Governo Federal Dilma Vana Rousseff Presidente. Ministério da Educação Fernando Haddad Ministro
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- Pedro Ventura Conceição
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2 Governo Federal Dilma Vana Rousseff Presidente Ministério da Educação Fernando Haddad Ministro Secretaria de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Secretário Diretor do Departamento de Políticas em Educação a Distância Hélio Chaves Filho CAPES Jorge Almeida Guimarães Presidente Diretor de Educação a Distância João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governo do Estado Ricardo Vieira Coutinho Governador UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Marlene Alves Sousa Luna Reitora Aldo Bezerra Maciel Vice-Reitor Eli Brandão da Silva Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eliane de Moura Silva Coordenação Institucional de Programas Especiais CIPE Secretaria de Educação a Distância SEAD Assessora de EAD Cecília Queiroz
3 Edson Tavares Costa Literatura Portuguesa Campina Grande-PB 2011
4 Universidade Estadual da Paraíba Marlene Alves Sousa Luna Reitora Aldo Bezerra Maciel Vice-Reitor Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eli Brandão da Silva Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE Secretaria de Educação a Distância SEAD Eliane de Moura Silva Cecília Queiroz Assessora de EAD Coordenador de Tecnologia Ítalo Brito Vilarim Projeto Gráfico Arão de Azevêdo Souza Revisora de Linguagem em EAD Rossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG) Revisão Linguística Maria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB) Diagramação Arão de Azevêdo Souza Gabriel Granja FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB 869 C837l Costa, Edson Tavares. Licenciatura em Letras/Português: literatura portuguesa. /Edson Tavares Costa; UEPB / Coordenadoria Institucional de Programas Especiais, Secretaria de Educação a Distância._Campina Grande: EDUEPB, p.: il. 1. Literatura Portuguesa. 2. Movimentos Literários. I. Título. II. EDUEPB / Coordenadoria Institucional de Programas Especiais. 21. ed.cdd
5 Sumário I Unidade Trovadorismo: cantigas e novelas de cavalaria...7 II Unidade Trovadorismo: textos poéticos e em prosa...25 III Unidade Humanismo: crônicas...39 IV Unidade Classicismo: a poesia épica de Camões...51 V Unidade Barroco: Padre Vieira...69 VI Unidade Arcadismo: Bocage...85 VII Unidade Romantismo: Garrett e Herculano...97 VIII Unidade Realismo e Simbolismo: a Questão Coimbrã e a decadência IX Unidade Modernismo: a literatura Fernando Pessoa X Unidade Contemporaneidade: José Saramago e outros autores...145
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7 I UNIDADE Trovadorismo: cantigas e novelas de cavalaria Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 7
8 Apresentação Fonte da imagem: com/satellite_image_ Photo_Iberian_ Peninsula_2.htm. Crédito: Jacques Descloitres, MODIS Rapid Response Team, NASA/GSFC O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é o rosto com que a Europa fita o Ocidente, futuro do passado (PESSOA, Fernando. Obra poética. Org. Int. e Notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001, p. 71). Nesta unidade, igual ao que Pessoa falou sobre o continente europeu, posto nos cotovelos, de Oriente a Ociden- Foto de satélite da Península Ibérica te (idem), vamos nos debruçar sobre Portugal, fitando com olhos de quem perscruta, de quem analisa, de quem investiga, a sua história, seu povo, sua cultura. E faremos isso através de sua literatura, de seus escritores, desde a origem à contemporaneidade. É uma literatura rica, com nomes de peso no cânone universal, como Luís de Camões, Fernando Pessoa e, mais recentemente, José Saramago único escritor de língua portuguesa a ser agraciado com o Prêmio Nobel. Como afirma Nicola (NICOLA, José de. Literatura Portuguesa: da origem aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999, p. 28), a literatura portuguesa, que já abrange oito séculos de produção, pode ser dividida em três longos espaços de tempo, acompanhando as grandes transformações vividas pela Europa: Era Medieval, Era Clássica e Era Romântica ou Moderna. Essas três grandes eras apresentam-se subdivididas em fases menores, chamadas de escolas literárias ou estilos de época. 8 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
9 Naturalmente, não teremos como ver toda essa literatura, em 10 aulas, mas faremos uma seleção dos autores e obras mais marcantes, apresentaremos várias outras sugestões, que podem (e devem) ser lidas, uma vez que a literatura portuguesa é de uma importância singular para as artes brasileiras, não só pela condição de originária, mas pela inegável influência exercida sobre os escritores daqui. Ao longo desses 800 anos de literatura, e a partir da divisão em eras acima apresentada, observaremos que estas, de certa forma, coincidem com os grandes períodos da História universal. Veja: a Era Medieval vai até 1502, coincidindo com a Idade Média (até 1453); a Era Clássica ( ) acontece ao longo da chamada Idade Moderna ( ); e a Era Romântica (a partir de 1825) em paralelo com a Idade Contemporânea (a partir de 1789). Claro que essas coincidências acontecem porque a produção cultural de um povo está estreitamente relacionada ao momento histórico por ele vivido (NICOLA, 1999, p. 29). E, se é verdade que a prática literária está intrinsecamente ligada a questões ideológicas (sociais, econômicas, políticas, acadêmicas, religiosas, científicas, entre outras tantas), o que se produziu, em termos de literatura, em Portugal, nesse período, renderá riquíssimos momentos de discussão. Como falamos, essas Eras Literárias estão subdivididas em escolas ou movimentos literários, como sejam: na Era Medieval (séculos XIII a XV), temos o Trovadorismo ( ) e o Humanismo ( ); a Era Clássica portuguesa compreende os séculos XVI a XVIII e divide- Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 9
10 -se em Classicismo ( ), Barroco ( ) e Arcadismo ( ); finalmente a Era Moderna vem do século XIX até nossos dias, e compreende o Romantismo ( ), o Realismo ( ), o Simbolismo ( ) e o Modernismo (a partir de 1915). Especificamente nesta unidade, trataremos das origens da literatura lusitana, um período conhecido como Trovadorismo, que vai do final do século XII até os trinta primeiros anos do século XV. Para um melhor aproveitamento dos estudos, sugerimos uma leitura atenciosa de cada texto, acompanhada com as devidas anotações daquilo que julgar importante; algo que não foi compreendido de imediato também deve ser anotado, para que as dúvidas sejam dirimidas na primeira oportunidade: com os colegas, com o professor, através dos fóruns e debates virtuais, de s ou pesquisas direto na internet. Vamos lá?! Objetivos É nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga: Expor uma linha temporal contemplando a sociedade portuguesa desde o final do século XII até o início do século XV; Perceber as transformações sociais ocorridas ao longo desse período, suas causas e consequências para o desenvolvimento nacional; Ter um primeiro contato com os escritores e obras mais importantes do período assinalado, localizando-os no tempo e no espaço (tanto físico quanto social); Reconhecer esse período como o nascedouro da arte literária portuguesa. 10 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
11 Texto 1 Iniciaremos nossa conversa com uma visão geral sobre a formação de Portugal, pois a literatura desse período está intrinsecamente ligada aos acontecimentos históricos. Formação de Portugal Portugal é a parte mais ocidental da península mais ocidental da Europa: a Península Ibérica. Se voltarmos dez mil anos atrás, vamos encontrar essa região povoada por diferentes povos (celtas, iberos, fenícios, gregos, germânicos...), num ladrilho diferenciado de culturas, que terminaram unificadas pela ocupação romana, a partir de 219 a.c. Uma unificação forçada, imposta pelos dominadores, que reduziram todas as manifestações culturais dos peninsulares a um denominador cultural comum. Mas os romanos não se mantiveram perenemente na península. No século V, diversos grupos guerreiros foram destruindo a hegemonia administrativa e política romana. Eram denominados genericamente de bárbaros aqueles que viviam fora das fronteiras do Império e não falavam o latim. Entretanto, embora superiores na conquista bélica, os bárbaros não conseguiram destroçar a cultura estabelecida; ao contrário, sofreram um processo de romanização cultural, isto é, incorporaram a cultura dos romanos. É nesse período que se estabelecem as três classes sociais que comporão a sociedade ibérica: o clero, formado pelos sacerdotes da Igreja cristã, possuidora de riquezas e poder político; a nobreza, composta pelos proprietários de terras, que detinham um grande poder militar; e o povo, uma classe desprivilegiada, constituída principalmente de camponeses. No século VIII, a península foi invadida pelos árabes (também denominados mouros ou muçulmanos), que a dominaram quase que por completo, ao longo de vários séculos. Não foi um domínio homogêneo, como o romano; ao contrário, variava de intensidade, de região a região. No sul da península, por exemplo, a dominação foi maior; o norte, no entanto, jamais foi subjugado, servindo, assim, de refúgio aos ibéricos cristãos, que se preparavam para a reconquista dos terri- -tórios tomados. Somente no século XV as lutas da Reconquista tiveram fim, com a retomada do último reduto mouro na Espanha, Granada, Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 11 Fonte:
12 em 1492, quando os reis espanhóis Fernando de Aragão e Isabel de Castela entraram triunfantes na cidade antes sitiada pelos árabes. Mas, antes desta cena final, é preciso que voltemos no tempo, para localizarmos a exata origem do reino português. À medida que a Reconquista avançava, gradativamente, retomando as terras ibéricas, em direção ao sul da península, foram se configurando uma divisão territorial e uma estrutura de poder específicas. Os reinos do Norte (Leão, Castela e Aragão) foram avançando em direção ao Sul, tendo o reino de Leão um território que ia do rio Lima, ao norte, passando pelas terras banhados pelo rio Douro, e indo até a região de Coimbra, ao sul. Esse território era conhecido como o Condado Portucalense. A origem de Portugal está ligada a esse condado e à história de dois casamentos. Leiamos um trecho de José de Nicola, sobre esse momento histórico português. No final do século XI, governava todo o norte da Península o rei Afonso VI, cujas ações centravamse na luta pela expulsão dos muçulmanos. Para guerrear contra os mouros, afluíram cavaleiros de toda a Europa cristã, dentre os quais Raimundo e seu primo Henrique, nobres do ducado de Borgonha (região francesa que sediava a famosa abadia de Cluny). Afonso VI promoveu o casamento de Raimundo com Urraca, sua filha e única herdeira, dando-lhe como dote o governo da Galiza (região da atual Espanha). Pouco depois casou Henrique com Teresa, uma filha bastarda, oferecendo-lhe como dote o Condado Portucalense. D. Henrique de Borgonha continuou a luta contra os mouros e anexou novos territórios ao seu condado, que foi ganhando, assim, os contornos territoriais do que hoje é Portugal. Em 1128, Afonso Henriques filho de D. Henrique de Borgonha e Teresa proclamou a independência do Condado Portucalense, iniciando um longo período de lutas contra as forças do reino de Leão. Entretanto, foi somente em 1143, na Conferência de Samora, que Afonso VII, filho de D. Raimundo e Urraca e imperador de toda a Espanha desde 1135, concedeu a seu primo Afonso Henriques o título de Rei de Portugal. D. Afonso Henriques(*) Fonte: net/escola/monarquia_ Portuguesa/reis.h9.gif Quando em 1185 morreu Afonso Henriques, os muçulmanos ainda dominavam o sul de Portugal. Os sucessores de Afonso Henriques persistiram na luta contra os mouros, até a conquista do Algarve (extremo sul de Portugal), em Dessa forma, consolidou-se a primeira dinastia portuguesa: a dinastia de Borgonha. (NICOLA, José de. Literatura Portuguesa: da origem aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999, p. 16) 12 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
13 Atividade I Depois da leitura deste texto informativo, em que foi focalizado o período de surgimento do reino de Portugal, naturalmente uma série de questões está pululando em sua cabeça, não é? Então, comecemos a discutir algumas delas. a) Como você acha que os romanos conseguiram unificar a cultura da península ibérica de tal forma que até mesmo os invasores que vieram depois foram romanizados? b) Uma nação que nasce sob o signo da conquista e reconquista terá em sua literatura as marcas desses conflitos. Comente. c) Veja o que Almada Negreiros fala sobre os países que formam a Península Ibérica: Portugal e Espanha são dois opostos e não dois rivais. Os opostos são complementos iguais de um todo. Este todo está representado geograficamente pela Península Ibérica e em espírito pela civilização ibérica. Com base nessa afirmação do escritor português, analise a relação dos primos Afonso Henriques e Afonso VII, quando da criação do Reino de Portugal. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 13
14 Socialização Transforme suas respostas desta Atividade em um texto corrido, fazendo as devidas adequações, e poste-o no Ambiente Virtual de Aprendizagem AVA, para que, com a partilha de ideias entre os alunos, possamos nos preparar historicamente para entender os movimentos literários do período em estudo. Texto 2 Agora que conhecemos a origem da nação portuguesa, iremos conhecer os seus primeiros movimentos literários, que se manifestaram através de uma poesia de forte cunho subjetivo. A Poesia Medieval Portuguesa Fonte: net/images/trovadores2.jpg Inicialmente, com a palavra, a estudiosa Nelly Novaes Coelho. A poesia que se volta para a emoção amorosa, para o mundo interior do homem, surge em meados do século XII, diferenciada em dois tipos bem definidos: a trovadoresca e o romance cortês, seguidos mais tarde pelas novelas de cavalaria. Foi a Provença, pequena região situada ao sul da França, o local geográfico que serviu de ponto de partida ou de fulcro gerador das primeiras manifestações poéticas da literatura ocidental, conhecidas hoje em dia como Poesia Trovadoresca. [...] É com os trovadores provençais que renasce a poesia lírica, cuja última manifestação surgira entre os romanos. Novamente a Literatura expressa as emoções interiores do homem, e especificamente a amorosa. Levada pelos trovadores, jograis ou menestréis, largamente protegidos pelas cortes, a poesia trovadoresca atravessa os Alpes e os Pireneus e vai provocar o nascimento da poesia nacional de Portugal, Espanha e Itália. É com ela que nasce a poesia portuguesa. [CO- ELHO, Nelly N. Literatura e Linguagem. A obra literária e a expressão lingüística. 5. ed. reform. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993, p ] A época do trovadorismo abrange as origens da Língua Portuguesa, isto é, o português arcaico, que compreende o período de 1189 a Os autores dessa época, geralmente poetas, eram chamados de 14 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
15 trovadores. A palavra trovador vem do francês TROUVER que significa ACHAR, ENCONTRAR. Dizia-se que o poeta ACHAVA, ENCONTRAVA a música adequada ao poema [seu ou de outro] e o cantava acompanhado de instrumentos como a cítara, a viola, a lira ou a harpa. A produção artística está impregnada, neste período, do espírito teocêntrico. As artes decorativas predominam, sempre deformando os elementos objetivos do mundo ou procurando simbolizar o universo espiritual e sobrenatural através do qual o homem interpreta sua realidade. O estilo gótico, com suas formas alongadas, ogivais e pontiagudas, parece expressar forte desejo humano de ascender a uma nova e eterna vida. A literatura, geralmente escrita em latim, não ultrapassa os limites religiosos em sua temática: a vida dos santos, a liturgia dos rituais cristãos. Mas em torno dos castelos feudais desenvolve-se também uma arte leiga que, mesmo às vezes chegando ao profano, redimensiona a visão de mundo medieval e aponta novos caminhos. É a arte dos trovadores e suas cantigas, das novelas de cavalaria. Nelly N. Coelho traz mais algumas informações importantes. Cantada ao som de um instrumento, nas cortes ou nas praças públicas para o povo, a poesia trovadoresca desenvolvia-se com os mesmos clichês estilísticos: rimas assonantes, reiterações paralelísticas, exploração dos mesmos temas estereotipados (as queixas do amado saudoso à muito fremosa senhor [senhora muito formosa], que se mantém distante, altiva e indiferente; ou então é a amada quem suspira pelo amado que está na guerra ou na viagem). Essa padronização de temas é resultante do ideal do amor cortês difundido nas cortes medievais, e entre cujas exigências destacamos: 1. A perfeição da mulher amada; 2. As duras provas a que deve o amor se submeter para vencer; 3. A devoção cavalheiresca; 4. A atitude servil frente à mulher; 5. O esforço interior do homem para dominar os instintos e tornar- -se senhor de seus impulsos sensuais. A existência do amor cortês, segundo estudiosos, liga-se ao processo de valorização da mulher, encetado pela Igreja, através do culto mariano, e que visava não só a elevação da mulher dentro da sociedade, como, principalmente, a espiritualização do amor, liberando-o da sensualidade grosseira que caracterizava as relações Homem-Mulher, à época. O Trovadorismo, em fins do século XIV, estava praticamente desaparecido como instituição palaciana; a sua técnica passa por um grande refinamento. Predominam agora as rimas consoantes, os esquemas métricos regulares, amplia-se o vocabulário e os temas passam a ser os mais variados. É quando surge a Poesia Palaciana no século XV, pré- Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 15
16 -renascentista, já bem mais artística que a inicial, e que está recolhida no Cancioneiro Geral, organizado por Garcia de Rezende. (COELHO, Nelly N. Literatura e Linguagem. A obra literária e a expressão linguística. 5. ed. reform. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993, p ] Em Portugal floresceram cantigas de tipos diversos quanto à temática: Fonte: de/~harsch/lusitana/cronologia/ seculo14/mendinho/men_jogr.jpg Cantigas de Amor: Surgiram no sul da França, na região de Provença. Expressam o senti- -mento amoroso do trovador que se coloca a serviço da mulher amada. Aqui, o amor se torna tema central do texto poético, deixando de ser pretexto para a discussão de outros temas. Mas é um amor não realizado, não correspondido, que fica sempre num plano idealizado. E de outro modo não poderia ser, pois a mulher amada se encontra socialmente afastada do poeta: é a senhora, esposa do senhor feudal. São cantigas que espelham a vida na corte através de forte abstração e linguagem refinada. Cantigas de Amigo: Nasceram no território português e constituem um vivo retrato da vida campestre e do cotidiano das aldeias medievais na região. Embora compostas por homens, procuram expressar o sentimento feminino através de pequenos dramas e situações da vida amorosa das donzelas, geralmente, as saudades do namorado que foi combater contra os mouros, a vigilância materna, as confissões às amigas. Há nessas cantigas uma forte presença da natureza, sua linguagem é simples e sua estrutura apropriada ao canto e à transmissão oral apresenta refrão e versos encadeados e repetidos ou ligeiramente modificados [paralelismo]. Cantigas de escárnio e de maldizer: Reúnem a produção satírica e maliciosa da época. Enquanto as de escárnio são críticas e suas ironias feitas de modo indireto, as de maldizer, utilizando linguagem mais vulgar, às vezes obscena, referem-se direta e nominalmente a suas personagens. Os temas centrais destas cantigas são as disputas políticas, as questões e ironias que os trovadores se lançam mutuamente e que nos lembram os desafios de nossa literatura de cordel, as intimidades de alcova, a covardia ou a falta de jeito de alguns cavaleiros, as mulheres feias. 16 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
17 Atividade II Diante do que você leu no texto acima, que opinião você forma em relação à relação que se estabelecia, literariamente, entre homens e mulheres? Haveria correspondência dessa relação na vida cotidiana? Elabore um pequeno texto defendendo seu ponto de vista. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Leitura na Internet O texto a seguir traz uma abordagem interessante sobre essa relação homem-mulher, numa perspectiva literária, mas também cotidiana. O texto integral está no site htm O mito do amor na literatura medieval portuguesa Nadia Paulo Ferreira (UERJ e Corpo Freudiano do Rio de Janeiro) Trovadorismo No século XII, a França não apresentava uma unidade linguística: a língua d oil no norte e a língua d oc no sul. Na região occitânica, território em que se falava o d oc, floresce uma poesia, associada ao canto, que tem como tema o que se convencionou chamar de amor cortês. Do final do século XII até a segunda metade do século XIV, em Portugal e na Galícia, surge uma poesia em galego-português que retoma o tema do amor, a partir de vários gêneros. A famosa Cantiga da Guarvaia, de autoria de Paio Soares de Taveirós, é considerada por Carolina de Michaëlis o texto inaugural do trovadorismo galego-português. [...] Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 17
18 Os textos manuscritos que reúnem o corpus poético dos trovadores galego-portugueses se encontram em códices apógrafos. Os principais e mais conhecidos desses códices são os seguintes manuscritos: a) Cancioneiro da Ajuda, copiado em Portugal em fins do século XIII ou princípios do século XIV, encontra-se na biblioteca da Ajuda, em Lisboa. A maioria das cantigas são de amor. b) Cancioneiro da Vaticana, copiado na Itália em fins do século XV ou princípios do século XVI. Encontram-se cantigas de todos os gêneros. c) Cancioneiro da Biblioteca Nacional, antigo Colocci-Brancuti, copiado na Itália em fins do século XV ou princípios do século XVI, encontra-se, desde 1924, na Biblioteca Nacional de Lisboa. Há composições de todos os gêneros. d) Pergaminho Vindel: com as 7 cantigas de amigo de Martin Codax, entre outros textos. e) As Cantigas de Santa Maria: constituída por 4 códices do século XIII sob o nome de Afonso X, é quase certo que todas as cantigas não sejam da autoria do rei. Entretanto, não há dúvida de que Afonso X coordenou pessoalmente a compilação destas cantigas. f) Tavola Colocciana: uma lista com nomes dos poetas dos Cancioneiros, organizada pelo humanista Angelo Colocci. Amor-cortês e amor-paixão Nas Cantigas de Amor, o sujeito do discurso é um homem e o tema é o amor impossível. Em galego-português, o sofrimento causado pela não correspondência amorosa é chamado de coita e o objeto amado a Dama é nomeado pela palavra Senhor. A maioria dos medievalistas concorda que essas cantigas retomam o lirismo occitânico, sofrendo influências diretas da poesia provençal. Nas Cantigas de Amigo, em vez de um amor impossível, temos o testemunho de mulheres apaixonadas. O poeta trovador, jogral ou menestrel, se coloca do lado das mulheres, falando como se fosse uma delas. Em galego-português, amigo é sinônimo de namorado, amado. No que diz respeito à origem dessas cantigas, vamos encontrar três versões diferentes: 1 - a poesia galego-portuguesa em seu conjunto é uma continuidade do trovadorismo occitânico, tendo como principal influência a escola provençal; 2 - as cantigas de amigo são um fenômeno autóctone da cultura galego-portuguesa; 18 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
19 3 - a poesia galego-portuguesa se inscreve na tradição trovadoresca medieval, apresentando algumas características específicas, já que não se pode deixar de levar em consideração que a corte de Afonso X, o Sábio (avô de D. Dinis), era um importante centro cultural, frequentado por vários poetas occitânicos. As Cantigas de Amor e de Amigo colocam em cena dois gêneros líricos e duas modalidades de amor. Nas cantigas de amor, o amante se situa como homem, colocando-se a serviço de uma Dama, que, ao mesmo tempo em que o aceita como vassalo, recusa-se a dar-lhe o seu amor. Nas cantigas de amigo, o amante se inscreve no lugar das mulheres e o objeto amado é quem tem as insígnias fálicas. As cantigas de Pero Meogo, em que a imagem dos cervos simboliza a virilidade masculina (Cf. AZEVEDO FILHO. As cantigas de Pero Meogo. Rio de Janeiro: Gernasa, 1974), ilustram as características básicas desse gênero, onde algumas personagens domésticas participam dos conflitos da donzela, quando ela recebe um bilhete do namorado, convidando- -a para um encontro. Sempre que a figura materna aparece nessas cantigas é para alertar a filha dos perigos da paixão, e, às vezes, essas donzelas burlam a vigilância materna para atender ao chamado dos seus amados. Nas Cantigas de Amor, a privação do objeto amado tem como efeito a inibição do sexual. Nas Cantigas de Amigo, a inclusão do sexual está diretamente ligada a uma cena reincidente, onde a donzela apaixonada se entrega ao seu amado, engendrando uma versão que implica a conjunção entre amor e gozo e na colocação do amor como agente infrator de um código moral, como é o caso da poesia de Martin Codax, provavelmente, um jogral galego-português que viveu na corte de Afonso III ( ). O preconceito fez com que alguns estudiosos do trovadorismo galego-português, tais como D. Carolina de Michäelis de Vasconcelos, Aubrey Bell, Joaquim Nunes, Costa Pimpão e Rodrigues Lapa só para citar alguns identificassem certa candura nas cantigas de amigo. Ou seja: eles ignoraram a presença de um erotismo, onde o amor contracena com o gozo sexual para engendrar a promessa de Felicidade. Já as leituras das cantigas de amigo, feitas por Leodegário A. de Azevedo Filho (As Cantigas de Pero Meogo e O Poema Musical de Codax como Narrativa), por Celso Cunha (Amor e Ideologia na Lírica Trovadoresca) e por Romam Jakobson (A textura Poética de Martim Codax), entre outros, contribuíram para desmistificar o caráter angelical que até então era atribuído a essas cantigas. [...] É importante frisar a dicotomia entre o lugar e o tratamento que é dado à mulher na poesia e no social. Na Idade Média, as mulheres, reduzidas à função fálica, só tinham lugar no social como mães. Uma Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 19
20 das soluções encontradas pelos homens em relação às mulheres foi tapar as suas bocas. O depoimento do historiador Georges Duby, sobre as dificuldades encontradas por ele em sua pesquisa sobre as mulheres dessa época, ilustra bem esse fato: Essa Idade Média é resolutamente masculina. Pois todos os relatos que chegam até mim e me informam vêm dos homens, convencidos da superioridade do seu sexo. Só as vozes deles chegam até mim. No entanto, eu os ouço falar antes de tudo de seu desejo e, consequentemente, das mulheres. Eles têm medo delas e, para se tranquilizarem, eles as desprezam. (DUBY, Georges. Idade média, idade dos homens: do amor e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.10) Na segunda metade do século XII, período de florescimento do amor cortês, no sul da França, o poder da Igreja invadia a privacidade dos homens, criando leis que regulamentavam as relações íntimas entre os casais. Os padres alertavam os homens para terem muito cuidado com as mulheres. Elas poderiam ser consideradas, em relação à força física, mais frágeis do que os homens, mas, em relação ao espírito, deviam ser temidas porque usavam a sedução e a mentira como armas para conduzir o homem ao pecado, à destruição e à morte. [...] Enfim, criaturas demoníacas, perversas e devoradoras, incapazes de serem satisfeitas, eram as imagens que o cristianismo medieval construiu sobre as mulheres, o que sem dúvida isentava e justificava os atos de violência contra elas. As leis dos homens tinham, nessa época, um efeito apaziguador, na medida em que colocavam no lugar do Outro sexo o signo da maternidade. O perigo só rondava as mulheres solitárias, ou seja, aquelas que não estavam sob o domínio dos homens. Então, a solução encontrada foi a criação de novos espaços para aprisioná-las: os mosteiros, as comunidades beguinas e os bordéis. Sob a insígnia da proteção, os homens encontravam artifícios para se prevenirem do insondável que vela o gozo feminino. Tratava-se, então, de uma estratégia para negar o ser sexuado dessas mulheres, cujo gozo suplementar não passa pelo corpo, mas sim pela fala. Uma idade dos homens é como o historiador George Duby se refere a essa época em um dos seus livros. Mas, se nessa época o valor social da mulher era índice da potência do homem a quem estava subjugada, desde o nascimento até a morte, este valor se transformava radicalmente, quando a mulher, sob a pena do poeta, transfigura-se na Dama, à qual ele iria dedicar seu amor em cantos, que são verdadeiros lamentos de dor. [...] 20 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
21 O morrer-de-amor dos trovadores não corresponde nem ao desejo de morte da tragédia helênica e nem ao masoquismo moral romântico. O sofrimento é efeito de uma relação amorosa simbolizada que visa à não satisfação. A Dama é colocada no lugar de objeto amado para que outra coisa, que está para além das mulheres, seja desejada. As regras corteses tornam o amor impossível para que uma prática de escrita se transforme em metáfora do amor. O real como impossível não é recalcado, simplesmente se desloca para que amar se torne sinônimo de renúncia e a insistência em continuar amando se transforme em mestria de um cantar com a função de sublimação. Ao contrário do romantismo, o que comparece no lugar de um ideal é o próprio amor e não o objeto. Na literatura romântica, o objeto feminino é investido de uma imagem que substancializa a figura da mulher angelical ou da mulher satânica. As cantigas de amor dessubstancializam o objeto feminino, transformando-o numa função simbólica. A Dama, como portadora do agalma, é captada por um olhar, sem que haja qualquer particularidade que a singularize, quer do ponto de vista do amante, quer do ponto de vista de um estilo de época. A leitura das cantigas de amor provoca, inclusive, a sensação no leitor de que todas elas poderiam ter sido escritas para uma mesma mulher. A Dama é dessubjetivada para ser colocada aos olhos do amador como, inteira- -mente, arbitrária e onipotente. Justamente por isto, Ela não mede as exigências que impõe àquele que está ao seu serviço. [...] O trovador tem que passar [por estágios] para que a Dama aceite ser homenageada por ele, possibilitando assim que ele receba o grau de amador. Esses estágios são: 1- Aspirante (Fenhedor) o que se consome em suspiros; 2- Suplicante (Precador) o que ousa pedir; 3- Amador (Drut). Cumpridos esses estágios, se o amador for aceito como vassalo, a Dama aceitará seu amor, sua devoção e sua fidelidade. No ritual provençal, quando a Dama aceitava a corte do trovador, oferecia-lhe um anel de ouro e ordenava que se levantasse e lhe beijasse a fronte. Daí em diante os amantes estavam unidos pelas leis da cortesia: inibição do sexual, vassalagem e consagração do objeto amado. [...] O mito do amor, na literatura portuguesa, encontrará as suas origens no entrecruzamento entre as cantigas galego-portuguesas de amor e de amigo. Nas cantigas de amigo, vamos encontrar um amor que justifica os desvios de virtude das donzelas apaixonadas. Mentir por amor, dissimular para a mãe e se entregar como prova de amor são os comportamentos descritos pelas donzelas nas Cantigas de Amigo, com bem demonstra Leodegário A. de Azevedo Filho, no seu livro As Cantigas de Pero Meogo. Nessas cantigas, não há lugar para o morrer-de- -amor das Cantigas de Amor. Nestas últimas, a dor de morrer-de-amor revela-se para o imaginário do trovador como gozo, que, ao contrário das cantigas de amigo, não se inscreve pela via do sexual. Nas cantigas de amigo, o trovador, ao usar a máscara de uma donzela apaixonada, não canta mais um amor impossível e sim as maravi- Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 21
22 lhas do amor. São depoimentos líricos de mulheres que ora suspiram, ora se entregam ao amado como prova de amor. A conversão do amor impossível para o amor que se sustenta na Promessa de Felicidade é a primeira grande virada da concepção mítica do amor na literatura portuguesa. Lá, nas páginas das cantigas de amigo, amor e gozo sexual se deparam com duas faces de um sonho sonhado sem os escombros da morte. Disponível em Sugestões de filmes a) Monty Python e o Cálice Sagrado (1975) No ano de 932 D.C., o rei Arthur convence Sir Lancelot, Sir Galahad e Sir Robin a se juntarem à confraria da Távola Redonda. Depois de uma aparição divina, os bravos cavaleiros partem em busca do cálice sagrado, numa sucessão de trapalhadas e absurdos. Elenco: Graham Chapman, John Cleese, Eric Idle, Terry Gilliam, Terry Jones, Michael Palin, Connie Booth, Carol Cleveland, Neil Innes, Bee Duffell, John Young, Rita Davies, Avril Stewart, Sally Kinghorn, Mark Zycon. Direção: Terry Gilliam e Terry Jones. Duração: 90 min. b) O nome da rosa (1988) Em 1327, um monge franciscano e um noviço que o acompanha chegam a um remoto mosteiro no norte da Itália a fim de participar de um conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas, mas a atenção é desviada por vários assassinatos que acontecem no mosteiro. 22 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
23 O caso se mostra bastante intrincando; além dos mais, religiosos acreditam que é obra do Demônio. O monge não partilha desta opinião, mas antes que ele conclua as investigações o Grão-Inquisidor chega no local e está pronto para torturar qualquer suspeito de heresia que tenha cometido assassinatos em nome do Diabo. Esta batalha, junto com uma guerra ideológica entre franciscanos e dominicanos, é travada enquanto o motivo dos assassinatos é lentamente solucionado. Elenco: Sean Connery, Christian Slater, Helmut Qualtinger, Elya Baskin. Direção: Jean-Jacques Annaud. Duração: 130 min. Resumo A Península Ibérica, a mais ocidental da Europa, começou a ser formada a partir da junção da vários povos, há mais de 10 mil anos; diferentes etnias e, consequentemente, diferentes culturas, foram unificadas no século I a. C., com a invasão romana. Em seguida, povos bárbaros expulsaram os romanos, mas terminaram sendo romanizados culturalmente, como também o foram os árabes, que invadiram a península no século VIII. O longo período de expulsão dos muçulmanos e retomada dos territórios pelos ibéricos denominou-se Reconquista, e tem a ver diretamente com a formação do reino de Portugal. É exatamente nesse período (entre os séculos VIII e XV) que se desenvolve o primeiro movimento literário português, o Trovadorismo. Falamos aqui sobre a poesia trovadoresca, composta pelas cantigas lírico-amorosas e satíricas, as quais serão desenvolvidas na próxima aula, juntamente com a prosa medieval portuguesa. Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 23
24 Autovaliação Retomando os objetivos desta unidade, você pode, por si, aquilatar sua própria aprendizagem, a partir da auto-observação de questões como: Conseguiu situar, na linha do tempo, os fatos aqui comentados? Percebeu as transformações sociais e econômicas do período estudado, fazendo a devida ligação com a História? Compreendeu a relação da formação do reino português com o surgimento de sua literatura? Referências COELHO, Nelly N.. Literatura e Linguagem. A obra literária e a expressão lingüística. 5. ed. reform. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993 NICOLA, José de. Literatura Portuguesa: da origem aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999 PESSOA, Fernando. Obra poética. Org. Int. e Notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001 Web: SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
25 II UNIDADE Trovadorismo: textos poéticos e em prosa Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 25
26 Fonte: Apresentação Estudamos, na unidade passada, a origem do reino de Portugal e sua nascente literatura, o Trovadorismo poético. Lemos alguns textos históricos e teóricos, que nos ajudaram a situar adequadamente a literatura que passaremos a estudar com mais atenção a partir de agora. Vimos algumas referências a respeito das cantigas lírico-amorosas e satíricas, bem como relacionadas ao tema destas, mas sem entrarmos em contato diretamente com elas. O que faremos nesta unidade é estabelecer esse contato com as cantigas, classificadas pelos seus temas. As primeiras cantigas ou trovas medievais portuguesas são inspiradas nas cantigas que há muito tempo já eram feitas em Provença, no sul da França; por isso, a Literatura Medieval Portuguesa também é chamada de LITERATURA PROVENÇAL. Apesar de oito séculos terem se passado, as cantigas continuam existindo: basta ligarmos o rádio e ouviremos POE- MAS ORAIS (cantados) ACOMPANHADOS DE MÚSICA... ( 26 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
27 Num segundo momento, abordaremos a prosa medieval portuguesa, composta pelas famosas Novelas de Cavalaria, oportunidade em que analisaremos alguns trechos desses textos, narrativas ficcionais de acontecimentos históricos, gerados a partir da prosificação de poemas épicos e das canções de gesta (guerra) francesas e inglesas ( shtml). Será importante observar a estreita ligação estabelecida entre os textos estudados e o estilo de vida e comportamento social dos portugueses medievais, notadamente dos chamados trovadores. Tanto as cantigas quanto as novelas foram escritas em galego-português, que é uma forma ainda bastante primitiva do idioma lusitano, o que poderia gerar alguns problemas na hora do entendimento e interpretação. Desta forma, ao lado do texto original, colocaremos a atualização linguística do texto. Vamos lá?! Objetivos É nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga: Identificar os diversos tipos de cantigas medievais, a partir da análise do contexto poético presente nelas; Reconhecer os acontecimentos sócio-culturais que influenciaram a composição dos textos em prosa medievais; Observar as características formais e temáticas de um texto medieval; Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 27
28 Texto 1 Fonte: serenata-medieval.jpg Inicialmente, vamos ler mais algumas informações sobre as cantigas lírico-amorosas, e, em seguida, algumas dessas cantigas. As cantigas lírico-amorosas assim se denominam por terem como tema predominante o amor, seja o amor de um homem por uma mulher (Cantiga de Amor), seja o amor por um homem, composta por um trovador, como se fosse uma mulher (Cantiga de Amigo). Características gerais das cantigas de amor Os sentimentos eróticos que exprimem são os do homem, é o namorado que desfia as coisas de amor. Por influência do lirismo tradicional, algumas cantigas de amor estão dotadas de paralelismo (quando as estrofes da cantiga são construídas de forma parecida, dizendo praticamente a mesma coisa). Possuem variado e complicado formalismo estilístico. Estão repletas de simbologia amorosa bastante rica, por causa da teoria do amor cortês. Nota-se uma certa uniformidade na expressão e nos sentimentos, o que leva à monotonia temática. Exemplos de cantigas de amor. A primeira é a Cantiga da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós; a segunda foi composta por D. Dinis, o chamado Rei Trovador : Paio Soares de Taveirós trovador de origem galega (séc. XII), autor de um dos mais antigos textos escritos em língua portuguesa. D. Dinis o chamado Rei-Trovador, foi um culto monarca português do século XIII, responsável por um grande avanço social, econômico e cultural de Portugal. Fonte: TROVADORISMO-cantiga-de-amor-de- Fontes: Paio-Soares-de-Taveiros.jpg pt/~jbonito/images/ddinis.gif 28 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
29 No mundo non me sei parelha, mentre me for como me vai, ca ja moiro por vós - e ai! mia senhor branca e vermelha, Queredes que vos retraia quando vos eu vi em saia! Mao dia me levantei, que vos enton non vi fea! E, mia senhor, des aquel di, ai! me foi a mi muin mal, e vós, filha de don Paai Moniz, e ben vos semelha d haver eu por vós guarvaia, pois eu, mia senhor, d alfaia Nunca de vós ouve nem ei valía d ua correa. [ Taveir%C3%B3s] No mundo ninguém se assemelha a mim enquanto a vida continuar como vai, porque morro por vós, e ai minha senhora de pele alva e faces rosadas, quereis que vos descreva (retrate) quando vos eu vi sem manto (saia: roupa íntima) Maldito dia! me levantei que não vos vi feia (ou seja, a viu mais bela) E, mia senhora, desde aquele dia, ai! tudo me foi muito mal e vós, filha de don Pai Moniz, e bem vos parece de ter eu por vós guarvaia (guarvaia: roupa luxuosa) pois eu, minha senhora, como prova de amor de vós nunca recebi algo, mesmo que sem valor. Quer eu em maneira de proençal fazer agora un cantar d amor, e querrei muit i loar mia senhor a que prez nen fremusura non fal, nen bondade; e mais vos direi en: tanto a fez Deus comprida de bem que mais que todas las do mundo val. Ca mia senhor quiso Deus fazer tal, quando a faz, que a fez sabedor e todo ben e de mui gran valor, e con todo est é mui comunal ali u deve; er deu-lhi bon sen, e des i non lhi fez pouco de ben, quando non quis que lh outra foss igual. Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal, mais pôs i prez e beldad e loor e falar mui ben, e riir melhor que outra molher; des i é leal muit, e por esto non sei oj eu quen possa compridamente no seu bem falar, ca non á, tra-lo seu ben, al. Quero, à maneira provençal, Fazer agora um cantar de amor E vou querer muito louvar minha senhora A quem reputação e formosura não falta, Nem bondade; e mais vos direi: Tanto a fez Deus muito boa Que vale mais que todas do mundo. Pois, minha senhora, quis Deus fazer isso, Quando a fez, que a fez sabedor De todo bem e de muito grande valor, E com tudo isso é muito comum Ali onde deve; e deu-lhe bom senso, E desde aí, não lhe fez pouco boa Quando não quis que outra fosse igual. Pois em minha senhora nunca Deus colocou maldade Colocou mais aí mérito, beleza e louvor E falar muito bem e rir melhor Que outras mulheres; desde aí é muito leal E por isso não sei hoje eu quem Possa em toda a extensão de sua bondade Falar, pois não há outra que tenha sua bondade. [ eu_em_maneira_de_proen%c3%a7al] Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 29
30 Atividade I Depois da leitura destes dois textos medievais, conversemos um pouco sobre eles: a) Uma das características marcantes desse período literário é a chamada vassalagem amorosa, ou seja, o eu-lírico se coloca como vassalo, escravo da mulher amada, derramando sobre ela os maiores elogios. Procure localizar essas passagens nos dois poemas, e comente-os. b) Pesquise sobre como era a situação da mulher na Ideia Média, em relação ao homem, e responda: você acha que a forma como era tratada pelo homem, na sociedade, se parece com o jeito como ele a trata nas cantigas? O que você acha disso? dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! c) Esse período da História é considerado como Teocêntrico, ou seja, Deus era tido como o centro de todas as coisas. Podemos observar, principalmente no segundo texto, que a mulher, em todo seu esplendor e bondade, é obra de Deus. Por que a divindade aparece de forma tão decisiva na cantiga e que importância isso tem para os elogios que o eu-lírico faz à mulher? Texto 2 Vamos conhecer, agora, mais duas cantigas lírico-amorosas, estas denominadas Cantigas de Amigo, uma vez que têm um eu-lírico feminino (ainda que escritas por um homem), e falam sobre um homem (amigo). São cantigas em que a mulher dialoga com a natureza, com a mãe ou amigas sobre o amado distante. Antes, vejamos algumas características desse tipo de cantiga: Ausência do amado o eu-poético revela não saber seu paradeiro. Amor natural e espontâneo - algumas revelam que já foi realizado, e a moça espera pelo amigo para matar a saudade. Confissão dos sentimentos feito indiretamente ao amado o eu-poético confessa seus sentimentos a outrem. É por isso que essas cantigas geralmente apresentam diálogos. 30 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
31 Mulher mais próxima da realidade, que sofre pressão social, sua mãe exerce esse poder. Patriarcalismo - comportamento vigiado ou tolhido. Eu-poético Feminino e Autor Masculino canção colocada na boca de uma moça do povo que exprime seu amor pelo amigo (namorado). Estrutura de poesia folclórica, uso de elementos reiterativos, principalmente, paralelismo e refrão. Musicalidade: Paralelismo e refrão são recursos que dão musicalidade, reforçam a idéia principal do texto e facilitam sua memorização. Origem Ibérica: é uma cantiga que nasceu no seio popular e, por esse motivo, sua ambientação é periférica. A primeira das cantigas de amigo que veremos a seguir é de autoria de Martim de Guinzo 1 ; a segunda é de autoria de João Garcia de Guilhade 2. Non poss eu, madre, ir a Santa Cecília ca me guardades a noit e o dia do meu amigo. Não posso eu, mãe, ir a Santa Cecília pois me guardas noite e dia do meu amigo. 1 Martin de Guinzo jogral galego do século XIII, autor de várias cantigas de amigo. Pouco se sabe a seu respeito. Nom poss eu, madre, aver gasalhado, ca me non leixades fazer mandado do meu amigo. Ca me guardades a noit e o dia; morrer-vos-ei con aquesta perfia por meu amigo. Ca me non leixades fazer mandado, morrer-vos ei con aqueste cuidado por meu amigo. Morrer-vos ei con aquesta perfia, e, se me leixassedes ir, guarria con meu amigo. Morrer-vos ei con aqueste cuidado, e, se quiserdes, irei mui de grado con meu amigo. sliit02_ html Não posso eu, mãe, ter paz pois não me deixas fazer a vontade do meu amigo. Porque me guardas noite e dia; morrerei com esta teimosia por meu amigo. Porque não me deixas fazer a vontade, morrerei com este cuidado por meu amigo. Morrerei com esta teimosia, e, se me deixasses ir, me salvaria com meu amigo. Morrerei com este cuidado, e, se quiseres, irei de bom grado com meu amigo. 2 João Garcia de Guilhade trovador português, nascido em Barcelos, atuou no século XIII, e é con-siderado um dos mais notáveis autores de cantigas satíricas. Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 31
32 Quer eu, amigas, o mundo loar por quanto bem mi Nostro Senhor fez: fez-me fremosa e de mui bom prez, ar faz-mi meu amigo muit amar: aqueste mundo x est a melhor rem das que Deus fez a quem el i faz bem. O paraiso bõo x é de pran, ca o fez Deus, e non digu eu de non, mai-los amigos, que no mundo som, e amigas muit ambos lezer ham: aqueste mundo x est a melhor rem das que Deus fez a quem el i faz bem. Querriam eu o parais haver, des que morresse, bem come quem quer, mais, poi-la dona seu amig hoer e com el pode no mundo viver, aqueste mundo x est a melhor rem das que Deus fez a quem el i faz bem. E quem aquesto non tever por bem já nunca lhi Deus dê em el REM eu,_amigas,_o_mundo_loar Eu quero, amigas, louvar o mundo pelo bem que Nosso Senhor fez a mim: fez-me formosa e de muitos bons valores, também faz-me amar muito meu amigo: este mundo se é a melhor coisa das que Deus fez a quem a ele faz bem. O paraíso se é bom por certo, pois Deus o fez, e não digo eu que não, mas os amigos, que estão no mundo, e amigas ambos muito prazer terão: este mundo se é a melhor coisa das que Deus fez a quem a ele faz bem. Queria ter meu paraíso, desde que morresse, bem como quem quer, mas, por a dona obter seu amigo e poder viver com ele no mundo, este mundo se é a melhor coisa das que Deus fez a quem a ele faz bem. E quem não tiver isto como um bem Já nunca Deus lhe deu coisa alguma no mundo Atividade II a) Você percebe que os dois poemas têm mulheres como destinatários? O de Guinzo a mãe; o de Guilhade, as amigas. Por que, na sua opinião, isso acontece? b) Na primeira cantiga, fica clara a situação da mulher vigiada pela mãe, principalmente em se tratando de coisas de amor. Comente isso. c) Compare as duas mulheres que falam, no primeiro e no segundo poema, respectivamente. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! 32 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa
33 Texto 3 As Cantigas Satíricas A par das cantigas de amigo e das cantigas de amor, as cantigas satíricas (de escárnio e maldizer) também estão presentes na literatura galego-portuguesa. De acordo com a Arte de Trovar incluída no Cancioneiro da Biblioteca Nacional, Cantigas de Maldizer são aquelas que os trovadores fazem mais abertamente; falam mal e de forma chula; e Cantigas de Escárnio são aquelas que os trovadores fazem querendo dizer mal de alguém através delas e fazem isso através de palavras disfarçadas, de duplo sentido, para que não sejam entendidas de imediato... (CBN, Arte de Trovar, Tit. III, C.VI [linguagem atualizada]). A alusão mais ou menos direta ao destinatário do ataque constitui, pois, o elemento que diferencia os dois tipos de cantiga, embora os próprios trovadores e compiladores dos cancioneiros tenham renunciado a efetuar rigorosamente a distinção entre cantiga de escárnio e cantiga de maldizer, vazando-as num grupo comum que acolhe qualquer composição satírica. A intenção destas cantigas é satirizar certos aspectos da vida da corte, visando com frequência certas personagens como jograis, soldadeiras, clérigos, fidalgos, plebeus nobilitados. Ao mesmo tempo, as cantigas de escárnio e maldizer recriam situações anedóticas e picarescas e apresentam uma ridicularização do amor cortês. O repertório linguístico da sátira pessoal, social, moral, religiosa e política, surpreende pela sua amplitude e recorrente obscenidade, transmitindo involuntariamente informações ímpares sobre a mentalidade e cultura laica medievais. ( -escarnio-e-maldizer) Vamos conhecer, então, uma cantiga satírica, de autoria de D. Afonso Mendes de Besteiros D. Afonso Mendes de Besteiros mais um dos muitos trovadores galego-portugueses do perío-do medieval (século XIII). Não se conhece muito sobre ele. Fonte: TcVhCBHAuAI/AAAAAAAABS0/hDvV1Lvkdzc/ s1600/trovadores67894.jpg Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 33
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