O RETRATO DO MORADOR DE RUA DA CIDADE DE SALVADOR-BA: UM ESTUDO DE CASO

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Transcrição:

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA O RETRATO DO MORADOR DE RUA DA CIDADE DE SALVADOR-BA: UM ESTUDO DE CASO DAIANE DOS SANTOS SANTOS Salvador-Ba Outubro-2009

DAIANE DOS SANTOS SANTOS O RETRATO DO MORADOR DE RUA DA CIDADE DE SALVADOR-BA: UM ESTUDO DE CASO Monografia elaborada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos e Cidadania da Fundação Escola do Ministério Público como forma de obtenção do grau de Especialista em Direitos Humanos e Cidadania. Orientador: Prof.º M e. José Cláudio Rocha Salvador-Ba Outubro- 2009

A cada morador de rua, em especial José, um exemplo de vida a ser seguido, que não se abateu pelas dificuldades da vida.

AGRADECIMENTOS A Deus, antes de tudo; Aos meus pais, Benigno e Eliete, meus alicerces, que não mediram esforços para me proporcionar a melhor educação possível; Aos meus irmãos Eliene, Benício e Elane, pela paciência, tolerância e compreensão a mim dispensados em momentos de tanta reflexão; Ao meu primo Emerson que me distraía nos momentos de stress; Ao meu orientador pelo incentivo, pela compreensão e pelo esforço desprendido nesta jornada; Ao meu guia nas ruas, o grande amigo José; À jornalista e amiga Vanessa que me mostrou um mundo dentro de cada morador de rua; Aos meus amigos que compartilharam as minhas angústias e as minhas ansiedades; A todos os moradores de rua que me receberam nos seus espaços;

A gente não quer só comida, A gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só comida, A gente quer saída para qualquer parte. A gente não quer só comida, A gente quer bebida, diversão, balé. A gente não quer só comida, A gente quer a vida como a vida quer. (TITÃS, s/d)

RESUMO O presente trabalho versa sobre a realidade dos moradores de rua de Salvador, analisando seus territórios existenciais, seus pontos de fixação, como se dá a ocupação do espaço público e as estratégias desenvolvidas por eles para construir suas vidas num cenário de completa exclusão social. Busca-se compreender as razões que levam os indivíduos às ruas, os fatores que fazem com que se mantenham e os que os levam a deixar as ruas ou a mudar de cidade. São apresentadas ainda as políticas de Enfrentamento do Município para minorar a situação de miserabilidade e exclusão social a que está submetida a população de rua da cidade. Ressalta-se a necessidade de pensar nos moradores de rua como sujeitos de direitos e não como objetos de caridade. Palavras-chave: População de rua, morador de rua, exclusão social, espaço público, direitos, políticas de enfrentamento.

ABSTRACT This paper deals with the reality of street dwellers of Salvador, analyzing their existential territories, its attachment, as it gives the occupation of public space and the strategies developed by them to build their lives with complete exclusion. We seek to understand the reasons that lead individuals to the streets, the factors that cause them to remain and those who lead them to leave the streets or move to another city. Visible are the policies of the City of Coping to alleviate the situation of destitution and social exclusion that is subject to the homeless population of the city. Emphasized the need to think of homeless people as subjects and not objects of charity. Keywords: Homeless, social exclusion, public space, rights, policies of confrontation.

LISTA DE SIGLAS CAPS - Centros de Recuperação Psicossocial CRAS - Centros de Referência da Assistência Social CPF - Cadastro de Pessoal Física DST - Doenças sexualmente transmissíveis EPIs - Equipamentos de Proteção Individual FJS - Fundação José da Silveira IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INSP - International Network of Street Papers MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MPE/BA - Ministério Público do Estado da Bahia OAB - Ordem dos Advogados do Brasil ONG s - Organizações não-governamentais PNAS - Política Nacional de Assistência Social PSF - Programa de Saúde da Família SETAD - Secretaria Municipal do Trabalho, Assistência Social e Direitos do Cidadão SMS - Secretaria Municipal de Saúde SUS - Sistema Único de Saúde UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura USF - Unidade de saúde da família

SUMÁRIO INTRODUÇÃO 02 1. MORADOR DE RUA: PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO 06 1.1 Migrante X Trabalhador Intinerante X Trecheiro X Morador de Rua 07 2. A CASIFICAÇÃO DA RUA - CASA E RUA UM SÓ TERRITÓRIO 12 2.1 Espaço do morador de rua 13 3. FATORES QUE LEVAM OS INDIVÍDUOS A SITUAÇÃO DE RUA 18 4. A POPULAÇÃO DE RUA DE SALVADOR 24 4.1 Trajetória dos moradores de rua de Salvador 26 5. A NEGAÇAO DOS DIREITOS- MISERABILIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL 36 6. CONSEQUÊNCIAS DO PROCESSO DE RUALIZAÇÃO 41 7. PROPOSTAS DE ENFRENTAMENTO: ABRIGOS 42 8. QUEBRANDO PRECONCEITOS 45 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS 46 9.1 Propostas para uma vida digna 48 9.1.1. Uma experiência de sucesso 51 REFERÊNCIAS 55 ANEXOS 59

INTRODUÇÃO O presente trabalho busca retratar a realidade dos moradores de rua de Salvador, analisando seus territórios existenciais, seus pontos de fixação, como se dá a ocupação do espaço público e as estratégias desenvolvidas por eles para construir suas vidas num cenário de completa exclusão social, compreendendo de que maneira a sociedade urbana impõe modos de vida antagônicos à essa parcela da população que embora excluídos, integram um contexto social. Foram analisadas também as razões que levam os indivíduos às ruas, os fatores que fazem com que se mantenham e os que os levam a deixar as ruas ou a mudar de cidade. O interesse em discutir a temática da população de rua de Salvador no trabalho de conclusão de curso surgiu das inquietações com as precárias condições de vida destas pessoas e com as propostas ineficientes de enfrentamento do problema que tentam de maneira súbita elevar à categoria de cidadãos, indivíduos que trazem um histórico de insucessos, desvinculações e várias rupturas. Apesar da importância do tema, as discussões sobre moradores de rua parecem não ser prioritárias por parte dos defensores dos direitos, o que é reflexo da invisibilidade do morador de rua para a grande parte da sociedade e dos pesquisadores. Poucos são os trabalhos sobre a população de rua realizados no Brasil. A maioria dos utilizados nesta dissertação foi realizada por pessoas ligadas a organizações não governamentais (ONG s), igrejas ou por cientistas sociais. Outros foram pesquisas realizadas no intuito de informar os órgãos públicos da situação da população de rua, como a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua. Com exceção às pesquisas, a artigos como o de Escorel (2000) sobre a população de rua da cidade do Rio de Janeiro e a Tese de mestrado de Lesssa (2002), sobre moradores de rua na cidade do Salvador, poucos foram os dados provenientes da interação com os moradores de rua das cidades brasileiras e as análises geralmente eram macro-sociais ou macroeconômicas, não se baseavam no modo de vida desenvolvido ou mesmo nas narrativas da população de rua. Durante a pesquisa, busquei os principais pontos de concentração dos moradores de rua, pelos quais circulava cotidianamente, fazendo análise observacional dos espaços ocupados por eles e foi nessa trajetória, que numa Missa na Igreja de São Francisco no Pelourinho conheci o meu guia nas ruas, José, que me conduziu aos principias pontos de

convivência dos moradores de Rua de Salvador. O enfoque do trabalho foi dado aos locais mais tradicionais de ocupação por moradores de rua onde encontrei a maior parte dos segmentos que compõem a população de rua. Nas regiões próximas às saídas e entradas da cidade grande parte da população é composta por famílias que perderam suas casas e por famílias de migrantes que estão tentando se fixar nas cidades e se organizam em casas improvisadas, formando favelas onde as pessoas vivem em situações não menos precárias, porém diferente daqueles que vivem nas ruas. Este trabalho trata-se de um estudo de caso, no qual foram utilizados como métodos de investigação, a pesquisa bibliográfica, documental e o trabalho de campo com entrevistas abertas. Embora tenham sido realizadas algumas entrevistas com diversos moradores de rua de Salvador e tenha me utilizado de outras entrevistas e dados de outras pesquisas, a trajetória que baseia esse estudo é a de José, ex-morador de rua que me guiou pelas ruas da cidade revelando cada detalhe dessa vida de exclusão. Acompanhada por José fiz algumas incursões a campo para conhecer as malocas da cidade, os viadutos, assim como as instalações sob as marquises e os moradores de rua que dormem em qualquer parte da calçada. Foram realizadas observações do espaço, da situação e do comportamento do morador de rua, ao tempo em que José narrava passagens e experiências de sua vida na rua. Visitei o Centro de Referência para população de rua em busca de informações institucionais de atendimento a essa população. Neste período enquanto pesquisadora, os moradores estiveram ainda mais presentes na minha vida, já que sempre estiveram, considerando que habito Salvador e circulo na cidade como pedestre, como motorista e como passageira de automóveis. E que com certeza por diversas vezes segurei a bolsa firmemente pensando em dificultar um possível assalto ao passar por moradores de rua, bem como devo ter ligado por inúmeras vezes o limpador de pára-brisas do veículo numa atitude de repulsa àqueles que se aproximavam. Contudo, o período que transitei por essa população não me fez acreditar que sejam pessoas inofensivas, porém a população de rua provoca sentimentos confusos no demais moradores da sociedade, ora piedade, ora aversão, ora penalização pela miséria. Vale ressaltar que os nomes dos moradores de rua que aparecem neste trabalho não correspondem ao nome de batismo; os nomes foram escolhidos por eles para se identificarem. Para fins desta pesquisa, os moradores de rua ou a população de rua serão considerados aquelas pessoas que não apenas tiram da rua o seu sustento, mas também tem a rua como habitat, ainda que optem por dormir em instituições de acolhimento para migrantes e moradores de rua. Os migrantes não necessariamente são moradores de rua; no entanto, na

medida em que estão na cidade e que se utilizam dos equipamentos de atendimento para a população de rua, serão assim considerados. Inicio este trabalho apresentando os problemas que envolvem a definição do que seja população de rua, as diversas acepções da palavra apresentadas por autores como Burstzyn (2000), Durham (1984), D Incao (1995) e Escorel (2000), bem como as distinções entre migrante, trabalhador itinerante, trecheiro e morador de rua, considerando as estratégias desenvolvidas por eles para se articularem, ou não, às populações de rua da cidade. O capítulo trata também da composição da população de rua, particularmente das diferenças que a segmentam por dentro e a diferencia em maloqueiros, caídos e mendigos. No segundo capítulo discorro sobre o locus do morador de rua, as condições sob as quais constituem seus territórios existenciais nas ruas, nos viadutos e nas malocas e sobre os efeitos produzidos pela construção desse território no espaço público. Trato também das relações dos moradores de rua entre si e com os não moradores de rua e das suas estratégias de sobrevivência, como obtêm alimentos, roupas, dinheiro, como transformam o espaço, dando-lhe novo significado. São ressaltadas assim as dificuldades em se viver ao mesmo tempo entre o nomadismo da rua e o sedentarismo urbano. No capítulo seguinte elenco os diversos fatores que condicionam a existência do morador de rua, dentre os quais pode ser descrito a ruptura do vínculo familiar como fator preponderante e condicionante desta situação, associada ao desemprego, às migrações mal sucedidas, ao alcoolismo, à dependência química, às doenças mentais e até mesmo à opção do indivíduo. O capítulo quatro descreve dados gerais sobre a população de rua no Brasil a fim de situar a população de rua de Salvador num contexto nacional, enumerando quantos são os moradores de rua. Em seguida são descritas as trajetórias e circuitos dos moradores pelas ruas de Salvador, os principais pontos de concentração, onde dormem, onde se alimentam, onde fazem a higiene, como vivem e se organizam nesses espaços. O quinto capítulo é destinado à exposição da situação de miserabilidade e exclusão a que estão expostos os moradores de rua de Salvador, explicitando-se inicialmente as principais diferenciações entre pobreza, desigualdade social e exclusão, conceitos que permeiam a sociedade e a vida do morador de rua e que por vezes são tratados de forma distorcida. Neste capítulo são apontadas as principais restrições a que estão submetidos os moradores de rua que se apresentam como vidas sem direitos civis, sociais, políticos, enfim, humanos, sendo ressaltada a questão da identidade e da memória.

O capítulo sexto elenca as conseqüências a que estão submetidos os moradores diante do processo de rualização, que compreende desde a adaptação até os sentimentos de conformismo e desobediência social. O capítulo seguinte discorre sobre as propostas de enfrentamento à situação de rua no município de Salvador apresentadas na forma de abrigos. São elencados os conjuntos de estabelecimentos, espaços e equipamentos utilizados pela população de rua de Salvador, explicitando suas formas de atendimento a essa população. O oitavo capítulo foi destinado à desmistificação da imagem de vadio, de perigoso, de preguiçoso e de coitadinho que permanece na identidade de quem foi ou é morador de rua, bloqueando as oportunidades de emprego, fortificando a exclusão social e desvalorizando o povo das ruas como ser humano, sendo apresentados os resultados da Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua realizada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome que contradiz essa concepção. Concluo o trabalho abordando as conseqüências de se adotar um modo de vida que transgride ao mesmo tempo a ética do trabalho e da casa numa sociedade capitalista e urbana, afirmando ainda que fatores como pobreza, o desemprego, a migração, as deficiências físicas e mentais, o alcoolismo e o consumo de drogas ilícitas não são suficientes para levar esses indivíduos a viver nas ruas, sendo necessária antes uma ruptura com os vínculos familiares, com a vida social que levava quando vivia em casa. Dessa forma o objetivo de resgatar a identidade, valorizar a auto-estima e promover a reinserção social torna-se uma difícil tarefa quando dentro de instituições onde as pessoas, à noite, são trancadas e isoladas. As propostas de enfrentamento à situação de rua devem buscar a afetividade do morador de rua, propiciando um ambiente comunitário para que ele se sinta parte de um contexto social, a exemplo do que ocorre na Comunidade da Trindade.

1. MORADOR DE RUA: PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO Os pesquisadores divergem bastante quanto à definição do que seja população de rua, pois neste universo podem estar inclusos migrantes, catadores de papel, prostitutas, trabalhadores itinerantes, trecheiros, mendigos, desabrigados, camelôs, dentre outros. A principal dificuldade é distinguir entre as pessoas que vivem nas ruas, das ruas ou em condições precárias de habitação, aquelas que se encaixam ou não na definição de população de rua. Em trabalhos como os de Burstzyn (2000) e de Araújo (2000), a população de rua é composta por toda pessoa que tira seu sustento da rua, incluindo além dos que residem nas ruas, os vendedores ambulantes, camelôs, catadores de material reciclável etc., posto que estes trabalhadores informais residem em áreas periféricas longe dos grandes centros urbanos e dormem eventualmente nas ruas devido à dificuldade de deslocamento e aos custos. Para os citados autores, os moradores de rua compreendem trabalhadores desempregados que desenvolvem alternativas para angariar finanças, independente de seus vínculos habitacionais. Autores como Durham (1984) e D Incao (1995) englobam no conceito de moradores de rua, pessoas que migraram do meio rural para o meio urbano em busca de novas oportunidades de emprego e permanecem perambulando pelos grandes centros principalmente por problemas de adaptação e falta de qualificação profissional. Nos países de língua inglesa, o termo empregado para definir a população de rua é homeless, referindo-se a todos aqueles que habitam casas improvisadas em vilas ou favelas. Autores brasileiros como Bursztyn (2000) também utilizam essa definição. Escorel (2000) retrata ainda a distinção que alguns autores fazem entre população de rua como todos os que estão usando a rua como moradia num determinado momento e os que tomam a rua permanentemente como moradia, considerando os primeiros como pessoas em situação de rua. A distinção entre moradores de rua e pessoas em situação de rua consiste na existência de um grupo cuja condição é irreversível, ou seja, indivíduos que tem como habitat o ambiente inóspito das ruas, e outro grupo em situação transitória que tem a rua, de uma forma geral, como um endereço dentre os diversos durante toda a vida. Escorel (2000) destaca ainda autores como Silva Filho Rodrigues que considera como população de rua o conjunto daqueles que dependem de atividade constante que implique ao menos um pernoite semanal na rua, o que, segundo a autora, implicaria em incluir os

profissionais do sexo na população de rua, mesmo que estes não tenham a rua como moradia, nem realizem nela todo o seu trabalho. 1.2 MIGRANTE X TRABALHADOR ITINERANTE X TRECHEIRO X MORADOR DE RUA O migrante, aquele que sai de uma região para outra, geralmente tem um ponto de referência ao qual ele pode retornar nos casos de insucesso. A situação do migrante é caracterizada pelos estudiosos do processo migratório como fruto de uma determinação geográfica que mantém relações estreitas com a procura de trabalho. O caminho do migrante é traçado pela oferta de trabalho, dessa forma ele raramente se integra por muito tempo à população de rua da cidade onde se encontra. Além disso, para o migrante é interessante manter a reputação de trabalhador, o que pode lhe garantir mais rapidamente um ato de caridade como uma passagem de ônibus para retorno à sua cidade, ou uma oportunidade no mercado de trabalho. Eles não querem ser confundidos com os doentes, drogados, malandros, preguiçosos que enxergam na população de rua, nem tampouco com os trecheiros, ainda que por vezes tenham passado noites na rua, pois dificultaria o apoio das instituições. Os trabalhadores itinerantes englobam trabalhadores rurais que se deslocam de sua região para realizar colheitas em épocas de safra em outras regiões; pessoas que vivem do comércio ambulante, garimpeiros e outros trabalhadores que para desenvolver suas atividades realizem deslocamento entre diversas cidades, porém sem estar vinculado a uma atividade específica, podendo desempenhar atividades temporárias diversas a depender da época do ano, os chamados bicos. De uma forma geral, os trabalhadores itinerantes englobam o que Deleuze e Guattari (2002) chamam de itinerantes ou ambulantes por excelência, pessoas que se deslocam seguindo um fluxo de matéria, como é o caso dos mineradores; ou de mercado, como os comerciantes, traçando uma rota de circulação que pode ser alterada por circunstâncias no decorrer do percurso. O trabalho itinerante e a reterritorialização no trecho, assim como uma possível reterritorialização na rua, são muitas vezes, conseqüências diretas do insucesso de processos migratórios. Por exemplo, segundo D Incao, É preciso entender o que diferencia um homem de rua de um migrante. Algo muito tênue, mas decisivo. Eu diria que é a capacidade de sonhar. Nas minhas experiências tenho observado que o sonho de encontrar as condições para viver com mais dignidade é o elemento energizador da errância que nutre os processos migratórios em nosso país. Se estou certa, o homem de rua seria o homem que deixou de sonhar.

E o estar de passagem nesta ou naquela cidade teria de ser lido por nós de uma outra maneira. Essas pessoas que nos dizem que estão de passagem, e que costumamos caracterizar como migrantes estão nos dizendo que, também ali, nos espaços onde estamos intervindo, não lhes é oferecida uma possibilidade de viver decentemente. (D INCAO, 1995, p.30) O migrante ao qual a autora se refere não se distingue em qualidade dos trabalhadores itinerantes ; entre os migrantes haveria uma diferenciação nos graus de sucesso apenas, até que o migrante perdesse o sonho e chegasse à condição de morador de rua. D Incao (1995) trata a errância como conseqüência da falta de oferta de empregos fixos satisfatórios que atenda a esta população, ou seja, a errância é entendida como uma seqüência de migrações mal sucedidas. Dessa forma, assim como os trabalhadores itinerantes são migrantes mal sucedidos, os trecheiros seriam trabalhadores itinerantes fracassados. Os trabalhadores itinerantes, assim como os migrantes, se deslocam sob um certo controle, determinando seus fluxos conforme os pontos de partida e de chegada, mesmo que estes não sejam nunca alcançados, o que os faz itinerantes. Os trecheiros, ao contrário, se deslocam com objetivo tão somente de se deslocar. Nesta perspectiva, o que determina o migrante é a manutenção de sua identidade de trabalhador e o seu objeto de desejo, o trabalho. À medida que esse objeto não é alcançado, lhes restam: retornar à sua terra de origem, tornar-se um trabalhador itinerante; ou abdicar do seu objeto de busca, o trabalho, vindo a ser um morador de rua ou um trecheiro. O trecho é um pedaço de estrada, uma passagem entre dois ou mais pontos, parte de um caminho que leva a algum lugar; é onde o trecheiro se instala. Viver no trecho é viver num caminho inacabado, é ocupar um espaço nômade. Como afirmam Deleuze e Guattari, É nesse sentido que o nômade não tem pontos, trajetos, nem terra, embora evidentemente ele os tenha. Se o nômade pode ser chamado de o desterritorializado por excelência, é justamente porque a reterritorialização não se faz depois, como no migrante, nem em outra coisa, como no sedentário (com efeito, a relação do sedentário com a terra está mediatizada por outra coisa, regime de propriedade, aparelho de Estado). Para o nômade, ao contrário, é a desterritorialização que constitui sua relação com a terra, por isso ele se reterritorializa na própria desterritorialização. É a terra que se desterritorializa ela mesma de modo que o nômade aí encontra um território. (...). A terra não se desterritorializa em seu movimento global e relativo, mas em lugares precisos, ali mesmo onde a floresta recua, e onde a estepe e o deserto se propagam. (DELEUZE; GUATTARI, 2002c, p. 53) Assim o território do trecheiro é a estrada, a fronteira, locais tais como os postos de gasolina, trevos, rotatórias, guaritas. Ele vive em territórios ambíguos, o limite entre uma cidade e outra.

Os trecheiros costumam ser confundidos e por vezes se fazem passar de modo interessado com os migrantes e trabalhadores itinerantes. Isso acontece porque eles ocupam por algum tempo o mesmo território dos migrantes e trabalhadores itinerantes: a estrada; além das necessidades serem semelhantes: alimentação, lugar para dormir, documentos e todos dizem estar em busca de emprego. Segundo Durham (1984), o deslocamento inicial que impulsiona os trecheiros é resultante do afastamento da família e motivado pela busca de uma vida melhor, pela busca por um melhor lugar para residir, lugar que ofereça boas oportunidades de emprego. Eles não têm uma idéia muito clara de todo seu percurso, que pode ser por toda a sua vida. Embora migrantes e trabalhadores itinerantes possam se confundir e se misturar com trecheiros e moradores de rua, a diferença entre eles não é gradual. A passagem de um a outro não é um processo ou uma sucessão de perdas, mas implica uma ou várias rupturas. Enquanto os migrantes e os trabalhadores itinerantes se movem por entre pontos que desejam ocupar, os trecheiros e os moradores de rua ocupam os pontos por onde se movem, sua existência transcorre na passagem, ela não se realiza no destino. Enquanto os migrantes e trabalhadores itinerantes se caracterizam por sua mobilidade, os trecheiros e moradores de rua se caracterizam pelo seu nomadismo, ou seja, por sua reterritorialização na rua, no trecho, enfim, no próprio processo de desterritorialização. (DELEUZE; GUATTARI, 2002c, p.53) Na perspectiva de Durham (1984), o que acontece aos migrantes difere do que acontece aos que se tornam moradores de rua e aos trecheiros: enquanto moradores de rua e trecheiros rompem com os laços familiares e não os recompõem mesmo no momento em que passam por dificuldades pessoais, os migrantes procuram estreitar ou, até mesmo, recriar laços familiares para superar as dificuldades que encontram na vida das grandes cidades. Dessa forma, o fracasso no mercado de trabalho não é apontado como suficiente para fazer de um migrante um morador de rua ou um trecheiro. A população de rua, fenômeno corriqueiro na paisagem das grandes metrópoles brasileiras, é caracterizada por Escorel como uma: Condição limítrofe, que pode ser verificada empiricamente no cotidiano de pessoas que moram nas ruas da cidade, é parte de uma trajetória composta por situações extremamente vulneráveis [...] de pequenas e grandes desvinculações, de laços afetivos frágeis e irregular suporte material [...]. (ESCOREL, 1999, p. 18) Segundo a Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a população em situação de rua compreende um grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela

interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos, áreas degradadas e ocasionalmente utilizar abrigos e albergues para pernoitar. Os caídos são os moradores de rua, reconhecidos pelos não moradores de rua como os mendigos por encontrarem na mendicância o principal recurso de sobrevivência. Eles representam aqueles que se encontram mais degradados pelo álcool, por doenças como a Aids e tuberculose e portadores de distúrbios mentais. Segundo Escorel (1999) existe uma diferenciação entre ser ou não ser mendigo inclusive entre os moradores de rua. A autora define mendigo como aquele que sobrevive pedindo esmola, o que não toma banho, não escova os dentes; é o ponto final da degradação humana. (ESCOREL, 1999, p. 163) BURSZTYN (2000) classifica-os como Sem-lixo e sem-teto errantes : Estes moradores de rua também não ascenderam à condição de catadores de lixo. A maior diferença funcional é seu caráter errante. Vagam pela cidade, movidos por decisões que parecem não obedecer a critérios muito previsíveis. São mendigos, pessoas socialmente desvinculadas, com os laços familiares rompidos, às vezes com distúrbios mentais. Vivem da caridade pública e são ajudados, episodicamente, pela ação de grupos religiosos. Nesse sentido, mesmo na condição de errantes, conhecem os locais onde podem obter algum auxílio: a distribuição de sopa pelos católicos, os agasalhos das associações de senhoras caridosas, os mantimentos dos espíritas. (BURSZTYN, 2000, p. 242) Os maloqueiros são moradores de rua mais gregários, assim conhecidos entre os moradores de rua e os técnicos que trabalham com essa população. Eles vivem em grupos familiares ou em grupos formados por companheiros da rua- que muitas vezes constituem o que chamam de família de rua - e que procuram ocupar locais de maior privacidade, como áreas sob os viadutos e grandes marquises, casas improvisadas, as malocas, ou construções abandonadas. O termo maloqueiro tem diversos significados que variam conforme quem utiliza e em que situação. Em seu sentido positivo ele significa a pessoa que habita as malocas; pejorativamente pode significar o morador da maloca que não divide as tarefas domésticas, o companheiro que não compartilha comida, bebida, cigarro, aquele em quem não se deve confiar, o maconheiro, malandro, bêbado ou vagabundo. A condição de caído se apresenta como um prognóstico temido pelos moradores de rua e, assim como a queda pode ocorrer a qualquer um deles, o caído pode estar no trecho ou na maloca. As trajetórias de vida de trecheiros, maloqueiros e caídos também podem ser muito semelhantes, mesmo que se encontrem em posições diferentes num dado momento. Isto

se deve tanto à freqüente transição de um território existencial para outro, quanto ao fato de que, algumas condições que a rua apresenta como base para a construção de um território existencial, tais como a dificuldade de acumulação de objetos, vínculos afetivos e lembranças e a necessidade de improvisar objetos, atingem a todos os seus moradores, ainda que em graus diferentes. As múltiplas definições da população de rua trazem conseqüências que se refletem nas reivindicações dos movimentos sociais ligados a essa população, pois as políticas habitacionais, a organização de cooperativas de reciclagem podem ser consideradas como políticas para a população de rua, ainda que os beneficiários sejam catadores que não dormem nas ruas ou pessoas que vivam em condições precárias de habitação. Dessas definições também depende a contabilização da população de rua que vai variar de acordo com o conceito que a ela se aplica e também com o nomadismo característico destes povos. Os termos moradores de rua, moradores em situação de rua e população de rua serão utilizados no decorrer da dissertação como sinônimos para referir-se àquelas pessoas que não apenas tiram da rua o seu sustento, mas também tem a rua como habitat, ainda que optem por dormir em instituições de acolhimento para migrantes e moradores de rua. Assim, pessoas que tem a rua como meio de subsistência, mas não fazem dela seu local de moradia, como catadores de material reciclável, vendedores ambulantes, guardadores de carro- flanelinhasetc., não serão consideradas população de rua, mas sim profissionais de rua. Os migrantes não necessariamente são moradores de rua; no entanto, na medida em que estão na cidade e que se utilizam dos equipamentos de atendimento para a população de rua, serão considerados como tal.