A VOZ DO RELIGIOSO Izabel Cristina Viola 1 RESUMO Este capítulo tem por objetivo apresentar as pesquisas produzidas na Fonoaudiologia, entre 2005-2007, que versam sobre o uso da voz por religiosos de todos os credos, realizadas em diferentes níveis de produção acadêmica, por meio de levantamento bibliográfico. Após a leitura, integral ou parcial, do material coletado no período pré-determinado, análise do conteúdo e organização dos pontos comuns entre elas, foi possível elaborar um texto que apresenta a temática tratada nos trabalhos e as novas tendências de pesquisa. Os estudos apontam os riscos vocais nessa população, indicam que uma nova tendência de pesquisa é o corelacionamento entre a ideologia do discurso religioso com os recursos vocais e corporais, o que alia a expressividade à analise do discurso. Tais tendências reforçam a necessidade de inserção do fonoaudiólogo na formação dos religiosos e na assessoria no uso da fala e voz profissional, para garantir a manutenção de uma voz saudável e mais expressiva. Palavras-chave: voz profissional, expressividade, voz, religioso 1 Doutora em Lingüística Aplicada a Estudos da Linguagem pela PUC-SP
INTRODUÇÃO Este capítulo tem por objetivo apresentar as pesquisas produzidas na Fonoaudiologia, entre 2005-2007, que versam sobre o uso da voz por religiosos de todos os credos. As pesquisas publicadas na mesma temática, em período anterior ao selecionado para esse trabalho (1), na área da Fonoaudiologia, tinham como objetivos explorar o contexto de fala e de voz, relatar os problemas vocais mais comuns decorrentes do uso da voz e abordar a estilística da fala. Os trabalhos apontaram tanto as orientações recebidas durante sua formação, quanto aos cuidados com a voz como insuficientes para manter a saúde vocal. Os religiosos católicos foram os mais estudados. Com relação ao contexto de uso da fala e da voz, os achados indicaram que o trabalho vocal ocorria em locais e condições variadas, desde ao ar livre até em ambientes fechados; de diversos tamanhos dependendo do número de participantes e variaram com relação ao tipo de atendimento, de individual à grupos numerosos. Houve presença de queixas e sintomas de fadiga vocal, discinesias e tensão corporal na maioria dos avaliados, sendo que tais queixas apareceram relacionadas tanto ao uso da voz falada como da cantada. Contudo, o canto foi considerado a atividade vocal mais estressante. Os religiosos apresentaram boa percepção do desgaste vocal, mas relataram satisfação com a própria voz. 2
MÉTODOS A coleta de dados do levantamento bibliográfico foi realizada em diferentes níveis de produção acadêmica, englobando conclusão de curso, monografias de especialização, dissertações de mestrado e publicações em periódicos ou anais de Congresso. A busca se estendeu por bases de dados on line, consultas em bibliotecas de Instituições de Ensino Superior, revistas científicas e anais de congressos de material direcionado para a população escolhida, religiosos. Após a leitura, integral ou parcial, das pesquisas publicadas no período pré-determinado e análise do conteúdo dos textos, organizou-se os pontos comuns entre elas e elaborou-se um texto contemplando os principais tópicos abordados, a direção dos achados e as novas tendências de estudo. Como o objetivo não é discorrer sobre cada um deles em particular, alguns não são citados no corpo do texto. 3
RESULTADOS Distribuição dos trabalhos por ano de li ã 2007 2005 2006 Gráfico 1 Distribuição dos trabalhos por ano de realização Tabela 1 Distribuição dos trabalhos de acordo com o gênero e com a linha de linha religiosa Número de trabalhos Católica 7 Linha Evangélica 7 Ambas 1 Gênero Masculino 12 Feminino 3 4
Tabela 2 - Distribuição dos trabalhos de acordo com a temática e o ano de realização Tema 2005 2006 2007 Total Discurso 1 1 0 2 Expressividade 1 1 2 4 Saúde vocal 2 1 0 3 Treinamento pré - pós 2 0 o 2 Avaliação 0 3 1 4 Total 6 6 3 15 5
DISCUSSÃO O interesse do fonoaudiólogo pelo religioso ainda é modesto, dado que foram somente quinze (15) os trabalhos encontrados (gráfico 1). É proporcional a quantidade de trabalhos de linha católica (2, 3, 4, 5, 6, 7, 8) e evangélica (9, 10, 11, 12, 13, 14, 15). Entretanto, nos trabalhos atuais percebe-se (tabela 1) maior interesse dos fonoaudiólogos em pesquisarem os religiosos de linhas evangélicas do que o ocorrido em anos anteriores (1). Em relação ao gênero, no período de 2005-7, (tabela 1) três novos trabalhos direcionaram a população para as mulheres, em condição de liderança ou de pastorado nas Igrejas (6, 13, 14). Conforme relata Nascimento et al (13) o gênero interfere nas condições de trabalho e do uso profissional da voz, afirmando que: "Ser mulher pastora tem facilidades e dificuldades. A mulher tem o dom da maternidade e por isso, ela é meiga, mansa, carinhosa e emotiva, o que favorece a aproximação, confiança e receptividade dos fiéis. A mulher também tem maior habilidade para organização e decoração, deixando tudo bonito. Mas é muito complicado conciliar os papéis de pastora, mãe e dona de casa. A sociedade ainda é machista e a pastora, às vezes, sofre preconceito e discriminação. A mulher faz mais uso da voz do que os homens e sente o impacto das emoções e os prejuízos deste uso em intensidade elevada. A temática tratada nos trabalhos (tabela 2) continua sendo na linha de colher dados para a prevenção e promoção de saúde (trabalhos em saúde vocal e avaliação do profissional) (4, 6, 8, 11, 12, 15, 16), na linha de compreensão da expressividade e do discurso (2, 7, 8, 10, 13, 14) e na avaliação das intervenções (3, 5). 6
Os achados vocais colhidos nas pesquisas atuais com a população evangélica são similares aos relatados anteriormente na população de religiosos católicos (1), a saber: a sintomatologia de desgaste vocal, sinais de alterações na qualidade vocal e tensão corporal. Contudo, a demanda vocal dos evangélicos é considerada por Rego (16) maior que a dos católicos, e as atividades faladas em alta intensidade e as cantadas são consideradas as mais desgastantes. Os sintomas vocais negativos são inovadoramente classificados (6), segundo sua presença em constantes e inconsistentes. Sousa et al (11) relatam que 100% dos pastores avaliados apresentaram edema de pregas vocais e 84,7% tiveram uma imagem vídeo-laringoscópica sugestiva de doença do refluxo gastroesofágico. Na correlação, os participantes com fenda glótica fusiforme e fenda glótica antero-posterior apresentaram também edema nas pregas vocais e qualidade vocal rouca de grau discreto. Quando a fenda glótica era tipo posterior, a qualidade vocal apresentava-se neutra. Com relação aos métodos e instrumentos de coleta de dados as inovações são os questionários de auto-avalição (Qualidade de vida relacionado à voz - QVV e auto-análise da voz adaptada) e utilização de material gravado durante o uso profissional (missa, culto e sermão). Os trabalhos que conjugam auto avaliação e avaliação da voz por um (ou mais) profissional fonoaudiólogo mostram que há divergências de opinião entre eles quanto à adequação da qualidade de voz, ou seja, o falante considera sua voz boa e o fonoaudiólogo não. Na análise de dados chama a atenção à proposta de se analisar o discurso pelo instrumento Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) (14). O treinamento vocal com a população católica mostrou resultados favoráveis para alcançar a percepção da modificação da qualidade de voz e de hábitos vocais 7
(2, 4). Sugerem as autoras que os programas de treinamento vocal tenham um tempo de duração estendido, a fim de propiciar a aplicação dos conceitos no cotidiano. Das pesquisas de investigação da expressividade, duas (7, 10) delas demonstram uma nova tendência temática: o co-relacionamento entre a ideologia do discurso religioso com os recursos vocais e corporais. Leite, Viola (7) descrevem as estratégias persuasivas do discurso oral de um líder religioso da Renovação Carismática Católica. Abordam a divisão do discurso, segundo a proposta de Aristóteles, as figuras de linguagem, as digressões e os recursos orais e corporais. As autoras concluem que o orador apresenta características antagônicas ao que habitualmente é apontado na literatura como melhores para o bom orador. Há muita variedade de estratégias orais que afloram no discurso como instrumentos de legitimização de uma lógica, que compatibiliza razões e valores expostos pelo orador, estabelecendo sintonia imediata com os fiéis. Euphrosino (10), ao caracterizar as funções dos pastores evangélicos, estabelece uma distinção com o que chama de pastor-ator. Assim, destaca as atribuições do bom pastor : dirigir a igreja local e cuidar de suas necessidades espirituais (apascentar a igreja, refutar heresias doutrinárias e exercer vigilância contra pretensos opositores), conseguir uma participação contínua dos fiéis nos cultos, nas campanhas de fé e que eles se envolvam em compromissos financeiros com a Igreja, coordenar o drama local, conectá-lo ao universo de valores propostos pela igreja, assim como vincular a mensagem às necessidades de cada participante. Afirma que o pastor é admirado e querido pelo seu auditório, não porque fala corretamente a língua pátria, ou porque usa um discurso que denota sabedoria, mas pelos resultados de sua crença de intimidade com Deus. O pastor-ator comanda um espetáculo no qual a modulação de sua voz, a entonação, o ritmo e a velocidade se 8
tornam uma metalinguagem, criando, assim, novas realidades. A autora (10) analisa os recursos expressivos utilizados pelos pastores nos principais momentos do culto, ou seja: introdução, que significa acolhimento aos fiéis; louvor e adoração, que significam invocar a presença e a intervenção divina e também servem para dignificar e louvar a Deus; a pregação, que é ministrar a palavra bíblica (sermão). Os recursos expressivos vocais e gestuais empregados são predominantemente a modulação ascendente, a loudness forte e velocidade rápida, sendo que as últimas aumentam gradualmente (de aumentada para mais aumentada, de rápida para mais rápida). O uso de voz, gestos e dramaticidade provocam emoções, atitudes, mudanças e reações na platéia. Atribui o uso de intensidade elevada da voz, sem coordenação pneumofônica, gerando o esforço vocal e o mau uso da voz como meio de persuasão, com o objetivo de pregar, libertar ou realizar curas físicas das pessoas, para enfatizar as verdades" que são ministradas durante os cultos e para converterem as pessoas à fé. A igreja se torna o espaço de recarregar a bateria da vida com otimismo, esperança e certeza de que é possível uma vida melhor naquele momento (...) A expressividade dos discursos dos pastores dirige a reflexão e deixa clara a ideologia veiculada pelo gesto, voz e emoções que levam os fiéis a se convencerem das orientações dadas pelo pastor. (Euphrosino (10: 48) ) 9
CONCLUSÃO Os estudos apontam por um lado, os riscos vocais nesta população e, por outro lado, indicam que a nova tendência de pesquisa na fala expressiva é aliar os recursos vocais e corporais ao discurso. Tais tendências reforçam a necessidade de inserção do fonoaudiólogo na formação dos religiosos e na assessoria no uso da fala e voz profissional, para garantir a manutenção de uma voz saudável e mais expressiva. 10
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