ENTEROPARASITOSES NO MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ PARANÁ - BRASIL: PREVALÊNCIA, TRANSMISSÃO E PROFILAXIA Débora do Rocio Klisiowicz 1, Regielly Caroline Raimundo Cognialli 2, Juciliane Haidamak 2 1 Departamento de Patologia Básica, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil 2 Programa de Pós-graduação em Microbiologia, Parasitologia e Patologia, Departamento de Patologia Básica, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil As enteroparasitoses estão entre os grandes problemas de saúde pública em países em desenvolvimento, acometendo principalmente populações de áreas desprovidas de saneamento básico e educação sanitária (Ludwig et al., 1999, Mascarini et al., 2006, Santos-Júnior et al., 2006). Em regiões onde a subsistência depende de recursos escassos e sazonais como no caso de comunidades pesqueiras, a epidemiologia das parasitoses não estão entre as prioridades nem por parte da população nem por parte das autoridades políticas. No município de Paranaguá (comunidade pesqueira do sul do Brasil), um levantamento parasitológico realizado na população urbana no ano de 1962 demonstrou que 93,33% da população estava infectada por Trichuris trichiura, 90,31% por Ascaris lumbricoides, 88,52% por Entamoeba coli e 66,03% por ancilostomídeos, entre outros enteroparasitos com menor prevalência (Lima et al., 1962). A delimitação geográfica do trabalho foi determinada com o auxílio da Secretaria de Saúde de Paranaguá através de uma análise sócio-econômica, e de condições sanitárias em que as comunidades de Amparo e Piaçagüera foram selecionadas, por terem características sócio-econômicas semelhantes, entretanto com diferenças de saneamento básico e de assistência à saúde. As amostras de fezes foram submetidas aos métodos de Faust et al. (Faust et al., 1938) e de Hoffman, Pons e Janer (Hoffman et al., 1934). Para a identificação dos mecanismos de transmissão, foram coletadas amostras de terra e/ou areia na área peridomiciliar, água de consumo e material subungueal. O trabalho foi realizado no período de outubro de 1996 e setembro de 1998. Após trabalhos de educação sanitária quinzenais por um período de um ano os exames foram repetidos com a parcela da população que concordou em refazê-los. 1
A comunidade de Amparo era formada por 49 famílias com 246 moradores e Piaçagüera com 27 famílias e 102 moradores. Em ambas as comunidades, a faixa etária da população estava distribuída de maneira uniforme Os exames coproparasitológicos demonstraram em Amparo parasitismo em 78,8% dos moradores e dentre esses 44,7% com mais de um parasito. Em Piaçagüera 85,4% dos exames da população foram positivos, com 64,0% de poliparasitismo. A prevalência das diferentes parasitoses nas duas comunidades estão citadas no quadro 1. Em crianças de idade escolar, a prevalência foi superior sendo de 92,3% em Amparo e 92,8% em Piaçagüera. Quadro 1. Prevalência dos enteroparasitos na população das comunidades de Amparo e Piaçagüera. Amparo Piaçaqüera Parasitismo 78,8% 85,4% Poliparasitismo 44,7% 64,0% Ascaris lumbricoides 52,9% 55,1% Trichuris trichiura 35,3% 70,8% Ancilostomídeos 23,5% 38,2% Strongyloides stercoralis 5,9% 5,6% Enterobius vermicularis 1,2% 6,7% Entamoeba coli 1,8% 6,7% Giardia duodenalis 10,6% 9,0% Endolimax nana 9,4% 2,2% Iodamoeba bütschili 8,2% 5,6% Nos exames da areia peridomiciliar foram identificados ovos de Ascaris lumbricoides (23,8%) e de Trichuris trichiura (11,9%), e ambos os parasitos em 4,7% das amostras analisadas, além de 2,3% de cistos de Entamoeba coli, totalizando 42,8% das amostras com pelo menos um tipo de forma infectante para as enteroparasitos intestinais. Nos materiais subungueais examinados somente em uma criança foi detectado ovo de Ascaris lumbricoides, na água de utilização doméstica não foi encontrado formas infectantes de parasitos. Para a avaliação do trabalho de terapêutica e da educação sanitária apresentada à população foram repetidos 23,5% dos exames dos moradores de 2
Amparo, dos quais 45,0% negativaram e em 20% dos casos houve diminuição do número das espécies parasitárias. Para os moradores de Piaçagüera houve repetição de 24,7% dos exames, com 13,0% dos exames negativos e diminuição das espécies em 6,5%. A comunidade de Amparo foi escolhida devido a um programa de instalação de módulos sanitários, os quais constavam de paredes pré-fabricadas de concreto, um vaso sanitário, um chuveiro e uma pia. O destino dos dejetos era uma pequena fossa séptica de concreto fornecida pela prefeitura municipal e por uma segunda de responsabilidade do morador. A água para consumo era coletada, armazenada e diariamente tratada quimicamente por um morador da localidade, devidamente treinado para tal tarefa. Em Amparo há um pequeno posto de saúde onde a população era atendida por uma auxiliar de enfermagem e um técnico administrativo em que a assistência médica se fazia quinzenalmente ou mensalmente. Piaçagüera é uma pequena localidade próxima a Amparo, onde as instalações sanitárias se restringiam a poucas latrinas com escoamento dos sedimentos a poucos metros das mesmas. A água era retirada de vertentes rentes ao solo sem nenhum tipo de proteção contra possíveis contaminações ou tratamento. Nessa comunidade não havia posto de saúde, sendo os moradores atendidos em Amparo ou em visitas médicas esporádicas e em locais improvisados. A comunidade de Amparo, apesar de apresentar instalações sanitárias, quando comparada à Piaçagüera, apresentava uma pequena diferença (6,6%) entre a prevalência dos enteroparasitos, a qual pode ser explicada pelo fato de que as instalações sanitárias em Amparo se deu em meados de 1996 e o início do presente projeto no final deste mesmo ano, não havendo um trabalho de inquérito parasitológico, tratamento dos parasitados e trabalhos de conscientização da importância do uso adequado dessas instalações. Em Piaçagüera através do inquérito realizado constatou-se que 29,0% das residências não possuíam nenhum tipo de instalação sanitária, o restante possuía algum tipo de instalação precária do tipo casinha com um pequeno buraco escavado no solo em que o material fecal escoava através de um cano por curtas distâncias das mesmas. A presença de parasitos na areia peridomiciliar pode constituir uma fonte de infecção, visto que quase 43% das amostras continham pelo menos um elemento parasitário. A presença de ovos de Ascaris lumbricoides no material subungueal de uma criança sugere que o contato com o solo contaminou as mãos e unhas do 3
indivíduo com ovos de parasitos, constituindo um importante papel na rota de transmissão dos geohelmintos (Hoa et al., 2010). Após os primeiros resultados, foram montadas estratégias de educação sanitária as quais constaram de palestras com recursos audio-visuais, teatro de fantoches, cantigas ligadas ao tema, diversas brincadeiras, visitas e conversas pessoais com os moradores. Na análise dos exames coproparasitológicos que foram repetidos constatouse uma significativa diminuição dos enteroparasitos em moradores de Amparo devido provavelmente, à existência de módulos sanitários que diminuíram a disseminação de ovos e larvas desses parasitas, propiciando condições para uma melhor adesão da comunidade às práticas profilaxias. A redução, em escala menor, na população de Piaçagüera é facilmente explicada pela quase total inexistência de saneamento básico, contudo esta diminuição pode ser atribuída à educação sanitária. Salientamos que atitudes isoladas como a instalação de módulos sanitários, por si só, não é suficiente para a redução das parasitoses intestinais e a melhoria das condições de saúde da população em questão. Não havendo um trabalho concomitante de educação sanitária, saneamento básico e de terapêutica adequada estes resultados tendem a perpetuar-se, pois a longevidade de Ascaris lumbricoides e Trichuris trichiura, parasitos mais comuns na região, são em média de dois e sete anos, respectivamente, e seus ovos, que são as fontes de infecção, resistem ao meio ambiente por vários meses ou mesmo anos dependendo das condições de umidade e temperatura (Vinha, 1965, Johnson et al., 1998) as quais são propícias na região litorânea do Paraná. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Faust, E. C., J. S. D'Antoni, V. Odom, M. J. Miller, C. Peres, W. Sawitz, L. F. Thomen, J. Tobie and J. H. Walkern (1938). "A critical study of clinical laboratory techinics for the diagnosis of protozoan cysts and helminth eggs in feces. In: preliminary communication." Am J Trop Med Hyg 18: 169-183. Hoa, N. T. V., S. Noda, S. Uga, L. K. Thuan, Y. Aoki and Y. Fujimaki (2010). "Parasite egg contamination of hand in a suburban area of Hanoi, Vietnam." Trop Med Health 38(2): 75-79. Hoffman, W. A., J. A. Pons and J. L. Janer (1934). "The sedimentation-concentration method in schistosomiasis mansoni." J Public Health 9: 283-298. 4
Johnson, P. W., R. Dixon and A. D. Ross (1998). "An in-vitro test for assessing the viability of Ascaris suum eggs exposed to various sewage treatment processes." Int J Parasitol 28(4): 627-633. Lima, E. C., J. J. Zeni and H. L. Suplicy (1962). "Aspectos clínicos, parasitológico e hematológico de 801 moradores da zona portuária da cidade e Paranaguá." Anais da Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná 5(1-2): 99-104. Ludwig, K. M., F. Frei, F. F.A. and J. T. Ribeiro-Paes (1999). "Correlação entre condições de saneamento básico e parasitoses intestinais na população de Assis, Estado de São Paulo." Rev. Soc. Bras. Med. Trop. 32(5): 547-555. Mascarini, L. M. and M. R. Donalisio (2006). "Epidemiological aspects of enteroparasitosis at daycare centers in the city of Botucatu, State of São Paulo, Brazil." Rev Bras Epidemiol 9(3): 297-308. Santos-Júnior, G. O., M. M. Silva and F. L. N. Santos (2006). "Prevalência de enteroparasitoses em crianças do sertão baiano pelo método de sedimentação espontânea." Rev Patol Trop 35(3): 233-240. Vinha, C. (1965). "Fundamentos e importância das campanhas contra os geohelmintos no Brasil." Rev Bras Malariologia 17: 379-405. 5