Qualidade de vida relacionada à saúde e sintomas depressivos de estudantes do curso de graduação em Enfermagem
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- Aurélia Vilarinho
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1 Rev. Latino-Am. Enfermagem 20(4):[08 telas] jul.-ago Artigo Original Qualidade de vida relacionada à saúde e sintomas depressivos de estudantes do curso de graduação em Enfermagem Ismelinda Maria Diniz Mendes Souza 1 Helena Borges Martins da Silva Paro 2 Rogerio Rizo Morales 3 Rogerio de Melo Costa Pinto 4 Carlos Henrique Martins da Silva 5 Trata-se de estudo descritivo e transversal, que investigou a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de estudantes de Enfermagem e a relação da QVRS com o ano de estudo, as variáveis sociodemográficas e a intensidade de sintomas depressivos. Uma amostra acidental de 256 estudantes dos 353 elegíveis (72%) respondeu ao Medical Outcomes Study - The 36 Item Short-Form Health Survey (SF-36) e ao Inventário de Depressão de Beck (IDB). Estudantes do último ano do curso, sobretudo do sexo feminino e com maior intensidade de sintomas depressivos, apresentaram menores escores do SF-36 nos domínios capacidade funcional, vitalidade e aspectos sociais. O prejuízo na QVRS ocorre sobretudo no último ano do curso, nos estudantes do sexo feminino ou com sintomas depressivos. Programas institucionais de aconselhamento psicopedagógico poderiam minimizar o impacto negativo detectado na QVRS e contribuir para melhor formação e desempenho profissional dos estudantes em situação de maior vulnerabilidade. Descritores: Educação em Enfermagem; Estudantes de Enfermagem; Qualidade de Vida; Depressão. 1 MSc, Professor, Universidade Presidente Antonio Carlos, Brasil. 2 MSc, Professor Assitente, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil. 3 Médico, MSc, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil. 4 PhD, Professor Adjunto, Faculdade de Matemática, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil. 5 PhD, Professor Associado, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil. Endereço para correspondência: Ismelinda Maria Diniz Mendes Souza Rua Rio Araguaia, 355 Vila Dourada CEP: , Monte Carmelo, MG, Brasil ismelinda.mendes@bol.com.br
2 Health-related quality of life and depressive symptoms in undergraduate nursing students This is a descriptive, cross-sectional study aimed at investigating the health-related quality of life (HRQoL) of nursing students and its relationship with year of training, sociodemographic variables and the intensity of depressive symptoms. A convenience sample of 256 students, out of 353 eligible (72%), responded to the Medical Outcomes Study - The 36 Item Short- Form Health Survey (SF-36) and the Beck Depression Inventory (BDI) (self-administered). Final-year students, females and students with a higher intensity of depressive symptoms presented lower SF-36 scores in the physical functioning, vitality and social functioning domains. Institutional psychopedagogic support programs may minimize this negative impact on the HRQoL and encourage better professional performance of students in higher vulnerability situations. Descriptors: Education, Nursing; Students, Nursing; Quality of Life; Depression. Calidad de vida relacionada a la salud y síntomas depresivos de estudiantes del curso de graduación en enfermería. Se trata de un estudio descriptivo y transversal que investigó la calidad de vida relacionada a la salud (CVRS) de los estudiantes de enfermería y la relación con años de estudio, las variables sociodemográficas y la intensidad de los síntomas depresivos. Una muestra accidental de 256 estudiantes de 353 elegibles (72%) respondió el Medical Outcomes Study - The 36 Item Short-Form Health Survey (SF-36) y el Inventario de Depresión de Beck (IDB) (auto-aplicación). Estudiantes del último año del curso, los del sexo femenino y con mayor intensidad de síntomas depresivos, presentaron menores puntuaciones del SF-36 en los dominios capacidad funcional, vitalidad y aspectos sociales. El impacto es mayor en el último año del curso, los estudiantes de sexo femenino o con síntomas depresivos. Programas de apoyo psicológico podrían minimizar este impacto y contribuir a una mejor formación y desempeño profesional de los estudiantes en situación de mayor vulnerabilidad. Descriptores: Educación en Enfermería; Estudiantes de Enfermería; Calidad de Vida; Depresión. Introdução As diretrizes curriculares do curso de graduação em Enfermagem no Brasil propõem formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, com base no rigor científico, intelectual e pautado em princípios éticos (1). Apesar de algumas instituições buscarem construir perfil profissional que atenda as exigências dessas diretrizes, sua implementação ainda é incipiente e enfrenta alguns desafios (2). Melhorias no desempenho acadêmico e profissional dependerão da compreensão das alterações psicoemocionais do estudante, no decorrer da graduação, e da valorização de aspectos que parecem interferir em sua qualidade de vida (3). Qualidade de vida é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto cultural e no sistema de valores nos quais ele vive e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões, preocupações e desejos. É um conceito amplo, subjetivo e multidimensional (4), que se aproxima do conceito holístico da saúde como o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doença ou enfermidade (5). Já o termo qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) refere-se à influência do estado de saúde nessa percepção de bem-estar (6). Apesar de as instituições de ensino reconhecerem a importância em se considerar o bem-estar e a saúde dos estudantes como estratégia para melhoria da qualidade do ensino, os poucos estudos que tratam da
3 Souza IMDM, Paro HBMS, Morales RR, Pinto RMC, Silva CHM. Tela 3 avaliação da QV de estudantes de Enfermagem sugerem impacto negativo na QV (3,7-8), sobretudo nos primeiros anos do curso (3). Entretanto, não há estudos acerca da QVRS desses estudantes, das possíveis diferenças na magnitude do comprometimento nas diversas dimensões da saúde, bem como da sua relação com a presença de sintomas depressivos. O conhecimento da autopercepção de QVRS do estudante de Enfermagem poderá auxiliar no direcionamento de estratégias de acolhimento aos estudantes em situações de risco e colaborar para a implementação das diretrizes curriculares nacionais e na formação de profissionais que atendam as necessidades do mercado. Este estudo teve como objetivo avaliar a QVRS dos estudantes, durante o curso de Enfermagem, e possíveis relações com as variáveis sociodemográficas e a intensidade de sintomas depressivos, de acordo com o ano de curso e variáveis sociodemográficas. Métodos Trata-se de estudo descritivo, transversal, realizado entre junho e julho de 2007, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de ensino, onde se efetuou a pesquisa, uma universidade pública federal do interior de Minas Gerais (Protocolo nº208/07). Estudantes do primeiro ao quarto ano do curso de Enfermagem, matriculados no primeiro semestre do ano 2007, presentes em sala de aula, no momento da aplicação dos questionários, foram convidados para participar da pesquisa. O curso de Enfermagem dessa universidade, no período da coleta de dados, oferecia semestralmente 40 vagas por processo seletivo público (vestibular). Nesse período, o tempo de integralização do curso era de quatro anos, e esse era desenvolvido principalmente no período noturno. Nos dois primeiros anos, eram ministradas disciplinas predominantemente de caráter básico e, a seguir, práticas profissionais no período diurno, ocorrendo no quarto ano o preparo do trabalho de conclusão de curso. Foi realizado contato prévio com a direção do curso e, posteriormente, com os professores responsáveis pelas disciplinas, para agendamento da coleta de dados. Os estudantes foram abordados em sala de aula ou em campo de estágio. Antes de distribuir os instrumentos, foram esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa e avisados sobre a importância de suas colaborações. Após a concordância e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, os estudantes responderam, de forma autoaplicada, ao SF-36, ao IDB e a um questionário elaborado especialmente visando identificar as características sociodemográficas dos sujeitos da pesquisa. O SF-36 é um instrumento genérico para a avaliação da QVRS, traduzido e validado para a cultura brasileira (9) e contém 36 itens, divididos em 8 domínios (capacidade funcional, estado geral da saúde, dor, aspectos físicos, saúde mental, vitalidade, aspectos sociais e aspectos emocionais) e dois componentes sumários (físico e mental). Os escores das escalas são transformados em valores de 0 (pior qualidade de vida relacionada à saúde) a 100 (melhor qualidade de vida relacionada à saúde) (10). O Inventário de Depressão de Beck (IDB) é uma escala de autoavaliação de sintomas depressivos (11), traduzida e validada para a língua portuguesa e utilizado em populações clínicas e não clínicas (12). Possui 21 itens que avaliam a intensidade dos sintomas depressivos. Cada item apresenta quatro alternativas com escores que variam de 0 (menor intensidade) a 3 (maior intensidade). A nota de corte 15 tem sido utilizada para a identificação da síndrome depressiva (13) em estudantes de Enfermagem (14). Essa escala foi utilizada para verificar a intensidade de sintomas depressivos e comparar a QVRS de acordo com essa intensidade entre os estudantes de Enfermagem. Análise dos Resultados A confiabilidade da consistência interna foi verificada pelo coeficiente de alfa de Cronbach. Coeficientes acima de 0,7 foram considerados adequados (15). A estatística descritiva foi utilizada para caracterização dos participantes do estudo, quanto a aspectos sociodemográficos, determinação dos escores do SF-36 e do IDB. Os escores sumários do SF-36 (físico e mental) foram calculados com base nos valores normativos da população norteamericana, por meio de software obtido com a licença de uso do questionário. Uma vez que os dados apresentaram distribuição não normal (teste de D Agostino), foram utilizados testes não paramétricos para comparar os escores do IDB e do SF-36, de acordo com o ano de estudo (análise de variância por postos Kruskal-Wallis), variáveis sociodemográficas (Teste de Comparações Múltiplas Assintóticas de Proporções Binomiais) e intensidade de sintomas depressivos (Mann-Whitney). Os escores do SF- 36 também foram correlacionados com a renda familiar (coeficiente de correlação de Spearman). O nível de significância adotado foi 0,05. O tamanho do efeito (TE) foi calculado (razão da diferença entre as medianas e o desvio interquartílico), para determinar a magnitude das diferenças entre os grupos estatisticamente diferentes na comparação do IDB e por sexo.
4 Rev. Latino-Am. Enfermagem jul.-ago. 2012;20(4):[08 telas] Tela 4 Resultados O coeficiente de alfa de Cronbach dos domínios do SF-36 variou de 0,7 a 0,8. Dos 353 estudantes matriculados, 256 (72,5%) participaram do estudo. A idade média foi de 21,5 anos (dp=2,9). A maioria é do sexo feminino (80,5%), solteira (89,8%), sem filhos (94,5%) e apresenta menor frequência de sintomas depressivos, segundo o IDB, (85,9%). Os escores do IDB não diferiram, segundo o ano de estudo (Tabela 1). Tabela 1 - Características dos estudantes do curso de graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil Idade Média (dp) Variável/período 1º ano n (%) 2º ano n (%) 3º ano n (%) 4º ano n (%) 19,1 (2,0) 20,8 (2,4) 22,3 (2,7) 23,6 (2,8) Sexo masculino* 13/58 (22,4) 9/63 (14,3) 17/71 (24,0) 11/64 (17,2) Estado civil casado* 3/58 (5,1) 6/63 (9,6) 11/71 (15,5) 5/64 (7,8) Filhos* 1/58 (1,7) 2/63 (3,2) 6/71 (8,5) 5/64 (7,8) Emprego* 7/58 (12,0) 19/63 (30,2) 11/71 (15,5) 9/64 (14,1) Doença crônica referida* 18/58 (31,0) 19/63 (30,2) 15/71 (21,1) 11/64 (17,2) Não reside com familiares* 16/57 (28,0) 17/63 (26,9) 17/69 (24,6) 10/62 (16,1) Renda familiar <5 SM* 17/40 (42,5) 26/56 (46,4) 19/47 (40,5) 20/54 (37,1) IDB, mediana (P25 P75) Escores do IDB* >15 (%) SM: salários-mínimos; IDB: Inventário de Depressão de Beck * Teste de Comparações Múltiplas Assintóticas de Proporções Binomiais (p-valor >0,05) Teste de Kruskal-Wallis (p-valor >0,05) 7,0 (5,0-11,0) 7,0 (4,5 13,0) 7,0 (4,0 12,5) 9,0 (6,0 13,0) 4/58 (6,8) 9/63 (14,3) 10/71 (14,0) 13/64 (20,3) QVRS de acordo com o ano de estudo Na comparação dos escores do SF-36 dos estudantes de Enfermagem, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas nos domínios capacidade funcional, vitalidade e aspectos sociais. No domínio capacidade funcional, os estudantes do quarto ano apresentaram escores menores do que os do primeiro ano (p=0,03, TE=0,5). No domínio vitalidade, os estudantes do quarto ano apresentaram escores significativamente menores quando comparados com os escores do primeiro e do segundo ano (p=0,00, TE=0,5 e 0,6, respectivamente). No domínio aspectos sociais, o grupo do quarto ano obteve escores significativamente menores do que os estudantes de todos os outros anos do curso (Tabela 2). Tabela 2 Escores do SF-36 dos estudantes do curso de graduação em Enfermagem, segundo o ano de estudo, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil Domínios e componentes SF-36 1º ano (n=58) 2º ano (n=63) Mediana (percentil 25-75) 3º ano (n=71) 4º ano (n=64) p-valor* Capacidade funcional 95 a (90-100) 95 ab (85 100) 95 ab (85 95) 90 b (80 95) 0,03 Aspectos físicos 75 (50-100) 75 (50 100) 75 (50 100) 75 (25 100) 0,65 Dor 63 (53-84) 62 (51 84) 62 (52 84) 56,5 (41 84) 0,09 Estado geral da saúde 72 (57-87) 80 (64,5 87) 77 (67 87) 77 (57 90,5) 0,94 Vitalidade 57,5 a (40-75) 55 a (40 65) 50 ab (35-67,5) 40 b (25 55) 0,00 Aspectos sociais 75 a (50-87) 62,5 a (50 87) 75,0 a (50 87) 50 b (37 75) 0,00 Aspectos emocionais 66 (33-100) 33,3 (0 66,7) 33,3 (0 100) 33,3 (33 75) 0,66 (continua...)
5 Souza IMDM, Paro HBMS, Morales RR, Pinto RMC, Silva CHM. Tela 5 Tabela 2 - continuação Domínios e componentes SF-36 1º ano (n=58) Saúde mental 64 (53-80) Componente físico 52 (49-56,8) Componente mental 39 (33,6-49,8) 2º ano (n=63) 60 (46 80) 53 (49 56,5) 39 (30 48,8) Mediana (percentil 25-75) 3º ano (n=71) 64 (48 74) 52,3 (46,3-55,7) 39 (29 50,2) *Teste de Kruskal-Wallis, medianas seguidas da mesma letra não diferem estatisticamente entre si pelo teste de Dunn. 4º ano (n=64) 56 (47 72) 52,5 (45 56,1) 36,3 (28,1 43) p-valor* 0,24 0,80 0,08 QVRS e variáveis clínicas e sociodemográficas Os escores do SF-36 dos estudantes de Enfermagem não diferiram segundo o vínculo empregatício (p>0,05). Não houve correlação estatisticamente significativa da renda familiar com a maioria dos domínios e componentes do SF-36, exceto com o domínio aspectos emocionais (r=- 0,15; p=0,03) (dados não demonstrados). Os estudantes que apresentaram maior intensidade de sintomas depressivos obtiveram valores significativamente menores em todos os domínios e componentes sumários do SF-36 (Tabela 3). Estudantes do sexo feminino apresentaram escores significativamente menores do que os do sexo masculino nos domínios capacidade funcional, dor, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais, saúde mental e no componente mental (p<0,05) (Tabela 3). Tabela 3 - Escores do SF-36 dos estudantes de graduação em Enfermagem, segundo os escores do IDB e sexo, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil Domínios/ componentes IDB 15 n=220 Capacidade funcional 95 (85-100) Aspectos físicos 75 (50-100) Dor 64 (51-84) Estado geral da saúde 82 (67-90) Vitalidade 55 (40-70) Aspectos sociais 75 (50-87) Aspectos emocionais 66 (33-100) Saúde mental 68 (52-80) Componente sumário físico 53,5 (48,7-57) Componente sumário mental 41 (33-49,8) IDB >15 n=36 85 (75-95) 50 (25-81,2) 51 (41-62) 52 (42-63,2) 30 (20-35) 37,5 (25-53,1) 0 (0-33,3) 36 (32-48) 47,5 (43,3-52,5) 27,1 (19,5-30,2) TE p * Feminino n=174 0,6 0,00 90 (85-95) 0,5 0,00 75 (50-100) 0,7 0,00 62 (51-74) 1,3 0,00 77 (62-87) 0,8 0,00 45 (30-60) 1,0 0,00 62,5 (37,5-75) 0,9 0,00 33,3 (0-66,7) 1,1 0,00 60 (44-72) 0,7 0,00 52,6 (45,7-56,8) 0,8 0,00 37,1 (29,4-45,2) Masculino n=45 95 (90-100) 100 (50-100) 74 (52-84) 77 (67-85) 65 (40-75) 75 (50-87,5) 66,7 (33,3-100) 72 (52-80) 53,2 (49,1-56,2) 47,2 (32,5-53,3) TE p* 0,5 0,00 0,5 0,24 0,5 0,00 0,0 0,99 0,6 0,00 0,3 0,00 0,5 0,02 0,4 0,01 0,0 0,34 0,6 0,00 *Teste de Mann-Whitney Discussão Os resultados da pesquisa indicam prejuízo multidimensional na QVRS de estudantes de Enfermagem, como previamente descrito em estudos que trataram da QV dessa população (3,7-8). Além disso, observou-se que o impacto negativo na percepção de bem-estar é maior nos estudantes do último ano do curso (quarto ano) em relação aos estudantes dos demais anos de estudo, nos do sexo feminino e naqueles com maior intensidade de sintomas depressivos. As trajetórias dos estudantes de Enfermagem são similares nos diversos cursos. No primeiro ano, apesar de o estudante passar por mudanças e experiências novas, decorrentes de sua inserção na universidade e sofrer ajustamento ao curso (16), ele desempenha
6 Rev. Latino-Am. Enfermagem jul.-ago. 2012;20(4):[08 telas] Tela 6 atividades predominantemente teórico-práticas em sala de aula e laboratórios (3). No segundo ano, o estudante de Enfermagem é inserido no ambiente hospitalar para realização de atividades práticas ligadas diretamente ao paciente, situação que é geradora de ansiedade, medo, angústia, conflitos, estresse e sintomas depressivos (3,16-17). Os conflitos gerados no relacionamento com outros profissionais da área da saúde, professores e funcionários do setor, a dicotomia entre a teoria e a prática (8), além da sobrecarga de atividades teóricas e práticas (18), são situações vivenciadas por esses estudantes. No terceiro ano, são mantidas as atividades teórico-práticas e os estudantes, em geral, estão mais adaptados ao ambiente universitário e aos cenários de ensino/aprendizagem (3). Já no quarto ano do curso, o aumento das atribuições acadêmicas com o trabalho de conclusão do curso, as expectativas quanto à formatura, o sentimento de incapacidade, insegurança quanto ao futuro e o enfrentamento do mercado de trabalho podem justificar o prejuízo na QVRS de estudantes desse período, observado predominantemente nos domínios capacidade funcional, vitalidade e aspectos sociais. Ainda, diferentemente do observado por outros pesquisadores (3), observou-se maior impacto negativo na QVRS em estudantes do último ano do curso. Esse resultado parece plausível, pois, ao final do curso, ressaltamse as relações conflitantes vividas por estudantes no ambiente hospitalar, justificadas pela visão hegemônica da Medicina, que coloca o profissional médico como personagem central e os demais profissionais de saúde como complementares, bem como a reprodução desses conflitos internamente na equipe de Enfermagem, com a incorporação do profissional enfermeiro como dominador e as demais categorias profissionais como subalternas. Os estudantes do sexo feminino apresentaram maior prejuízo nos domínios relacionados a limitações das atividades físicas cotidianas (capacidade funcional), energia (vitalidade) e dor, o que pode estar relacionado a características físicas inerentes ao sexo feminino, associadas ao desgaste por sobrecarga de atividades tradicionalmente destinadas à mulher e a maior sensibilidade emocional (aspectos emocionais, saúde mental e componente mental). Resultados semelhantes foram encontrados em estudo que avaliou a QVRS de estudantes de Medicina, no Brasil (19). No presente estudo, encontrou-se correlação negativa, ainda que muito baixa, de renda familiar mensal com o domínio aspectos emocionais. Esse resultado permite inferir-se que, talvez surpreendentemente, os estudantes com baixo poder aquisitivo apresentem menor comprometimento da saúde mental. Resultado semelhante foi observado previamente (3). No entanto, outros estudos indicam que pessoas com baixa renda apresentam pior QV e prejuízo nos indicadores de saúde mental, saúde física e capacidade funcional (20). Os resultados da presente pesquisa indicam que a intensidade dos sintomas depressivos aumenta ao longo do curso, é maior no último ano, além de haver correlação entre intensidade moderada de sintomas depressivos e impacto negativo na QVRS. Estudantes com transtorno de humor apresentam níveis médios de autoestima (14). O estado depressivo pode provocar sentimentos de tristeza, perda de interesse por situações habituais, ausência de prazeres, instabilidade emocional, determinar alterações de apetite, sono, repouso, entre outros aspectos. Neste estudo, os estudantes de Enfermagem eram predominantemente jovens, solteiros, sem filhos e economicamente estáveis. A presença de sintomas depressivos, sobretudo nos estudantes do último ano do curso de Enfermagem, que estão prestes a serem inseridos no mercado de trabalho competitivo e instável, pode prejudicar o desenvolvimento das atividades acadêmicas, pessoais e, consequentemente, o futuro profissional. Algumas medidas podem minimizar os prejuízos na QVRS dos estudantes dos cursos de Enfermagem. Além de conhecer as fontes de problemas durante o processo ensino/aprendizagem e oferecer suporte multiprofissional para adaptação do aluno, gestores educacionais devem: incentivar a criação de programas tutoriais que visem o aprimoramento de programas pedagógicos e a melhoria da relação professor/aluno (21) ; realizar e incentivar seminários que desenvolvam habilidades, autocontrole, relaxamento em situações geradoras de ansiedade, com o objetivo de explorar as capacidades próprias e o treinamento para falar em público (22) ; propiciar intervenções para a redução do estresse individual e organizacional que visem a um comportamento saudável, melhora no estilo de vida, autoestima (23) e saúde mental (24). Algumas limitações metodológicas devem ser consideradas para o presente estudo. Apesar de a utilização de um instrumento genérico ter permitido avaliação multidimensional da QVRS e a comparação entre os estudantes dos diferentes anos do curso, é possível que o questionário não tenha sido capaz de detectar diferenças relativas a condições específicas desses estudantes. Todavia, o instrumento mostrou-se adequado e confiável para se conhecer a QVRS dos estudantes, em seus múltiplos aspectos. Novos estudos que objetivem avaliar particularidades dessa população devem utilizar
7 Souza IMDM, Paro HBMS, Morales RR, Pinto RMC, Silva CHM. Tela 7 instrumentos específicos de QVRS. Outra questão metodológica refere-se ao desenho transversal do estudo, que não possibilitou detectar os fatores determinantes para o prejuízo na QVRS encontrado entre os estudantes. Conclusões Os estudantes do curso de graduação em Enfermagem apresentam prejuízo em sua QVRS, sobretudo os alunos do último ano, do sexo feminino e os portadores de sintomas depressivos. Estudos posteriores são sugeridos para investigar a possível contribuição das metodologias ativas de ensino/ aprendizagem e do suporte psicopedagógico contínuo, para melhor formação e desempenho profissional desses estudantes, em situações de risco. Referências 1. Ministério da Educação (BR). Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem, Medicina e Nutrição. Brasília: Ministério da Educação; [acesso 1 out 2006]. Disponível em mec.gov.br/dmdocuments/ces1133.pdf 2. Silva KL, Sena RR. [Nursing education: building up the integrality of care]. Rev. Latino-Am. Enfermagem. set-out 2006;14(5): Kawakame PMG, Miydahira AMK. Qualidade de vida de estudantes de graduação em enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2005;2(39): The WHOQOL Group. The world health organization quality of life assessment (WHOQOL): position paper from the world health organization. Soc Sci Med. 1995;41(10): World Health Organization. Preamble to the Constitution of the World Health Organization. Official Records. Bull WHO. 1946;2: Ebrahim S. Clinical and Public Health Perspectives and Applications of Health-Related Quality of Life Measurement. Soc Sci Med. 1995;41(10): Saupe R, Nietche EA, Cestari ME, Giorgi MDM, Krahl M. [Quality of life of nursing students]. Rev. Latino-Am. Enfermagem. jul-ago 2004;12(4): Oliveira RA, Ciampone MHT. [Nursing students life quality: building a process and interventions]. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(1): Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3): Ware JE, Sherbourne CD. The MOS 36-Item Short- Form Health Survey (SF-36). I. Conceptual Framework and Item Selection. Med Care. 1992;30(6): Beck AT, Ward CH, Mendelson M, Mock J, Erbaugh J. An inventory for measuring depression. Arch Gen Psychiatry. 1961;4: Gorenstein C, Andrade L. Validation of a Portuguese version of the Beck Depression Inventory and the Sate- Trait Anxiety Inventory in Brazilian subjects. Braz J Med Biol Res. 1996;29(4): Kendall PC, Hollon SD, Beck AT, Hammen CI, Ingram RE. Issues and Recommendations Regarding use of the Beck Depression Inventory. Cognit Ther Res. 1987;11(3): Furegato ARF, Santos JLF, Silva EC. [Depression among nursing students associated to their self-esteem, health perception and interest in mental health]. Rev. Latino-Am. Enfermagem. mar-abr 2008;16(2): Scientific Advisory Committee of the Medical Outcomes Trust. Assessing health status and quality-oflife instruments: Attributes and review criteria. Qual Life Res. 2002;11: Scherer ZAP, Scherer EA, Carvalho AMP. [Reflections on nursing teaching and students first contact with the profession]. Rev. Latino-Am. Enfermagem. mar-abr 2006;14(2): Garro IMB, Camillo SO, Nóbrega MPSS. Depressão em graduandos de enfermagem. Acta Paul Enferm. 2006;19(2): Timmins F, Kaliszer M. Aspects of nurse education programmes that frequently cause stress to nursing students fact-finding sample survey. Nurse Educ Today. 2002;22: Paro HBMS, Morales NMO, Silva CHM, Rezende CHA, Pinto RMC, Morales RR, et al. Health-related quality of life of medical students. Med Educ. 2010;44: Jiang Y, Hesser JL. Associations between health-related quality of life and demographics and health risks. Results from Rhode Island s 2002 behavioral risk factor survey. Health Qual Life Outocomes [periódico na Internet] [acesso 15 jan 2007];4:14. Disponível em: hqlo.com/content/4/1/ Saupe R, Geib LTC. [Tutorial programs for nursing courses]. Rev. Latino-Am. Enfermagem. set-out 2002;10(5): Montes-Berges B, Augusto M. Exploring the relationship between perceived emotional intelligence, coping, social support and mental health in nursing students. J Psychiatry Ment Health Nurs. 2007;14:
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