Apesar dos problemas associados à má distribuição de renda, o Brasil- ingressa no século XXI com uma das maiores economias do mundo e um compromisso com a paz mundial e o sistema democrático e sem conflitos culturais, étnicos ou religiosos, exibindo uma sociedade de muitas facetas, mas sendo um país com identidade própria e estabilidade e coesão internas. Um dos grandes desafios para tornar o Brasil mais condizente com os anseios da sua população é a "modernização" da vida política. Para isso, é urgente a implementação de uma reforma política, para que, os representantes eleitos pelo povo sejam fiéis às propostas apresentadas, cumprindo com as suas promessas, e para que se devolva a credibilidade aos partidos políticos e à classe política como um todo. Dentre as reformas restantes para desenvolver o Brasil, o grande desafio é reduzir as desigualdades
sociais e regionais, o que é, ademais, obrigação do Estado prevista na Constituição Federal. Mantidas a estabilidade monetária e o equilíbrio fiscal, a grande meta para os próximos anos deve ser a retomada do crescimento com a redução das desigualdades sociais e da vulnerabilidade externa. A realização dessas metas pressupõe o fortalecimento do mercado interno e a recuperação ou reconstrução da capacidade estatal de formular e executar políticas de desenvolvimento. UM PAPEL MAIS ATUANTE PARA O ESTADO O papel do governo num país emergente e grande como o Brasil não pode deixar de incluir um certo nível de intervenção na economia. Sem exercer o papel de empresário, como no passado, o Estado no Brasil deveria exercer um papel mais pró-ativo na promoção do crescimento com distribuição de renda, na regulação das atividades de interesse público e no fomento de maior competitividade. O PAPEL DO CAPITAL NACIONAL ESTRANGEIRO O empresariado nacional e o estrangeiro devem ser parceiros do governo na promoção de um estilo de crescimento com maior autonomia externa, num contexto em que o desenvolvimento dificilmente ocorre de forma espontânea somente a partir das forças de mercado.
Obviamente, e em vista dos desafios históricos do país, um modelo econômico que privilegie o mercado interno e uma maior ofensiva externa requer certa dosagem de planejamento e poupança doméstica. Portanto, o Brasil deve trabalhar pela substituição das importações ao mesmo tempo em que promove as exportações. REDUZIR A VULNERABILIDADE EXTERNA Sem prejuízo da importante participação do capital estrangeiro, é indispensável fortalecer a poupança interna e promover as exportações, para atenuar a vulnerabilidade e as restrições decorrentes dos fluxos de financiamento externo. O Brasil deve rever a sua atual estratégia para minimizar sua dependência aos fluxos de capital externo. Cabe ressaltar que o problema não reside nesses capitais em si, e sim na crônica dependência do país sobre o seu ingresso. REDISCUSSÃO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS Podemos considerar que o Consenso de Washington esgotou-se sem que seu receituário tenha sido capaz de reduzir a pobreza nomundo. Ao contrário, as evidências mostram que aumentaram as desigualdades, e que têm sido frequentes as crises econômicas e financeiras em várias partes do mundo, tendo inclusive o Brasil sido um desafortunado exemplo. Países como o Brasil não podem se omitir na rediscussão do modelo de relações econômicas globais entre os países desenvolvidos e em
desenvolvimento. Nesse sentido, a política externa brasileira deveria ser reformulada, para defender um novo modelo de relações econômicas internacionais nos foros apropriados (ONU, FMI, Banco Mundial, OMC, entre outros), que possa ser mais favorável a promoção do desenvolvimento sustentável e da justiça no mundo. A base do novo modelo de relações econômicas entre países ricos e pobres deveria ser não o interesse econômico em sentido estrito, mas um consenso ao redor de padrões mínimos de condições de vida e oportunidades de trabalho para os povos e países mais necessitados. Cabe destacar o interesse brasileiro na implementação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), desde que traga reais benefícios para o País. A sociedade brasileira e o Congresso Nacional estão mais dispostos a discutir os termos do acordo, para que possa trazer ganhos não só a setores específicos, mas sim para todo o Brasil. A GRAVE CRISE URBANA E DE SEGURANÇA PÚBLICA Outro grande desafio, a ser enfrentado hoje por toda a sociedade brasileira, é a crise urbana, cuja expressão mais visível é a criminalidade, que ameaça comprometer a estabilidade e a segurança nacional. Para enfrentar o problema, além de políticas de emprego e de educação nas grandes cidades brasileiras, é necessária uma reforma urgente e determinada nas corporações policiais. Em outras
palavras, medidas imediatas deveriam ser tomadas com foco nas atuais taxas de criminalidade, sem prejuízo de ações de médio e longo prazo com vistas a eliminar, ou pelo menos mitigar, as causas econômicas e sociais do crime, das quais a mais notória é a desigualdade de renda. A situação econômica tem uma relação crucial com a criminalidade. Em lugares com altas taxas de desemprego e sem perspectivas de mudanças, o crime pode ocorrer com maior freqüência por ser visto como uma forma de sair da pobreza e de melhorar o padrão de vida. E quanto mais desigual 6 uma sociedade, mais as diferenças nos padrões de vida são percebidas. Ademais dos efeitos perniciosos sobre a qualidade de vida na sociedade, o crime - seja violento ou na forma de corrupção - exerce um impacto negativo sobre a economia. A criminalidade afasta os investidores e reduz ainda mais as oportunidades de emprego. Dada a intensidade do problema no Brasil, é de caráter altamente prioritário romper esse círculo vicioso. É também importante mencionar o compromisso do Brasil com o combate a todas as formas de terrorismo, pois não há justificativa alguma para atacar pessoas inocentes na defesa de nenhuma causa, seja ela de caráter econômico, cultural ou religioso. O Brasil tem dado o seu apoio para as iniciativas internacionais de combate ao terrorismo ora em curso. Entretanto, entendo que as causas do terrorismo devem ser enfrentadas de forma realista, para prevenir de forma efetiva as suas conseqüências e para a sua eliminação definitiva.
PERSEVERAR NOS AVANÇOS SOCIAIS Além da preservação-e aprofundamento dos avanços sociais dos Últimos anos, especialmente em programas de transferência de renda (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Saúde da Família, FUNDEF etc.), o grande desafio para o futuro próximo passa pela melhoria na qualidade dos serviços públicos. O próximo Governo brasileiro, que assumirá em 2003, deverá buscar a inovação a fim de melhorar a os esquemas de prestação de serviços públicos, reduzindo custos administrativos e oferecendo serviços de qualidade para os cidadãos que demandam tais serviços. As reformas implementadas no Brasil nos anos 90 melhoraram muitos indicadores de qualidade de vida, apesar da manutenção das desigualdades de renda, cuja redução deve estar entre as mais altas prioridades brasileiras para o futuro próximo. MELHORIAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA No Brasil, a gestão pública melhorou em todos os níveis (federal, estadual e local) nos Últimos anos a partir da aplicação dos princípios da responsabilidade fiscal e da austeridade. Ademais, o combate a corrupção e ao clientelismo deve ser intensificado, ao passo que se espera uma
maior transparência e participação da cidadania nos processos orçamentários. PARA A REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE EXTERNA A necessária redução da vulnerabilidade externa do Brasil exigirá que o Estado brasileiro implemente um projeto de desenvolvimento voltado à maior autonomia externa e que inclua um planejamento seletivo, com políticas de substituição de importações e de promoção das exportações. A elevada "desnacionalização" da economia brasileira poderá dificultar a implementação dessa estratégia e exigirá muitas negociações com o capital estrangeiro. Mesmo assim, essa estratégia para a redução da vulnerabilidade externa deve ser tentada e executada com grande determinação.
A CRiSE ARGENTINA E O FUTURO DO MERCOSUL Por sua complexidade, a crise argentina deverá prolongar-se e levar a uma menor ênfase nos esforços de integração regional entre o Brasil e aquele país. Dessa forma, o futuro do Mercosul esta em jogo. Entretanto, é bem possível que esta crise não destrua o núcleo do Mercosul. No futuro, o atual momento deverá ser visto apenas como um recuo, não como a destruição do processo de integração na região. No entanto, a atual crise argentina pode não ser tão prejudicial ao nosso país num certo sentido, já que os investidores estrangeiros parecem haver descoberto ou identificado as diferenças estruturais entre as economias do Brasil e da Argentina. Apesar de alguns problemas de atrasos comerciais e de redução das exportações para a Argentina, nosso país provavelmente estará menos vulnerável a eventuais deteriorações da situação econômica daquele país. Somente a partir da indicação definitiva do candidato governista - o que deve acontecer em fins de fevereiro ou em março - é que as pesquisas eleitorais passarão a refletir as reais preferências do eleitorado brasileiro. Dessa forma, a dianteira do Partido dos Trabalhadores (PT) e o fenômeno de mídia da possível candidata do Partido da Frente
Liberal (PFL) são fatores circunstanciais, que não abrangem todas as opções a disposição do eleitorado. A POSSÍVEL DERROTA DA OPOSIÇÃO E O 'NEW DEAL" A preferência de um terço dos eleitores pelo PT é histórica e deverá provocar a realização de um segundo turno com um candidato da situação. Entretanto, um cenário mais claro deverá aparecer apenas após o mês de junho, tendo em vista que o primeiro turno das eleições presidenciais está marcado para a primeira semana de outubro. Em todo caso, tenho razões para acreditar que o candidato da situação tem grandes chances de vitória caso venha a ser apoiado por amplo espectro de forças políticas e em torno de um compromisso (um "New Deal") com a impiementação de propostas que incluam um modelo de desenvolvimento mais voltado para o social e menos dependente de circunstâncias externas. CONCLUDING REMARKS Encerro estas palavras destacando a tradição pacífica do Brasil e o seu grande exemplo de tolerância étnica e religiosa. Reafirmo ainda a minha convicção de que o Brasil resolvera os seus problemas e chegará a seu "destino manifesto". Finalmente, gostaria de deixar uma mensagem de que, em tempos de fragilidade, necessitamos ter uma forte visão de um futuro compartilhado. Vamos compartilhar de uma visão de futuro com paz e não
guerra, inclusão e não exclusão, respeito e não intolerância. Sejamos aqui no Fórum Econômico Mundial líderes em tempos excepcionais. MUITO OBRIGADO