Aristides de Atenas: Transcendência e Ética

Transcrição

1 Aristides de Atenas: Transcendência e Ética Autor: Sávio Laet de Barros Campos. Bacharel-Licenciado em Filosofia Pela Universidade Federal de Mato Grosso. 1.1) Teologia Natural Aristides começa a sua Apologia, com a contemplação das criaturas, atribui a existência de todas as coisas à providência divina. Olhando para a ordem à que obedecem o céu, a terra e o mar, fica maravilhado. 1 Com efeito, o próprio movimento do mundo, exige a existência dum princípio que lhe seja transcendente, isto é, de um motor. De fato, o motor é sempre mais do que o movido e aquele que mantém mais do que o que é mantido. Agora bem, aquele que move o mundo e o mantém é Deus, e a sua transcendência sobre todas as coisas, consiste em ser Ele sem princípio e eterno, bem como imortal e sem necessidade alguma: Vendo, porém, que o mundo e tudo quanto nele existe se move por necessidade, entendi que aquele que o move e o mantém fortemente é Deus, porque todo aquele que move é mais forte do que o movido e todo aquele que mantém é mais forte do que o mantido. Digo, portanto que Deus, o mesmo que ordenou tudo e o mantém fortemente conservado, é sem princípio e eterno, imortal, e sem necessidades (...). 2 1 Aristides. Apologia. 1, 1: Ó rei! Por providência de Deus, eu vim a este mundo e, tendo contemplado o céu, a terra e o mar, o sol, a lua e o restante, fiquei maravilhado com sua ordem. 2 Idem. Op. Cit.1, 2

2 Porém, resta dizer ainda, que somente mediante a Revelação cristã, podemos conhecer a completa transcendência divina, que se fundamenta, pois, na Trindade. 1.2) A Antropologia Após atestar a existência de um motor supremo criador e transcendente a todas as coisas ao qual ele identifica, por sua vez, com o Deus único dos cristãos, Aristides passa a distinguir três tipos de homem: aqueles que adoram os deuses, os judeus e os cristãos. Os adoradores de muitos deuses, se subdividem, por sua vez, em três povos: caldeus, gregos e egípcios. Destarte, por meio destes três últimos povos, alastrou-se segundo o nosso apologista, o politeísmo por toda a terra: Com efeito, ó rei, para nós é evidente que há três tipos de homens neste mundo: os adoradores dos que entre vós são chamados deuses, os judeus e os cristãos; por sua vez, os que veneram muitos deuses se dividem também em três tipos: os caldeus, os gregos e os egípcios, pois foram eles os guias e mestres das nações no culto e adoração dos deuses de muitos nomes ) A Mitologia Grega Desta feita, tendo discriminado quais sejam os povos que se encontram sucumbidos no politeísmo, Aristides passa então a averiguar quais são os erros que levaram a estes povos a tal situação. Desta sorte, quanto aos gregos, Aristides denuncia-lhes o antropomorfismo da sua mitologia. Com efeito, entre os gregos se encontram 3 Idem. Op. Cit. 2., 1

3 deuses machos e fêmeas 4. Ademais, eles acreditam em deuses que, como os homens, cometem toda sorte de iniqüidades, são adúlteros e assassinos. Além disso, para ele são os deuses que servem aos homens. Sem contar, que alguns de seus deuses se arrependem enquanto outros, por fim, se transformam em animais. 5 Ainda segundo Aristides, o que motivou os gregos a introduzirem nos seus deuses tamanhas perfídias, fora o desejo de justificarem as suas próprias imoralidades: Daí que os homens aproveitaram-se dos seus próprios deuses, para praticar todo tipo de iniqüidade, impudicícia e impiedade, sujando a terra e o ar com suas horríveis ações ) O Judaísmo Ora bem, os judeus admite Aristides foram monoteístas, mas a sua infidelidade a Cristo, impediu-lhes de terem o conhecimento pleno a respeito da verdade. De sorte que o fato de negarem a Cristo, os tornam semelhantes aos pagãos; pelo que, embora pareçam estar próximos da verdade, dela se afastaram ao rejeitarem a Cristo. 7 Em uma palavra, no mundo existem cristãos e pagãos. De resto, Aristides longe de admitir, por exemplo, como Justino, que existiram cristãos 4 Idem. Op. Cit. 8, 2: Os gregos, que dizem ser sábios, mostraram-se mais ignorantes do que os caldeus, introduzindo uma multidão de deuses que nasceram, uns varões, outros fêmeas, escravos de todas as paixões e realizadores de toda sorte de iniqüidades. 5 Idem. Op. Cit: Eles mesmos contaram que seus deuses foram adúlteros e assassinos, coléricos, invejosos e rancorosos, parricidas e fratricidas (...) Alguns morreram, outros foram fulminados, outros serviram aos homens como escravos, ou andaram fugitivos, outros bateram no peito e se lamentaram, e outros se transformaram em animais. 6 Idem. Op. Cit. 11, 5. 7 Idem. Op. Cit. 14, 2: Eles, de fato, ainda adoram um só Deus onipotente, mas não têm o conhecimento completo, pois negam a Cristo, Filho de Deus. São semelhantes aos pagãos, ainda que pareçam aproximar-se da verdade, da qual realmente se afastaram.

4 antes de Cristo, perfilha da idéia de que a única maneira de se tornar cristão, é dando ouvido à pregação evangélica. 1.5) O Cristianismo Agora bem, os cristãos descendem de Cristo, que é o Filho de Deus e que desceu do céu para dar a salvação aos homens. 8 Com efeito, foi através dos apóstolos de Cristo, que a pregação cristã a única capaz de ganhar os homens para Cristo chegou a todo orbe. Cumpre dizer, por conseguinte, que são aqueles que creram e vivem conforme a pregação dos apóstolos, que são cristãos. 9 De resto, só os cristãos encontraram a verdade completa, pois não só admitem que exista um só Deus criador e artífice do mundo mas ainda conhecem que Ele é uno e Trino. 10 Ademais, o nosso apologista parece justificar, diante do Imperador Adriano, o culto cristão. Estabelece, pois, por seu turno, a legitimidade deste culto, mediante a contraposição que faz, entre a corrupção pagã e a ética cristã. De fato, os gregos tomado por suas volúpias, conceberam os deuses à sua imagem e semelhança, ou seja, dissolutos e corruptos. Os judeus, de sua parte, embora admitindo um único Deus, rejeitaram, contudo, a sua mais absoluta transcendência, que se apresenta, precisamente, na pregação apostólica da Trindade. 8 Idem. Op. Cit. 15, 1: Os cristãos, porém, descendem do Senhor Jesus Cristo, e este é confessado como Filho do Deus Altíssimo no Espírito Santo, descido do céu para a salvação dos homens. 9 Idem. Op. Cit 15, 2: Jesus teve doze discípulos que, depois de sua ascensão aos céus, saíram para as províncias do império e ensinaram a grandeza de Cristo, de modo que um deles percorreu nossos mesmos lugares, pregando a doutrina da verdade. Daí porque, os que ainda servem à justiça da sua pregação são chamados cristãos. 10 Idem. Op. Cit 15, 3: Estes (os cristãos) são os que, mais do que todas as nações da terra, encontraram a verdade, pois conhecem o Deus criador e artífice do universo em seu Filho Unigênito e no Espírito Santo, e não adoram outro Deus, além desse. (O parêntese é nosso).

5 Para Aristides, a verdadeira ética é o distintivo dos cristãos, é mesmo o que os distingue dos demais. Agora bem, esta ética, por sua vez, só pode provir de uma concepção correta da divindade, isto é, da sua mais absoluta transcendência. Mas esta, vale dizer, só pode ser conhecida mediante a revelação de Cristo, que nos chega, deveras, por meio da pregação apostólica. Doravante, os gregos para justificarem à sua devassidão, criaram deuses que a legitimavam. Os judeus, por seu lado, ao negarem a Cristo, também não vivem segundo a verdade. Ambos, enfim, continuam erráticos em suas condutas, por não conhecerem o Deus verdadeiro. Destarte, a ética de todos eles continua restringida unicamente aos valores imanentes, justamente por eles desconhecerem em que consiste a verdadeira transcendência. Por isso mesmo, Aristides termina por descrever um código de ética cristão, pelo qual, exatamente eles podem ser reconhecidos e distinguidos dos pagãos. E este código de ética, se específica precisamente por se fundamentar na revelação de Jesus Cristo 11 : Eles têm os mandamentos do mesmo Senhor Jesus Cristo gravados em seus corações, e os guardam, esperando a ressurreição dos mortos e a vida do século futuro. Não adulteram, não fornicam, não levantam falso testemunho, não cobiçam os bens alheios, honram o pai e a mãe, amam seu próximo e julgam com justiça. Não fazem aos outros o que não querem que se faça a eles; aos que os ofendem, eles exortam e procuram torná-los amigos; empenham-se em fazer o bem aos inimigos, são mansos e modestos, abstêm-se de toda união ilegítima e de toda impureza; não desprezam a viúva e não entristecem o órfão; aquele que possui, fornece abundantemente para aquele que nada tem; se vêem um forasteiro, acolhem-no sob o seu teto, e alegram-se com ele como verdadeiro irmão, 11 Os preceitos enumerados abaixo se reduzem a caridade. Cumpre-se, pois, a palavra do Senhor no Evangelho, segundo a qual os cristãos seriam reconhecidos no amor que tivessem uns para com os outros (Jo 13, 34-35).

6 porque não se chamam irmãos segundo a carne, mas segundo a alma (...). 12 Deveras, após breve exposição da moral cristã, conclui Aristides, dizendo que o cristianismo é o único caminho que conduz à verdade: Este é, portanto, o caminho da verdade, que conduz todos os que por ele caminham ao reino eterno, prometido por Cristo na vida futura Idem. Op. Cit. 15, 3 a Idem. Op. Cit. 15, 9

7 BIBLIOGRAFIA ARISTIDES. Apologia. Trad. Ir. Ivo Storniolo, Euclides M. Balancin. Rev. Honório Dalbosco. São Paulo: PAULUS, In: APOLOGISTAS, Padres. Coleção Patrística. Trad. Ivo Storniolo e Euclides M. Balancin. 2 ed. Rev. Honório Dalbosco. São Paulo: PAULUS, p. 40 a 64. GILSON, Etienne. A Filosofia Na Idade Média. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: MARTINS FONTES, 1995.

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