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Transcrição

1 Editora Penalux Guaratinguetá, 2018 miolo-paralelo17-155x225.indd 5 10/24/ :44:41 PM

2 Rua Marechal Floriano, 39 Centro Guaratinguetá, SP CEP: Edição: França & Gorj Revisão: Leila Guenther Foto do autor: Jane Dune Capa e diagramação: Guilherme Peres Imagem de capa: Fotografia de Ida Zami. Flor de arruda de 1cm, em taça, com fundo branco. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A923p CASSAS, Luís Augusto. Paralelo 17 / Luís Augusto Cassas Penalux: Guaratinguetá, p.: 23 cm. ISBN: Poesia I. Título CDD B869.1 Todos os direitos reservados. A reprodução de qualquer parte desta obra só é permitida mediante autorização expressa do autor e da Editora Penalux. miolo-paralelo17-155x225.indd 6 10/24/ :44:41 PM

3 ESTOJO DE JOIAS RARAS Álvaro Alves de Faria poeta Luís Augusto Cassas revelou certa vez que a poe- O sia lhe abriu a possibilidade de trabalhar com o fogo. Com a luz. Com a noite. Com a vida, o que passou a ser seu compromisso como poeta diante do mundo que o cerca, incluindo-se, nisso, a vivência com a profundidade, a relação com o ser, as existências interiores, a compaixão. Sua poesia é feita desses deslumbramentos que só os poetas como ele podem perceber e sentir. Aceitei o jugo da poesia e por ela fui transformado. diz, reconhecendo-se devedor à palavra e à luz da criação. Este novo livro de Luís Augusto Cassas representa seu caminho sempre com esses valores poéticos e existenciais, em busca de uma poesia que possa marcar a vida do homem e sua trajetória num mundo quase sempre hostil. O poema Efeitos Especiais, como exemplo, revela uma face do poeta que beira à ironia, porque, chega o instante em que só a ironia pode ser uma defesa poética contra os que destroem os entardeceres, o que pisam nos pássaros, os que pensam ser os donos do mundo. Esse poema revela qual deve ser o comportamento em determinadas circunstâncias, diante dos que cor- Paralelo miolo-paralelo17-155x225.indd 13

4 rompem a vida e a beleza: inocência/ és a mais pura flor do jardim/ mas não ganharás a palma de cannes nem o urso de ouro/ de berlim. Uma espécie de reação lírica aos desmandos que hoje se vê na própria poesia, muitas vezes escrita por quem nada entende de poesia, mas que tem o amparo da mídia que se diz cultural, mas não é, assim como não tem compromisso nenhum com a História. Diante desse quadro melancólico, a poesia é sempre ultrajada. O poeta autor deste livro está do lado dos que são honestos com a poesia, com o poema, consigo mesmo. Esse pequeno poema causa essa reação poética verdadeira. Um poeta que simplesmente é poeta. Neste livro Paralelo 17, um estojo de joias raras, faz uma espécie de advertência nos quatro primeiros versos do primeiro poema: jamais construí caminhos filosóficos jardins/ de pedra casas de tijolos amarelos institutos/ de sabedoria nuvens descalças nem adestrei/ pumas para reverenciar cerejeiras. Esse alerta só podem fazer os poetas conscientes de seu ofício, como a abrir o livro junto com o leitor e com ele partilhar dessa viagem num roteiro de espanto e beleza, descobertas e silêncios, ausências e palavras, necessárias em um tempo sem perspectivas. Luís Augusto Cassas vai além no poema O Ano da Serpente, ao afirmar que escreve seu poema envenenado aos que no ano vão morrer, sem trocar as peles da existência. Para ler este poeta e compreendê-lo em sua poesia, será preciso uma dose de iniciação, para que, antes de ver, saiba sentir as nuances de uma poesia que vai além da própria poesia para mergulhar no oculto, onde estão os detalhes do que se mostra e se traduz em palavras mágicas. A magia é outro ingrediente desse poeta que sabe dos mistérios que 14 Luís Augusto Cassas miolo-paralelo17-155x225.indd 14

5 envolvem a vida do homem, como um celofane que cobre tudo e paralisa a respiração. Cabem, aqui, as palavras que escreveu na apresentação de sua obra reunida, em dois volumes, quase páginas, nas quais ele explica sua condição de poeta: Aceitei o jugo da poesia e por ela fui transformado. Novo nascimento entre duas palavras. Celebrei o mais como elemento fermentador, fonte de enriquecimento, alargamento de horizontes. E agradeci a abundância. Depois, consciente de que a experiência me conduzira à inflação, elegi o menos, dieta da teologia negativa, tônico depurador, para realizar, mais diminuído, o meu solitário comício no mundo. O exercício da restrição permitiu-me continuar a travessia da memória kármica da cauda para a cabeça do dragão do meu tikkun em aquário. Em tudo, a poesia testemunhou. Foi guia, iniciadora e consoladora. Essas palavras de Luís Augusto Cassas representam uma confissão de fé na vida e na poesia, em busca do encantamento cada vez mais desaparecido. E cabem também aqui, palavras do poeta Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras, referindo-se à obra reunida, mas que podem perfeitamente explicar este Paralelo 17. Lucchesi escreveu:...e me espanto com a população que habita seus livros. Uma demografia incomum. Toda ecumênica. Cheia de beleza. E frescor. Mais de uma praia. E de uma cidade. O mundo e a redescoberta de sua grande poesia. Uma das mais belas que se escreve hoje no Brasil. Estes poemas representam um mergulho no infinito que vive por dentro, nessa escuridão de um tempo tantas vezes de negação, mas de onde é possível colher as estrelas restantes, as que ain- Paralelo miolo-paralelo17-155x225.indd 15

6 da não se apagaram na vida do homem na Terra. Um mergulho tantas vezes sem volta, numa redescoberta, porque a vida é sempre outra, nunca é igual a anterior. A vida prossegue em seus labirintos. O poeta pede uma estátua aos loucos, mártires anônimos/ anti-heróis do mundo, que chama de reféns da liberdade póstuma, que terão enfim a liberdade sem precisar injetar o Sol em suas veias. Está na loucura esse êxtase talvez divino de sentir o mundo e, ao mesmo tempo, desprezar esse mundo de brutalidade que cerca a vida. Nas mãos do poeta, as palavras são pedras preciosas, escolhidas com sentimento, para revelar o que está mais fundo, além do próprio poema. Luís Augusto Cassas constrói ao longo dos anos uma das obras poéticas mais consistentes deste país, elaborando poemas que têm um compromisso sério com a poesia. é preciso compreender/ o outro/ está em você/ quando maltrata/ alguém/ se fere/ quando afaga/ alguém/se acaricia/ aprender a lição/ sermos/ um coração. O poeta então demonstra seu caminho à solidariedade, em comunhão com a vida, com os espíritos, muitas vezes o espírito de um cão com quem se conviveu, criaturas ocultas que emolduram a vida num quadro que fica na parede da alma. Em outro poema, esclarece que a poesia é um estilo de vida. É preciso construir a criação pelas mãos, vestir a luz e deixar a marca no mundo. Só a poesia tem o poder de deixar ao mundo essa marca da dor e da sabedoria. A poesia se estende e o poeta se deixa levar como um servo que cumpre seu papel, porque é preciso cumpri-lo. Por isso, o segredo/ da demência/ do poeta/.../ é a presença/ da substância/ psicoativa/ da poesia. 16 Luís Augusto Cassas miolo-paralelo17-155x225.indd 16

7 Paralelo Muitos trechos deste belo livro, revelam passagens autobiográficas que fazem parte de toda obra, porque o homem é resultado da vida que desejou viver. Justo portanto, que que seja marcada a memória dessa vivência em um livro como este, de desvendar palavras e passagens por este lugar de expiações e provas. Assim, é comovente o pequeno poema de seis versos dedicado à Santa Rita de Cássia, em que o poeta se prostra à sua condição humana, num apelo que vai além do que a poesia pode oferecer. Assim é, também, o poeta quando observa um mendigo revolucionário na A. Paulista, com pose de tenor, roqueiro: não suplicava clamava/ não pedia exigia/ os decibéis de sua voz/ entravam nos corações/ enquanto os clientes/ no autoatendimento/ brincavam no carrossel/de cédulas. O social e o espírito de luz fundem-se na mesma linguagem e trajetória que percorre este Paralelo 17, como uma avalanche que tenta ainda guardar os valores invertidos de uma sociedade que se perdeu nas facilidades, em que os heróis zombam da vida e escapam sempre impunes, porque assim é a vida neste período de muitas trevas. O poeta diz em um poema que todos somos mendigos e na oferta dos dias erguemos as mãos. Endosso plenamente. Somos mesmos mendigos como diz Cassas em sua intuição e sensibilidade, permitindo ver além do que está exposto nas vitrinas. Os mendigos que atravessam a vida sem saber e caminham passos perdidos nas ruas, calçadas, praças. Mas o livro do poeta Luís Augusto Cassas guarda também lugar para o para a mulher, para o amor que de tão difícil torna-se desconhecido. E esse lirismo nasce aqui como um contraponto, uma poesia de exaltação à beleza, palavra por palavra, uma dedimiolo-paralelo17-155x225.indd 17

8 cação dos que ainda conseguem amar: tua beleza/ não é tua/ refulge além/ mas não é tua/ quando te fores/ ela permanecerá /porque jamais/ foi tua. Há muitos momentos assim, como se o poeta desse trégua a si mesmo, refazendo-se da dor, sempre que possível. Mas é difícil refazer-se da ferida exposta, especialmente quando está costurada na pele e no espírito, na alma que foge e se esconde. Em um dos poemas, o poeta parece resumir tudo que pensa: é preciso caminharmos urgente/ entre o riso e a morte. 18 Luís Augusto Cassas miolo-paralelo17-155x225.indd 18

9 O MESTRE DO NÃO FAZER jamais construí caminhos filosóficos jardins de pedra casas de tijolos amarelos institutos de sabedoria nuvens descalças nem adestrei pumas para reverenciar cerejeiras mas o vento em sua dança de sopro e arrebentação lançou palavras e fragmentos de letras que arrumei nas páginas em branco com a ajuda das varetas de caule de milefólio de I Ching concluído estava o não trabalho e falaram as estações: não tema ficar só e retirar-se do mundo e quanto eu menos fazia mais o vento soprava e os poemas se desenhavam Paralelo miolo-paralelo17-155x225.indd 19

10 Este livro foi composto em Sabon Next LT pela Editora Penalux e impresso em papel pólen soft 80 g/m², em outubro de miolo-paralelo17-155x225.indd /24/ :44:47 PM