Proposta de um dicionário da Cardiopatia Congênita
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- Lucas Gabriel de Sá Aires
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1 Proposta de um dicionário da Cardiopatia Congênita Autores: Isabela Galdiano; Claudia Zavaglia Bloco: 2- Pesquisas em desenvolvimento nos programas de pós-graduação strictu sensu teses/dissertações Tema: Terminologia e estudos de linguagens técnicas e científicas: aspectos linguísticos, textuais, gramaticais e socioculturais. O presente trabalho tem como objetivo apresentar a proposta de elaboração de um dicionário especializado, em andamento no Programa de Pós Graduação em Estudos Linguísticos da UNESP de São José do Rio Preto, cuja macroestrutura abarcará unidades lexicais especializadas (doravante ULEs) da área da Cardiopatia congênita, subárea da Cardiologia. O diferencial deste projeto lexicográfico-terminológico reside no público-alvo determinado como possível consulente da obra: um público não especialista, sem conhecimento prévio, portanto, da área da Medicina. Tendo em vista esse público-alvo específico, uma série de particularidades deverá ser levada em conta no momento da elaboração dos verbetes, em especial no que diz respeito à redação do paradigma definicional. O trabalho em questão é embasado nos pressupostos teóricos da Terminologia em especial a Teoria Comunicativa da Terminologia (doravante TCT) de Cabré (1999) e da Lexicografia, sobretudo no que diz respeito à elaboração de verbetes, com ênfase na definição lexicográfica. Como etapa metodológica, fazemos uso também da Linguística de Corpus (Berber Sardinha 2000 e 2004; Pérez Hernandez, 2002; Almeida e Correia, 2008). No que diz respeito à base teórica da Terminologia, nos apoiamos nos pressupostos da TCT, que veio como crítica contundente aos postulados da Teoria Geral da Terminologia (doravante TGT) de Wüster, que lançou as bases para o estabelecimento da Terminologia como área de estudos, mas cuja teoria começou apresentar problemas para a descrição das terminologias e das unidades terminológicas que as compunham. A crítica de Cabré (1999) aponta o silenciamento da diversidade denominativa e conceptual da realidade (CABRÉ, 1999a, p. 112) presente na TGT. Entre as críticas da autora (op. cit.) estão também o caráter redutivo e idealista da TGT, uma vez que a própria concepção de conhecimento especializado defendida por essa teoria uniforme, apartado, por assim dizer, do conhecimento geral, com uma visão positivista entrava em crise nas reflexões filosóficas da época (CABRÉ, 1999a, p ).
2 Partilhamos das ideias de Cabré (1999a, p. 118) quando esta afirma que a comunicação especializada se dá de forma análoga à comunicação geral, e que o conhecimento especializado não está apartado do conhecimento geral. Ao propor a TCT, a autora (op. cit.) parte do princípio de que os termos não são unidades isoladas da língua, mas fazem parte do conjunto lexical do falante especialista, adquirido no processo de aprendizagem de conhecimentos especializados de um determinado domínio. Além disso, sua preocupação com a adequação do trabalho terminográfico à prática real da Terminologia, dando conta das diferentes necessidades atuais, ajustando-se às especificidades de cada projeto e incluindo as novas tecnologias em suas etapas (CABRÉ, 1999b, p. 130) também se ajusta à realidade de nossa pesquisa, oferecendo os subsídios teóricos mais apropriados à nossa concepção de um bom trabalho terminológico, como o uso de softwares para processamento de corpus e extração semi-automática de termos, por exemplo. Além disso, a TCT nos propicia subsídios para a adequação de nossa pesquisa a uma realidade muito particular: especificidade do público-alvo almejado pelo dicionário, que difere em grande medida dos dicionários terminológico elaborados para especialistas. A maior diferença em nosso trabalho reside no paradigma definicional do verbete. De maneira geral, definição pode ser entendida como um ato de resposta a perguntas do tipo o que é X? ou o que significa X? (LARA, 1996, p ). Segundo Biderman (1993, p. 1) a definição é uma paráfrase equivalente, semanticamente, à unidade lexical definida (definiendum), e pode ser considerada, nas palavras de Weinreich (1984, p. 116), um universal cultural, ou seja, toda língua apresenta uma forma de perguntar o que é X?. Para a Terminologia, mais especificamente, a definição possui um grande valor, em especial quando é veiculada dentro de obras especializadas como livros, artigos, teses e dissertações pois O enunciado definitório é um elemento-chave na constituição e na veiculação do conhecimento especializado, tecnológico ou científico. Essa condição deve-se ao fato de que esse tipo de enunciado expressa um segmento de relações de significação de uma dada área do saber: como já dissemos, definições estabelecem seus valores mais basilares. (KRIEGER e FINATTO, 2004, p. 95) Dessa afirmação podemos depreender que a importância de definição está diretamente ligada à sua característica mais evidente: a de veicular o significado de conceitos importantes para uma área de especialidade. Nas obras lexicográficas e terminográficas, por sua vez, a definição possui o papel de clarificar, conforme evidenciado por Lara (1996), o significado de um determinado signo linguístico, seja ele geral ou especializado, respondendo à pergunta o que é X?,
3 sendo X um termo de uma área de especialidade. No caso de uma ULE, mais especificamente, a definição terminológica é definida como um tipo de junção entre a definição lexicográfica referente a unidades lexicais e a definição enciclopédica que se ocupa de referentes do mundo extralinguístico conforme afirma Rey (1992), que descreve a definição terminológica como um tipo de compromisso entre a definição lexicográfica e a descrição enciclopédica destinado a aprimorar o uso dos nomes para permitir que funcionem como termos, destinado também a evocar o modo de constituição das classes de seres e o funcionamento dos esquemas conceptuais. 1 (REY, 1992, p. 23, apud. DESMET, 2002, p. 178) A relação entre a definição terminológica e a enciclopédica também é enfocada por de Bessé (1990). Alves (1996, p. 129) discute essa relação, e traz para a discussão as ideias desse autor, afirmando que a definição terminológica, sem ser enciclopédica, parte, tanto quanto a definição enciclopédica, de elementos extralinguísticos. No entanto, diferentemente da definição enciclopédica, a definição terminológica visa apenas a dar as informações que permitem distinguir um conceito no interior de um sistema conceitual. (ALVES, 1996, p. 129) A especificidade da definição do tipo terminológico se delineia, portanto, nas características que essa seleciona, de certa maneira, de outros tipos de definição. Sua configuração mais comum é aquela da definição aristotélica ou hiperonímica, também chamada de definição por gênero próximo e diferença específica, mas, além desse modelo, a norma ISO 1087 (1990) também elenca outro tipo, a definição por extensão, a qual enumera todos os conceitos subordinados ou referentes ao conceito definido (Alves, 1996). Em nossa pesquisa, seria possível afirmar que trabalhamos com definições terminológicas, uma vez que se trata de unidades lexicais especializadas. Não nos prendemos, porém, em modelos pré-estabelecidos para esse tipo de definição, como aqueles preconizados pela norma ISO 1087, por exemplo, ou por trabalhos terminológicos de cunho prescritivo. Ao contrário: procuramos analisar também a definição lexicográfica e suas tipologias, a fim de, por meio do estudo desses dois tipos de definição, suas regras e suas configurações, depreender modelos e parâmetros adequados à nossa proposta, ou seja, redigir definições adequadas ao público-alvo de nossa obra. 1 une sorte de compromis entre la définition lexicographique et la description encyclopédique destinée à améliorier l usage des noms pour leur permettre de fonctionner come des termes, destinée aussi à évoquer le mode de constitution des classes d êtres et le fonctionnement des schèmes conceptuels. (tradução nossa)
4 A redação da definição, dentro da atividade terminológica e lexicográfica, pode ser considerada uma das etapas mais complexas devido à quantidade de problemas envolvidos, além dos diferentes modelos possíveis, com suas respectivas vantagens e desvantagens em relação ao tratamento da informação. No que diz respeito ao paradigma definicional, foco de nosso verbete, detivemo-nos em algumas descrições de sua tipologia e de suas características principais dentro da prática lexicográfica, e também no tratamento que esse paradigma recebe nos estudos terminológicos (Almeida et al., 2007; Andrade, 2000; Desmet, 2002; Finatto, 2001, entre outros) com o objetivo de, por meio da análise de trabalhos já existentes sobre a definição, selecionarmos os tipos e as técnicas mais adequadas ao escopo de nosso trabalho, além de atentarmos para recomendações de lexicógrafos e terminólogos baseadas em sua experiência com trabalhos posteriores e para que possíveis inadequações sejam evitadas. No que diz respeito à definição lexicográfica, inúmeros autores tratam de suas tipologias e características principais, como Biderman, 1993; Bosque, 1982; Dapeña, 2002; Lara, 1996; Picoche, 1992; Rey-Debove, 1966 e 1971; Seco, 2003; Werner, 1982, entre outros. A maioria deles trata não só da definição aristotélica, mas inclui outras tipologias, como a definição por sinonímia, por metonímia, por aproximação, entre outros. Outros autores, por sua vez, tratam da adequação das definições e de possíveis problemas (Stock, 1988; Adamska-Salaciak, 2002). As questões abordadas por esses autores nos auxiliam, durante a redação das definições do dicionário de cardiopatia congênita, a elaborar estratégias visando a uma definição mais clara e acessível, além de lidar com possíveis problemas surgidos durante essa fase do projeto. Em relação à seleção das ULEs que farão parte de dicionário almejado, partimos de um corpus coletado especialmente para esse fim (doravante CardioCorpus), formado por 499 textos da área da cardiopatia congênita artigos, capítulos de livro, dissertações, textos jornalísticos e de divulgação científica, entre outros retirados da Web e da biblioteca da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), totalizando ocorrências ( tokens, types). A partir dele, por meio de processamento pela ferramenta WordSmith Tools, foi coletada uma lista de candidatos a ULE da área da cardiopatia congênita, submetida posteriormente a um especialista da área para validação. Os termos validados pela especialista formarão a macroestrutura da obra, e suas respectivas concordâncias servirão de base para a elaboração das definições, além dos dicionários utilizados durante o processo para eventuais consultas. São eles dicionários gerais como o Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa (FERREIRA, 2004), o
5 Dicionário Houaiss da língua portuguesa (HOUAISS e VILLAR, 2009), o Dicionário da língua portuguesa com acordo ortográfico da Porto Editora 2 além de dicionários específicos da área médica como Dicionário médico Blakiston (1982) e o Dicionário médico enciclopédico Taber (2000). A fim de embasar a estruturação de nossos verbetes, realizamos a leitura prévia de textos teóricos da Lexicografia (Biderman, 1994 e 2001; Dapeña, 2002; Haensch, 1982; Lara, 2004; Seco, 2003; Zavaglia, 2012, entre outros), atentando também para sua profícua relação com a Terminologia (Andrade, 2001; Barbosa, 1991; Biderman, 2001; Desmet, 2002; Finatto, 2014; Humbley, 1997; Marzá, 2009, entre outros). Por fim, foi escolhido o seguinte modelo: lema, uma definição adequada ao consulente não especialista, exemplos reais de uso, sinônimos (se existirem) e sistema de remissivas (quando aplicável). Abaixo apresentamos o modelo do verbete: ENTRADA classe de palavra Definição Exemplo de uso retirado do corpus. SIN: Sinônimos [se encontrados] V. [sistema de remissivas] Exemplificamos, também, com dois verbetes já redigidos: AORTA s.f. Artéria que nasce no ventrículo esquerdo e, por meio de suas ramificações, leva o sangue arterial (rico em oxigênio) ao corpo. É a maior artéria do corpo humano. As partes do coração que são normalmente afetadas são a válvula mitral, o ventrículo esquerdo, a válvula aórtica e a aorta. SIN: Artéria aorta. V. Circulação. ARTÉRIA s.f. Vaso que leva sangue do coração até as outras partes do corpo. A coartação de aorta é um estreitamento da artéria que gera dificuldade na passagem do sangue, ocasionando o aumento da pressão nas artérias do cérebro e redução nas vísceras e pernas. V. Aorta; Circulação. No que diz respeito às definições, durante sua elaboração procuramos empregar os conhecimentos adquiridos por meio da revisão bibliográfica de textos sobre a definição terminológica e lexicográfica, procurando manter uma uniformidade no que diz respeito ao tipo de informação apresentada e ao modo de apresentação, especialmente na linguagem empregada, prezando pela simplicidade e clareza do texto. A fim de revisar a redação das definições mais problemáticas, lançaremos mão do auxílio da especialista supracitada, buscando zelar pela qualidade da definição e sua especificidade científica. Ao final do trabalho, teremos elaborado um dicionário de ULEs da Cardiopatia congênita baseado em corpus e fundamentado em sólidos princípios teórico-metodológicos 2 Disponível em
6 da Terminologia e da Lexicografia. Além disso, teremos realizado reflexões pertinentes sobre a definição e a elaboração de verbetes, principalmente durante a resolução de eventuais problemas surgidos durante a confecção do dicionário. Tais reflexões, especialmente aquelas relacionadas à redação da definição e sua adequação a um públicoalvo específico, irão contribuir com as pesquisas lexicográficas e terminológicas atuais. Pretendemos oferecer o material lexicográfico resultante da pesquisa a hospitais e clínicas que realizem procedimentos em cardiopatas congênitos, além de sites criados para atender o público dos cardiopatas e seus familiares. Referências bibliográficas ALVES, I. M. Definição terminológica: da teoria à prática. TradTerm, São Paulo, v. 3, p , BIDERMAN, M. T. C. A definição lexicográfica. Cadernos do IL, Porto Alegre, Instituto de Letras da UFRGS, n. 10, jul 1993, p BIDERMAN, M. T. C. Terminologia e lexicografia. TradTerm, v , p CABRÉ, M. T. Una nueva teoría de la terminologia: de la denominación a la comunicación. In:. La terminología, representacíon y comunicación. Barcelona: IULA, 1999a. p CABRÉ, M. T. Hacia una Teoría Comunicativa de la Terminología: Aspectos Metodológicos. In:. La terminología: representación y comunicación. Barcelona: IULA, 1999b, p DESMET, I. A análise do sentido em terminologia: teoria e prática da definição terminológica. TradTerm, v. 8, 2002, p KRIEGER, M. G; FINATTO, M. J. B. Introdução à Terminologia: teoria & prática. São Paulo: Contexto, LARA, L. F. El contenido proposicional del acto: la definición lexicográfica. In:. F. Teoría del diccionario monolingüe. México: El Colegio de Mexico, 1996, p WEINREICH, U. Definição lexicográfica em semântica descritiva. Alfa. São Paulo, 28 (supl.) Trad. Maria Cecília P. Barbosa Lima p
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