MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

Transcrição

1 N.º 927/LJ/2018 REFD Sistema Único n.º /2018 PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA Relator: Ministro Edson Fachin Paciente: Luiz Inácio Lula da Silva Impetrante: Nicolau Achcar Santos Júnior e outro Excelentíssimo Senhor Ministro Edson Fachin, A Procuradora-Geral da República, no uso de suas atribuições constitucionais, ao passo em que declara-se ciente da decisão de fls. 391/394 (autos digitais), vem apresentar contrarrazões ao agravo regimental interposto por LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA 1 contra a decisão 2 que não conheceu do habeas corpus impetrado pelos advogados Nicolau Achcar Santos Júnior e Fábio Luiz Barbosa, por meio do qual se buscava a extensão dos efeitos, em favor do ex-presidente, da decisão proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski nos autos do HC /MG, de 20/03/ Razões juntadas às fls. 395/396 dos autos digitais. 2 Fls. 391/394 dos autos digitais. I Gabinete da Procuradora-Geral da República

2 Os advogados Nicolau Achcar Santos Júnior e Fábio Luiz Barbosa impetraram habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, buscando a extensão dos efeitos da decisão 3 exarada pelo Ministro Ricardo Lewandowski nos autos do HC /MG, de 20/03/2018. Ao não conhecer do HC, essa Relatoria baseou-se nos seguintes fundamentos: i) em que pese a ampla legitimação constitucional para a impetração, haveria prevalência da defesa técnica constituída pelo paciente para decidir acerca da conveniência e oportunidade em sua formalização, de acordo com o estabelecido pela estratégia defensiva; ii) que a legitimação universal prevista na Constituição Federal tem força subsidiária, com maior enfoque nas hipóteses em que há ausência ou deficiência de defesa ; iii) que os impetrantes em geral não possuem direito subjetivo inafastável da apreciação de tais temas ; iv) que, ao disciplinar o rito dos habeas corpus endereçados ao STF, o artigo 192, 3º, do RISTF, prescreve, expressamente, que Não se conhecerá de pedido desautorizado pelo paciente.. O agravante, por seu turno, afirma que a decisão recorrida viola o artigo 654 do Código de Processo Penal, que autoriza qualquer pessoa a impetrar habeas corpus em favor de outrem, ainda que sem procuração. Requer, assim, o conhecimento do agravo regimental interposto, a fim de que seja conhecido o whit e concedida a ordem. Vieram os autos ao Ministério Público Federal. É o relatório. II No caso dos autos, em que pese o inconformismo do agravante, o recurso não merece prosperar, porquanto a decisão ora agravada não apresenta quaisquer falhas passíveis de reforma. De fato, o Regimento Interno e a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, não admitem a impetração de habeas corpus desautorizado pelo paciente. Tal entendimento se fundamenta no princípio constitucional da ampla defesa e na proteção dos interesses do próprio paciente, vez que a impetração realizada por um legitimado 3 Juntada nas fls. 370/389. 2

3 universal não pode prejudicar ou ser contrária à estratégia, eventualmente, estabelecida pela defesa técnica constituída. Sobre o tema, a decisão agravada trouxe trechos de dois julgados que são precisos ao reconhecer o não cabimento da impetração por legitimado universal, nos casos em que haja defesa técnica constituída, são eles: Ora, é notório que o largo espectro de legitimidade ativa constitucionalmente atribuído ao writ busca a máxima proteção ao paciente. Pressupõe-se, portanto, o interesse de agir em favor do paciente, de modo que a iniciativa não pode trazer reflexos negativos ou ir de encontro à defesa eventualmente constituída. E, muito menos, abrir campo à atuação de pessoas que, sem o conhecimento do paciente, apenas objetivem notoriedade ou, mesmo munidas de boas intenções, atropelem a estratégia defensiva. ( ) No presente caso, militam em favor do paciente causídicos por ele eleitos, de modo que não se cogita de ausência de constituição de defesa técnica e muito menos de deficiência na atuação dessa defesa. Logo, essa legitimação universal ativa, de natureza subsidiária, não tem lugar (HC , Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 23/04/2018, grifei) Acresço que o fato de o paciente contar com procurador constituído nos autos da AC 4.039/DF, a que este habeas corpus se refere, em tese, também constitui óbice à impetração, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, forte no art. 192, 3º, do RISTF: Não se conhecerá de pedido desautorizado pelo paciente. Tenho entendido, em casos análogos, que não há como presumir que a interferência de terceiro se faça no interesse da Defesa e do acusado, pelo menos em sua integralidade. Rigorosamente, em tese, o atropelar de estratégias definidas pode mais atrapalhar do que auxiliar. O mesmo se diga do levantamento de questões acaso inadequadas e do eventual precipitar de decisões desfavoráveis. (HC , Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 30/11/2015, grifei) Assim, em consonância com entendimento da Suprema Corte, a decisão agravada observou que não se admite que essa legitimação universal interfira na conveniência e oportunidade da formalização da impetração, as quais se inserem no contexto da estratégia defensiva, quadrante no qual, por óbvio, deve ser prestigiada a atuação da defesa constituída. Afinal, a legitimação aberta é para prestigiar o direito à liberdade e não para, ainda que tangencialmente, prejudicar o exercício do múnus técnico da defesa. Não é possível, portanto, reconhecer-se o cabimento do habeas corpus como almeja o recorrente, haja vista que não consta dos autos qualquer autorização da defesa técnica para sua impetração. 3

4 Quanto ao mérito do whit, melhor sorte não socorre o impetrante. O artigo 580 do Código de Processo Penal dispõe que: No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros. A redação do dispositivo legal é clara ao permitir a extensão dos efeitos apenas quando a solução da questão penal tiver de ser uniforme para todos os envolvidos, ou seja, não pode ser fundada em motivos que sejam de caráter exclusivamente pessoal. O Supremo Tribunal Federal tem admitido a aplicação excepcional do art. 580 do Codex Processual Penal em sede de habeas corpus, mas a excepcionalidade deve ser aplicada apenas nas questões objetivamente aferíveis, sob pena de significar verdadeira análise per saltum. Em outras palavras, embora aplicável a extensão do benefício em sede de habeas corpus, ela somente é admissível a partir de fundamentos meramente objetivos, rectius, fundada em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal. No caso em análise não há, absolutamente, identidade fática ou jurídica entre as situações processuais do recorrente Luiz Inácio Lula da Silva e de Aécio José de Carvalho, paciente beneficiado pela decisão do Ministro Ricardo Lewandowski nos autos do HC /MG 4. As ações penais, os crimes e a situação processual do recorrente são completamente diversos da decisão paradigma que se pretende estender, de forma que é incabível e extensão pretendida. No ponto, ressalta-se que Aécio José de Carvalho foi condenado à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a serem cumpridos em regime semiaberto, pelo delito de receptação qualificada (art. 180, parágrafo 1º do CP). Informa, ainda, a decisão liberatória, que o condenado já teria cumprido mais de 1/6 (um sexto) do total da pena, tendo direito à progressão para o regime aberto. Situação completamente distinta da do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi condenado à pena de 12 (doze) anos e 1 (um) mês de reclusão, em regine fechado, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Nada relaciona um caso ao outro, nem as questões pessoais, tampouco as processuais. 4 Fls. 370/388 dos autos eletrônicos. 4

5 O STF e o STJ têm precedentes neste sentindo, como os que seguem: Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE LATROCÍNIO, DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER, DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E DE LAVAGEM DE DINHEIRO. ARTIGOS 157, 3º, 211 E 299, DO CÓDIGO PENAL, E 1º, DA LEI Nº 9.613/1998. LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA À CORRÉ. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DOS EFEITOS DE DECISÃO COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 580 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL À SITUAÇÃO DISTINTA. ALEGADO EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. CUSTÓDIA PREVENTIVA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 2. A decretação da custódia preventiva para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal justificase ante a gravidade in concrecto dos fatos (Precedentes: RHC nº AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 19/11/2014, HC nº , Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 22/08/2014). 3. A distinta situação processual dos corréus afasta a incidência do artigo 580 do Código de Processo Penal, ademais o habeas corpus é ação inadequada para a valoração e exame minucioso do acervo fático probatório engendrado nos autos. (...) (RHC AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-179 DIVULG PUBLIC ). RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA E LAVAGEM DE DINHEIRO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ESTRUTURADA. NECESSIDADE DE INTERROMPER AS ATIVIDADES DO GRUPO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EXTENSÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO À CORRÉ. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO FÁTICO-PROCESSUAL DISTINTA. EXCESSO DE PRAZO. PACIENTE FORAGIDO. RECURSO IMPROVIDO. ( ) 5. A inexistência de identidade das situações fático-jurídicas impede a extensão do benefício (liberdade provisória) concedido à corré pela instância ordinária. Inteligência do art. 580 do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ. Situação de liderança do recorrente na organização criminosa. Peculiaridade. Réu foragido. Exame da suposta situação fática da corré: inviabilidade na via eleita, sem o exame dos autos de concessão do benefício. 6. Se o recorrente está foragido, não há que se falar em excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal. Precedentes. 7. De qualquer forma, encerrada a instrução criminal com a prolação da sentença condenatória, resta superada a alegação de excesso de prazo, ex vi da Súmula n. 52/STJ. 8. Recurso improvido. (RHC /RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 14/11/2017). Por fim, imperioso ressaltar, que a questão trazida a lume pelo recorrente já foi definitivamente decidida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal 5 que, analisando o caso 5 Em 04/04/

6 específico do paciente Luiz Inácio Lula da Silva, nos autos do habeas corpus n , decidiu pela possibilidade do cumprimento antecipado da pena pelo ex-presidente. Incabível, portanto, a extensão pretendida. Assim, afastados os argumentos do impetrante/recorrente, verificando-se que a decisão agravada está fundamentada e em consonância com entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal, o não provimento do agravo regimental é a medida que se impõe. III Pelo exposto, a Procuradora-Geral da República manifesta-se pelo não provimento do agravo regimental. Raquel Elias Ferreira Dodge Procuradora-Geral da República Brasília, 14 de junho de