Efeito da contaminação por saliva na resistência de união de um compósito resinoso hidrofílico

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1 Efeito da contaminação por saliva na resistência de união de um compósito resinoso hidrofílico Mauren Bitencourt Deprá 1, Josiane Xavier de Almeida 1, Taís de Morais Alves da Cunha 2, Luis Filipe Siu Lon 2, Luciana Borges Retamoso 3, Orlando Motohiro Tanaka 4 Objetivo: avaliar a inluência da contaminação por saliva na resistência de união de braquetes metálicos colados ao esmalte com um compósito resinoso hidrofílico. Métodos: oitenta pré-molares foram divididos aleatoriamente em quatro grupos (n=20), de acordo com o material de colagem e a presença de contaminação G1) colagem com Transbond XT na ausência de contaminação; G2) colagem com Transbond XT na presença de contaminação; G3) colagem com Transbond Plus Color Change na ausência de contaminação; G4) colagem com Transbond Plus Color Change na presença de contaminação. Os resultados foram tratados estatisticamente (ANOVA/Tukey). Resultados: as médias e desvios-padrão (MPa) foram G1 = 10,15 ± 3,75; G2 = 6,8 ± 2,54; G3 = 9,3 ± 3,36; G4 = 8,3 ± 2,95. O índice de adesivo remanescente (IAR) variou entre 0 e 1 no G1 e no G4; no G2, houve predomínio do escore 0 e distribuição similar no G3. Conclusão: a contaminação por saliva reduziu a resistência de união no grupo que usou a resina hidrofóbica Transbond XT. Por outro lado, a resina hidrofílica Transbond Plus Color Change não foi inluenciada pela contaminação. Palavras-chave: Saliva. Braquetes ortodônticos. Resistência ao cisalhamento. Adesivos. 1 Estudante de graduação em Odontologia, PUCPR. 2 Mestre em Odontologia, área concentração Ortodontia, PUCPR. 3 Estudante de doutorado em Materiais Dentários, PUCRS. 4 Professor Titular de Ortodontia, PUCPR. Como citar este artigo: Deprá MB, Almeida JX, Cunha TMA, Lon LFS, Retamoso LB, Tanaka OM. Saliva contamination efect on shear bond strength of hydrophilic composite resin.. Enviado em: 23 de junho de Revisado e aceito: 12 de abril de 2010» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou inanceiros, que representem conlito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo. Endereço para correspondência: Orlando Tanaka Rua Imaculada Conceição, 1115 CEP: Curitiba/PR tanakaom@gmail.com 2013 Dental Press Journal of Orthodontics 63

2 Efeito da contaminação por saliva na resistência de união de um compósito resinoso hidrofílico Introdução A adesão ao esmalte dentário iniciou-se, em 1955, após a descoberta do condicionamento ácido por Buonocore. A aplicação de um ácido ao esmalte desmineraliza-o seletivamente, tornando-o adequado para a realização de técnicas adesivas 10. Essa técnica proporciona união micromecânica entre os compósitos resinosos e o esmalte, favorecendo a ixação de braquetes, restaurações diretas, restaurações indiretas e próteses adesivas 9. Após a desmineralização do esmalte, é necessária a aplicação de um sistema adesivo, pois esse penetra nas microporosidades e une o esmalte ao compósito resinoso. Basicamente, a função do condicionamento ácido do esmalte é a criação de uma área adesiva pelo aumento da porosidade e energia de superfície, resultando em melhor penetração do adesivo. Sendo assim, o entrelaçamento micromecânico da resina nas porosidades não permite sua ruptura do esmalte, proporcionando maior longevidade de união 9,10. Alguns fatores são capazes de influenciar negativamente a qualidade da adesão, como a presença de contaminação por saliva, sangue ou remanescentes de ácido fosfórico 8,14,15,20. A contaminação por saliva é uma das causas mais frequentes na falha na adesão 26. Rajagopal et al. 14 e Sirirungrojying at al. 21 relataram que a utilização de condicionamento ácido prévio ao adesivo causa um decréscimo na resistência adesiva ao cisalhamento. Por outro lado, os adesivos autocondicionantes são considerados adesivos hidrofílicos e que, de acordo com Trites et al. 22, podem ser utilizados na presença de umidade. Entretanto, a influência da saliva na resistência adesiva de braquetes colados com adesivos autocondicionantes ainda é controversa. Rajagopal et al. 14 observaram redução na resistência de união quando braquetes ortodônticos foram colados com adesivos autocondicionante na presença de saliva. Esses sistemas adesivos reuniram os passos do condicionamento ácido e primer em frasco único, tornando-o autocondicionante, o que conservaria suas propriedades mesmo em um ambiente úmido. Entretanto, o uso desses sistemas com as resinas convencionais, hidrofóbicas, reduziria grande parte dessa capacidade. Dessa forma, a criação de um compósito resinoso com as mesmas características hidrofílicas, como o Transbond Plus Color Change, conservaria essa propriedade. Assim, o presente trabalho propõe-se a avaliar a resistência de união de braquetes metálicos colados ao esmalte humano previamente contaminado por saliva, e analisar o local da falha adesiva após a descolagem dos braquetes. métodos Foram selecionados 80 pré-molares humanos doados pelo banco de dentes da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), os quais tiveram suas raízes seccionadas com auxílio de brocas diamantadas (KG Sorensen). A face vestibular dos dentes foi posicionada contra uma placa de vidro a fim de permitir que a maior parte da superfície plana ficasse paralela ao solo. Nessa posição, a coroa foi fixada, o anel de PVC posicionado e a resina acrílica (Jet / Clássico) vertida sobre o mesmo (Fig. 1A). Posteriormente, foi realizada profilaxia, em baixa rotação, com taça de borracha e pedra-pomes por 10 segundos. Seguiu-se com a lavagem e secagem, por 10 segundos cada, a uma distância de 50mm. Os 80 corpos de prova foram divididos aleatoriamente em 4 grupos (n=20), conforme o Quadro 1:» No G1, o esmalte foi condicionado com ácido fosfórico a 37% por 15 segundos, lavado por 10 segundos e seco por 10 segundos. Seguiu-se da aplicação do adesivo (Transbond XT primer), inserção da Transbond XT Grupo Contaminação Sistema adesivo G1 Nenhuma Transbond XT primer e Transbond XT G2 Saliva Transbond XT primer e Transbond XT G3 Nenhuma Transbond self etching primer e Transbond Plus Color G4 Saliva Transbond self etching primer e Transbond Plus Color Quadro 1 - Divisão dos grupos experimentais Dental Press Journal of Orthodontics 64

3 Deprá MB, Almeida JX, Cunha TMA, Lon LFS, Retamoso LB, Tanaka OM artigo inédito na base do braquete, posicionamento sobre a porção central do esmalte sob pressão de 400KgF, medida por meio de um tensiômetro (ETM) (Fig. 1B) e fotopolimerização por 40 segundos.» No G2, após o condicionamento ácido, lavagem e secagem conforme descrito no G1, foi aplicada saliva não estimulada sobre a superfície. A saliva foi coletada diretamente do pesquisador e aplicada sobre a área de colagem com auxílio de um pincel descartável.» No G3, utilizou-se um primer acidiicado (Self- -etching primer, SEP, 3M/Unitek, EUA), o qual foi mantido em contato com o esmalte por 10 segundos. Seguiu-se da inserção da Transbond Plus Color Change (3M/Unitek, EUA) na base do braquete, posicionamento sobre a porção central do esmalte sob pressão de 400KgF e fotopolimerização por 40 segundos.» No G4, após a aplicação do primer acidificado (Self-etching primer, SEP, 3M/Unitek, EUA), foi aplicada saliva não estimulada sobre a superfície. A saliva foi coletada diretamente do pesquisador e aplicada sobre a área de colagem com auxílio de um pincel descartável. Foram utilizados braquetes para pré-molares (3M/ Unitek, Monrovia, EUA), com área de 14,28mm 2, medida por meio de um paquímetro digital com precisão de 0,01mm (Paquímetro Eletrônico Digital 227, Starret). Terminada a colagem dos braquetes, os corpos de prova (Fig. 1C) foram armazenados em um recipiente fechado contendo água destilada a 37 o C durante 24 horas. Após esse período, foi realizado o teste de cisalhamento, com a força aplicada no sentido oclusogengival, com velocidade de 0,5mm/min em máquina universal de ensaios (EMIC DL500R, São José dos Pinhais, PR, Brasil). A máquina de ensaios estava conectada a um computador com o software Mtest, usado para registrar os valores máximos de descolagem (Fig. 2A, B). Após o teste de cisalhamento, a falha de união foi observada por meio de um estereomicroscópio com 40x de magnificação, e o índice de adesivo remanescente (IAR) foi analisado conforme preconizado por Artun e Bergland 2 (onde 0 indica nenhum remanescente de adesivo na estrutura dentária; 1 = menos da metade de remanescente na estrutura dentária; 2 = mais da metade de remanescente na estrutura dentária e 3 = todo o adesivo remanescente aderido na base do braquete). A B C Figura 1 - Sequência de confecção dos corpos de prova: A) posicionamento do dente, B) pressão exercida sobre o braquete para padronizar a espessura do material, C) corpo de prova finalizado Dental Press Journal of Orthodontics 65

4 Efeito da contaminação por saliva na resistência de união de um compósito resinoso hidrofílico A B Figura 2 - Ensaio mecânico: A) matriz utilizada no teste de resistência ao cisalhamento, B) detalhe da força aplicada no sentido oclusogengival. Tabela 1 - Estatística descritiva para resistência de união. Grupos n Contaminação Resina Média Desvio-padrão G1 20 Nenhuma Transbond XT 10,15 A 3,75 G2 20 Saliva Transbond Plus 6,80 B 2,54 G3 20 Nenhuma Transbond XT 9,30 A 3,39 G4 20 Saliva Transbond Plus 8,30 A 2,95 Letras diferentes indicam diferença signiicativa por Tukey HSD (p<0,01). Tabela 2 - Estatística descritiva para índice de adesivo remanescente (iar). Escores IAR (%) Grupos n Contaminação Resina G1 20 Nenhuma Transbond XT G2 20 Saliva Transbond Plus G3 20 Nenhuma Transbond XT G4 20 Saliva Transbond Plus Dental Press Journal of Orthodontics 66

5 Deprá MB, Almeida JX, Cunha TMA, Lon LFS, Retamoso LB, Tanaka OM artigo inédito análise estatística Resistência de união Para análise dos dados, foram utilizados o teste de Kolmogorov-Smirnov e o teste de Levene, para verificação de normalidade e homogeneidade de variâncias, respectivamente. Obtidas normalidade e homogeneidade, a diferença entre os grupos foi examinada por meio da análise de variância (ANOVA) e teste de comparações múltiplas Tukey HSD, ao nível de significância de 5%. Resistência de união X Índice de resistência de união A correlação entre a resistência de união e o índice de resistência de união foi obtida por meio da aplicação do teste de correlação de Spearman. resultados Resistência de união O teste de comparações múltiplas Tukey HSD identiicou diferença estatística signiicativa entre o G1 e o G2 (p<0,01), indicando que a contaminação por saliva reduz a resistência de união ao cisalhamento quando a resina hidrofóbica Transbond XT é utilizada (Tab. 1). Índice de resistência de união (IAR) A maioria dos espécimes do G1 e G4 apresentou IAR variando entre 0 e 1; no G2 houve predomínio do IAR 0; os espécimes do G3 apresentaram distribuição equilibrada do IAR (Tab. 2). O coeiciente de correlação linear de Spearman foi de 0,26, o que indica uma fraca correlação entre a resistência de união ao cisalhamento e o IAR. discussão A contaminação é um problema comumente encontrado na colagem direta de braquetes, em especial em dentes posteriores e expostos cirurgicamente 14. Entre os principais contaminantes, destacam-se a saliva e o sangue. Há divergência quanto à influência da saliva na resistência de união ao cisalhamento. De acordo com alguns estudos 4,5,18, essa contaminação reduz a resistência de união. Por outro lado, alguns relatos 3,16,21,23 demonstram não existir diferença na resistência de união. Essas diferenças encontradas podem ser explicadas pelo sistema adesivo utilizado. Grande parte dos artigos em que a resistência de união não apresenta redução após contaminação utilizou sistemas adesivos autocondicionantes. Isso pode ser explicado pelas características hidrofílicas desses adesivos 22. Os resultados das pesquisas in vitro podem ser inluenciados pela espessura de resina e direção da força aplicada, conforme descrito por Eliades e Brantley 12. Visando eliminar esses fatores, um tensiomêtro foi utilizado para padronizar a espessura do compósito e a força utilizada durante o procedimento de colagem. Além disso, todo o experimento foi realizado por um único operador, conforme recomendado por Ajlouni et al. 1 e Bishara et al. 6 A resistência de união dos adesivos autocondicionantes também é controversa. Bishara et al. 5, Yamada et al. 25 e Zeppieri et al. 27 relataram redução estatisticamente significativa ao utilizar adesivos autocondicionantes. Entretanto, nessa pesquisa, a resistência de união foi semelhante à dos adesivos com condicionamento ácido prévio. Sugere-se que a característica de hidrofilicidade foi mantida com a utilização de uma resina com igual propriedade. Porém, ainda não existem relatos que avaliaram a resistência de união da resina hidrofílica Transbond Plus Color Change. Assim, sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas a fim de ratificar esse resultado. Dessa forma, durante a escolha do material para colagem, alguns fatores devem ser levados em consideração: resistência, longevidade, sensibilidade e facilidade de remoção sem lesar a superfície dentária. Esses fatores podem ser avaliados in vitro e transpostos para a prática clínica por meio da avaliação da resistência ao cisalhamento e do Índice de Adesivo Remanescente (IAR) 11,17. Com relação à descolagem dos braquetes, Bishara et al. 4 citam que, quando a falha adesiva ocorre na interface esmalte/adesivo, há um grande risco do esmalte ser acometido por algum tipo de fratura. Ao contrário, se a falha for na interface adesivo/braquete ou na camada adesiva, normalmente a estrutura dentária ficará preservada 7,13,25. Assim, os adesivos utilizados nesta pesquisa não representam risco, pois a maior parte das falhas de união ocorreu na camada adesiva (escore IAR 1 e 2), reduzindo de uma maneira significativa as chances de uma fratura no esmalte. Apenas o G2 apresentou alta frequência de escore 0. Com relação à longevidade do procedimento de colagem, há evidências que demonstram que a 2013 Dental Press Journal of Orthodontics 67

6 Efeito da contaminação por saliva na resistência de união de um compósito resinoso hidrofílico resistência dos adesivos com prévio condicionamento ácido diminui após a termociclagem 21. Já com aplicação de um adesivo autocondicionante, a resistência se mantém mesmo após a termociclagem. Saito et al. 19 teorizam que esse fato é explicado pela hidrofilicidade e presença de HEMA nessas soluções autocondicionantes. Diante das propriedades descritas, recomendamos que, em situações de iminente contaminação por saliva, os braquetes sejam colados com sistema adesivo e compósito com características hidrofílicas, aumentando a resistência adesiva e, consequentemente, a longevidade do procedimento de colagem. conclusão A saliva reduz a resistência de união ao cisalhamento quando os braquetes são colados com a resina hidrofóbica Transbond XT. Entretanto, a resistência de união não é afetada pela contaminação por saliva quando os braquetes são colados com sistema adesivo e resina com propriedades hidrofílicas (Transbond Plus + Transbond Plus Color Change). REFERÊNCIAS 1. Ajlouni R, Bishara SE, Oonsombat C, Denehy GE. Evaluation of modifying the bonding protocol of a new acid-etch primer on the shear bond strength of orthodontic brackets. Angle Orthod. 2004;74(3): Artun J, Bergland S. Clinical trials with crystal growth conditioning as an alternative to acid-etch enamel pretreatment. Am J Orthod. 1984;85(4): Bishara SE, Gordan VV, VonWald L, Olson ME. Efect of an acidic primer on shear bond strength of orthodontic brackets. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1998;114(3): Bishara SE, Gordan VV, VonWald L, Jakobsen JR. Shear bond strength of composite, glass ionomer, and acid primer adhesive systems. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1999;115(1): Bishara SE, VonWald L, Lafoon JF, Warren JJ. 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