Análise de risco do estabelecimento da monilíase do cacaueiro no Brasil face às mudanças climáticas globais

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1 Análise de risco do estabelecimento da monilíase do cacaueiro no Brasil face às mudanças climáticas globais Wanderson Bucker Moraes 1, Waldir Cintra de Jesus Júnior 1 *, Lilianne Gomes da Silva 1, Leonardo de Azevedo Peixoto 1, Willian Bucker Moraes 2, Sara Morra Coser 1, Roberto Avelino Cecílio 1 1 Universidade Federal do Espírito Santo UFES Alto universitário s/n Espírito Santo ES Brasil, wcintra@yahoo.com* 2 Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP Fazenda Experimental Lageado São Paulo SP Brasil ABSTRACT: The increased concentration of greenhouse gases has caused significant changes in climate. In the near future, global climate change (GCC) is likely to alter the current scenario of disease problems. The moniliasis, caused by the fungus Moniliophthora roreri, stands out as an important disease of cocoa. However, the presence of this pathogen has not been included in Brazil. Thus, this study evaluated the potential establishment of M. roreri in Brazil, as well as the potential impacts of GCC on the distribution of areas of favorability to the disease. Were elaborated maps with weather favorability to the disease in the current period and future (decades 2020, 2050 and 2080) from the climate scenarios provided by the IPCC (A2 and B2). In the current period, it was found that during the summer-autumn season, there are large areas that present conditions of climate favorability to moniliasis in Brazil. However, it is observed that in the coming decades there will be a reduction of areas that present potential for the establishment and development of the disease in Brazil. This reduction is more pronounced in the A2 scenario compared to the predicted in the scenario B2. However, in the future decades there will still be large areas that showed favorability climatic conditions for disease development in Brazil, mainly in major producing regions. Palavras-chave: Moniliophthora roreri, Theobroma cacao, aquecimento global, geoprocessamento 1 INTRODUÇÃO A vassoura de bruxa é considerada a principal doença do cacaueiro no Brasil. Entretanto, existem diversas doenças que afetam esta cultura e ainda não foram relatadas no Brasil. Portanto, estas doenças representam uma ameaça potencial à cultura do cacau, caso sejam introduzidas e encontrem condições favoráveis ao seu estabelecimento e desenvolvimento. A monilíase (Moniliophthora roreri) é uma doença de grande importância no Equador, Colômbia e Peru, onde é considerada limitante à expansão da cultura do cacaueiro (ALBUQUERQUE et al., 2005). No Brasil, embora não tenha sido detectada até o momento, apresenta-se como uma séria ameaça uma vez que levantamentos mais recentes constataram a doença na fronteira do Brasil com o Peru (próximo do estado do Acre). O desenvolvimento das doenças de plantas está condicionado à ocorrência simultânea da presença de hospedeiro suscetível, patógeno virulento e condições climáticas favoráveis, principalmente no que se refere ao microclima. Esses três componentes são conhecidos por triângulo da doença. Assim, verifica-se que o componente ambiente (condições climáticas) é imprescindível para que uma determinada doença possa se desenvolver em uma região. O aquecimento global provocado pela emissão de gases de efeito estufa é um dos maiores paradigmas científicos da atualidade. As mudanças climáticas globais (MCG)

2 constituem uma séria ameaça ao cenário fitossanitário brasileiro, pois poderão promover significativas alterações na ocorrência e severidade das doenças de plantas. Certamente, num futuro próximo, ocorrerão modificações na importância relativa de cada doença de planta, assim como poderá haver maior potencial de estabelecimento de patógenos quarentenários em função das condições climáticas. As MCG poderão ter efeitos diretos e indiretos, tanto sobre os patógenos quanto sobre as plantas hospedeiras, bem como na interação de ambos (COAKLEY, 1995). Assim, o conhecimento dos efeitos da MCG sobre as condições de favorabilidade a monilíase no Brasil servirá como subsídios aos órgãos governamentais e às instituições de pesquisa para enfrentar o futuro cenário fitossanitário da cultura do cacau no país, caso esta doença seja introduzida e encontre condições climáticas favoráveis ao seu desenvolvimento. O objetivo deste trabalho foi avaliar os impactos das mudanças climáticas globais sobre o estabelecimento e desenvolvimento da monilíase no Brasil, através da análise da distribuição espaço-temporal da doença no período atual e futuro (décadas de 2020, 2050 e 2080), a partir dos cenários climáticos previstos pelo IPCC (A2 e B2). 2 - MATERIAL E MÉTODOS Para a elaboração dos mapas atuais de distribuição espacial das áreas de favorabilidade climática ao estabelecimento e desenvolvimento da monilíase do cacaueiro, empregaram-se dados mensais médios de temperatura e umidade relativa do ar, obtidos do Climate Research Unit (CRU) (NEW et al., 2002). Os dados são referentes às médias históricas destas variáveis no período entre 1961 e 1990, disponíveis no formato matricial (grid) com células de 10 x 10 de latitude e longitude. Com relação às projeções futuras de temperatura média do ar e umidade relativa do ar, foram utilizadas as previsões dos desvios destas variáveis preditas por seis modelos disponibilizadas pelo IPCC, a saber: GFDL-R30, CCSR/NIES, CSIROMk2, CGCM2, ECHAM4 e HadCM3 (IPCC, 2007). Os dados de umidade relativa estão disponíveis somente pelo modelo HadCM3, sendo assim, foram utilizados dados originados de um único modelo para essa variável climática. Os desvios dos dados climáticos futuros de temperatura média do ar e umidade relativa do ar, foram centrados nas décadas de 2020, 2050 e 2080 (IPCC, 2007), de acordo com os cenários de emissões A2 e B2. O cenário A2 descreve um futuro mais heterogêneo onde a regionalização é dominante. O cenário B2 descreve um futuro no qual a ênfase está em soluções locais para a sustentabilidade econômica, social e ambiental. Assim, o cenário A2 pode ser considerado mais pessimista, com maior emissão de gases de efeito estufa, e o B2, otimista em relação às mudanças. O SIG (Sistema de Informações Geográficas) Idrisi 32 foi utilizado para a elaboração dos mapas. Devido às diferentes resoluções espaciais dos modelos disponibilizados pelo IPCC, os desvios dos dados climáticos futuros foram reamostrados utilizando o SIG Idrisi 32 para geraração de mapas com resolução espacial de 10 x 10 de latitude e longitude. Visando a redução da variabilidade da simulação, foi realizada a média dos seis modelos para a obtenção dos mapas dos desvios da temperatura média mensal dos cenários futuros. Para tal, utilizou-se a ferramenta de análise espacial (operação aritmética) do SIG Idrisi 32. Para obtenção das projeções futuras mensais de temperatura média do ar e umidade relativa, os mapas dos desvios futuros destas variáveis foram somados com os mapas atuais de temperatura e umidade relativa com o auxílio da ferramenta de operação aritmética do SIG Idrisi 32. Baseado na sobreposição dos mapas mensais de temperatura média e umidade relativa do período atual e futuro (2020, 2050 e 2080) de ambos cenários (A2 e B2), foram elaborados mapas da distribuição espacial da monilíase do cacaueiro. Para a confecção dos

3 mapas da distribuição espacial da doença, utilizaram-se classes de favorabilidade definidas com base em dados epidemiológicos do efeito da temperatura e umidade relativa do ar no desenvolvimento da monilíase do cacaueiro (Tabela 1) (CAMPUZANO, 1982; PORRAS et al., 1988; HERNANDEZ, 1991; PHILLIPS-MORA et al., 2007). Tabela 1 Classes de favorabilidade climática ao desenvolvimento da monilíase do cacaueiro definido em função dos intervalos de temperatura e umidade relativa Temperatura (ºC) Umidade Relativa (%) Descrição 22 a 26 e >85 Altamente Favorável 18 a 22 ou 26 a 30 e >80 Favorável 22 a 26 e 80 a 85 Favorável 18 a 30 e 70 a 80 Relativamente Favorável <18 ou >30 ou <70 Desfavorável 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Este estudo é ilustrado originalmente por 84 mapas, dentre os quais 28 foram apresentados para a representação das zonas de favorabilidade climática a monilíase do cacaueiro no Brasil, nas estações do ano do período atual e futuro (décadas de 2020, 2050 e 2080) nos cenários A2 e B2 (Figuras 1). ATUAL A2 B2 A2 B2 A2 B2 PRIMAVERA INVERNO OUTONO VERÃO Figura 1 - Distribuição das áreas de favorabilidade climática ao estabelecimento e desenvolvimento da monilíase do cacaueiro, no período atual (média-1961 a 1990) e futuro (2020, 2050 e 2080) para os cenários A2 e B2. No cenário atual, o período de maior favorabilidade ao desenvolvimento da monilíase esta compreendido entre os meses de novembro a maio, e o de menor favorabilidade entre os meses de junho a outubro. Com relação à distribuição espacial das classes de favorabilidade climática ao desenvolvimento da monilíase, ocorre o predomínio de áreas com potencial ao desenvolvimento da doença (altamente favorável, favorável e

4 relativamente favorável) nas regiões Norte, Centro-oeste, Sudeste e parte da região Nordeste (em especial o Sul da Bahia) do Brasil. Verificou-se na região sul do Brasil, alta concentração de áreas classificadas como desfavorável a doença em determinados períodos do ano (maio a setembro). Este fato deve-se à ocorrência de baixas temperaturas presente na região durante este período do ano. Na região norte, devido à alta umidade relativa do ar e a presença de temperaturas favoráveis a doença, observou-se o predomínio de áreas classificadas como favorável a doença durante todo ano. No Brasil, embora atualmente não tenha sido detectada oficialmente a doença, podese verificar que caso a mesma seja introduzida encontrará condições ambientais favoráveis ao seu desenvolvimento. Assim, devido à inexistência de métodos de manejo eficientes para o controle desta doença e a existência de áreas de risco ao desenvolvimento da monilíase no Brasil, esta doença apresenta uma séria ameaça ao cultivo nacional de cacau. Recentemente constatou-se a ocorrência da monilíase na fronteira do Brasil com o Peru, próximo do estado do Acre. Atualmente a monilíase tem distribuição generalizada no Peru, o que indica boa adaptação do patógeno às condições ambientais e ao hospedeiro. Estas condições favoreceram a ampla disseminação da doença, a qual atingiu todo o país em relativamente pouco tempo (RIOS-RUIZ, 2004). Situação similar ocorreu na Costa Rica, onde a monilíase disseminou-se rapidamente, de 1978 a 1981 (ENRIQUEZ et al., 1982). Os resultados obtidos indicam que haverá a redução das áreas classificadas como favorável ao desenvolvimento da doença no decorre das décadas futuras (2020, 2050 e 2080), em ambos cenários (A2 e B2). Tal redução está projetada tanto no período de maior favorabilidade a doença (novembro a maio) quanto no período de menor favorabilidade (junho a outubro). Entretanto, a redução das áreas favoráveis a doença será mais acentuada no cenário A2 quando comparada com a redução predita pelo cenário B2. A maior redução da umidade relativa do ar prevista no cenário A2 é o principal fator responsável pela acentuada redução das áreas favoráveis a doença. Com relação à distribuição temporal futura das áreas de favorabilidade a M. roreri no Brasil, verificou-se que na década de 2080 o período de maior favorabilidade a doença provavelmente será os meses de dezembro a março. Atualmente as principais regiões produtoras de cacau do Brasil estão localizadas nos estados da Bahia, Rondônia, Espírito Santo, Amazonas e Pará. Embora exista a tendência de redução das áreas classificadas como favoráveis ao desenvolvimento da doença no Brasil em conseqüência das alterações climáticas preditas pelos modelos, nestes estados ainda haverá áreas com potencial de risco ao estabelecimento e desenvolvimento da M. roreri. Desta forma, estudos visando o manejo da doença devem ser realizados para minimizar os impactos e as potenciais perdas geradas pelo possível estabelecimento e desenvolvimento da doença no Brasil. Vale ressaltar que no presente estudo foram levadas em consideração apenas as condições de favorabilidade ao desenvolvimento do patógeno. Entretanto, tanto o hospedeiro quanto o patógeno poderão sofrer alterações. Com relação ao hospedeiro, o mesmo deverá sofrer modificações uma vez que as condições ambientais prevista nos cenários futuros tornaram-se adversas ao desenvolvimento da cultura em determinadas regiões do país. Assim, novas cultivares adaptadas as futuras condições ambientais deverão ser desenvolvidas através de métodos de melhoramento genético. Além disso, as MCG futuras poderão alterar a efetividade da resistência genética das atuais cultivares utilizadas que apresentam moderado grau de resistência a doença. O cacau apresenta resistência do tipo quantitativa a M. roreri, observando-se variação da intensidade da doença em diferentes condições ambientais (RIOS- RUIZ, 2004). Desta forma, com as possíveis alterações climáticas a efetividade da resistência genética poderá ser suplantada pelo patógeno. Analisando o comportamento do patógeno, o mesmo poderá se adaptar as novas condições ambientais, tendo vista que as alterações climáticas ocorrerão de forma lenta ao

5 longo dos anos. A pressão de seleção sobre raças fisiológicas adaptadas as novas condições poderá selecionar raças adaptadas as novas condições ambientais futuras. Além disso, mutações genéticas poderão ocorrer e novas raças selecionadas as futuras condições provavelmente surgirão. Aliado a estes fatores, a inexistência de possíveis patógenos antagonista a M. roreri atualmente no Brasil poderão potencializar as perdas decorrentes da possível instalação desta doença no país. 4 CONCLUSÕES No período atual, existem extensas áreas favoráveis ao estabelecimento e desenvolvimento da monilíase no Brasil. Admitindo os cenários futuros previstos pelo IPCC, verifica-se que nas décadas futuras haverá a redução das áreas com potencial de estabelecimento a doença no Brasil, em ambos cenários analisados (A2 e B2). Porém, durante determinados meses do ano (dezembro a março) ainda existiram áreas favoráveis a doença no Brasil, principalmente nas atuais maiores regiões produtoras de cacau do país. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, P.S.B.; BASTOS, C.N.; LUZ, E.D.M.N.; SILVA, S.D.V.M. Doenças do cacaueiro. In: KIMATI, H.; AMORIM, L.; REZENDE, J.A.M.; BERGAMIN FILHO, A.; CAMARGO, L.E.A. (Eds.) Manual de Fitopatologia, Doenças das Plantas Cultivadas, São Paulo: Editora Agronômica Ceres Ltda, p CAMPUZANO, H. Influencia de la temperatura y la humedad en la germinación de esporas de Monilia roreri. In: International Cocoa Research Conference, 8, Proceedings. Cocoa producer alliance, p COAKLEY, S. M. Biospheric change: will it matter in plant pathology? Canadian Journal of Plant Pathology, v.17, p , ENRIQUEZ, G.A.; BRENES, O.; DELGADO, J.C. Desarrollo e impacto de la moniliasis del cacao en Costa Rica. In: Conferencia Internacional de Investigación en Cacao, 8ª, Cartagena, Colombia. 1982, p HERNANDEZ, T.A. Cacao sistemas de producción en la Amazonia peruana. Proyecto de promoción agroindustrial AD/PER/86/459 UNFDAC PNUD/OSP. Tingo Maria. Peru IPCC. Climate change 2007: the physical science basis: summary for policymakers. Geneva: IPCC, p. Disponível em: / Acessado em: 10 jun NEW, M.; LISTER, D.; HULME, M.; MAKIN, I. A high-resolution data set of surface climate over global land areas. Climate Research, v.21, p.1-25, PHILLIPS-MORA, W.; WILKINSON, M.J. Frosty pod of cacao: A cisease with a limited geographic range but unlimited potential for damage. Phytopathology, v.97, p , PORRAS, V.H.; CRUZ, C.; GUEVARA, C.; GALINDO, J.J. Efectos de la remoción de frutos, la aplicación de fungicidas y la polinización manual sobre la incidencia de la moniliasis y la producción de cacao. In: Conferencia internacional de investigación en cacao, 10ª, Santo Domingo, República Dominicana, p RIOS-RUIZ, R.A. Epidemiologia e manejo da monilíase do cacaueiro no Peru. Viçosa: UFV, p. Tese Doutorado.

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