O Processo de Certificação do Grupo Agroecológico Girassol no Território da Cidadania Vale do Jamari.

Transcrição

1 O Processo de Certificação do Grupo Agroecológico Girassol no Território da Cidadania Vale do Jamari. The Certification Process of the Agroecologic Group Sunflower in the Citizenship Territory of Vale do Jamari. ALMEIDA, Kárita Cristina Ferreira de 1 ; ARANTES, Ana Carolina Vitorio 2. 1 Pedagoga, Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial Vale do Jamari, Ariquemes, RO, karita-cris@hotmail.com; 2 Bióloga, Núcleo de Extensão e Desenvolvimento Territorial Vale do Jamari, Ariquemes, RO, anacv.arantes@gmail.com. Resumo: O presente relato descreve sucintamente o processo histórico do Grupo Girassol em relação à obtenção da certificação com base na produção agroecológica, um marco significativo não somente para o Vale do Jamari, como também para o estado de Rondônia, fortalecendo a agricultura familiar e a soberania alimentar. Como procedimento metodológico para a experiência foi realizada entrevista aberta com dois protagonistas no processo de certificação: uma liderança do Grupo Girassol e um técnico da Emater-RO, além de observação participante. Os resultados da obtenção da certificação foram significativos para a divulgação da agroecologia no território, contribuindo assim para o fortalecimento do Grupo Girassol. Palavras-chave: agroecologia, desenvolvimento rural, soberania alimentar. Abstract: This report outlines the historical process of the Sunflower group in relation to obtaining certification based on agro-ecological production, a significant milestone not only for Jamari Valley as well as to the state of Rondônia, strengthening family farming and food sovereignty. As a methodological procedure for the experiment was conducted open interviews with two protagonists in the certification process: a leading sunflower group and a technical Emater-RO, and participant observation. The results of obtaining certification were significant for the dissemination of agroecology in the territory, thus contributing to the strengthening of the Sunflower group. Keywords: agroecology, rural development, food sovereignty. Contexto A alimentação é um tema muito importante diante do contexto atual que tem acentuado as discussões sobre soberania alimentar e o uso de agrotóxicos. Repensar, discutir e debater sobre nossas práticas cotidianas é caminho essencial para construção de um mundo mais sustentável, pautado também em uma alimentação saudável.

2 Nesse contexto, nos deparamos com diversas formas de produção de alimentos que possuem como prática a não utilização de produtos químicos sintéticos que possam comprometer a saúde dos indivíduos e consequentemente do meio ambiente. A agroecologia é a ciência dedicada ao estudo das relações produtivas entre homem e natureza, visando sempre a sustentabilidade ecológica, econômica, social, cultural, política e ética (CECANE, 2012, p.07). Os sistemas de produção pautados a partir dessa ciência são biodiversos, eficientes energeticamente, justos socialmente e possuem capacidade de resiliência, o que dão à eles vínculos com a noção de soberania alimentar (ALTIERI, 2012). Dessa forma, enfatizar as produções agroecológicas é dar relevância a uma forma de organização social voltada às práticas mais humanizadas de respeito à natureza e ao próximo, valorizando a agricultura familiar e possibilitando novas formas de desenvolvimento e processos de produção. O Grupo agroecológico Girassol é o primeiro grupo a conseguir certificação de produção agroecológica no Território da Cidadania Vale do Jamari, Rondônia. Este trabalho descreve sucintamente o processo histórico da obtenção desta certificação, marco significativo não somente para o Vale do Jamari como também para o estado de Rondônia, valorizando a história da luta camponesa. Descrição da Experiência A experiência foi iniciada por meio da assessoria de inclusão produtiva realizada pelo Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial (NEDET) Vale do Jamari ao Colegiado territorial. O NEDET é constituído por meio do edital CNPq/MDA/SPM-PR nº 11/2014, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Secretaria de Desenvolvimento Territorial, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres da Presidência da República, visando a assessoria aos colegiados na gestão participativa e desenvolvimento sustentável nos territórios. A assessoria de inclusão produtiva (ATIP) tem como objetivo ações que contribuam para a efetividade das políticas públicas e programas de inclusão produtiva, acompanhando e assessorando os agricultores familiares no fortalecimento de sua autonomia. Uma das atividades da assessoria é acompanhar o processo produtivo e de comercialização no Vale do Jamari, o que nos leva ao Grupo Girassol. A experiência

3 da assessoria foi iniciada a partir de julho de 2015, com encerramento no mês de dezembro de 2016, término do projeto do NEDET. Para o presente trabalho, além das experiências como ATIP na participação das atividades e convívio com os membros do Grupo Girassol, foi também realizada entrevistas com uma liderança do Grupo e com o técnico da Emater/RO atuante no processo, acrescentando informações e autorizando divulgação dos dados. Atualmente o Grupo Girassol é formado por seis famílias, totalizando quinze pessoas, localizadas no Travessão B - 65, RO 257, Assentamento Madre Cristina, próximo ao município de Ariquemes, Rondônia, Brasil. O Grupo iniciou-se ainda durante o acampamento no ano de 1989, e desde então alguns já produziam de forma agroecológica, mas de maneira aleatória, cada um individualmente conforme a sua consciência de produção, buscando experiências com outros grupos que já produziam dessa forma. De acordo com Altieri (2012, p. 16) a agroecologia se fundamenta em um conjunto de conhecimentos e técnicas que se desenvolvem a partir dos agricultores e de seus processos de experimentação. No ano de 2006 ocorreu a primeira audiência pública para adquirir a área pública para o assentamento, mas somente em 2010 saiu o documento de comprovação da transferência de posse do terreno. Devido ao aumento de integrantes do Grupo, seus membros reuniram-se e identificaram a importância de formarem uma organização agroecológica numa participação coletiva para reivindicarem o selo de certificação. Atualmente, o Grupo comercializa em feiras e no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar, programa instituído pela Lei nº , de 02 de julho de 2003 e regulamentado pelo Decreto nº 7.775, de 4 de julho de 2012, Art. 2º O PAA integra o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN, instituído pela Lei nº , de 15 de setembro de 2006, e tem as seguintes finalidades: I - incentivar a agricultura familiar, promovendo a sua inclusão econômica e social, com fomento à produção com sustentabilidade, ao processamento, à industrialização de alimentos e à geração de renda (BRASIL, 2012, p.03). Na comercialização em feiras, algumas pessoas chegavam a duvidar se o alimento era de fato agroecológico. Isso se deve ao fato do preço dos produtos do Grupo serem bem acessíveis e muitas vezes, menor que o de um produto de mercado da agricultura convencional. Como alternativa, os membros do Grupo convidavam quem tivesse interesse para visitar o assentamento e conhecer o processo de produção, comprovando que se tratava mesmo de produção sem agrotóxicos.

4 Inicialmente eram doze famílias que objetivavam a certificação. Várias reuniões foram realizadas, todas com atas. As famílias prepararam a documentação do processo e alguns representantes do Grupo Girassol foram pessoalmente no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) entregá-la. Passados seis meses da entrega do processo, os representantes do Grupo voltaram ao MAPA e foram informados que a instituição não havia recebido documentação nenhuma, mesmo o Grupo Girassol tendo o documento de comprovação do recebimento. No entanto eles decidiram não desistir. Fazendo então todo o processo novamente. Oito meses depois, em uma reunião no município de Ariquemes com a Emater, sobre a chamada pública da agroecologia, o Grupo Girassol informou ao técnico supervisor do lote 43 da chamada pública da agroecologia/emater, que haviam feito todo esse processo e ainda estavam sem respostas. O técnico comprometeu-se a ir ao MAPA e verificar a situação. Retornando, informou que no MAPA não havia nenhuma documentação do Grupo Girassol novamente. O processo já estava para completar três anos, quando o técnico da Emater Froylan veio trabalhar no município de Ariquemes e consequentemente atender o assentamento. O grupo Girassol repassou para este técnico a situação e o mesmo se comprometeu em verificar a situação no MAPA. Com os documentos em mãos entregou-os na instituição e no mês de julho de 2016, obtiveram a certificação. Foram três anos de luta das famílias para conseguir o selo de certificação. Nesse período o MDA foi visitá-los duas vezes e o MAPA uma vez, em visitas técnicas para comprovação da produção. O técnico Froylan relatou que havia uma burocracia enorme no processo feito por Brasília e informou que atualmente o processo é feito pelo escritório do MAPA localizado na capital, Porto Velho, agilizando o processo, que ocorreu em apenas um mês. Resultados Em relação às dificuldades, uma delas foi a articulação para a aquisição do selo. Na produção, o Grupo não considera que teve dificuldades em produzir agroecologicamente, visto que a produção convencional é mais cara, não precisando os integrantes do grupo irem às casas agropecuárias adquirir insumos, além de não precisarem ir às farmácias para comprar remédios, por estarem se alimentando de produtos de qualidade.

5 No início do processo de produção, o Grupo teve dificuldades no plantio de hortaliças, pois o cultivo exigia maior dedicação, de modo a identificar o que a planta estava precisando, se havia deficiências no solo. O Grupo Girassol buscava as respostas a essas perguntas em suas experiências cotidianas, pois as informações que os técnicos repassavam ao Grupo, vindas do seu conhecimento científico, na maioria das vezes (segundo o grupo) não funcionavam na prática. O Grupo acredita que isso ocorria porque os técnicos não trabalhavam com agroecologia, e havia dificuldades de encontrar um profissional com essa formação. Com o selo, o grupo pretende continuar comercializando e buscar outros meios de agregação de valor à sua produção agroecológica, como, por exemplo, através da criação de uma cooperativa regional. Em relação ao PAA, eles já fizeram a documentação necessária e enviaram ao MDA. Dessa forma, se no ano que vem o programa ainda estiver sendo executado, eles já receberiam como produção com base agroecológica. Segundo uma das lideranças entrevistadas do Grupo, muita coisa mudou, econômica e socialmente. A saúde humana melhorou muito devido ao não uso de agrotóxicos. Contribuiu também para a diversidade da produção, sendo que atualmente o grupo vai ao mercado adquirir poucas coisas, pois 95% de seu consumo é produzido por eles próprios, conforme demonstra a tabela abaixo. Tabela 1. Estimativa da produção anual. Culturas Família 1 Família 2 Família 3 Família 4 Família 5 Família 6 Mandioca kg kg 312 kg kg kg kg Banana maçã kg 260 kg 104 kg 260 kg kg 572 kg Banana kg 520 kg 520 kg 260 kg 832 kg kg nanica Banana de Kg 260 kg kg 0 fritar Kg Pupunha kg Batata doce 884 kg kg kg kg Limão 104 kg kg 156 kg Abacaxi kg kg 728 kg kg Cacau kg 416 kg Inhame kg Milho verde kg Café kg Abóbora kg Cupuaçu kg kg Banana prata kg 0 Fonte: autoras, 2016.

6 Os dados acima foram relatados pelas famílias com base no ano de Esse levantamento foi enviado individualmente na ficha de cadastro vinculada a Organização de Controle Social (OGS) para cadastramento no MAPA. A obtenção do certificado pelo Grupo Girassol trouxe alguns conflitos ao assentamento. As pessoas que vêm visitar o assentamento só procuram o Grupo Girassol, querendo conhecer somente as famílias que produzem de forma agroecológica, gerando um pouco de ciúmes nas outras famílias que produzem segundo a agricultura convencional. Para essa situação, o Grupo busca interagir com as outras famílias por meio de palestras, convites para conhecer a produção, estimulando eles a produzirem sem agrotóxicos e divulgando a importância da agroecologia. Figura 1. Produção Agroecológica. Grupo Girassol, Ariquemes-RO. O propósito do Grupo não é vender mais caro, mas ter uma alimentação saudável e cuidar do meio ambiente, sem fertilizantes químicos sintéticos e mantendo a biodiversidade, disseminando os princípios da agroecologia. Futuramente, o Grupo objetiva organizar atrações que motivem as pessoas a visitar o assentamento para conhecer a produção agroecológica, com um cartaz contendo a lei de certificação, demonstrando para a população a importância do bem-estar com o meio ambiente e com as relações sociais.

7 Para o Grupo, a melhor contribuição adquirida com a experiência é viver em um ambiente tranquilo, controlado e livre de agrotóxicos, sendo que uma das maiores gratificações é a relação da produção com as crianças do Grupo, que já visualizam uma consciência sobre os benefícios da agroecologia e os malefícios do uso dos agrotóxicos, o que para o Grupo é um processo muito educativo, além de colaborar para o desenvolvimento rural em bases agroecológicas no estado. Enquanto assessoras de inclusão produtiva, a experiência contribuiu para conhecer na prática uma produção agroecológica, enriquecendo o processo de fortalecimento a agricultura familiar e enquanto conscientização sobre uma alimentação saudável. Referências ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. São Paulo, Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, p. BRASIL. Decreto nº 7.775, de 4 de julho de Regulamenta o art. 19 da Lei no , de 2 de julho de 2003, que institui o Programa de Aquisição de Alimentos, e o Capítulo III da Lei no , de 14 de outubro de 2011, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 jul CECANE. Agroecologia Disponível em: < agroecologia+cecane#>. Acesso em: 31 ago