CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA UNICURITIBA CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS CARLA GONZALES EDGAR KRÜGER RHENIO MOLETTA TATIANA ZAGO



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Transcrição:

CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA UNICURITIBA CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS CARLA GONZALES EDGAR KRÜGER RHENIO MOLETTA TATIANA ZAGO INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA CURITIBA 2009

1. INTRODUÇÃO - As leis internacionais proíbem o uso de força, com exceção aos casos de legitima defesa e aos casos aprovados pelo Conselho de Segurança da ONU. - Intervenções humanitárias são os casos em que um Estado usa a força para cumprir o papel de defender os cidadãos de outro Estado, quando este não consegue fazê-lo, seja por motivos de genocídio ou assassinato em massa. - Intervenções Humanitárias vão contra os princípios de não intervenção, soberania do Estado e não uso da força, estabelecidos no cenário pós Segunda Guerra Mundial. - Estados soberanos devem proteger os seus cidadãos, mas o que acontece quando um Estado viola os direitos de seu próprio povo? Seriam esses Estados considerados como membros da Sociedade Internacional, gozando dos direitos citados? - Quais são as responsabilidades dos Estados e das instituições internacionais em garantir a segurança dos direitos humanos em Estados que violam estes? - Durante a guerra fria o princípio de Soberania era extremamente valorizado, deixando assim pouco espaço para a garantia dos direitos humanos. - Após o fim da guerra fria, os direitos humanos voltam a ser motivos de debates, principalmente entre Estados liberais-democráticos, com a valorização de princípios como responsibility to protect. - O conceito responsibility to protect afirma que os Estados tem uma obrigação primaria de proteger seus cidadãos, e que quando isto não ocorre, a responsabilidade de acabar com genocídios e atrocidades passa para a comunidade internacional - Este conceito foi aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 2005, sob alegação de que constituirá um consenso a respeito da intervenção humanitária, e dificultara o abuso deste argumento por parte dos Estados.

2. PONTOS FAVORÁVEIS À INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA Argumento legal: postura adotada pelos chamados contra-restricionistas, e se baseia na argumentação de que a Carta da ONU faz com que os estados se comprometam em proteger os direitos humanos fundamentais. Outra fundamentação é a questão da existência de um direito consuetudinário que legitima a intervenção humanitária e este direito precede a criação da carta. Para os contra-restricionistas existe, na carta da ONU, uma exceção com base humanitária para permitir o instrumento do uso da força. E segundo juristas internacionais a carta só proíbe o uso da força contra a independência política e contra a integridade territorial, fatores que não se enquadram na intervenção humanitária. Principais problemas desta argumentação: Sua leitura das previsões textuais da carta da ONU vai contra a opinião legal majoritária e difere também da opinião dos próprios criadores da carta. Argumento moral: independentemente do que dizem tratados, há um dever moral de intervir para proteger civis de genocídios e massacres. A soberania deriva do princípio do estado defender seus cidadãos, e quando o Estado falha neste dever, ele perde este direito de soberania. Com o advento da globalização, o mundo está muito integrado, e uma eventual violação de direitos humanos em uma parte do mundo tem efeitos em todas as outras partes. Alguns autores defendem a teoria da guerra justa argumentando que o dever de oferecer cuidados para quem precisa é universal. Principais problemas desta argumentação: Garantir aos Estados uma permissão moral para intervir em outro, abre as portas para um potencial abuso, e os argumentos humanitários acabam sendo usados para justificar guerras que correspondem ao interesse do país interventor. Há também o problema da quantificação dos níveis de gravidade das violações para se iniciar uma intervenção ou se estas forças devem ser usadas para prevenir possíveis emergências humanitárias.

3. CRITICAS À INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA Não há base para a intervenção humanitária no Direito Internacional: Segundo juristas internacionais restricionistas, o bem comum é melhor preservado mantendo-se uma barreira à qualquer ação de força não autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU. Não deve haver exceções ao direito de ação arma, apenas em caso de legítima defesa. Os Estados não intervêm, a princípio, por motivos humanitários: Os estados confundem as razões para intervir, e quase nunca estão preparados para arriscar seus soldados fora de suas fronteiras. Segundo os REALISTAS a intervenção humanitárias genuína é imprudente pois não atende aos interesses nacionais. Os Estados não podem arriscar a vida de seus soldados para salvar estranhos: O paradigma estadista do realismo garante que os estados não devem se comportar desta forma. Líderes políticos não têm o direito de derramar o sangue de seus próprios cidadãos em benefício de estrangeiros. A única responsabilidade de um estado são seus próprios cidadãos. Assim como é responsabilidade dos cidadãos e dos líderes políticos de um Estado, repreender as atitudes totalitárias de seus governantes. O problema do abuso: Na falta de um mecanismo imparcial para decidir quando a intervenção humanitária deve ser permitida os Estados usam de motivos humanitários como pretexto para atingirem interesses próprios. Este mecanismo não facilitaria uma ação humanitária mais genuína. Seletividade da reação: Os Estados aplicam os princípios de intervenção humanitária de forma seletiva, como resultado de uma inconsistência política. Desacordo sobre os princípios morais: A teoria PLURALISTA evidencia o problema de como se estabelecer um consenso em que os princípios morais deveria se basear ou o que constitui extrema violação destes princípios. Nesta falta de consenso os países mais poderosos seriam livres para impor sua própria moral culturalmente estabelecida.

A intervenção não funciona: Ela deve ser evitada pois estrangeiros não são capazes de estabelecer direitos em um território que não o seu. Os LIBERAIS acreditam que o Estado é estabelecido pelo informado consenso de seus cidadãos, então a democracia só se estabelece pela luta interna pela liberdade. Os abusos sempre retornarão quando os outsiders deixarem o país em que interviu. 4. 1990: A ERA DOURADA PARA O ATIVISMO HUMANITÁRIO? O período que sucedeu a Guerra Fria costuma ser analisado como uma espécie de era dourada para o ativismo humanitário. É inegável o fato de que na década de 90 os Estados passaram a contemplar a intervenção de maneira para proteger Estados estrangeiros ameaçados em terras distantes. Exemplos disso não faltaram, tal como será analisado nas operações humanitárias no Iraque, em Kosovo, entre outros. Porém, ao mesmo tempo que essas intervenções ocorriam, também ocorriam genocídios, tal como em Ruanda, provando que a década de 90 não foi tão dourada quanto se pensava. 4.1. A Influência dos Sentimentos Humanitários Nos casos das intervenções no Iraque (1991) e na Somália (1992), a opinião pública adquiriu destaque relevante ao pressionar o governo para utilizar-se da força com propósitos humanitários. No caso do Iraque, existia um grande número de refugiados provenientes da opressão realizada pelo ditador Saddam Hussein em relação ao povo curdo após a Guerra do Golfo de 1991. Com isso, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha intervieram militarmente a fim de criar campos protegidos para os curdos. Da mesma maneira, a intervenção militar norte-americana na Somália em 1992 foi decorrente do sentimento de compaixão. O Estado da Somália foi criado em 1960 a partir de antigas colônias britânicas e italianas, sendo composto por diversos clãs. Em 1969, o General Mohammed Siad Barre instaurou uma ditadura nesse país, com o objetivo de exterminar os clãs, e o fez através de fechamento de partidos políticos. A partir de 1988 começa a ocorrer insurgências contra o ditador por parte da população, o que leva a

intensificação da repressão estatal, aumentando o número de exilados e refugiados nos países vizinhos. Em 1991, o ditador é deposto por facções rivais, que logo entram em conflito entre si, fazendo com que haja a eclosão de uma guerra civil. No fim do ano, esse país havia se tornado uma zona de guerra, não possuindo mais administração pública, polícia, leis, ou seja, havia a proeminência de uma catástrofe humanitária, contando com um elevado número de refugiados. Ocorre, então, uma intervenção norte-americana baseada no senso de solidariedade. Esse senso, porém, desapareceu quando os Estados Unidos passaram a enfrentar dificuldades. O governo relegou a questão da intervenção após a morte de 18 combatentes, demonstrando quão frágil a opinião pública é. A televisão, para apoiar a operação, mostrava imagens de pessoas subnutridas e morrendo, e esse fato convenceu o governo norte-americano a realizar uma missão humanitária, porém quando o público viu que os próprios próprios norte-americanos estavam morrendo, o governo anunciou a retirada da missão. Esse caso demostra que a mídia possui um duplo papel: ela tanto pode pressionar governos para realizar intervenções humanitárias como também pode desiludir o público, forçando a retirada da missão. Outro destaque que esse caso apresenta é que, se não há interesses vitais em jogo, os Estados podem lançar-se em missões de resgate caso haja pressão e mobilização da população nacional. O contraste da intervenção na Somália e no Iraque ocorreu através da intervenção da França em Ruanda, em 1994, um ótimo exemplo de abuso. O governo francês evidenciou apenas o caráter humanitário que a operação possuía, porém faltou credibilidade a essa interpretação, uma vez que ela apenas acobertou a busca de interesses nacionais. A Ruanda é o exemplo clássico das lutas entre as etnias pelo governo dos países surgidos após a descolonização. A maioria da população é da etnia Hutus, só que era dominados por estrangeiros, os tutsis. Em 1962, a Ruanda adquire sua independência e se instaura um governo da maioria hutu, que inicia uma perseguição aos tutsis, que se exilam em diversos países vizinhos. Em 1990, os tutis foram a Frente Patriótica Ruandesa (FPR) e invadem a Ruanda, originando uma guerra civil. Em 1994, após a morte do presidente de Ruana, os hutus passam a massacrar a população tutsi, levando à morte de cerca de 1

milhão de pessoas, sendo o crime considerado um genocídio. O papel da França nessa história é que ela apoiava o partido Hutus, tendo inclusive enviado tropas quando a Frente Patriótica Ruandesa (FPR) invadiu o país. O presidente francês buscava retomar a influência francesa na África e temia que a vitória do FPR em Ruanda traria aquele país para a influência britânica e norte-americana. A França, então, não interviu até os últimos estágios do genocídio, que teve seu fim primordialmente pela vitória militar do RPF. Parece, assim, que o comportamento francês foi de acordo com a lógica realista de que os Estados somente irão arriscar seus soldados quando estiveram em defesa de seus interesses nacionais. Os líderes franceses poderiam, sim, ter sido parcialmente motivados por sentimentos humanitários, mas parece mais ser um caso de um Estado abusando do conceito de intervenção para assegurar os seus interesses nacionais. O questionamento que se aplica à intervenção francesa foi o porque da sociedade ter falhado e não intervindo tão logo que o genocídio começou. Claro que a atuação da França salvou algumas vidas, porém não foi capaz de impedir que o genocídio ocorresse, no qual mais ou menos 800.000 pessoas foram mortas em apenas cem dias. A falha da sociedade internacional em evitar o genocídio indica que os líderes estatais permanecem atrelados com o pensamento do estatismo. Não houve intervenção pela simples razão de que aqueles que possuem capacidade militar para resolver a situação estavam relutantes em sacrificar tropas para proteger os habitantes de Ruanda. Se a intervenção francesa na Ruanda pode ser criticada por ter ocorrido demasiado tarde, a intervenção da OTAN em Kosovo, em 1999, foi criticada por sua rapidez. No início da guerra, a OTAN alegou que estava intervindo para evitar uma catástrofe humanitária. Para realizar isso, as suas milícias possuíam dois objetivos: reduzir a capacidade militar Sérvia e forçar Milosevic para aceitar a indenização prevista no Acordo de Rambouillet. Para sustentar o pedida da OTAN de que a utilização da força militar era necessária, muitos argumentos foram utilizados, dentro os quais o de que as ações sérvias em Kosovo haviam criado uma emergência humanitária, rompendo com severos comprometimentos internacionais. O de que a Sérvia estava cometendo crimes contra a humanidade, sendo possível até mesmo o genocídio e o de que o

regime de Milosevic usava força contra os albanianos de Kosovo, desafiando as normas da humanidade comum e de igualdade racial. Apesar de que, segundo as próprias justificativas dos líderes ocidentais, o motivo humanitário foi o primeiro fator para que ocorre a ação, ele não foi o exclusivo, sendo que outros mudaram até mesmo o caráter da intervenção. De fato, a OTAN foi colocada nessa missão por uma mistura de preocupação humanitária e interesse individual a respeito de três problemas. O primeiro foi pelo medo de que ocorresse novamente a carnificina que houve na Bósnia; o segundo era preocupação que os conflitos na região dos Balcãs iriam culminar com uma massa de refugiados na Europa, refletindo os interesses dos paísesmembros dessa organização; por fim, havia a preocupação dos governos ocidentais de que crise se espalharia e englobaria diversos Estados vizinhos, caso eles não fossem capazes de contê-la. Isso prova que a intervenção humanitária pode ser feita por diversos motivos e que Isso apenas se tornará um problema caso os motivos não-humanitários diminuírem as chances de se alcançar os propósitos humanitários. 4.2. A Legitimidade das Intervenções Ao contrário da época da Guerra Fria, as intervenções que ocorreram no Iraque, na Somália, em Ruanda e Kosovo foram todas justificadas por motivos humanitários. A utilização da força, porém, não foi um consenso entre as nações. China, Rússia e o grupo dos Não-Alinhados muito questionaram a sua utilização. Porém, com o decorrer dos anos 90 essa posição foi sendo mais aceita, culminando com a aceitação de que o Conselho de Segurança das Nações Unidas se tornaria autorizado para realizar intervenções humanitárias, adquirindo legitimidade para autorizar ações militares em casos em que exista uma ameaça para a paz internacional e para a segurança. A lista do Conselho de Segurança sobre o que se configura como uma ameaça a paz sofreu um aumento, passando a também considerar sofrimento humano, a subversão de governos democráticos, falhas estatais, movimentos de refugiados e limpeza étnica. Esses itens, portanto, são justificativas plausíveis para justificar intervenções humanitárias, sendo primeiramente implantados no caso do Iraque e da Somália.

A intervenção da OTAN em Kosovo gerou questões acerca de como a sociedade internacional deveria tratar uma intervenção onde um Estado ou um grupo de Estados utilizam-se da força sem a explícita autorização do Conselho de Segurança. Apesar das ONU não ter expresso sanções em função da intervenção por parte da OTAN, ela também não a condenou por isso. A Rússia até tentou realizar uma condenação, porém não foi aprovada. O que foi alegado pelo Conselho de Segurança foi que enquanto não as Nações Unidas não estivessem preparadas apoiar intervenções humanitárias estatais, não teria ela condições de condenar quem o faz. As Nações Unidas possuem uma comissão especial para a defesa dos Direitos Humanos, monitorando as nações e sendo acionada em casos de violação desses direitos, tal como ocorre com o genocídio e limpeza étnica, fazendo com que se paguem indenizações. Apesar essa não ser uma intervenção militar, ela colabora para que a paz e os direitos humanos sejam restaurados sem que seja necessária a utilização da força. As Organizações Não-Governamentais, tal como Anistia Internacional, também colaboram para evitar que haja desrespeito aos seres humanos, mesmo sem a utilização da força militar. Até mesmo Organizações Internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial buscam apenas se relacionar com nações que estão de acordo com os ideais humanitários. Assim como nas intervenções estatais, questiona-se nesses movimentos o verdadeiro motivo, se não há interesse individual. 4.3. O Resultado das Intervenções Em uma intervenção humanitária, dois tipos de resultados são possíveis, considerando-se a sua duração, podendo eles ser de curto ou de longo prazo. O primeiro refere-se ao alívio imediato do sofrimento humano, que ocorre em função do término daquilo que está provocando o sofrimento. O resultado de longo período foca na profundidade da operação, facilitando tanto a resolução de conflitos quanto a construção de políticas viáveis. Os resultados podem ser evidenciados nos casos acima analisados.

Em relação ao Iraque, o sucesso inicial ao lidar com o problema dos refugiados foi obtido. No entanto, quando a mídia começam a se dispersar, bem como o interesse público, isso se refletiu no comprometimento dos governos em proteger o povo curdo. Assim, a hostilidade dos iraquianos em relação à minoria curda persistiu, mesmo com uma pequena melhoria no grau de autonomia em relação esse povo. A operação dos Estados Unidos na Somália foi, no início, uma intervenção humanitária de sucesso, pois no curto prazo de tempo, os Estados Unidos salvaram nativos da fome. A missão, porém, terminou em desastre. A operação teve até mesmo a intervenção das forças das Nações Unidas aliviar o desarmamento das facções e restaurar a ordem e a lei, buscando evitar o retorno da guerra civil e da miséria. Mesmo assim, o resultado final da operação foi desastroso. Por fim, acerca da análise da situação de Kosovo, por um lado a intervenção proporcionou uma melhora na segurança, possibilitando que o número de soldados diminuísse, que eleições fossem realizadas, que o poder fosse transicionado. Por outro lado, porém, a violência étnica permaneceu como um aspecto recorrente na vida da população, há uma elevada taxa de desemprego, e o país se tornou o paraíso para o crime organizado. A conclusão que se chega através desses exemplos é que os resultados costumam ser mais positivos nas intervenções de curto prazo, que focam exclusivamente nas causas políticas da violência e do sofrimento. É por essa razão que a International Comission of Intervention and State Sovereignity (ICISS) insistiu que a intervenção é apenas uma das responsabilidades internacionais dos Estados, sendo que as outras duas são relacionadas com a construção de condições politicas, sociais, econômicas básicas para a promoção e proteção dos direitos humanos.

5. GUERRA AO TERROR - Quais as conseqüências para o pós 11 de setembro para a política de intervenção humanitária? - Uma visão cética nos mostra que os Estados Unidos colocaram os seus próprios interesses acima dos direitos humanos, tanto em questões internas como externas, como visto no declínio no numero de operações de paz após 2001. - Outro ponto desta visão nos mostra que não só os Estados Unidos e seus aliados vem colocando os direitos humanos de lado, como também vem usando o motivo de intervenção humanitária banalmente, abusando deste principio para justificar o uso da força em outros Estados. - Uma visão mais otimista é baseada no fato de que Estados só usam a intervenção militar pelos direitos humanos quando seus próprios interesses na segurança estão em risco. Para os otimistas existe um link entre terrorismo e failed states, e esse link daria o interesse na segurança necessária para as intervenções humanitárias. - As experiências com o Iraque e Darfur mostram que existe uma tendência maior à visão cética, mostrando que os Estados não se mostram muito dispostos a intervir em regiões sem interesse. - Para melhor exemplificar essa visão examinaremos os casos do Afeganistão, Iraque e Darfur. - No Afeganistão, embora a justificativa oficial era a de uma guerra de legitima defesa, o presidente Bush sempre fez questão de ressaltar os princípios humanitários desta ação militar. - Essa ressalva nos mostra que, não só existe uma preocupação no aumento das justificativas humanitárias para as ações militares, como essas não passam de desculpas. A falta de preocupação com a reconstrução afegã, somada a maior preocupação em não perder soldados, mesmo isso significando maior numero de mortes civis, nos mostram que a justificativa humanitário foi mal utilizada.

- O caso da invasão iraquiana é um outro exemplo da banalização do uso da intervenção por base nos motivos humanitários. Enquanto possível, os Estados Unidos e seus aliados mantiveram o motivo como a busca pelas Armas de Destruição em Massa, com o passar do tempo, esse motivo foi descartado em prol do motivo humanitário. - Entre os argumentos que dizem que o Iraque foi de fato uma ação humanitária estão: o propósito de acabar com a tirania de Sadam Hussain; o fato de intervenções humanitárias requererem intenções, e não motivos humanitários. - Entre os argumentos contrários estão: o fato de que segundos a doutrina tradicional, as intervenções humanitárias só podem ser justificadas por crimes contra a humanidade como genocídio; as intervenções devem sempre ter um saldo positivo; - A invasão iraquiana, com o motivo de intervenção humanitária, afastou países que estavam aliados a causa, como a Alemanha, por conta do abuso a justificativa. Sendo assim, o caso iraquiano pode não ter sido contraria aos princípios humanitários em si, mas danificou a imagem dos Estados Unidos, tornando mais difícil a aceitação de outros países em impedir genocídios em casos futuros. - O caso de Darfur exemplifica que os Estados não estão interessados em impedir genocídios em regiões sem interesses. - A intervenção em Darfur deixou de ocorrer pois: houve uma grande oposição por parte de países com ligações com o Sudão, como China e Rússia; uma intervenção enfrentaria uma forte resistência; os países não tem interesse em perder soldados e dinheiro em regiões sem interesse.

6. A RESPONSABILIDADE DE PROTEGER - O conceito da responsabilidade de proteção foi desenvolvido pela International Comission on Intervention and State Sovereighty (ICISS), em resposta a uma série de discursos do secretário-geral Kofi Annan. - O relatório elaborado pela comissão tira o foco do conflito entre soberania e direitos humanos, e transfere a discussão para o âmbito da busca por um consenso sobre a responsabilidade de proteger. Por isso também a mudança no conceito analisado, ao invés de um estudo sobre o direito de intervir a análise pauta-se na responsabilidade de proteger. - A responsabilidade de proteger consiste na idéia de que todos os Estados são soberanos, na medida em que eles têm a responsabilidade de proteger seus cidadãos, quando isso não ocorre, esta responsabilidade é transferida para a comunidade internacional. - A proteção através da intervenção humanitária militar se dá em casos com larga escala de perda de vidas ou larga escala de limpeza étnica; mas somente após o esgotamento de todas as formas pacíficas de solução. - São dois os motivos principais para que se buscasse um consenso em torno da intervenção humanitária: 1. A prevenção contra a falta de interesse estatal na proteção; 2. A prevenção de intervenções militares que não são humanitárias, mas que se justificam como tal. - A responsabilidade de proteger é dividida em três tipos, que consistem no antes, durante e depois das crises. São elas: 1. A responsabilidade de prevenção; 2. A responsabilidade de reação; 3. A responsabilidade de reconstrução.

- A proposta da ICSS para a formulação de normas eficazes no combate de abusos e estatismos é a de que todos os Estados deveriam se comprometer com a proteção. Os problemas para a execução desta meta seriam dois: 1. Quais os responsáveis pela proteção, ou seja, mobilização de exércitos; 2. Persuadir os Estados ao cumprimento desta função. - Dentro da proposta de proteção, um ponto de extrema importância refere-se à hierarquia de ação, que consiste em uma escala de responsabilidade, segundo a qual se deve recorrer primeiramente ao maior responsável e em último caso à ação isolada do Estado. Hierarquia: Estado > Conselho de Segurança > Assembléia Geral > Organizações Regionais > Coalizões > Outros Estados. - Existem três principais críticas em relação à elaboração deste documento sobre a responsabilidade de proteção. 1. O estabelecimento de normas não equivale à ação, sempre haverá divergências na hora da tomada de decisões. 2. A interpretação dos fatos e critérios favorece aqueles com maior poder político. 3. O poder de dissuasão tanto de outros Estados, como da opinião pública internacional, ou dos cidadãos do Estado em questão é muito pequeno. Normalmente as ações de um Estado se dão apenas pelos interesses de seus dirigentes. - O relatório da ICISS foi recebido por muitos países integrantes da ONU de forma favorável, por outros, nem tanto. Favoráveis: Canadá, Alemanha, Reino Unido, Argentina, Austrália, Colômbia, Croácia, Irlanda, Coréia do Sul, Nova Zelândia, Noruega, Peru, Ruanda, Suécia e Tanzânia. Contra: Estados Unidos, China, Rússia, Índia.

- Em 2005, a ONU adotou o princípio da responsabilidade de proteção, com algumas mudanças significativas em virtude das reivindicações feitas por alguns Estados. - Mudanças: 1. A utilização de critérios, capazes de governar o uso da força, não foi regulamentada pela ONU; 2. A prática da responsabilidade de proteger necessita de autorização expressa do conselho de segurança da ONU, ao contrário da proposta estabelecida pelo ICISS. - O documento prevê uma série de regulamentações para a ação militar. Entre elas, o ponto de maior importância refere-se aos quatro princípios de precaução, são eles: 1. Intenções certas: Como principal motivo a proteção humana 2. Último recurso: antes devem ser tentadas medidas pacíficas 3. Proporcionalidade: A medida de intervenção deve ser a mínima possível 4. Racionalidade: Tendo como fim o bem dos cidadãos, a intervenção deve ser melhor do que a não-intervenção.

7. CONCLUSÃO - Embora exista um crescimento com as preocupações morais e humanitárias, os problemas de Ruanda e Darfur mostram que as intervenções humanitárias ainda não estão globalizadas - As preocupações humanitárias são, por enquanto, seletivas a áreas de interesses dos grandes países, que não desejam perder vidas dos seus soldados e dinheiro de seus cofres em missões sem interesses econômicos - O aumento com as preocupações humanitárias vem camuflado como uma justificativa para as recentes ações militares dos grandes países, como nos mostra o caso do Iraque - A adoção dos termos de responsabilidade de proteger trouxe um aumento de importância nas políticas humanitárias, no entanto, é preciso esperar para ver se os grandes países passarão a assumir custos e riscos para salvar estrangeiros