OBJETO: Validade de certidão de nascimento expedida no Brasil, em que consta como local de nascimento cidade estrangeira.

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1 CONSULTA N. 38 OBJETO: Validade de certidão de nascimento expedida no Brasil, em que consta como local de nascimento cidade estrangeira. INTERESSADO: Promotoria de Justiça da Comarca de Marmeleiro/PR. 1. Relatório Cuida-se de consulta encaminhada pelo d. Promotor de Justiça Alex Fadel, por intermédio da Oficiala da Promotoria de Justiça da Comarca de Marmeleiro, via , em , solicitando esclarecimentos quanto à validade de certidão de nascimento expedida pelo Cartório de Marmeleiro, que registrou criança nascida em Porto Marangatú, no Paraguai. Narrou que Elisiane dos Santos de Freita, acompanhada de sua responsável legal, se dirigiu à Promotoria de Justiça para obter orientações acerca de seu registro de nascimento em cidade brasileira, o qual declara o seu nascimento em território estrangeiro. Por constar no documento a ocorrência do nascimento fora do Brasil, não foi concedida a emissão de carteira de identidade à adolescente. Ademais, Elisiane foi registrada no ano de 1995 junto a cartório localizado no município de Marmeleiro.

2 A jovem e sua responsável confirmam que o nascimento ocorreu no Paraguai, mas que o registro da primeira foi feito em território brasileiro em virtude da mudança de seus pais para o Brasil logo após o seu nascimento. Foram apresentadas, ainda, cópia do CPF de Elisiane e da certidão de nascimento brasileira de Maria Eduarda Moss, filha de Elisiane. seguinte: Posto isso, questiona a Promotoria de Justiça sobre o 1. a validade do registro de nascimento de Elisiane; 2. sendo válido, qual é o procedimento adequado para a emissão do documento de identidade, uma vez que não é possível a obtenção deste documento com os dados constantes (Porto Marangatú - Paraguai); 3. sendo inválido, se cabe ação de registro tardio ou mera retificação; 4. o cartorário que efetuou o registro de nascimento agiu corretamente, e em caso negativo, se pode ser responsabilizado por isso; 5. e se os demais documentos, também passam a ser inválidos (certidão de nascimento da menor Maria Eduarda Moos e CPF de Elisiane)? É o que cumpria relatar, passo à manifestação.

3 2. Manifestação detalhada Trata-se de situação complexa, que exige abordagem Inicialmente, cumpre esclarecer que, quanto ao nascimento, a Lei de Registros Públicos se aplica essencialmente aos nascidos em território nacional. É o que dispõe o artigo 50 da referida lei: Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais... [Grifamos] Desse artigo decorre a obrigatoriedade do registro quando o nascimento se der em território nacional. Não é essa a situação de Elisiane, pois há expressa declaração de que seu nascimento foi em cidade paraguaia. O entendimento decorrente desta premissa é que o registro só é permitido quando o nascimento é em cidade brasileira, pois a lei ressalva expressamente os casos em que pode haver o registro civil fora do país e ainda assim ser conhecida a nacionalidade brasileira (artigo 50, 5º, L. 6015/73). Assim, à primeira vista tem-se que a expedição de registro de nascimento brasileiro não é o procedimento adequado em relação às pessoas nascidas fora do território nacional e não se enquadra numa das exceções do artigo supramencionado.

4 2.2. Após contato telefônico com o Cartório de Tabelionato e de Registro Civil de Marmeleiro, fomos informados de que anos atrás outras pessoas foram registradas da mesma maneira, pois uma comunidade de paraguaios mudou-se para o Brasil sem qualquer documentação, e, sabendo da receptividade nacional, procuraram o cartório da região para que fosse possível o registro civil de suas crianças. Diante da dúvida sobre a possibilidade ou não de crianças nascidas no estrangeiro terem certidão de nascimento expedida no Brasil, no ano de 1995 o Tabelião de Marmeleiro foi aconselhado informalmente pelo Juiz designado na época a permitir o registro civil dos paraguaios supracitados, constando, todavia, a cidade paraguaia como a do local do nascimento. Certamente o juízo demonstrou este entendimento por ter ocorrido situação semelhante na comarca de Foz do Iguaçu, onde houve ordem judicial autorizando o registro civil de integrantes estrangeiros de movimento sem-terra, que passaram a residir no Brasil após desocupação de área de conflito, segundo informação concedida pelo 1º Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos de Foz do Iguaçu. Ocorre que no caso precitado a certidão de nascimento de todos os registrados possui a observação da permissão por decisão judicial, conforme relatou a pessoa contatada no referido cartório extrajudicial.

5 Infelizmente não foi da mesma forma com Elisiane, que teve a mesma permissão, mas não expressamente justificada em sua certidão. Diante disso, a priori, não é possível atribuir responsabilidade ao Tabelionato tampouco ao Magistrado, pois presumimos que ambos foram levados a crer que, havendo precedente jurisprudencial, este seria o entendimento a ser seguido pelos Tribunais, não acarretando quaisquer outras consequências em desfavor dos registrados A certidão de nascimento é o documento que assegura o pleno exercício da cidadania, comprovando a existência, local e data de nascimento da pessoa, bem como o nome dos seus pais e avós. Sem esse documento perfeitamente válido, os cidadãos ficam privados de seus direitos mais fundamentais e não têm acesso aos programas sociais. Quando adultos, por exemplo, não podem obter a carteira de identidade, CPF e outros documentos. Conforme exposto, no Brasil somente as pessoas nascidas em território nacional podem levar a efeito o registro de nascimento, devendo apresentar declarações verdadeiras e observância às exigências legais. Vale relembrar que, ocorrendo o nascimento em território brasileiro, automaticamente se atribui a esta pessoa a nacionalidade

6 brasileira, com todos os seus direitos e deveres legalmente previstos, pois a regra aqui adotada é a do o ius soli Ainda que não seja possível considerar a adolescente como brasileira, em virtude da certidão de nascimento lavrada neste país, concebemos que este documento é apto a reconhecer a existência jurídica da adolescente, indicando sua verdadeira nacionalidade, eis que indicado o local de nascimento. Até o momento, não é possível afirmar categoricamente que a irregularidade do registro de nascimento em comento é causa para sua anulação, pois estamos no aguardo do posicionamento do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Justiça e da Polícia Federal sobre eventual direcionamento que venham conferindo a casos análogos. Por conseguinte, somente será possível emitirmos avaliação sobre a regularidade do CPF de titularidade de Elisiane após a manifestação dos órgãos acima mencionados O adequado seria que a jovem, acompanhada de um responsável legal, fosse até o Consulado Paraguaio mais próximo de sua residência, nas comarcas de Foz do Iguaçu ou Guaíra, e buscasse regularizar a sua situação de estrangeira. Sendo obtida alguma documentação que ateste sua nacionalidade paraguaia, é possível a regularização de sua situação no Brasil.

7 hipóteses: Em decorrência disso, podemos visualizar duas 1. Pode ser concedido à adolescente visto permanente, pois residente no Brasil há muitos anos, mantendo-se assim a sua nacionalidade estrangeira; 2. Ou pode haver a sua naturalização, desde que expressamente requerida, com fundamento no artigo 12, II, b da Constituição Federal, pois reside no Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e, partindo-se do pressuposto que não possui condenação penal. Em ambos os casos, após a confecção de registro de nascimento paraguaio, pode a interessada obter no Brasil, junto a Polícia Federal, o Registro Nacional de Estrangeiro. Esse documento é concedido ao estrangeiro admitido na condição de temporário, permanente, asilado ou refugiado. É registro obrigatório junto ao Ministério da Justiça, através da Polícia Federal. É uma cédula de identidade, que tem prazo de validade indeterminado Quanto à filha de Elisiane, justamente por ter nascido em território brasileiro lhe é dado o direito ao registro civil de seu nascimento. Ainda que a menina seja filha de uma estrangeira, ela cumpre o requisito essencial para ter a nacionalidade brasileira, por força da regra do ius soli.

8 Não há, portanto, que se falar em anulação do registro de nascimento de Maria Eduarda Moss, pois se trata de ato jurídico perfeito, plenamente válido, e apto a produzir efeitos no Brasil. 3. Diante dos questionamentos formulados e dos dados fornecidos a esta coordenadoria do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Cíveis, Falimentares, de Liquidações Extrajudiciais, das Fundações e do Terceiro Setor, são esses, em tese, os esclarecimentos que entendemos adequados para o momento. Frise-se que entraremos em contato com a Promotoria de Justiça da Comarca de Marmeleiro tão logo obtivermos respostas dos Ministérios das Relações Exteriores, do Ministério da Justiça e da Justiça e da Polícia Federal. Curitiba, 18 de outubro de TEREZINHA DE JESUS SOUZA SIGNORINI Procuradora de Justiça Coordenadora Bárbara Bespalhok Assessora Jurídica Maria Clara de Almeida Barreira Assessora Jurídica