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38 Solenidade de Regulamentação do Fundo Nacional de Assistência Social PALÁCIO DO PLANALTO, BRASÍLIA, DF, 25 DE AGOSTO DE 1995 Senhor Ministro da Previdência e Assistência Social, Dr. Reinhold Stephanes; Senhores Ministros de Estado aqui presentes; Senhor Governador do Estado de Mato Grosso, Dante de Oliveira; Senhor Vice-Governador de Pernambuco; Senhoras e Senhores Parlamentares; Senhora Secretária de Assistência Social, Dona Lúcia Vânia; Senhoras e Senhores; Quero aproveitar a oportunidade deste ato, para cumprimentar muito vivamente o Ministro Stephanes e a Secretária Lúcia Vânia, por terem levado a bom termo este importante aspecto da remodelação do Estado brasileiro. Ao cumprimentá-los, gostaria também de reafirmar o que disse o Ministro Stephanes e, quem sabe, fazer uma consideração adicional àquelas que eu já venho fazendo habitualmente, para chamar a atenção para o fato de que estamos mudando as estruturas do Estado brasileiro, Repito o que tenho dito nos últimos meses: parece que água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Nós estamos, efetivamente, processando uma transformação na organização do Estado brasileiro. Essa transformação não se verifica apenas - embora seja fundamental
254 PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO também - através de emendas constitucionais. Nós já as enviamos, pelo menos algumas. Enviaremos outras, pouco a pouco. Não se trata apenas de fazer com que haja uma alteração do quadro legal, fundamental. Trata-se de muito mais do que isso: de uma mudança de mentalidade e de forma de comportamento. Se ainda estivesse na universidade, eu teria muito gosto em discutir com os meus companheiros intelectuais a respeito da falta de imaginação. Vejo com frequência referências a um conceito, que nem chega a ser conceito, de neoliberalismo. Por que não falam de uma política neosocial - que é o que nós estamos fazendo - em vez de inventarem e se perderem em conceitos vazios, que não se aplicam a um país como o nosso, no qual o Estado tem que ter um papel fundamental para recompor, não só a economia, mas também a sociedade? Em vez de discutirem no vazio de palavras que não têm expressão prática nenhuma, a não ser, talvez, de agradar aos pobres de espírito, por que não discutem o que é necessário, que é uma política neo-social? Por que "neo"? Porque nós não queremos mais o clientelismo. Porque nós nos cansamos de dizer que é tudo para o social e, mesmo querendo ser, não conseguiu ser. O Estado, dentro dele mesmo, não tem condições de avançar se não houver um entrosamento com a sociedade. É o que nós estamos fazendo: em cada aspecto das políticas sociais do Governo, o que nós estamos procurando fazer - o Ministro Stephanes está fazendo neste momento - é justamente ampliar os canais de participação da sociedade na condução das políticas públicas. Não se trata mais de pura e simplesmente pedir um favor ao Governo ou de pedir que o parlamentar seja o intermediário desse favor. O parlamentar se cansou disso também. Ele está construindo um outro espaço de atuação. Um espaço de atuação em que a reivindicação é global, é universal, é política. Não é o favor para este ou para aquele. E o Governo não está disposto, também, a fazer favor a ninguém, porque é uma indignidade considerar favor aquilo que é um direito do cidadão. O que o Governo está fazendo é criar os canais para que o cidadão tenha os seus direitos reconhecidos e para que ele próprio, através de suas organizações, participe na discussão e na distribuição, quando for
PALAVRA DO PRESIDENTE 2 SEMESTRE 1995 255 o caso, dos recursos, para o atendimento dos reclamos da sociedade. É essa a nova visão. É neo-social, não é neoliberal. Neoliberal é um conceito de quem não tem imaginação, de quem não vê a realidade e copia. É o mimetismo. Pensam que estamos na Inglaterra. Meu Deus, não vêem que pelo menos o clima é diferente? E temos outras diferenças melhores até do que as que podem ter nascido em outros países, como na Áustria que, aliás, foi a pátria de tal conceito. Já se esqueceram disso. Não é isso, o Brasil é outra coisa, é uma realidade mais difícil, cheia de problemas que têm que ser atendidos, sim, pelo Estado, mas não pelo Estado patrimonialista nem clientelista, que confunde aquilo que é a Fazenda do Estado com a fazenda pessoal, e, aí, existe aquela ligação lamentável, que termina por fazer com que os recursos públicos sejam carreados para bens privados. Nem é o Estado clientelista, que atende a um conjunto de pessoas que, despossuídas de condições de sobrevivência, sem intermediação política, são manipuladas pela intèrmediação política, para que obtenham algum recurso. Nós não temos nem uma forma de Estado nem outra; temos o Estado, sim, que tem que estar atento à questão social, às políticas sociais, que não pode cruzar os braços e dizer "Deixa que o mercado resolve", porque o mercado não resolve isso, nem vai resolver aqui nem na China. Aliás, na China é onde não resolve mesmo. Pois bem, nós estamos reconstruindo as formas de Estado, fazendo com que ele seja cada vez mais ativado pela sociedade, fazendo com que, não só nesse programa, não, em todos os programas que estamos organizando haja conselhos locais que definam os critérios e objetivos. Não adianta acabar com o clientelismo no Governo Federal para criá-lo no governo municipal ou no governo estadual, porque não é o que nós queremos. Nem adianta libertar o município da tutela federal, para enganchá-lo na tutela do estado, porque nem todos os governadores são como o Dante, alguns poderiam querer utilizar mal essa faculdade. Não é isso, não. Nós estamos organizando mecanismos de participação efetiva, para que a participação deixe de ser uma palavra proferida, às vezes agressivamente, no vazio, para ser uma palavra concreta.
256 PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Eu gostaria muito, Ministro, que, nesse primeiro encontro que se vai fazer na área social, pensassem sobre essas questões, esquecessem os slogans e pensassem - pensar não é fácil, não, é difícil, mas é bom, ajuda - sobre a realidade e ajudassem o Governo a avançar nessa realidade de políticas neo-sociais, pois a política social tem um conteúdo novo, e o novo é esse entrosamento com a sociedade, é essa definição de critérios objetivos, é esse afastamento do clientelismo e da prepotência nas práticas. E que prestassem atenção - aproveito a oportunidade para reafirmar o que disse o Ministro - que um programa de renda mínima, aí sim, onde ela pode ser aplicada limitadamente, é para atender ao idoso que não tem recurso e atender ao portador de deficiência que não tem recurso. Aí, tem que existir efetivamente uma ação direta do Estado, em termos de renda mínima, e é o que está sendo proposto. Vai ser difícil, vai ter que separar, que criar organizações que evitem - como eu já disse aqui - o clientelismo e em que haja a participação da sociedade. Mas nós já estamos construindo um Estado mais saudável, um Estado em que, realmente, haja essa ligação mais genuína entre a sociedade e os seus representantes, os funcionários, que outra coisa não são senão servidores desse próprio povo que aí está. Eu cumprimento a Lúcia Vânia, cumprimento o Ministro, a Dona Marlova Jovchelovitch Noleto, todos, que eu sei que são muitíssimos, e os que aqui estão e que se preocupam com essa questão social. E fico feliz de ver que nós vamos dar continuidade a uma série de programas, que são necessários. Nós tivemos que quebrar uma estrutura, e quebramos. Quebramos uma estrutura que, independentemente da vontade das pessoas, se tornara um ralo da República, porque jogava dinheiro fora, não sabia o que ia fazer e era clientelística. Essa estrutura do Estado federal, agora, vai ser mínima, para que seja possível que, realmente, a sociedade, em interação com essa estrutura mínima, disponha dos recursos. Eu os convido a todos, portanto, a continuarem nessa política neosocial, que é do que o Brasil necessita. Muito obrigado aos Senhores.