seus dons a todos os membros do corpo, devemos distinguir entre cristãos carismáticos e outros que supostamente não são. De acordo com o Novo Testamento, todo cristão é carismático. 2) Deixando de lado a questão de que o sermão é do próprio Pedro ou pode ser uma redação do Lucas, que não afeta o nosso argumento. 3) O projeto de assistência aos pobres de Jerusalém foi muito importante na fase final da missão de São Paulo (Rm 15:26; 1 Cor 16:1-4, 2 Cor 8-9; Atos 20:22-25, 21:11, cf Ga. 2:10). 4) Associado com o Jubileu era o sábado da terra a cada sete anos, em que eles deveriam cancelar todas as dívidas e liberar todos e os israelitas em cativeiro (Dt 15). 5) Não deve deixar de ler, com muita oração, o capítulo substancial (que se parece profética!) de Arens e Diaz Mateos, Profeta, testemunha e mártir (2000: ). 6) Deve ficar claro que não estamos dizendo que todos os crentes são profetas, mas a Igreja como tal é chamada a ser uma comunidade profética. A ênfase em Atos 2 sobre a universalidade do dom pentecostal, que se estende a todos e cada comunidade, mostra que mesmo aqueles que não são profetas por vocação são chamados a ser proféticos como membros do corpo de Cristo. 4

5 7) É notável que só aqui esta fórmula quadripartita menciona reis, que dá à comissão de João uma ênfase mais forte no aspecto político. De fato, em seguida, João vai a denunciar as reis diferentes, especialmente os imperadores romanos (capítulos 13-19). 8) Em Apocalipse, testemunha (mártus) geralmente sugere martírio (1:5, 2:13). O testemunho profético das duas testemunhas consiste principalmente da sua morte, vitupério e ressurreição. BIBLIOGRAFIA Arens, Eduardo e Manuel Dias Mateos, Apocalipse: a força da esperança (Lima: CEP, 2000). Blenkinsopp, Joseph, Profecia e os Profetas em International Bible Commentary, William A. Farmer, Armando Levoratti et al ed. (Estella: Verbo Divino, 1999), Fee, Gordon e Douglas Stuart, A leitura eficaz da Bíblia (Chicago: Zondervan, 1985) Rofe, Alexander, Jeremiah em Harper Collins, Dicionário Bíblico, Paul J. Achtemeier ed (Harper San Francisco 1996), Stam, João, Apocalipse e Profecia (Londres: Kairos, 1998). Stam, João, Revelação (New York: Kairos, 1999). Vine, W.E., Dicionário expositiva completa das palavras do Antigo e do Novo Testamento do Vine, (Nashville: Thomas Nelson, 198 Juan Stam, A Bíblia no México