RELAÇÃO ENTRE CAPACIDADE PARA O TRABALHO NA ENFERMAGEM E DISTÚRBIOS PSÍQUICOS MENORES
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- Benedita Casqueira Leal
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1 Artigo Original RELAÇÃO ENTRE CAPACIDADE PARA O TRABALHO NA ENFERMAGEM E DISTÚRBIOS PSÍQUICOS MENORES Tânia Solange Bosi de Souza Magnago 1, Andrea Prochnow 2, Janete de Souza Urbanetto 3, Patrícia Bitencourt Toscani Greco 4, Marlize Beltrame 5, Emanuelli Mancio Ferreira da Luz 6 1 Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGEnf) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. tmagnago@terra.com.br 2 Mestre em Enfermagem. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. andrea.prochnow@yahoo.com.br 3 Doutora em Ciências da Saúde. Professora Adjunto da Faculdade de Enfermagem, Fisioterapia e Nutrição da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. jurbanetto@pucrs.br 4 Mestre em Enfermagem. Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - campus Santiago. Santiago, Rio Grande do Sul, Brasil. pbtoscani@hotmail.com 5 Mestranda em Enfermagem do PPGEnf/UFSM. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. m-beltrane@bol.com.br 6 Mestranda em Enfermagem do PPGEnf/UFSM. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. emanuelli_ferreira@hotmail.com RESUMO: Este estudo objetivou avaliar a associação entre distúrbios psíquicos menores e a redução da capacidade de trabalho em trabalhadores de enfermagem. Estudo epidemiológico transversal, envolvendo 498 (84,1%) trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Utilizaram-se versões brasileiras do Índice de Capacidade para o Trabalho e do Self-Reporting Questionnaire-20, com análise descritiva e multivariada. As prevalências de Distúrbios Psíquicos Menores e da redução da capacidade para o trabalho foram de 33,7% e 43,3%, respectivamente. As análises ajustadas pelos fatores de confundimento evidenciaram que os trabalhadores de enfermagem com suspeição para distúrbios psíquicos menores apresentaram duas vezes mais chances de ter a capacidade para o trabalho reduzida quando comparados aos sem suspeição. Conclui-se que há associação positiva entre distúrbios psíquicos menores e redução da capacidade para o trabalho nos trabalhadores pesquisados. São necessárias medidas que minimizem as exigências mentais e que potencializem a capacidade para o trabalho. DESCRITORES: Enfermagem. Avaliação da capacidade de trabalho. Saúde do trabalhador. Doenças profissionais. Transtornos mentais. RELATIONSHIP BETWEEN WORK ABILITY IN NURSING AND MINOR PSYCHOLOGICAL DISORDERS ABSTRACT: This study aimed to evaluate the association between minor psychological disorders and the reduction of work capacity of nursing professionals. Epidemiological study (cross-sectional) involving 498 (84.1%) nursing professionals at a university hospital in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. We used the Brazilian versions of the Work Ability Index and the Self-Reporting Questionnaire-20, with descriptive and multivariate analysis. The prevalence of minor psychological disorders and the reduction of work ability corresponded to 33.7% and 43.3%, respectively. The analyses adjusted due to confounding factors showed that nursing professionals with suspected minor psychological disorders were twice as likely to have their work ability reduced when compared to those without suspected minor psychological disorders. It is concluded that there is a positive association between minor psychological disorders and reduced work ability among the investigated professionals. Measures are needed to minimize the psychological demands and empower the work ability. DESCRIPTORS: Nursing. Work capacity evaluation. Occupational health. Occupational diseases. Mental disorders. RELACIÓN ENTRE LA CAPACIDAD DE TRABAJO EN ENFERMERÍA Y TRASTORNOS PSÍQUICOS MENORES RESUMEN: Estudio tuvo como objetivo evaluar la asociación entre trastornos psíquicos menores y la reducción de la capacidad de trabajo en los profesionales de enfermería. Estudio epidemiológico transversal con 498 (84,1%) profesionales de un hospital universitario en el Estado de Rio Grande do Sul, Brasil. Fueron utilizadas versiones brasileñas del Índice de Capacidad de Trabajo y del Self-Reporting Questionnaire-20, con el análisis descriptivo y multivariado. La prevalencia de los trastornos psíquicos menores y la reducción de la capacidad de trabajo fueron 33,7 % y 43,3 %, respectivamente. Los análisis mostraron que los profesionales con sospecha de trastornos psíquicos menores tuvieron dos veces más posibilidades de tener la capacidad de trabajo reducida comparados con los de sin sospecha de trastornos psíquicos menores. Se concluye que existe una asociación positiva entre trastornos psíquicos menores y reducción de la capacidad de trabajo en los profesionales investigados. Se necesitan medidas para disminuir las exigencias mentales y que potencialicen la capacidad para el trabajo. DESCRIPTORES: Enfermería. Evaluación de capacidad de trabajo. Salud laboral. Enfermedades profesionales. Trastornos mentales.
2 Relação entre capacidade para o trabalho na enfermagem... INTRODUÇÃO A capacidade para o trabalho é entendida como a capacidade física e mental do profissional para a execução das atividades, levando-se em conta as exigências do trabalho. 1 Estudo finlandês evidenciou que a capacidade para o trabalho não permanece satisfatória por toda vida. Alguns fatores como as condições de trabalho, o ambiente ocupacional e o estilo de vida podem exercer influência sobre ela. 1 No contexto hospitalar, os trabalhadores estão expostos a diferentes cargas de trabalho 2 e situações de risco ocupacional, que podem ter repercussões físicas e psíquicas 3 representadas, por exemplo, pela redução da capacidade para o trabalho 1 e pelos Distúrbios Psíquicos Menores (DPMs), 4 respectivamente. Os DPMs assinalam quadros clínicos de indivíduos que apresentam sintomas de ansiedade, depressão ou somatização e que não satisfazem aos critérios de doença mental de acordo com a Classificação Internacional das Doenças (CID-10). 5 Na enfermagem, os relatos de DPM assumem proporções cada vez maiores como causa de adoecimentos 4 e podem ter influência sobre a capacidade para o trabalho. A investigação sobre a capacidade para o trabalho nos profissionais de enfermagem tem sido objeto de estudo em pesquisas nacionais 6-8 e internacionais, 9 o que demonstra o interesse dos pesquisadores em identificar as situações que podem afetar a saúde dessas pessoas no contexto laboral e delimitar estratégias de ação na busca pela promoção da saúde. No entanto, a associação entre os DPMs e a redução da capacidade para o trabalho apresenta- -se ainda como uma lacuna a ser investigada. Em uma busca avançada nas bases de dados Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (LILACS) e na biblioteca virtual Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), em fevereiro de 2014, utilizando-se o descritor avaliação da capacidade de trabalho associado a transtornos mentais, devido a este ser o descritor utilizado para identificar os distúrbios psíquicos menores, não foram encontrados estudos que avaliaram concomitantemente esses dois assuntos. Salienta- -se que, no Rio Grande do Sul, os transtornos mentais são a segunda maior causa de notificação de doença ocupacional. 10 Tendo como base essas considerações, a questão orientadora deste estudo foi: existe associação entre DPM e capacidade para o trabalho na enfermagem? Nossa hipótese é de que os trabalhadores de enfermagem com suspeição para DPM apresentam maiores chances para redução da capacidade para o trabalho. A fim de confirmar ou refutar essa hipótese, o presente estudo tem por objetivo verificar a associação entre DPM e redução da capacidade para o trabalho em trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário do Rio Grande do Sul. MÉTODO Estudo transversal, que utilizou o banco de dados da pesquisa intitulada Capacidade funcional dos trabalhadores de enfermagem com DORT/LER, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (CAAE: ), e vinculada ao Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem, do Departamento de Enfermagem dessa Universidade. O campo de estudo foi o Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), localizado na Região Centro-Oeste do Rio Grande do Sul, Brasil. A coleta de dados ocorreu em 2009, por meio do preenchimento de um questionário, durante o horário de trabalho dos participantes do estudo. A população de estudo foi composta por 592 trabalhadores de enfermagem. Desse total, 498 (84,1%) participaram do estudo. As perdas (15,8%; n=94) resultaram de recusas à participação na pesquisa. Estabeleceram-se como critérios de inclusão: ser enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem do quadro efetivo do HUSM. E, como critérios de exclusão: ser trabalhador de enfermagem com contrato temporário, estar em licença ou afastamento do trabalho, ou em férias durante o período de coleta. Avaliou-se a exposição aos Distúrbios Psíquicos Menores (variável independente) por meio da versão validada no Brasil 11 do Self-Reporting Questionnaire-20 (SRQ-20). Esse instrumento contém 20 questões sobre sintomas e problemas que tenham ocorrido nos últimos 30 dias anteriores ao dia da coleta de dados. Na tabela 1 estão contidos os itens do SRQ-20, por grupo de sintomas. 12 Destaca-se que nesta variável, dos 498 participantes, 68 (13,6%) deixaram uma ou mais questões do SRQ-20 em branco. Optou-se por excluí-los, representando 430 questionários válidos para a análise desta variável.
3 No SRQ-20, cada uma das alternativas tem escore de zero (0) e um (1), em que o escore 1 indica que o sintoma estava presente no último mês, e zero (0), quando ausente. 11,13 Utilizou-se o ponto de corte para suspeição de DPM de sete respostas positivas tanto para homens como para mulheres, baseado em pesquisa anterior com trabalhadores de enfermagem. 14 O coeficiente do Alfa de Cronbach geral do SRQ-20 foi de 0,84. A capacidade para o trabalho (desfecho) foi avaliada por meio da versão traduzida para o português do Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT). 1 O ICT foi elaborado pelo Finnish Institute of Occupational Health (FIOH) e é formado por sete itens, com escore que varia de sete a 49 pontos. O resultado obtido retrata o próprio conceito do trabalhador sobre a sua capacidade para o trabalho: baixa capacidade (7 a 27 pontos), moderada capacidade (28 a 36), boa capacidade (37 a 43) ou ótima capacidade para o trabalho (44 a 49). 1 Para as análises, foi dicotomizada em reduzida capacidade (7 a 36 pontos) e boa/ótima capacidade (37 a 49 pontos). Também foram analisadas as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, cor da pele/raça, 15 escolaridade, situação conjugal), laborais (função, setor de trabalho, tempo na função e no setor, turno, carga horária semanal, outro emprego) e características de saúde (estado de saúde comparado a outras pessoas, estado de saúde comparado a 12 meses atrás, sono, uso de tabaco). Para compor o banco de dados, foi utilizada dupla digitação independente no programa Epi-info, versão 6.4. Após certificação de consistência, a análise dos dados foi realizada no programa PASW Statistics (Predictive Analytics Software, da SPSS Inc.) 18.0 for Windows. Realizaram-se análises descritivas e análises bivariadas para verificação de associação entre exposição e desfecho com cada uma das covariáveis estudadas. A significância estatística das associações foi avaliada pelo teste qui-quadrado (p<0,05). A análise multivariada foi calculada por meio da regressão logística binária. Para a seleção das possíveis variáveis de confusão (associadas tanto à exposição quanto ao desfecho), estabeleceu-se um nível de confiança de 75% (p 0,25). Durante as análises bivariadas, mostraram-se potenciais fatores de confusão: sexo, escolaridade, carga horária, outro emprego, estado de saúde, estado de saúde atual, sono, fumo e idade. A idade foi forçada no modelo, tendo em vista que, quanto Magnago TSBS, Prochnow A, Urbanetto JS, Greco PBT, Beltrame M, Luz EMF maior a idade, a capacidade para o trabalho pode estar diminuída. Modelos de regressão logística foram rodados com todas essas variáveis, que foram sendo retiradas dos modelos conforme o p valor fosse se apresentando maior que 25%. Foi realizada avaliação da multicolinearidade no modelo adotado, por meio do cálculo do Fator de Inflação da Variância (VIF), onde o valor mínimo possível é igual a 1,0 e valores >10,0 podem indicar um problema de colinearidade. Neste estudo, o VIF variou de 1,020 a 1,596, evidenciando ausência de multicolinearidade. Foi utilizado o Teste Hosmer-Lemeshow para verificar a adequação dos modelos de regressão. Nesse teste, os valores variam de zero (0) a 1, sendo que, quanto mais próximo a 1, melhor é a adequação do modelo. 16 A medida de associação utilizada foi a Odds Ratio (OR) e seus respectivos intervalos de confiança (IC 95%). RESULTADOS Caracterização da população: o perfil sociodemográfico dos trabalhadores de enfermagem aponta para predominância do sexo feminino (87,8%; n=437), faixa etária de 47 a 69 anos (32,7%; n=163), média de 41,3 anos (±8,9 anos; idade mínima 24 e máxima 69 anos), curso técnico em enfermagem completo (36,1%; n=180), casados ou que viviam em união (69,3%; n=345). Possuíam curso de graduação 129 (36,5%) técnicos/auxiliares de enfermagem e 32 (9,1%) possuíam pós-graduação. As variáveis laborais apontam para predomínio de técnicos de enfermagem (44,6%; n=222), seguidos pelos enfermeiros (28,9%; n=144) e auxiliares de enfermagem (26,5%; n=132), e daqueles que desempenhavam suas atividades no noturno (40%; n=199) e que não possuíam outro vínculo empregatício (82,1%; n=409). A prevalência de suspeição para DPM foi de 33,7%. Na tabela 1 constam as respostas aos itens do SRQ-20, distribuídos por quatro grupos de sintomas. 12 A média de respostas afirmativas ao SRQ-20 foi de 4,77 (±3,96; mínimo zero (0) e máximo 17) e com valor 4 para mediana. A tabela 1, além de descrever as frequências de trabalhadores que escolheram a opção sim para cada questionamento do SRQ-20 e permitir a identificação das prevalências, apresenta também uma concentração dos trabalhadores no grupo dos sintomas somáticos.
4 Relação entre capacidade para o trabalho na enfermagem... Tabela 1 - Respostas afirmativas aos itens do Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) distribuídos por quatro grupos de sintomas. Santa Maria-RS, 2012 (n=430*) Grupo de sintomas Questões Self-Reporting Questionnaire-20 (SRQ-20) n % Sente-se nervoso(a), tenso(a) ou preocupado(a)? ,9 Humor depressivo-ansioso Assusta-se com facilidade? ,0 Tem se sentido triste ultimamente? ,1 Tem chorado mais do que de costume? 86 20,0 Tem dores de cabeça frequentes? ,3 Dorme mal? ,1 Sintomas somáticos Tem sensações desagradáveis no estômago? ,9 Tem má digestão? ,7 Tem falta de apetite? 34 7,9 Tem tremores nas mãos? 84 19,5 Você se cansa com facilidade? ,7 Tem dificuldades para tomar decisões? 88 20,5 Decréscimo de energia vital Encontra dificuldades para realizar com satisfação suas atividades diárias? ,5 Tem dificuldades no serviço (seu trabalho é penoso, causa-lhe sofrimento)? 45 10,5 Sente-se cansado o tempo todo? 87 20,2 Tem dificuldade de pensar com clareza? ,3 É incapaz de desempenhar um papel útil em sua vida? 39 9,1 Pensamentos depressivos Tem perdido o interesse pelas coisas? 75 17,4 Tem tido a ideia de acabar com a vida? 14 3,3 Você se sente uma pessoa inútil, sem préstimo? 14 3,3 * Dos 498 questionários, 68 que continham respostas em branco foram excluídos (missing). A distribuição dos trabalhadores de enfermagem, segundo o ICT, ficou assim classificada: 41,4% (n=206), boa capacidade para o trabalho; 37,6% (n=187), moderada capacidade; 15,3% (n=76), ótima capacidade; e 5,7% (n=29), baixa capacidade. Para as análises, a classificação do ICT foi dicotomizada em boa/ótima capacidade (56,7%) e baixa/moderada (43,3%). Esta última foi considerada como reduzida capacidade para o trabalho. Tabela 2 - Distribuição dos trabalhadores de enfermagem do Hospital Universitário de acordo com as respostas ao Self-Reporting Questionnaire-20 Distúrbios Psíquicos Menores (DPM) e ao Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT), segundo características sociodemográficas. Santa Maria-RS, 2012 DPM ICT Variáveis sociodemográficas Não Sim n Reduzida capacidade n p* n % n % n % p* Sexo 428 0,011 0,001 Feminino , , ,8 Masculino 36 83,7 7 16, ,7 Faixa etária 414 0,589 0, a 36 anos 94 67, , ,5 37 a 46 anos 89 62, , ,6 47 a 69 anos 90 68, , ,9 Escolaridade 430 0,119 0,108 Ensino médio , , ,7 Graduação 76 59, , ,7 Pós-graduação ,7 Situação conjugal 426 0,502 0,898 Casado/com companheiro , , ,2 Solteiro/sem companheiro ,6 Cor/raça 425 0,916 0,407 Preta ,0 Parda/Amarela/Indígena 30 66, , ,9 Branca , , ,4 *Teste Qui-quadrado de Pearson; Pardo, indígena e amarela.
5 Identificou-se diferença significativa para suspeição de DPM (35,6%; n=137) e redução da capacidade para o trabalho (45,8%; n=200) entre os trabalhadores do sexo feminino. No que se Magnago TSBS, Prochnow A, Urbanetto JS, Greco PBT, Beltrame M, Luz EMF refere à faixa etária, identificou-se, significativamente, que quanto maior a faixa etária, maior foi o percentual para redução da capacidade para o trabalho (Tabela 2). Tabela 3 - Distribuição dos trabalhadores de enfermagem do Hospital Universitário de acordo com as respostas ao Self-Reporting Questionnaire-20 Distúrbios Psíquicos Menores (DPM) e ao Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT), segundo características laborais. Santa Maria-RS, 2012 DPM ICT Variáveis laborais Não Sim Reduzida Capacidade n p* n n % n % n % p* Função 430 0,276 0,059 Enfermeiro 85 70, , ,8 Técnico/auxiliar , , ,0 Carga horária semanal 430 0,082 0,026 30h semanais , , ,7 36h semanais , , ,5 Turno de trabalho 430 0,212 0,645 Diurno , , ,2 Noturno , , ,3 Tempo de trabalho no setor 418 0,606 Até 6 anos , ,9 0, ,9 7 anos , , ,2 Tempo de trabalho na função 425 0,461 0,106 Até 13 anos , , ,6 14 anos , , ,8 Outro emprego 430 0,007 0,073 Não , , ,2 Sim 59 79, , ,8 Carga horária no outro emprego 70 0,868 0,050 Até 20h 28 77,8 8 22, ,6 De 21-44h 27 79,4 7 20, ,3 *Teste Qui-quadrado de Pearson. Considerando-se as variáveis laborais, não possuir outro emprego foi significativo estatisticamente para suspeição de DPM (36,5%; n=130). Para redução da capacidade para o trabalho, mostraram-se significativas: carga horária de 30 horas na instituição (49,7%; n=93), ter até 20 h de carga horária semanal no outro emprego (43,6%; n=17) e uma tendência entre os técnicos e auxiliares de enfermagem (p=0,059). Tabela 4 - Distribuição dos trabalhadores de enfermagem do Hospital Universitário de acordo com as respostas ao Self-Reporter Questionnaire-20 Distúrbios Psíquicos Menores (DPM) e ao Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT), segundo características de saúde. Santa Maria-RS, 2012 DPM ICT Características de saúde Reduzida Não Sim n p* n capacidade p* n % n % n % Estado de saúde comparado a outras pessoas 430 <0,001 <0,001 Muito bom , Bom Regular Ruim
6 Relação entre capacidade para o trabalho na enfermagem DPM ICT Características de saúde Reduzida Não Sim n p* n capacidade p* n % n % n % Estado de saúde comparado a 12 meses atrás 429 <0,001 <0,001 Melhor Igual Pior Sono 430 <0,001 <0,001 Muito insatisfeito Insatisfeito Nem satisfeito, nem insatisfeito Satisfeito Muito satisfeito Uso de tabaco 428 0,1 0,006 Nunca fumei Fumei, mas parei Fumo * Teste Qui-quadrado de Pearson. Quanto às características de saúde, observou-se diferença significativa entre os grupos com relação à percepção do estado de saúde como ruim/ pior (geral e atual) e a estarem insatisfeitos quanto ao sono, tanto para suspeição de DPM quanto para a redução da capacidade para o trabalho. Os fumantes tiveram maior prevalência de baixo ICT. Os resultados das análises bruta e ajustadas entre DPM e a redução da capacidade para o trabalho encontram-se descritas na tabela 5. Tabela 5 - Associações bruta e ajustadas entre Distúrbios Psíquicos Menores e redução da capacidade para o trabalho. Santa Maria-RS, 2012 Distúrbio Psíquico Menor ICT reduzido Teste Hosmer - OR (IC 95%) Lemeshow Associação bruta * 5,21(3,34-8,11) -- Modelo 1 2,59(1,56-4,30) 0,681 Modelo 2 2,70(1,59-4,57) 0,975 Modelo 3 2,67(1,58-4,51) 0,862 Modelo 4 5,15(3,24-8,20) 0,747 * Associação bruta = DPM; DPM + sexo + escolaridade+ carga horária + outro emprego + estado de saúde + estado de saúde atual + sono + fumo; DPM + sexo + escolaridade+ carga horária + outro emprego + estado de saúde + estado de saúde atual + sono + fumo + idade; DPM + sexo + carga horária + estado de saúde + estado de saúde atual + sono + fumo + idade; DPM + sexo + carga horária + idade. Na tabela 5, de acordo com o Teste Hosmer - Lemeshow, o Modelo 2 é o que melhor explica a associação. Assim sendo, as análises ajustadas entre os DPMs e a redução da capacidade para o trabalho evidenciaram que, mesmo após ajustes pelos fatores de confundimento, os trabalhadores de enfermagem com suspeição para DPM apresentaram duas vezes mais chances de terem a capacidade para o trabalho reduzida (OR= 2,70; IC95%=1,59-4,57) em relação aos trabalhadores sem suspeição. DISCUSSÃO Os resultados deste estudo apontam que trabalhadores de enfermagem que mostram suspeição de DPM apresentam mais chances (OR=2,70; IC95%=1,59-4,57) de serem classificados com redução da capacidade para o trabalho, quando comparados aos sem suspeição, mesmo após ajustes pelos possíveis fatores de confundimento (sexo, escolaridade, carga horária, outro emprego, estado de saúde, estado de saúde atua, sono, fumo, idade). Portanto, constatou-se associação positiva entre DPM e redução da capacidade para o trabalho nos trabalhadores pesquisados. O trabalho é uma atividade que propõe uma relação direta entre o físico e o psíquico, podendo representar equilíbrio e satisfação ou causar tensão e adoecimento físico ao psíquico do trabalhador. 3 No que tange à enfermagem, esses trabalhadores estão sujeitos ao estresse organizacional e enfrentam uma exigência emocional adicional inerente à profissão, como atividades com riscos de ordem biológica, física, química, ergonômica, mecânica, psicológica e social. 14 Assim, situações vivenciadas cotidianamente que causem estresse, ansiedade e sofrimento, como o convívio com a dor, o sentimento de impotência e a perda de pacientes, podem levar os trabalhadores ao desenvolvimento de DPM.
7 Neste estudo, parece que tais distúrbios podem estar influenciando negativamente a capacidade para o trabalho na enfermagem. A associação positiva encontrada entre DPM e redução da capacidade para o trabalho aponta que suas consequências podem não se limitar aos danos físicos e psicológicos causados ao trabalhador, mas ter consequências em todo o serviço, na medida em que pode se elevar o número de afastamentos do trabalho. Nesse caso, sobrecarregaria ainda mais os demais trabalhadores, podendo afetar a qualidade da assistência prestada ao usuário. A prevalência de suspeição para DPM (33,7%) foi superior à de outro estudo, 4 que avaliou a associação entre demanda psicológica e controle no trabalho e ocorrência de distúrbios psíquicos menores entre trabalhadores de enfermagem. Desse modo, faz-se mister refletir sobre o elevado percentual de trabalhadores classificados com suspeição de DPM neste estudo, como forma de serem alcançados melhores índices na capacidade para o trabalho. Nesse sentido, vale ressaltar que os resultados apontaram que ser trabalhador do sexo feminino, não possuir outro emprego, considerar seu estado de saúde ruim, considerar seu estado de saúde atual pior em comparação a 12 meses atrás e estar insatisfeito com o sono são condições que podem propiciar o desenvolvimento de DPM (p<0,05). Considerando o ICT, ser do sexo feminino, ter entre 47 e 69 anos e executar carga horária semanal de 30 horas são condições que podem levar à redução da capacidade para o trabalho (p<0,05). Estudos referem que com o aumento da idade, a capacidade para o trabalho diminui, e essa redução é mais acentuada em idades superiores a 45 anos Estes dados podem ser explicados pelas alterações morfológicas e fisiológicas inerentes ao envelhecimento. Os resultados de pesquisas, no que referem à suspeição de DPM em relação ao sexo, idade, situação conjugal, escolaridade e função, não são consensuais. 4,14 Neste estudo, identificaram-se prevalências maiores de suspeição de DPM entre trabalhadores do sexo feminino, com idade entre 37 e 46 anos, casados, graduados e técnicos ou auxiliares de enfermagem. Estudo realizado com trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário do Rio Grande do Sul identificou frequências mais elevadas de DPM entre os trabalhadores do sexo masculino, na faixa etária de 22 a 38 anos, casados ou com companheiro, não graduados, e em técnicos ou auxiliares Magnago TSBS, Prochnow A, Urbanetto JS, Greco PBT, Beltrame M, Luz EMF de enfermagem. 4 Outro estudo, realizado com a equipe de enfermagem da unidade de emergência de um hospital geral do Município de Feira de Santana/Bahia, observou prevalência de suspeição para DPM no sexo feminino, em idade acima de 36 anos, solteiros, graduados e em enfermeiros, com risco duas vezes maior do que o apresentado por técnicos e auxiliares de enfermagem. 14 Nesta pesquisa, os graduados e os técnicos ou auxiliares de enfermagem foram os que apresentaram maior suspensão de DPM. Importante destacar que um percentual considerável de técnicos e auxiliares de enfermagem do hospital em estudo possuía graduação e pós-graduação, porém continuava atuando como técnicos ou auxiliares. Sabe-se que quanto maior a escolaridade, maior a possibilidade de escolhas na vida, o que influencia as condições socioeconômicas futuras e a inserção social na estrutura ocupacional. No entanto, talvez esse contexto de uma maior qualificação em relação ao que é exigido por lei para o cargo possa ter consequências negativas sobre a saúde mental (maior percentual de DPM). Considerando que esses trabalhadores também apresentaram significativa redução da capacidade para o trabalho, pode haver consequências na saúde física. Essa hipótese ganha reforço ao ser identificado que 46% dos técnicos e auxiliares de enfermagem pesquisados apresentaram redução da capacidade para o trabalho, resultado superior ao encontrado em outro estudo realizado com auxiliares de enfermagem. 19 A identificação de maior prevalência de suspeição de DPM entre trabalhadores que não possuíam outro emprego (p=0,007) corrobora com outros estudos. 4,14 Destaca-se que, dos trabalhadores do hospital pesquisado que não possuíam outro emprego, muitos cumpriam plantões extras nos horários de folgas, como forma de complemento salarial. Assim, prolongavam a jornada de trabalho e comprometiam o tempo dedicado ao descanso, ao lazer e à família. Ao se prolongar a jornada de trabalho, acaba-se intensificando o desgaste físico e psicológico do trabalhador, traduzindo em fatores que podem levar ao estresse e ao adoecimento, 14 por exemplo, os distúrbios mentais. Além disso, remete-se novamente à discussão acerca do elevado percentual de trabalhadores que buscam a qualificação profissional, por meio da graduação e pós-graduação, o que faz com que destinem os períodos de folgas do trabalho aos estudos. Se, por si só, o trabalho da enfermagem pode ser fonte de desgaste nos trabalhadores, já
8 Relação entre capacidade para o trabalho na enfermagem... que os trabalhadores prestam assistência em setores considerados desgastantes, seja pela carga de trabalho como pelas especificidades das tarefas, 14 acredita-se que este, aliado ao estudo, que também merece grande parte do tempo dedicado a ele, pode desencadear o desgaste, tanto físico quanto psíquico dos trabalhadores. Embora sem significância estatística (p=0,073), o estudo apontou que 45,2% dos trabalhadores que não possuíam outro emprego foram classificados com reduzida capacidade para o trabalho, o que talvez esteja indicando que o aumento da jornada de trabalho devido às horas extras pode estar tendo influência sobre a capacidade laboral. Os resultados apresentados, ao apontar que as questões do SRQ-20 que apresentaram maior prevalência de respostas positivas relacionavamse ao grupo de Sintomas somáticos, devem ser vistos com atenção, pois apontam sintomas que podem interferir negativamente na capacidade laboral, como dores de cabeça, dormir mal, sensações desagradáveis no estômago e má digestão. Nesse contexto, é necessário que se busque um ambiente com melhores condições de trabalho, bem como medidas de promoção à saúde, de prevenção a agravos, de escuta junto à equipe de enfermagem, e um serviço de saúde do trabalhador ativo, disponível e atuante. Ainda, é importante desenvolver e colocar em prática estratégias que visem à redução de riscos e promovam a saúde e segurança no trabalho, 19 contribuindo, assim, para a manutenção da capacidade para o trabalho. Melhorias nas condições de trabalho da equipe de enfermagem refletirão não somente na saúde do trabalhador, mas em todo o serviço, já que contará com um menor número de afastamentos, o que repercutirá no cuidado oferecido aos pacientes. Apesar das limitações do delineamento transversal em estabelecerem relação de causa e efeito e viés de prevalência resultante do efeito do trabalhador sadio, acredita-se que esses problemas estiveram minorados, em virtude dos distúrbios psíquicos menores serem tidos como um desfecho crônico, de elevada prevalência, cuja comparação é feita entre os próprios trabalhadores de enfermagem DPM apresentaram duas vezes mais chances de ter redução da capacidade para o trabalho em relação aos trabalhadores sem suspeição, mesmo após ajustes pelos possíveis fatores de confundimento. A elevada prevalência tanto de DPM (33,7%) quanto de redução da capacidade para o trabalho (43,3%) evidenciada denota um problema de saúde que deve ser continuamente investigado, pois as exigências e pressões de um trabalho que lida cotidianamente com o sofrimento e a doença podem intensificar o surgimento desses agravos. Desse modo, é importante olhar para esses trabalhadores com atenção, buscando-se medidas de promoção à saúde, de prevenção a agravos, de escuta junto à equipe de enfermagem, bem como a necessidade da instituição oferecer um serviço de saúde do trabalhador ativo. O estudo contribui para a avaliação da saúde mental relacionada à capacidade para o trabalho dos trabalhadores de enfermagem, identificando padrões de ocorrência e fatores associados. A relevância dos achados sobre as características sociodemográficas, laborais e de saúde sugere que a redução dos problemas de saúde mental e física em trabalhadores de enfermagem depende dos trabalhadores e dos gestores, em prol de melhorias das condições de trabalho. Os instrumentos utilizados (ICT e SRQ-20) neste estudo são de fácil aplicação. Nesse sentido, sugere-se a realização de estudos de seguimento com os trabalhadores deste estudo. Estudos epidemiológicos abrangentes são úteis na avaliação das condições de trabalho e saúde no âmbito hospitalar, podendo apontar evidências causais e subsidiar o delineamento de políticas voltadas aos trabalhadores de saúde, incluindo intervenções para promoção da saúde mental, prevenção de riscos e controle dos agravos à capacidade para o trabalho. Agradecimentos À Universidade Federal de Santa Maria e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul pelos fomentos (Bolsa de Iniciação Científica FIPE Enxoval/UFSM, Fipe Jr./UFSM e PIBIC/CNPq, Auxílio ARD/FAPERGS) e apoio no desenvolvimento da pesquisa. CONCLUSÕES Os resultados deste estudo confirmam a hipótese de pesquisa, uma vez que apontam que trabalhadores de enfermagem com suspeição para REFERÊNCIAS 1. Tuomi K, Ilmarinen J, Jahkola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de capacidade para o trabalho. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos; 2005.
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