EDUCAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES E EDUCADORES: RELATO DE EXPERIÊNCIA Resumo MEDEIROS, Lilian 1 - PUCPR ROMANOWSKI, Joana Paulin 2 - PUCPR Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento A formação continuada constitui-se em possibilidade de ampliar e atualizar conhecimentos, aprofundar a compreensão de conceitos, inserindo novos procedimentos e tecnologias na prática pedagógica, refletir sobre o que ocorre no cotidiano, de tal modo que se torna uma necessidade para professores. É um processo contínuo que favorece o desenvolvimento profissional e a constante reflexão sobre a prática para promover mudanças. O objetivo deste trabalho é analisar um curso de formação continuada sobre o trânsito e sua articulação com a prática escolar. Apresenta como fonte de referência o projeto do curso quanto aos objetivos e conteúdos abordados, a metodologia desenvolvida durante as atividades os trabalhos e as discussões realizadas. Para a elaboração do texto foram consideradas as referências, o relato da experiência e finaliza com algumas reflexões advindas da análise. A análise toma por referência Demo (2006) estabelece sete sentidos para a formação continuada baseados em dinâmica, autocrítica, dialética, autonomia; Zeichnner (2008) numa perspectiva crítica sobre reflexão; Nóvoa (1997) indicando a formação como processo coletivo; Marcelo (1999) quanto a relação entre formação e prática docente e Aguiar (2006) sobre a inserção dos professores em processos formativos entendendo a formação como processo de desenvolvimento e estruturação da pessoa. Trata-se de uma análise introdutória. Aponta que os professores que realizaram as atividades do curso puderam compreender a importância de abordar conteúdos e temas relacionados ao cotidiano dos alunos auxiliando-os na formação para a vida social. Destaca a reflexão coletiva sobre a prática num viés de humanização, prática social e aponta para a busca da identidade, profissionalização e autonomia docente. Palavras-chave: Formação Continuada. Reflexão. Autonomia. Prática Social. Trânsito. 1 Mestranda em Educação pela Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora da rede municipal de São José dos Pinhais. E-mail: lil.medeiros@ig.com.br. 2 Doutora em Educação pela USP. Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e do Centro Universitário Internacional - UNINTER. Bolsa produtividade em pesquisa pelo CNPQ. Membro do CAA Fundação Araucária, Coordenadora do GT 08 ANPED. E-mail: joana.romanowski@pucpr.br.
17815 Introdução A formação de professores tanto inicial como continuada tem sido um campo fértil para discussões e pesquisas tendo em vista a urgência em melhorar a qualidade da educação desde a educação infantil até o ensino superior. Neste sentido o poder público aliado às universidades e ONGs procura proporcionar aos professores em exercício momentos de aprendizagens e reflexões a fim de (re) elaborarem suas práticas. Este artigo busca analisar um curso de formação continuada com o tema trânsito, e sua articulação com a prática escolar destinado a professores da Educação Fundamental de 1º ao 5º anos e educadores da Educação Infantil. Os dados foram coletados a partir das seguintes fontes: - Projeto do curso voltado a professores e educadores da Educação Infantil e Ensino Fundamental do município de São José dos Pinhais. - Trabalhos realizados durante o curso. A questão chave é qual a articulação do curso de formação continuada Educação para o Trânsito com a prática escolar de professores e educadores da Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1º ao 5º anos, com vistas numa prática social e democrática no município de São José dos Pinhais? O decreto nº 6755/09, que institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, em seu art. 2, define princípios para a formação inicial e continuada, a saber: IX a equidade no acesso à formação inicial e continuada, buscando a redução das desigualdades sociais e regionais; - a articulação entre formação inicial e formação continuada, bem como entre os níveis e modalidades de ensino; XI- a formação continuada entendida como componente essencial da profissionalização docente, devendo integrar-se ao cotidiano da escola e considerar os diferentes saberes e a experiência docente; XII a compreensão dos profissionais do magistério como agentes formativos de cultura e, como tal, da necessidade de seu acesso permanente a informações, vivência e atualizações culturais. Desta forma de acordo com Gatti (2009, p. 224). Seus princípios estão pautados na equidade no acesso à formação inicial, seu caráter de componente essencial de profissionalização docente, integrando-se ao cotidiano da escola, considerando os saberes e a experiência docente. Reforça a formação
17816 continuada como prática escolar regular respondendo as especificidades culturais e sociais das mais diversas regiões. Há um elevado número de docentes que participam de atividades e cursos de educação continuada. Segundo dados do censo de Profissionais do Magistério da Educação básica de 2003 analisados por (CATRIB et al. 2008, apud GATTI, 2009, p. 198), 701.516 desses profissionais de um total de 1.542.878, participaram de alguma atividade presencial, semipresencial ou à distância nos últimos dois anos anteriores, oferecidos por institutos de ensino superior de caráter público ou privado, por ONGs, ou escolas. O Departamento Municipal de Trânsito de São José dos Pinhais em parceria com a ONG Criança Segura lançou o curso Criança Segura a fim de formar multiplicadores na prevenção de acidentes com crianças e adolescentes de 0 a 14 anos. Segundo a coordenação de educação para o trânsito, são diversos os fatores que implicam na imprudência de motorista resultando na maioria dos acidentes de trânsito, estando entre eles: lacunas e falta de regulamentação na legislação, fiscalização, sensação de impunidade, qualidade do projeto viário do local, sinalização implantada e outros. Nesse contexto a educação tem sido apontada como uma das soluções para os diversos problemas existentes no sistema viário. Neste sentido, os professores são convidados a realizarem curso de formação continuada sobre trânsito para poderem incluir esse assunto em suas aulas. Como entende Romanowski (2007, p.138), A formação continuada é uma exigência para os tempos atuais. Desse modo, pode-se afirmar que a formação docente acontece em continuum, iniciada com a escolarização básica, que depois se complementa nos cursos de formação inicial, com instrumentalização do professor para agir na prática social, para atuar no mundo e no mercado de trabalho. A formação continuada favorece para que os profissionais construam conhecimentos por meio de reflexões não somente sobre sua prática, mas como elemento constitutivo da prática social, num viés coletivo em que um profissional sustenta o crescimento do outro. (ZEICHNER, 2008, p.543). Desse modo, o movimento de formação considera como princípio a articulação teoria e prática, entendido como a possibilidade de que o professor ao desenvolver suas ações faz a partir de um projeto intencional. As decisões são pensadas e aliadas coletivamente, ainda que o professor realize sua prática individualmente. Com efeito, as decisões sobre a prática são contextualizadas, e partem do contexto das relações sociais em que se efetivam.
17817 Para discutir a formação continuada ou permanente o ponto de partida é a prática vivida, articulando-se com os aportes teóricos que possibilitou uma análise conceitual do seu significado numa perspectiva reflexiva em Zeichner (2008), dinâmica, dialética, autocrítica e intrinsecamente forjada nas relações sociais que a determinam conforme Martins (2009) e formação durante toda a vida, em Nóvoa (1992), entre outros. Para Holzmann (1997, p. 47), a formação continuada é um processo que: - efetiva-se desde a formação inicial e se estende por toda a vida profissional do professor; - enfatiza o desenvolvimento da competência pedagógica; -propicia diversos espaços e modos de reflexão sobre a prática desenvolvida; -possibilita inovações e prevê ida e volta à ação; -está fundado no conhecimento histórico e socialmente construído / questionado / criticado / aperfeiçoado / pelos professores. Segundo Marcelo (1999, p.19) a formação pode ser entendida como uma função social de transmissão de saberes, [...] e também como processo de desenvolvimento e de estruturação da pessoa. Diante das colocações pode-se dizer que a formação continuada acontece ao longo da vida numa perspectiva processual, humana e social buscando resgatar princípios éticos, democráticos e solidários de modo que a teoria e prática reconstruam-se mutuamente alicerçadas na crítica e na autocrítica para uma efetiva mudança social. O curso Criança Segura O curso de formação continuada Criança Segura foi desenvolvido em regime de parceria entre a ONG Criança Segura Safe kids, DEMUTRAN de São José dos Pinhais e Secretaria Municipal de Educação. Foram inscritos 60 profissionais entre professores do Ensino Fundamental de 1º ao 5º ano e educadores que atuam na Educação Infantil dos quais 45 concluíram o curso. Divididos em duas turmas, com encontros semanais de 2 horas cada encontro, num total de 24 horas presenciais, 24 horas à distância e 12 horas para aplicação do plano da ação. O curso foi ofertado fora do horário de trabalho caracterizando hora extra, paga pela mantenedora.
17818 Nas primeiras oito horas do curso na modalidade presencial os profissionais tiveram contato com os conteúdos articulados com o tema trânsito. Como indicam os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 28-29) sobre este tema: Sob a denominação de Temas Locais, os Parâmetros Curriculares Nacionais pretendem contemplar os temas de interesse específico de uma determinada realidade a serem definidos no âmbito do Estado, da cidade e/ou da escola. Uma vez reconhecida a urgência social. [...] Tomando-se como exemplo o caso do trânsito, vê-se que, embora esse seja um problema que atinge uma parcela significativa da população, é um tema que ganha significação principalmente nos grandes centros urbanos, onde o trânsito tem sido fonte de intrincadas questões de natureza extremamente diversa. Os participantes foram convidados a refletirem sobre a temática interligando-a com os conteúdos, visando adquirir aportes para construir e ou reconstruir conhecimentos com os alunos. Luckesi (2011, p.87) indica que sem os conteúdos [...] as práticas educativas e pedagógicas não se realizam. Desta forma alguns requisitos básicos podem nortear a profissão docente: dominar os conteúdos a serem ensinados; saber como ensiná-los; saber como o aluno aprende como aponta Zeichner (2008, p.546): Os professores precisam saber os conteúdos acadêmicos que são responsáveis por ensinar e como transformá-lo, a fim de conectá-lo com aquilo que os estudantes já sabem; saber como explicar conceitos complexos, conduzir discussões e tomar decisões no dia a dia, que não limitem os estudantes, tendo consciência que ensinar é um ato político. Nas vinte e quatro horas seguintes os membros do curso tiveram oportunidade de interagir via online com outros participantes de todo o país através de chats e também receber orientações diante da dificuldade em trabalhar com o computador em suas múltiplas possibilidades. Em seu sétimo princípio, Demo (2006, p. 48) afirma que o que a tecnologia garante hoje é o acesso cada vez maior ao mundo da informação. Todavia, informação ainda não é em si aprendizagem e conhecimento, porque não passa de meio também. Outras 4 horas foram destinadas a palestras com pessoas ligadas ao DEMUTRAN e ECOVIA, às ONGs que trabalham com a questão das famílias que apresentam em suas histórias de vida casos de acidentes com vítimas fatais. Os agentes de trânsito explicitaram aspectos da legislação de trânsito vigente no país.
17819 O restante das horas destinou-se à construção de um plano de ação tendo como ponto de partida a comunidade em que está inserida a unidade de ensino ou o CEMEI de cada participante. Houve uma diversidade de temas escolhidos de acordo com a necessidade de cada comunidade, como por exemplo: o uso consciente da cadeirinha; utilização do cinto de segurança; ingestão de álcool e drogas ao dirigir; conscientização da comunidade dos perigos existentes no trajeto de casa até a escola aliada à importância de uma postura preventiva frente aos mesmos, entre outros. Desta forma por meio da construção do plano de ação os participantes tiveram a oportunidade de ordenarem os saberes teóricos apreendidos no decorrer do curso a fim de construírem suas práticas de acordo com as necessidades sociais. Estes planos de ação foram aplicados nas unidades de ensino, mediante acompanhamento dos formadores, com o intuito de conscientizar a comunidade escolar e a sociedade sobre a prevenção de acidentes de trânsito além de promoverem reflexões acerca da prática pedagógica tanto individual como coletiva. Nesta perspectiva a educação contínua é um processo que exige reflexão e predisposição para se questionar criticamente a ação educativa de modo a intervir na realidade pautada em aportes teóricos, permeados por projetos de estudo e pesquisa no âmbito escolar, permitindo uma reflexão compartilhada com toda a equipe (FILIPKOWSKI, 2005). Esta reflexão sobre a própria prática favorece para compreender o que acontece no seu bojo. Ao compreendê-la podemos inferir os princípios que a norteiam, propondo alternativas na direção de novas soluções aos problemas. A teoria como expressão da prática compreende o professor como sujeito e autor de sua prática. Com efeito, o trabalho do professor se realiza no contexto das relações sócio históricas do sistema capitalista, num momento histórico determinado e se expressa na didática prática forjada pelos professores no enfrentamento das contradições de suas práticas pedagógicas (MARTINS, 2009, p. 43). É preciso enfatizar que a prática por si só não gera conhecimento. A reflexão na prática, e sobre ela, vai agregar novas formas de atuação docente, em termos individuais ou coletivos (AGUIAR, 2006, p.78). Considerações finais
17820 A formação continuada, na atualidade, é um elemento essencial constitutivo da própria existência humana uma vez que por meio dela (re) elaboram-se conceitos, redimensionam-se práticas numa via circular em que a teoria reformula e é reformulada pela prática. Desta forma utiliza-se o pensar como fonte inesgotável de autonomia e emancipação para intervir com sabedoria e conhecimento na sociedade de forma a tomar o destino em nossas mãos porque sabemos pensar numa perspectiva coletiva. Práticas de formação que tomem como referência as dimensões colectivas contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação de uma profissão que é autônoma da produção de seus saberes e dos seus valores (NÓVOA, 1992, p.27.) E é neste viés de coletividade, reflexibilidade e autonomia que a teoria toma corpo (prática) por intermédio da formação continuada como o próprio nome nos faz pensar em continuidade, em algo que nunca acaba, ou seja, está em constante reforma frente à urgência em nos tornarmos cada vez mais humanos. A profissão docente busca incansavelmente esta humanização ao consolidar e aprimorar sua identidade e sua profissionalização numa via de mão dupla da teoria e da prática permeadas pela formação continuada. O curso Criança Segura buscou enredar elementos teóricos com práticos num processo contínuo de superação da realidade em prol de uma sociedade mais humana e solidária em que o pressuposto básico seria viver em harmonia numa perspectiva de liberdade de pensamento, criatividade, busca pelo novo, aceitação de novas idéias e uso da reflexão contribuindo para a formação da identidade e profissionalização docente ao oferecer subsídios para que o trabalho docente concretize-se. Desta forma mediante realização das atividades do curso, os professores compreenderam a importância de abordar conteúdos e temas relacionados ao cotidiano dos alunos auxiliando-os na formação para a vida social. REFERÊNCIAS AGUIAR, Silvia Maria Isaia. Desafios à Docência Superior: pressupostos a considerar. Brasília: INEP/MEC, 2006. Disponível em: <www.unifra.br>. Acesso em: abr. 2013. BRASIL. Decreto 6755/09. Disponível em: <www.jusbrasil.com.br>. Acesso em: 07 maio 2013. BRASIL, MEC. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais de educação fundamental. Brasília 1997.
17821 DEMO, Pedro. Formação permanente e tecnologias educacionais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. FILIPKOWSKI, Mariléia Lilian. Do cotidiano percebido à ação supervisora: encaminhamentos para formação continuada. In HOLZMANN, Ribas Mariná (org). Formação de professores: escolas, práticas e saberes. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2005. GATTI, Bernadete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em: 30 nov. 2012. HOLZMANN, Ribas Mariná (org). Formação de professores: escolas, práticas e saberes. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2005. LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem: componente do ato pedagógico. São Paulo: Cortez, 2011. MARTINS, Pura Lucia Oliver. A Didática e as contradições da prática. 3ª ed. Campinas: Papirus, 2009. MARCELO, Carlos. Formação de professores para uma mudança educativa. Porto; Porto Editora, 1999. NÓVOA, António. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1997. ROMANOWSKI, Joana Paulin. Formação e Profissionalização docente. Curitiba: Ibpex, 2007. ZEICHNER, M. Kenneth. Uma análise crítica sobre a reflexão como conceito estruturante na formação docente. Educ. Soc. Campinas, vol. 29, n. 103, p. 535-554, maio/ ago. 2008. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 30 nov. 2012.